Consciência
Ambiental e Desenvolvimento Sustentável Simon Schwartzman
Palestra preparada para abertura do Curso de Educação
Ambiental, Semana do Meio Ambiente, 7 de junho de 1999
Na sua forma mais simples, a educação ambiental tem por objetivo mostrar
aos alunos, e sobretudo às crianças, a importância do ambiente em que vivemos,
que deve ser preservado como um tesouro que temos a responsabilidade de
guardar, e que não devemos destruir nem desperdiçar. Cuidar do meio ambiente
pode ser entendido como mais um dos princípios morais e éticos que também
são objeto de preocupação dos educadores - as crianças devem aprender a
ser responsáveis, cumprir suas obrigações, respeitar os mais velhos, tratar
bem a seus semelhantes, não se comportar de modo agressivo.
Como dar formação ética e moral na escola, em relação ao meio ambiente como
em relação a outros valores? A pior forma é fazer da formação moral objeto
de um discurso retórico desvinculado da vida dos estudantes, assim como
da própria realidade dos professores. Este tipo de retórica, no melhor dos
casos, não consegue interessar e motivar os estudantes, e, em situações
mais extremas, acaba por indispô-los contra as idéias apresentadas nas aulas,
que são vistas como abstratas, desligadas da realidade da experiência diária
das pessoas, quando não, diretamente, hipócritas. A melhor forma de educação
moral é aquela que é dada pela prática quotidiana dos professores e dirigentes
escolares. Os estudantes tendem a tomar seus pais e professores como modelos
de vida, a serem copiados e emulados, e adotarão as formas de comportamento
e os princípios morais de seus modelos. Uma família e uma escola que adotem,
no dia a dia, práticas de cuidado com o meio ambiente, transmitirão naturalmente
esta prática a seus filhos e alunos, mesmo que ela não seja objeto de aulas
e preleções formais.
Isto não significa, no entanto, que os professores não devam refletir e
entender os princípios éticos que praticam, e trabalhá-los com seus estudantes,
para que eles entendam o que estão fazendo, e tenham condições, sobretudo,
de identificar os difíceis dilemas e opções que são inevitáveis quando buscamos
nos comportar, na prática, de acordo com princípios éticos e morais que
possuímos. É fácil compreender que o verdadeiro comportamento ético não
reside na repetição de enunciados gerais e abstratos - ame o próximo, não
seja violento, respeite os mais velhos, proteja a natureza - e sim na capacidade
de enfrentar os dilemas diários que se colocam no relacionamento entre pessoas
e destas com o mundo em que vivem, em condições de recursos precários, necessidades
prementes e pouca informação. Ser contra a violência pode assumir diferentes
formas, desde o pacifismo extremo da resistência passiva e de oferecer a
outra face aos que nos ofendem ao apoio a políticas públicas de repressão
intensa e exemplar a todas as formas de violência ilegítima. A ética ambiental
também pode adquirir aspectos muito distintos, desde a defesa intransigente
de todas as formas e manifestação da natureza - cada árvore, cada inseto,
cada pedaço de solo - até a busca de formas de intervenção muitas vezes
drásticas no ambiente natural, para torná-lo mais adequado ao uso humano
e a sua preservação através do tempo.
Os especialistas que têm se dedicado ao estudo dos temas ambientais distinguem
diferentes correntes, orientações e ideologias ambientalistas, que muitas
vezes se confundem. Uma maneira de entender estas diferentes correntes ou
ideologias é pensar em uma linha ou contínuo que vai de um extremo que poderíamos
chamar de "geocêntrico" a um outro que pode ser chamado de "antropocêntrico".(1)
A corrente geocêntrica parte da idéia de que o homem deve se adaptar e integrar
à natureza, e não a natureza ao homem. Nesta perspectiva, os sistemas ecológicos,
formados por florestas, rios, mares e campos, assim como as espécies vegetais
e animais, são frágeis e insubstituíveis, e estão ameaçados pelo crescimento
da indústria, da tecnologia e da ocupação dos espaços pelos homens. Os interesses
das pessoas devem se subordinar à necessidade de preservação das espécies
e dos ambientes naturais. Para isto, a sociedade deveria ser organizada
para atender no máximo às necessidades das pessoas, e não a seus desejos.
As tecnologias usadas na agricultura e na indústria deveriam ser as mais
simples, fazendo uso intensivo de mão de obra, e poupando ao máximo o uso
de recursos naturais, como a água e os minerais. O ambientalismo geocêntrico
é uma forma extrema de ambientalismo, na medida em que exige, para se realizar,
de uma profunda transformação na maneira pela qual as sociedades estão organizadas.
A visão oposta, também extrema, é a visão antropocêntrica, para a qual a
natureza existe para servir ao homem, e não haveriam limites éticos ao uso
de recursos naturais e à intervenção e transformação dos ambientes naturais
para servir aos interesses humanos. Esta noção faz parte do pensamento moderno
que surgiu com a revolução industrial no século XVIII, que supõe que os
recursos da natureza seriam infinitos, e que a capacidade humana de encontrar
soluções para seus problemas, necessidades e ambições, através da ciência,
da tecnologia e pela organização de grandes sistemas administrativos e produtivos,
seriam também ilimitados. O antropocentrismo é também uma visão extrema,
na medida em que não coloca limites à ação de indivíduos ou firmas, vê com
ceticismo todas as tentativas de proteger e regular o uso dos ambientes
e dos recursos naturais, sem atentar para os evidentes problemas que a expansão
descontrolada do uso dos recursos naturais vem criando. Na sua forma extrema,
a visão antropocêntrica se opõe às tentativas de governos e organizações
internacionais de limitar a ação de indivíduos e firmas como contrárias
ao progresso, e acredita na capacidade dos mercados de irem corrigindo,
por si mesmos, os desajustes gerados pela espoliação dos ambientes e dos
recursos naturais.
É entre estes dois extremos que surge o que se denomina, hoje, de "desenvolvimento
sustentável". Este termo foi consagrado, e passou a ser adotado por
instituições internacionais, governos e organizações comunitárias em todo
o mundo, a partir do já famoso relatório de 1987 da Comissão Mundial sobre
o Meio Ambiente e o Desenvolvimento denominado "Our Common Future",
Nosso Futuro Comum, que ficou conhecido como o "Relatório Brundtland",
o nome de sua presidente. A perspectiva do desenvolvimento sustentável é
uma perspectiva claramente antropocêntrica, no sentido de que seus documentos
expressam a preocupação com o futuro das pessoas, e não com a natureza enquanto
tal. No entanto, ao contrário das formas extremas do modernismo, o desenvolvimento
sustentável supõe que a natureza tem limites, que o progresso humano não
pode continuar de forma ilimitada e incontrolável, e que deve haver uma
responsabilidade coletiva pelo uso dos recursos naturais. O valor fundamental
expresso pelo Relatório Brundtland não é o primado da natureza, nem o primado
da liberdade individual, mas a responsabilidade inter-generacional: a idéia
de que é necessário atender às necessidades do presente sem comprometer
a habilidade das gerações futuras de atender a suas próprias necessidades.
Tanto quanto as demais perspectivas, o desenvolvimento sustentável é uma
ideologia, um valor, uma ética. Sua vantagem sobre as outras perspectivas
é que busca incorporar os conhecimentos que vêm se acumulando nos últimos
anos sobre os problemas ambientais trazidos pelo progresso descontrolado,
e busca encontrar um espaço para o atendimento das necessidades humanas
que seja compatível com o equacionamento destes problemas. Este espaço deve
ser conquistado tomando em consideração dois elementos essenciais: as necessidades
das pessoas, que incluem o direito a uma vida digna, mas não os abusos do
consumismo descontrolado; e a idéia de limites ao que é possível
fazer com os recursos naturais e ambientais disponíveis. Estas noções definem
uma atitude, uma preocupação, que não trazem em si a solução dos problemas.
Quais são as necessidades a ser atendidas, como limitar o consumo excessivo
sem paralizar a economia e criar desemprego, quais os verdadeiros limites
no uso dos recursos naturais, qual a capacidade da natureza de se regenerar,
qual a capacidade das pessoas e das sociedades de se adaptar a novas condições
ambientais e ao uso de novos produtos, tudo isto é matéria de pesquisa,
discussão e experimentos.
Existem pelo menos duas versões do desenvolvimento sustentável. Uma é mais
pragmática e menos radical, que procura não se antecipar aos problemas,
e tratar de resolvê-los um a um, na crença, típica do modernismo, na grande
capacidade das pessoas e sociedades em encontrar soluções para os problemas
que vão surgindo; enquanto a outra é mais radical, teme mais pelas consequência
catastróficas do desenvolvimento controlado, desconfia dos poderes da iniciativa
individual e da tecnologia para resolver os problemas que já surgem no horizonte,
e propõe ações preventivas muito mais fortes e decisivas.
As diferentes perspectivas sobre a questão ambiental e o desenvolvimento
sustentável estão permeadas por uma outra questão, que é a do papel dos
governos e das organizações da sociedade para levar à frente políticas ambientalmente
corretas e adequadas. Existem os que defendem a necessidade de grandes sistemas
de poder e estruturas complexas de planejamento dentro dos países como internacionalmente;
outros acreditam muito mais na força das organizações comunitárias e do
poder local; outros, finalmente, colocam suas esperanças na criatividade
e eficiência da iniciativa privada. A relação entre estas perspectivas políticas
e os valores ambientais não são óbvias, e afetam questões como a natureza
do regime democrático e o funcionamento de sistemas federativos como o brasileiro:
em nome de uma perspectiva geocêntrica, há quem defenda o fortalecimento
do poder dos governos centrais e a criação de sistemas internacionais com
grande capacidade de controle e intervenção, enquanto que outros defendem
a descentralização política e a ação comunitária.
Todas estas perspectivas são, em maior ou menor grau, combinações de conhecimentos,
avaliações e valores que as pessoas possuem a respeito da natureza, da vida
humana e da sociedade. Quanto mais conheçamos a respeito do que vem ocorrendo
na natureza e na sociedade, mais teremos condições de levar à frente e fortalecer
nossos valores. Existe hoje um grande esforço de conhecer melhor o sentido
ambiental da atividade humana, inclusive por parte de agências governamentais
internacionais e nacionais, como o IBGE, que precisa ser aperfeiçoado e
ampliado.(2) O nosso papel, na educação ambiental,
não deve e nem pode se limitar à difusão retórica de nossos valores. Além
de dar o exemplo, temos que mostrar aos estudantes as diferentes alternativas
e visões sobre o tema ambiental, e sobretudo transmitir conhecimentos que
possam aumentar sua capacidade de entendender e avaliar os possíveis sentidos
e alcances das diferentes opções.
Nota:
1. Esta análise é feita na introdução ao livro The
Politics of Sustainable Development, Theory, policy and practice in the
European Union (Londres e New York, Routledge, 1997), editado or Suzan
Baker, Maria Kousis, Dick Richardson e Stepeh Young.
2. Veja a respeito Ismail Serageldin, Sustainability and
the Wealth of Nations: First Steps in an Ongoing Journey. World Bank, Environmentally
Sustainable Development Studies and Monographs Series Nº 5 7/01/96
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