Notas sobre os sistemas de ensino superior da América Latina

Simon Schwartzman

(notas prévias preparadas para o projeto de Estudos Comparados sobre Política de Educação Superior para a América Latina - 1993-4)

Introdução

Os sistemas de ensino superior : características gerais
Um pouco da história recente

A Diferenciação dos Sistemas

Tipologia: unitários ou plural (universitário, não-universitário, pós-secundário)

Funções desempenhadas pelos sistemas: ensino, pesquisa, extensão e formação de professores
Problemas e alternativas de financiamento

A pós-graduação e pesquisa científica

Características do corpo docente

A fragilidade e descontinuidade das políticas, planejamento e coordenação do sistema

Conclusões: radiografia do sistema hoje

Referências bibliográficas


Introdução

Quaisquer tentativas de comparação da história recente e situação atual dos sistemas nacionais de ensino superior (SES) na América Latina se deparam com um grau de diversidade desconcertante. [1] As políticas públicas têm variado enormemente não apenas de um país para outro, mas também ao longo das últimas décadas dentro de cada país. Mesmo as poucas uniformidades encontradas (como a expansão das matrículas, a diferenciação dos sistemas pelo crescimento da rede privada e do número de estabelecimentos não-universitários) apresentam timing e alcance muito diferentes de país para país. Do mesmo modo, se houve, em toda a região, variações no vulto dos investimentos e fases de declínio dos recursos, eles não coincidem no tempo, nem na severidade dos cortes e de suas conseqüências.

Esses descompassos expressam escolhas e decisões tomadas sob o peso das circunstâncias político-institucionais de cada país, mas ainda partem de um repertório relativamente comum de possibilidades. Há entre esses sistemas algumas tradições compartilhadas, assim como problemas estruturais e conjunturais semelhantes, que delimitam as alternativas dentro das quais os governos e demais atores operam. Entre as tradições estão a do financiamento público automático; a do predomínio do ensino profissional sobre o ensino mais acadêmico e as atividades de pesquisa científica; a da orientação credencialista, a da militância política e a do centralismo burocrático-administrativo do sistema universitário público. Entre os problemas estruturais e conjunturais estão os períodos de autoritarismo político, a crise fiscal e do financiamento público, a profissionalização e sindicalização dos docentes.

A combinação diversa dos mesmos elementos e mecanismos de transformação cria sistemas diferentes, como "variações sobre os mesmos temas" e esta característica, na verdade, enriquece o campo de reflexão. Se essa matriz comum não tem gerado políticas congruentes, ela tem entretanto produzido um mesmo elenco de temas, que organizam os debates, as demandas e os conflitos, expressando alterações na visão geral acerca da natureza e das funções do ensino superior. No debate atual, o papel do Estado e o da iniciativa privada, a queda da qualidade da formação superior remetendo aos temas da autonomia das instituições e da avaliação, e, a fragilidade da pesquisa e da pós-graduação são algumas das questões mais amplas. Deve-se notar também que em todos os casos os sistemas de ensino superior vivem uma situação de crise, embora de significados diferentes. No Chile e, muito recentemente, no México, a crise já se associa às indeterminações de reformas e mudanças importantes. Nos demais países, a crise ainda remete à massificação, à perda de qualidade e de legitimidade dos SES.

J. J. Brunner define o cenário do ensino superior latino-americano nos anos 90 como subordinado a quatro grandes problemas comuns:

(1) o da administração de sistemas muito extensos e diferenciados e com problemas sérios de qualidade; o que requer entre outras coisas,

(2) o desenvolvimento da pós-graduação e pesquisa como um dos meios de qualificar os quadros docentes e elevar a qualidade da formação oferecida, mas também, como requisito para melhorar a sintonia e contribuição dos Sistemas de ensino superior ao enfrentamento do desafio da abertura econômica e elevação da competitividade desses países;

(3) o de encontrar soluções para o financiamento, cujo modelo automático de repasse direto de recursos públicos já se esgotou, por pelo menos três importantes razões: (a) pela insuficiência de recursos face as atuais dimensões dos SES; (b) pela inadequação deste sistema ao novo quadro de desenvolvimento econômico pautado pelo ajuste fiscal e equilíbrio das contas governamentais e; (c) pela ineficiência com que os recursos obtidos por este sistema têm sido historicamente aplicados e;

(4) a crise das relações tradicionais entre o Estado e os vários setores que compõem o sistema de ensino superior. [2] Este problema envolve o re-equacionamento da autonomia das instituições em vários sentidos: (a) no de livrá-las do clientelismo e outros usos políticos (e partidários) [3] ; (b) no de liberá-las de regulamentos burocráticos que restringem sua capacidade de gerenciamento financeiro (por limitações sobre o uso dos recursos públicos e sobre as possibilidades de captação de receitas por cooperação e venda de serviços) e de recursos humanos (por regulações sobre o funcionalismo público) e; (c) no de permitir a sua diferenciação da sociedade civil (processos de democratização levaram à confusão e indissociação entre universidade e sociedade civil, gerando corporativismo no processo de definição do governo universitário.) Em contrapartida à maior autonomia, a universidade deve ser responsabilizada pelos resultados e performance que apresente, passando o Estado a um papel de avaliador e indutor da melhoria da qualidade geral do sistema.

É importante registrar que, desde que Brunner formulou esta agenda, tem ocorrido algumas iniciativas no Chile, México e Argentina bastante congruentes com ela. Nestes países há políticas em andamento que pretendem re-equacionar o papel do Estado, em particular, pela introdução de modalidades de financiamento que induzam à melhoria da qualidade e/ou à adesão a sistemas de avaliação. Os Sistemas de ensino superior e os contextos político-institucionais destes três países possuem características próprias, de modo que os mecanismos de implementação, as orientações específicas e o alcance destes esforços são diferentes, como se detalhará abaixo. Além disso, não é possível ainda avaliar os resultados destas políticas.

De todo modo, a agenda de Brunner oferece um excelente eixo para a organização deste estudo comparativo sobre a situação atual e as tendências dos Sistemas de ensino superior de cinco países da região - Argentina, Brasil, Chile, Colômbia e México. Isso porque a agenda de Brunner cobre suas principais dimensões: a atual composição dos SES, as funções que desempenha e, em particular, suas capacidades de produzir C&T, a dimensão do financiamento e a das políticas públicas e de definição de papéis entre o Estado e demais atores envolvidos.

A análise começa por traçar as características mais gerais dos sistemas e termina com a discussão sobre os desafios que enfrentam hoje. Incluem-se na primeira seção a composição dos sistemas nacionais de ensino superior, seus graus de diferenciação interna, funções que desempenham nas áreas de ensino e extensão, pesquisa e formação de professores, e a cobertura que oferecem para a população na faixa etária de formação superior.

Segue-se, então uma análise dos sistemas de financiamento, a composição das fontes de recursos públicas e privadas, nacionais e estrangeiras ou internacionais; os mecanismos e critérios de alocação de recursos (incluindo-se o desenvolvimento ou uso vinculado de indicadores de desempenho e a oferta de crédito educativo ou de outras formas de oferecer à população algum poder de escolha dos estabelecimentos de formação pós-secundária) e, por fim, uma discussão das mudanças recentes no financiamento do ensino superior em alguns países e o debate e tendências colocadas pela crise do financiamento público.

A seção 3 trata da pós-graduação e pesquisa, e da participação, ou não, desses sistemas na produção de ciência e tecnologia e no esforço de capacitação tecnológica das respectivas economias. A seção 4 analisa os quadros docentes, desde os sistemas de formação e recrutamento desses profissionais até de estruturação das carreiras e o papel que vêm desempenham na formação de políticas. Discute-se, por fim, o tema da crise das relações entre o Estado e a comunidade de ensino superior com a emergência de novos atores e revisão do papel do Estado na gestão, controle e manutenção dos Sistemas de ensino superior.

Os Sistemas de ensino superior: características gerais

Um pouco da história recente

Os Sistemas de ensino superior da região ainda refletem tradições que remontam aos conflitos e composições entre a Igreja e o Estado, e processos históricos mais recentes, como as mudanças de regime político (as ditaduras militares tiveram forte impacto na Argentina, Brasil e Chile), e as ondas de expansão das matriculas que provocaram mudanças de alcance variado em termos de desconcentração geográfica e de diferenciação institucional. Em alguns casos, a expansão foi sujeita a diferentes graus de planejamento e coordenação (Brasil, Chile) e, em outros, à complacência e evolução espontânea (México, Argentina), que resultaram no inchamento das instituições pré-existentes.

O legado da história de relações entre Igreja e Estado sobrevive em três formas: países onde laicização foi forte (México e Brasil), onde as fronteiras são fluidas (Chile e Argentina hoje) e onde a convivência ainda oscila entre períodos pacíficos e conflitivos (Colômbia).

Fatores históricos também consolidaram tipos de segmentação das políticas de ensino superior. Dos cinco países em estudo, apenas o Chile e o México vêm passando por uma experiência de política global, que integra todos os segmentos universitário e não universitário, público e privado. Em geral, as políticas e legislações se diferenciam e distinguem o sistema universitário do não universitário e o público do privado. Na Argentina, o segmento não-universitário público ou privado tem tratamento equivalente ao que é dado aos outros níveis de ensino. [4] Nos casos do Chile e Brasil, há financiamento público para algumas universidades privadas (católicas), mas não para os estabelecimentos privados não-universitários [5]. Em todos os países, as universidades tradicionais (públicas em sua maioria) desfrutam de autonomia curricular que não é concedida ao segmento não-universitário e privado.

Os Sistemas de ensino superior da Argentina e Chile foram os primeiros a passar por reformas e foram também os mais atingidos e mesmo, esvaziados pelos regimes militares dos anos 70, chegando ambos a encolherem em número de matrículas. Além da repressão direta sobre a comunidade universitária, os militares impuseram cortes severos em seus orçamentos e introduziram o pagamento de matrícula na rede pública, ao mesmo tempo em que ampliavam o apoio financeiro seja a instituições menores, públicas e privadas, mais complacentes com o regime; seja à criação de novos estabelecimentos privados (caso da Argentina). Foi só na década de 80 que os Sistemas de ensino superior desses países retomaram a expansão. Na Argentina, isto foi uma decorrência da reintrodução do acesso irrestrito pelo primeiro governo democrático, mas, no Chile, a retomada foi promovida ainda pelo regime militar através da maior e mais profunda reforma que o conjunto dos países estudados conheceu.

A primeira onda de expansão das matrículas ocorre ainda nos anos 40 e 50 na Argentina (com a introdução do acesso irrestrito à rede pública de educação superior) e a primeira reforma ocorre em 1958 também neste país, já com objetivos de instituir pesquisa no sistema universitário (com a criação do CONYCET) e permitir uma leve diferenciação institucional com o credenciamento de instituições privadas para emitir certificados. O resultado, entretanto, foi mais o inchamento das universidades nacionais (UBA) do que a expansão por diferenciação institucional. Apesar do crescimento numérico das instituições privadas, a rede pública ainda responde por 85% da matrículas e o sistema de ensino superior ainda está fortemente concentrado na região metropolitana da Capital e em dois ou três centros urbanos (Rosário, Córdoba). No plano das funções do sistema, a criação do CONECYT introduziu uma nova arena de disputa política que ora beneficiou a pesquisa universitária, ora prejudicou-a em favor do apoio à instituições privadas. Atualmente, a Argentina está re-elaborando a legislação sobre o ensino superior e formulando mecanismos de avaliação de qualidade.

No Chile, uma primeira fase de reforma e expansão ocorreu entre 1967 e 1973, também concentrada no interior do sistema institucional pré-existente, causando enorme crescimento das universidades tradicionais e a criação de novas instituições públicas. Impulsionou-se neste período a pesquisa científica e a pós-graduação no exterior. O processo foi interrompido pelo golpe militar e o sistema de ensino superior passou por um período de contração das matrículas que chegou à uma queda de 25%.

A expansão é retomada nos anos 80, com a reforma é elaborada pela tecnocracia da área de planejamento (refletindo tensões entre corrente neo-liberal da tecnocracia e a dirigista dos militares) e implementada pelo regime militar, a partir de dezembro de 1980. Neste caso, como no caso do Brasil no período de 1966-76, havia condições extremamente favoráveis a reformas de amplo escopo: recursos de poder ilimitados e recursos financeiros, estabilidade político-institucional e econômica. Em ambos os casos, a política foi encaminhada pela área de planejamento, setores mais modernos e progressistas da tecnocracia governamental, e tinha em vista projetos globais de desenvolvimento econômico de seus países. Em ambos os casos houve também uma preocupação com a qualidade, mas o seu encaminhamento foi muito mais efetivo no caso chileno do que no brasileiro (onde se limitou à valorização da excelência científica da pós-graduação e pesquisa, insulando a qualidade no interior da rede pública neste nível de formação.

A reforma chilena articulou qualidade à competição por recursos públicos para o sistema como um todo: introduziu mecanismos de mercado no sistema, desconcentrou geograficamente a rede pública e privada e instituiu a diferenciação tanto vertical como horizontal das funções e instituições. Criou três níveis de formação pós-secundária, e três segmentos institucionais para oferecê-las. Manteve sistema universitário público e privado tradicional; expandiu e diferenciou a rede pública com novas universidades provinciais e institutos profissionais; apoiou crescimento estabelecimentos privados em todos os níveis(?). Reformou o sistema de financiamento público, reduzindo em muito a participação do Estado e vinculando-a a indicadores de qualidade (ver seção 5). Melhorou a governabilidade das grandes universidades nacionais, desmembrando-as de duas para oito universidades e institutos profissionais. Preservou contudo suas posições de prestígio: foram definidas como as únicas instituições credenciadas para pós-graduação e pesquisa.

A reforma chega no Brasil com o regime militar que, em 1966 inaugura a política de pós-graduação com ênfase acadêmica (mestrados e doutorados científicos ou stricto sensu). A política de Pós-Graduação se consolida com a Reforma Universitária de 1968, que adota (e adapta) o formato institucional da research university: (a) a organização das universidades em institutos científicos e escolas profissionais, todos com estrutura departamental e a possibilidade de criar seus programas de pós-graduação; (b) o regime de ensino por sistema de créditos e de professores com dedicação em tempo integral e (c) o requisito de titulação acadêmica para a promoção na carreira. Nos anos 70, cria-se um programa de capacitação docente (PICD) que complementa o sistema de bolsas já existente e financia a formação pós-graduada de grande número de docentes da rede pública no país e no exterior. Amplia-se a rede universitária pública para todos os estados e adota-se uma política liberal de autorização da criação de estabelecimentos privados de ensino superior. A rede privada cresce rapidamente e, no final da década, já arca com a maior parte da expansão das matrículas. Apenas a rede pública (e as universidades católicas) se enquadram ao modelo de research university e contam com o apoio do sistema de fomento à Ciência e Tecnologia, que é instituído simultaneamente à Reforma, sob a gerência da área de planejamento do governo federal. Este sistema opera com grande abundância de recursos para financiar projetos e montagem de infra-estrutura de pesquisa. O Sistemas de ensino superior se diferencia em suas funções e composição, mas gera novas desigualdades: de qualidade entre a rede pública e privada e de prestígio e recursos entre a pesquisa e pós-graduação, de um lado, e a atividade de ensino, principalmente, de graduação, de outro.

No México (como na Argentina), o Sistemas de ensino superior era basicamente público, de acesso irrestrito e gratuito, laico, autônomo e politizado. A universidade funcionou por décadas como um dos espaço de maior liberdade política do sistema uni-partidário mexicano, servindo de canal de expressão da esquerda, principalmente através dos movimentos estudantis. O Estado, de sua parte, buscou controlar o risco de instabilidade política que as universidades públicas representavam com a expansão contínua dos recursos até 1982, sem vincular o financiamento a planejamento e coordenação de qualquer ordem: responsabilizava os dirigentes universitários pelo controle interno de suas instituições. Permitiu, deste modo, a expansão espontânea das matrículas dentro das grandes universidades, o que redundou no agigantamento e posterior ingovernabilidade destas instituições quando os recursos cessaram de crescer por volta de meados dos anos 80.

De outro lado, o Estado promoveu a desconcentração regional e diferenciação institucional da rede pública, assumindo o financiamento de universidades estaduais já existentes e criando Institutos Tecnológicos públicos na maioria dos estados. Ao contrário das universidades mais tradicionais, os novos Institutos jamais gozaram de autonomia do governo central, embora oferecessem cursos de quatro anos (em engenharia e administração) e titulação (licenciaturas) equivalente às conferidas pelas universidades.

A rede privada só inicia expansão nos anos 80, depois que os problemas de queda da qualidade da rede pública geram um mercado de elite para alternativas pagas. [6] No final dos anos 80 setor público já se encontrava reduzido a uma posição secundária em termos de prestígio de um modo geral e de aceitação pelo mercado de trabalho mais qualificado. Algumas novas universidades privadas detinham a liderança em termos de qualidade, atualidade das carreiras e prestígio social. O setor público havia se reduzido a uma arena de conflitos entre a tecnoburocracia universitária e lideranças sindicais das gerações mais novas de professores, contratadas sob a pressão do crescimento do alunado e que chegaram a perder 40% do valor real de seus salários nos anos 80 (Kent, 94).

A partir do governo Salinas (1989), uma série de políticas vem sendo dirigidas para melhoria da qualidade e relevância do Sistemas de ensino superior para a economia e sociedade mexicanas. A maior parte das medidas dirige-se para a recuperação das instituições públicas e, em seu conjunto elas incluem:

(1) a valorização da diferenciação do sistema, inclusive com a criação de Universidades Tecnológicas estreitamente ligadas a comunidades empresariais locais, oferecendo cursos de curta duração (dois anos) inspirados nos Institutos Tecnológicos franceses e nos Community Colleges norte-americanos;

(2) o estabelecimento de uma Comissão Nacional de Avaliação para orientar processos simultâneos de auto-avaliação institucional, de avaliações externas de currículos e avaliação individual de professores (por alunos e pares) e pesquisadores (pelo CNPq com base em indicadores de produtividade, e em comitês de pares ad hoc para avaliação de projetos de pesquisa). Algumas destas modalidades de avaliação são apoiadas pela oferta de recursos institucionais para programas inovadores e individuais de reconhecimento ao mérito.

(3) recuperação dos níveis reais de financiamento do início dos anos 80 e substituição parcial do sistema de repasse automático baseado no número de alunos, por formulas indutivas que apóiam projetos inovadores, pesquisas cooperativas com a indústria, e produtividade individual de pesquisadores e professores;

(4) pressões para que as instituições públicas diversifiquem suas fontes de recursos, tanto pela elevação das taxas de matrícula até então simbólicas cobradas aos estudantes, quanto pela venda de serviços e contratação de pesquisa cooperativa com a indústria;

(5) introdução de exames de seleção para o ingresso na universidade e de exames de certificação dos formados, começando pelas profissões de saúde, engenharia e direito.

Embora não esteja clara a eficácia das novas políticas, especialmente, no interior das universidades públicas mais tradicionais (e autônomas), parece fora de dúvida que as novas medidas já começam a alterar a correlação de forças no interior da universidade pública em favor dos reitores e administradores e em detrimento dos sindicatos docentes e movimento estudantil. [7] Estas mudanças são significativas porque apontam para mudança de mentalidades e papéis: reitores assumem a imagem de agentes modernizadores, estudantes preocupam-se mais com seus cursos e carreiras profissionais, e docentes encontram oportunidades de terem o mérito individual reconhecido. A fragilidade da política está na ancoragem do financiamento à avaliação institucional: esta última não está envolvendo a comunidade acadêmica das universidades e seu resultados não são levados a público. Tendem a se reduzir a um jogo burocrático entre administradores universitários e os do governo federal, sem impacto claro sobre os critérios de financiamento. [8]

Na Colômbia, a dualidade do sistema devido a co-existência historicamente conflitiva de um setor universitário privado de alto prestígio (Partido Conservador, interesses católicos) com um setor público (Partido Liberal, laico) se alterou com o processo de expansão do SES, que se acelera na década de 70. A expansão do sistema público se articula ao jogo de poder nas províncias: reitores são nomeados por governadores e prefeitos; os conselhos universitários também representam as forças políticas locais e uma parte pequena mas significativa do orçamento das instituições públicas provem de doações feitas pelo Congresso, por parlamentares às suas bases.

A expansão do sistema público se acelera nos anos 70 de forma espontânea, com alta desconcentração regional: cada província e mesmo municipalidade quer criar sua universidade pública, é parte das instituições políticas básicas. A reforma só ocorre em 1980, com o fortalecimento do IFCES e ordenação do sistema em três segmentos principais. (Rever expansão em no de instituições).

A Colômbia tem um sistema formalmente diferenciado (três tipos de formação pós-secundária, cada qual com um perfil de pesquisa, um sistema que ainda inclui pós-graduação profissional e acadêmica). Na prática se assemelha aos demais: a definição de universidade é frouxa e corresponde a estabelecimentos de médio porte e pequena abrangência das áreas do conhecimento; a pós-graduação e pesquisa são incipientes; a participação dos dois níveis inferiores de formação pós-secundária é irrisória; assim como a procura pela educação à distância. Como no México até recentemente, as mudanças avançam no papel mas não muito além disso.

A diferenciação dos sistemas

Os dados mais recentes destes cinco sistemas revelam que todos os Sistemas de ensino superior experimentaram um processo de diferenciação, que, entretanto, apresenta variações em quase todas as dimensões do ensino superior.

Quadro 1 - Matrículas no ensino pós-secundário por países, sexo e taxas brutas de escolarização superior (TBES), 1985
  matrícula % mulheres TBES
Argentina 846.141 53 36.4
Brasil 1.479.397 48 11.3
Chile 197.437 43 15.9
Colômbia 391.490 49 13.0
México 1.207.779 36 15.7

Fonte: Brunner, 1993


Os sistemas mais elitistas são o brasileiro e o colombiano. Além de apresentarem menor cobertura da população na faixa etária, Brasil e Colômbia também adotam exames para o ingresso no terceiro grau. A cobertura dos Sistemas de ensino superior chileno, argentino e mexicano já ultrapassaram a barreira do elitismo: alcançam mais de 15% da população na faixa etária, e isto reflete a cobertura de seus sistemas de ensino secundário e, no caso do Chile, a relativa qualidade de seu sistema de educação secundária, porque é o único desses três países onde o ingresso ao terceiro. grau é seletivo. México e Argentina oferecem acesso irrestrito e gratuito. Estudos sobre o Chile, entretanto, têm sido unânimes em destacar o agravamento da iniqüidade do acesso a partir da reforma de 1981, que eliminou a gratuidade do setor público e restringiu o crédito educativo à rede pública de ensino superior.

Entretanto, a iniqüidade é mais grave quando ocorre em níveis mais básicos da educação. Este é o caso do Brasil e Colômbia e, em menor medida, o do México. Nos três casos, a primeira forma de exclusão ocorre com a repetência e posterior evasão nas primeiras séries do ensino primário [9]. iniqüidade também ocorre quando a qualidade da formação e das credenciais oferecidas pelo ensino superior são questionáveis ou pouco reconhecidas pelo mercado profissional. Esta chegou a ser uma tendência na Argentina, onde parte significativa da expansão das matrículas no ensino superior se deu através do inchamento das universidades públicas, sem que se tivesse implementado reformas que garantissem a qualidade da formação oferecida. No México o problema tem peculiaridades próprias: cerca de 50% dos alunos jamais completam os quatro anos de curso e apenas 20% cumprem todos os requisitos para obterem a licenciatura. O mercado de trabalho tem conferido um diferencial aos que passam pela universidade e 80% dos alunos se contentam com isso e jamais completam todos os requisitos. [10]

Alguns países têm enfrentado estes problemas recentemente. No Chile, a expansão da rede secundária tem sido prioridade governamental e vem sido buscada, inclusive, às custas da redução real dos gastos governamentais com o ensino superior. No México e Argentina tem havido esforços de tratamento específico da qualidade do ensino pela via da avaliação e da introdução de modalidades de financiamento indutivo.

No plano formal legal, as definições de "universidade" variam entre os países e o cômputo da Tabela abaixo reflete os dados oficiais, embutindo coisas diferentes. Na Colômbia e Argentina, a legislação requer apenas a oferta de três carreiras diferentes de quatro anos de duração, enquanto que no Brasil exige-se cobertura das áreas do conhecimento (cursos ou carreiras em exatas, biomédicas, humanas e sociais). Em função disso, surgiu no Brasil uma categoria intermediária entre escola isolada e universidade, chamada "Federação de Escolas" ou "Faculdades Integradas" que na Colômbia e Argentina qualificariam como universidades e que no Brasil estão ainda em processo de qualificação como tal. Entretanto, as autoridades brasileiras têm reconhecido como universidades arranjos institucionais entre escolas isoladas que, com isso, conseguem a cobertura curricular mínima para constituir uma universidade. A oferta de cursos de enfermagem ou de educação física têm sido eventualmente considerados suficientes como cobertura da área biomédica, por exemplo.

Na prática, as diferenças são menores porque houve em todos os países o interesse em promover o crescimento da rede privada como meio de aliviar o custo que a expansão das matrículas significaria para o orçamento público. Na prática, o reconhecimento de novas universidades privadas nem sempre se pautou por critérios rigorosos de qualidade ou de formato institucional. Se a tolerância não tivesse sido alta, a expansão de matrículas no ritmo e volume registrados no quadro abaixo, não teria tido condições de ocorrer.

Quadro 2 - Numero de Instituições de Ensino Superior
    Públicas Privadas Total
Univ. Ñ-univ. Univ. Ñ-univ. Públ. Priv. N
Arg. 91 33 749 29 460 61.6% 38.4% 1271
Bra. 91 59 160 40 631 24.7% 75.3% 890
Chi. 90 20 2 40 268 7.1% 92.9% 310
Col. 88 48 26 85 79 30.8% 69.2% 240
Méx. 89 16 113 45 147 40.2% 59.8% 321
fonte: Brunner e Seec/MEC-Brasil


É impressionante o número de instituições de ensino superior na Argentina! Lembrar que em alguns países, como México (talvez Argentina) se elevou o status dos institutos de formação de professores e de escolas técnicas para o nível "superior". No cômputo da Argentina entram escolas militares, academias de polícia, e escolas de enfermagem e de formação de professores. No Brasil também, não? No México todos os institutos de formação de professores passaram a entrar nesta conta a partir de 1981. No Chile, a disparidade entre o número de instituições públicas e privadas é enorme e reflete apenas a miudês da maioria das novas instituições de ensino superior privadas. O setor público, que corresponde a apenas 7% das instituições de ensino superior, arca com 48% das matrículas. Ao contrário do setor privado emergente, 90% das instituições de ensino superior públicas chilenas são universitárias e de grande porte. A média de alunos por instituições de ensino superior pública é de mais de 5.000. [11]
Quadro 3 - Evolução das matrículas em estabelecimentos públicos e privados
País Anos Matrículas em instituições de ensino superior privadas % matrículas privadas sobre o total
Argentina 1970 47,673 17%
1982 120,101 22%
1991 159,475 15%
Brasil 1970 236,760 55%
1980 852000 63%
1989 943,276 60%
Chile 1970 26,229 34%
1980 43,769 37%
1990 130,817 52%
Colômbia 1970 38,942 46%
1981 180,635 59%
1989 271,351 57%
México 1970 27,276 15%
1981 118,999 15%
1990 187,124 17%

O boom do setor privado se dá nos anos 70, exceto nos casos do Chile e do México, onde a expansão se intensifica nos anos 80. A perda de ímpeto na década de 80 se deve a razões diferentes. Na Argentina isso se deveu à "normalização" do sistema público pelo governo democrático de Alfonsin; i.é., à restauração dos princípios que vigiam antes do golpe militar de 1966: o acesso irrestrito e a gratuidade das universidade nacionais. Com isso, as matrículas no sistema universitário público cresceram a uma taxa de 20% ao ano entre 1983 e 1987, provocando um crescimento negativo de 2.3 anuais, no setor privado. [12] Mais recentemente, já se esgotou a demanda que estava reprimida por problemas financeiros e de qualificação para os exames de ingresso e a rede privada voltou a crescer com taxas superiores (3.6%) às do setor público (1.8%), em função da deterioração deste último por insuficiência de recursos para absorver com eficiência a massificação (Balán refere-se a uma sensação de eminente "quebra" das universidades nacionais).

Nos outros três países a desaceleração da expansão do setor privado reflete o esgotamento da demanda reprimida [13], o impacto da crise econômica (o empobrecimento da clientela potencial da rede privada) e, no Brasil e Colômbia, a adoção de políticas mais restritivas de contenção da expansão e da queda de qualidade do sistema. Vale também mencionar que as corporações profissionais também jogaram um papel na contenção da expansão de cursos no Brasil.

Os dados do Quadro 3 também sinalizam a pulverização do sistema de terceiro grau em um grande número de novas instituições de ensino superior de pequeno porte [14] , configurando um novo eixo de estratificação dentro do segmento privado: entre as instituições de elite (que reúnem universidades tradicionais católicas e laicas e algumas escolas modernas, formando um conjunto de instituições, em geral, de tamanho médio e grande) e instituições de base (tipicamente compostas por escolas recentes de pequeno porte que oferecem cursos de baixo custo para segmentos de menor renda). [15]

Apesar das diferenças, todos os Sistemas de ensino superior se diferenciaram com a expansão das matrículas e crescimento do segmento privado. Mas de um modo geral, o peso do novo segmento do setor privado em termos de prestígio continua sendo menor do que o do setor público. Nos casos do Brasil, Colômbia e Chile, o setor privado já responde pela maioria da matrícula, mas em seu conjunto constitui o segmento de menor prestígio e qualidade, salvo algumas poucas universidades privadas tradicionais. No México e Argentina, a matrícula no setor privado ainda é muito menor do que o público: não chega a 20% das matrículas.

Tanto na Colômbia quanto no Chile e, mais recentemente, no Brasil (1947?), a Igreja tem tido participação significativa no sistema universitário. Na Argentina, as escolas católicas só foram reconhecidas e autorizadas a emitir diplomas partir de 1958. O setor privado, católico e laico, cresceu desde então e, inclusive, foi incentivado pelos governos militares. Entretanto, compõe-se de uma maioria de pequenas escolas de província e continua com importância residual no conjunto do sistema. Já no México, surgiram algumas universidades privadas de elite, que rapidamente conquistaram a liderança em termos de qualidade, principalmente, nas profissões mais modernas (economia, administração e engenharias).

Tipologia: unitários ou plural (universitário, não-universitário, pós-secundário)

Vimos acima que a expansão dos Sistemas de ensino superior se deu pela privatização e pulverização de suas unidades decisivas - as instituições de ensino superior - e pelo inchamento de algumas universidades mais tradicionais. Embora ambos os processos tenham ocorrido em toda parte, o primeiro foi mais típico da expansão no Brasil, Chile e Colômbia, ao passo que o segundo, foi mais típico na Argentina e México.

Em todos os países, entretanto, o formato "universidade" e o diploma "superior" continuam monopolizando a preferência da demanda social por ensino superior. Embora tenha se tentado novas modalidades de formação pós-secundária no Brasil, México, Chile e Colômbia, estes, ou não perduraram, ou ainda atraem uma minoria do alunado. No Brasil os poucos cursos de curta duração (engenharia operacional, análise de sistemas, etc.) e, inclusive, os cursos técnicos federais (CEFETs) foram promovidos ao status dos diplomas universitários. (E os atuais cursos de tecnólogos, que eu fiz levantamento no guia do estudante?)

No México, os institutos de formação de professores também foram promovidos ao status universitário e os Institutos Tecnológicos já foram criados com cursos e diplomas equivalentes aos universitários. Desde 1990 estão sendo criadas universidades tecnológicas de vocação local com cursos de curta duração cujos resultados ainda não são mensuráveis.

No Chile encontramos o sistema que mais caminhou de um perfil unitário de ensino superior universitário para um perfil diferenciado de ensino pós-secundário. As universidades continuam encarregadas das profissões mais estruturadas, da formação científica e boa parte da atividade de pesquisa, mas passaram por um redimensionamento de seu papel no SES. Aquelas que tinham multi-campi foram desmembradas e com isso controlou-se o problema de gigantismo que Argentina e México enfrentam. De outro lado, a expansão do setor privado, especialmente, nas novas modalidades de ensino pós-secundário (os IPs e CFTs), levou o setor universitário a uma posição de minoria numérica, nos conjunto das IES, embora ainda concentre quase 50% das matrículas. A Reforma de 1980 instituiu um tripé onde as universidades e o diploma de licenciatura ocupam o cume, os Institutos Profissionais (IPs) com cursos de até quatro anos e diplomas que não equivalem à licenciatura, a posição intermediária, e os Centros de Formação Técnica (CFTs) com cursos vocacionais de dois anos de duração e diplomas técnicos, a base. Os resultados têm sido moderados em função de problemas de qualidade e de pouca atração exercida pelas alternativas não-universitárias. Em 1989, dos cerca de 333.000 estudantes no sistema, 156.300 (53%) estavam no nível universitário. [16] A formação de professores está na rede privada (mas aonde?).

Na Colômbia, o sistema oferece três tipos de credenciais e várias modalidades de formação pós-secundária, a de tipo open-university. Entretanto, a distribuição das matrículas continua muito concentrada no segmento universitário. Na base do sistema estão as instituições profissionais intermediárias (que somam 60, sendo 51 privadas) que oferecem treinamento prático para funções como account clerks, sales assistants, operators of small business e certificado de Profissional Técnico Intermediário (35, sendo 22 privados) na área específica de estudo. Na posição intermediária estão os institutos de tecnologia que preparam estudantes para aplicações práticas de teorias básicas e conferem o título de Tecnólogo ou Tecnólogo Especialista. No cume estão as universidades e os títulos de licenciatura. Há ainda uma diferença entre "universidades" (que somam 71, 41 privadas)) e "instituições universitárias" (que somam 60, 42 privadas). [17] Dados de 1985 sobre a distribuição das matrículas mostram, contudo, a concentração da demanda no nível universitário: 319.532 alunos nas 131 instituições universitárias contra 71.958 nas 95 instituições não-universitárias. Discute-se na Colômbia se deve-se reagregar as instituições de ensino superior em um menor número de categorias.

Na Argentina, o único setor não-universitário numericamente relevante é o de formação de professores, de composição majoritariamente feminina.

Se os títulos de status universitário ainda predominam largamente sobre outros títulos de formação pós-secundária em todos os países, o mesmo não ocorre no plano do formato organizacional do ensino de terceiro grau: a universidade já não é mais o principal lócus de educação neste nível. No México e Argentina, as universidades ainda concentram a maioria das matrículas, mas numericamente são minoria e nos demais países já nem respondem mais pela maioria das matrículas. Vimos também que a definição tradicional de "instituição universitária" foi relaxada para reconhecer como tal instituições que ofereçam um mínimo de três cursos (Colômbia e México) ou cobertura superficial de três áreas do conhecimento (Brasil).

Em suma, esforços de diversificação do ensino de terceiro grau em direção a sistemas de ensino pós-secundário (onde o titulo universitário ou equivalente seja apenas uma modalidade de credenciamento) já existem na Colômbia, estão em fase de implantação no México e mas vem avançando mesmo no Chile. Trata-se, entretanto, de realidades ainda muito recentes que não permitem avaliação de resultados ainda.

Funções desempenhadas pelos sistemas: ensino, pesquisa, extensão e formação de professores

Há várias características comuns nesta dimensão:

1. A predominância do ensino sobre a pesquisa e extensão, e da formação profissional e da cultura credencialista sobre a formação de caráter mais geral ou mais acadêmico, mesmo dentro das universidades. As universidades ainda são conjuntos de escolas profissionais e de alguns institutos de perfil mais acadêmico. O setor não-universitário também oferece ensino profissionalizante em áreas tecnológicas, humanas e sociais e em profissões de nível intermediário. Em geral, as instituições não-universitárias e as privadas se atêm à função de ensino; não realizam pesquisa e não oferecem cursos e atividades de extensão em escala significativa.

No Brasil, tentou-se com a Reforma Universitária de 1968 substituir o sistema de ensino profissional pelo da "research university", com Ciclo Básico e pós-graduação. A adoção deste modelo se restringiu ao setor universitário e obteve resultados mistos. Algumas das escolas profissionais mais tradicionais continuaram mantendo na prática o sistema de ensino seriado fechado, embora tenham desenvolvido competência em pesquisa e programas de pós-graduação de boa qualidade (engenharia, direito, medicina). A cultura credencialista entretanto sobreviveu e se estendeu às novas carreiras e, inclusive, aos títulos de pós-graduação.

O México recém introduz Universidades Tecnológicas voltadas para as comunidades (particularmente com o empresariado) para oferecer cursos de curta-duração para o mercado de trabalho local. Isto em nada altera a orientação profissionalizante do sistema. Embora tenha adotado o regime de crédito, este tem sido usado para efeitos administrativos com pouco impacto sobre os currículos dos alunos, que continua seriado. A Argentina, o Chile e a Colômbia também seguem a orientação profissionalizante, oferecendo maior ou menor número de opções de cursos e credenciais.

2. A capacidade de desenvolver pesquisa científica está mais concentrada no interior do setor universitário mas também ocorre em institutos especializados e, mais raramente em empresas estatais, ambos vinculados ao Estado. Tanto a produção científica, quanto a capacidade de formar quadros altamente qualificados nas disciplinas científicas é ainda muito incipiente, com exceção do Brasil, Chile e Argentina, em alguns campos específicos. A contribuição da América Latina na produção científica internacional está em 1.3% desta produção.

No México, a pesquisa se concentra nos Institutos de Pesquisa das universidades públicas que, entretanto, mantêm muito pouco relacionamento com as escolas e faculdades, onde se dá todo o ensino e, mais recentemente, uma parcela da pesquisa também. Na Argentina, Chile e Brasil, a pesquisa se dá em institutos não-universitários e nas universidades mais tradicionais. O Brasil entretanto se diferencia na escala de desenvolvimento e no entrosamento com a pós-graduação que a pesquisa já alcançou (como será desenvolvido mais à frente).

3. A formação de professores é, em geral, oferecida fora do sistema universitário e tem formatos específicos (Argentina, Chile, México - Colômbia não sei). No México, os institutos de formação de professores foram promovidos ao nível "superior" nos anos 80. Na Argentina, este setor merece até hoje tratamento equivalente ao que é dado aos níveis secundário e primário de educação (não é parte das políticas e legislações para o ensino superior). No Brasil, a formação de professores é parte e segue o perfil do sistema geral de ensino superior: é majoritariamente feita por instituições de ensino superior privadas, embora também seja realizada pelas Faculdades de Educação do setor universitário. Não há um tratamento específico para a formação de professores.

4. A pós-graduação tem sido competência exclusiva das universidades, mas - com exceção do Brasil - este nível de formação é ainda muito pouco desenvolvido e concentra-se em cursos de especialização e não na formação de cientistas e pesquisadores. A formação para a carreira cientifica tem sido promovida por programas de bolsas para doutoramento no exterior (Chile, Argentina e, especialmente, México) e só recentemente tem sido objeto de esforços para tornar endógeno esse tipo de formação.

5. A extensão e a educação continuada não tiveram desenvolvimento relevante, embora mais recentemente se perceba mudanças na área de extensão. Estas decorrem de dois fatores: da nova direção das políticas e modelos econômicos da região e da insuficiência dos recursos públicos para o financiamento das IES. A abertura da economia está a exigir fortes ajustes no setor produtivo - maior eficiência e capacitação tecnológica interna - e a crise fiscal está a exigir das instituições de ensino superior o desenvolvimento de sua capacidade de captar recursos no mercado. Estes fatores têm levado a uma redefinição da função de extensão. Tradicionalmente encarada como uma função de promoção cultural e/ou assistencial, a extensão passa agora a ser encarada como uma função remunerada, que inclui uma variedade de formas de cooperação técnico-cientifica com o setor produtivo. Não só a venda de serviços passa a ser encarada mais seriamente, como a busca de contratos de pesquisa e de parcerias com a indústria começam a ser parte da extensão universitária. Entretanto, existem ainda uma série de lacunas (em termos de competências específicas ou mecanismos de enlace eficiente) e de obstáculos tanto formais, quanto culturais que impedem o pleno desenvolvimento desta função.

A expansão, a descentralização geográfica e a diferenciação institucional dos Sistemas de ensino superior não incluiu a diferenciação de funções em escala significativa. Ampliou-se tremendamente a participação de instituições de ensino superior privadas e, mais recentemente, tem crescido o interesse por diversificar as habilitações oferecidas e em regionalizar os perfis de formação profissional dos sistemas (Chile e México). Mas os Sistemas de ensino superior em seu conjunto ainda se orientam para o ensino e a formação profissional. Análises dos Sistemas de ensino superior destes países mencionam a existência de venda de serviços, mas não fornecem dados sobre a contribuição destes para o orçamento das instituições de ensino superior ou para o faturamento de empresas ou outros tipos de clientes que compraram tais serviços. A participação do Estado no financiamento do ensino superior só teve redução drástica no Chile e o quadro do financiamento neste país não indica que a parceria ou cooperação com indústria tenha papel relevante entre as soluções de financiamento encontradas até agora, como veremos abaixo).

Os fatores que podem influir na maior diferenciação das funções dos Sistemas de ensino superior incluem não só necessidades da economia e do mercado de trabalho, incluindo-se aí a capacidade do Estado em manter o financiamento do sistema público, mas também o comportamento do sistema de ensino secundário. Nos países onde este tem se expandido, como no Chile, é mais provável que surjam demandas de novo tipo, do que em países onde a educação média continua excluindo grandes contingentes da população. (México, Colômbia e Brasil). E Argentina?

Problemas e alternativas de financiamento

A região está na média dos países em desenvolvimento em termos do percentual do PNB gasto com educação, e bastante acima da média em gastos por habitante (o que pode refletir maior preocupação com educação ou maior ineficiência no gasto [18] ). Mas o Quadro também revela que a crise dos anos 80 causou uma queda real no gasto público na América Latina. De um terço dos gastos em dólares dos países em desenvolvimento em 1980, passou para um quarto, em 1985, o que significa apenas 1/25 do gasto mundial de US$ 681 milhões.

Gasto público em educação 1975-1985
  em US$ milhões em % do PNB por habitante (US$)
Total Mundial 1975 - 330.117
1980 - 618.195
1985 - 681.195
5.5
5.5
5.6
84
144
144
Países em Desenvolvimento 1975 - 40.433
1980 - 93.384
1985 - 95.846
3.6
3.9
4.1
14
29
27
América Latina 1975 - 13.477
1980 - 31.397
1985 - 25.392
3.5
3.9
3.8
43
88
63
Fonte: sobre a base de dados UNESCO, Anuário Estatístico, 1988

Nos países em estudo, a situação típica nos anos 80 foi a de redução de recursos públicos ao mesmo tempo em que matrículas e contratações de docentes continuavam a crescer. O México foi a grande exceção: o gasto federal com as 35 universidades públicas cresceu em termos reais entre 1983 e 1991 em 33.8%. Na Argentina, o gasto público diminuiu em 21.4% em termos reais entre 1980 e 1989. O gasto por aluno declinou com base no índice 100 em 1960 para 75 em 1980 e para 26 em 1990.[19]

Na Colômbia, os gasto público orçamentário em educação cresceu a uma taxa média de 4.1% ao ano entre 1980 e 1988. Entretanto, a taxa de crescimento dos gastos com as universidades nacionais, estaduais e municipais e para o IFCES (Instituto de Fomento da Educação Superior) foi de apenas 2.5%. O gasto por aluno em 28 universidades públicas calculado com base 100 em 1980 caiu para 75 em 1989.

O Brasil constitui um caso intermediário entre México e os demais. Tal como o México, contou com a expansão contínua de recursos durante toda a década de 70. Isto, entretanto, foi interrompido a partir de 1980, dando lugar a um período de fortes flutuações: as transferências dos recursos orçamentários aumentaram da base 100 em 1972 para 330 em 1982, caiu para 233 em 1984 e aumentou para 299 em 1985 [20]. Entretanto, o recrudescimento da inflação desde 1987 até hoje tem tido efeitos negativos e desorganizadores sobre o financiamento do ensino superior.

O caso do Chile merece atenção mais detida porque as mudanças verificadas não se limitaram a mero declínio circunstancial dos recursos, mas a adoção de uma política que redefiniu a responsabilidade do Estado neste particular. A participação do Estado no financiamento se reduziu a 30% dos gastos no decorrer da década de 80. O volume total das transferências diminuíram em 32% entre 1980 e 1990.

Gasto Público total em Educação, percentagem do PNB e gasto público total
  % do PNB % gasto total do governo
1980 1985 1980 1985
Argentina 3.6 2.2 15.1 8.6
Brasil 4.4 0.5 25.3 s/i
Chile 4.6 4.5 11.9 15.3
Colômbia 1.9 2.9 14.3 s/i
México 4.4 2.6 s/i 16.2

Gastos em Educação de Terceiro Grau, 1985
Gasto por Aluno País US$ milhões % sobre gasto total em educação
605 Argentina 512.4 19.2
952 Brasil 1,407.5 19.6
637 Chile 125.6 20.3
545 Colômbia 213.1 22.2
1.130 México 1.365,4 29.2

O gasto por aluno continua sendo baixo se comparado com países desenvolvidos. Em 1985, o custo por aluno alcançou US$ 3.000 e US$ 3.200 na Bélgica e Finlândia, respectivamente, US$ 4.300 na Suécia e US$ 6.000 no Canadá. A diferença está na qualidade e na composição destes gastos. Na América Latina, a quase totalidade das despesas estão destinadas ao pagamento de salários de professores e a relação prof/aluno é baixa para os padrões internacionais.

Com exceção do Chile pós-reforma de 1981, o financiamento dos Sistemas de ensino superior dos demais países continua recaindo principalmente sobre o Estado. Enquanto que na Argentina e no México, o setor privado não recebe qualquer subsídio público, no Chile, Colômbia e Brasil, o Estado arca com o financiamento de algumas universidades privadas mais tradicionais. [21] A contribuição do setor privado no custeio do ensino superior cresceu, mas ainda é minoritária. Os dados da participação do Estado no financiamento do ensino Superior para o Chile, Venezuela e Brasil em 1991 são de, respectivamente 30%, 78% e 89% (Wolff e Albrecht, 92, p.I-2). México e Argentina possuem sistemas ainda mais concentrados no setor público.

Na Colômbia, o setor privado se financia com matrículas e taxas cobradas aos estudantes e pela venda de outros serviços (hospitalares, de consultorias e ensino) à comunidade. Enquanto instituições sem fins-lucrativos, podem receber doações do governo e outras organizações nacionais e estrangeiras. Uma análise realizada em 1990 sobre a composição do orçamento das universidades públicas revelou que cerca de 10.5% de seus recursos provem de taxas cobradas (“come from their own assets and matriculation fees”), 4% de créditos e saldos não gastos em anos anteriores e 85.5 do governo federal. Há, entretanto, uma participação pequena de recursos estaduais e municipais no orçamento das universidade estaduais e municipais.

No México, a contribuição do setor privado não chega a 20%, mas a capacidade das universidades públicas de gerarem recursos por conta própria tem crescido e se situa hoje em torno de 15-20% de seus orçamentos.

No Chile, a composição atual das fontes de financiamento está resumida nos quadros abaixo:

Chile: tipos de instituições de ensino superior por fonte de financiamento
  1980 1985 1990
universidades com $ público 8 18 20
universidades sem $ público - 3 40
Total 8 21 60
Inst. Profissionais com $ público - 6 2
Inst. Profissionais sem $ público - 19 80
Total - 25 82
Centros de Formação Técnica com $ públ. - - -
Centros de Formação Técnica sem $ públ. - 102 168
Total - 102 168
TOTAL de IES 8 148 310
Fonte: Cox, 1993

Chile: Evolução do aporte financeiro público ao ensino superior por mecanismo de transferência (milhões de pesos)
  1980 1984 1988 1990
Aporte Fiscal Direto 67.873 39.850 28.239 22.668
Aporte Fiscal Indireto - 6.389 5.318 7.326
Crédito Fiscal Universitário - 15.427 10.570 6.386
FONDECYT (C&T) - 286 2.013 3.774
Fundo de Desenvolvimento Institucional - - 2.813 -
Total 67.873 61.953 48.952 40.136
Total projetado 67.873 88.234 101.809 101.809

O total de gastos com o financiamento do sistema de ensino superior do Chile em 1990 foi de US$ 464.8 milhões, sendo que os aportes públicos (diretos, indiretos e fundos competitivos de pesquisa) responderam por apenas 30.2%; as matrículas por 34.2%; a venda de serviços, rendimentos de aplicações financeiras, venda de ativos, transferências do setor privado e público e endividamento por outros 34.2% e as doações de filantropia privada pelos 1.4% restantes. As oito universidades tradicionais que em 1970 tinham o Estado arcando com 90.6% de seus orçamentos, em 1990, tinham esta fonte cobrindo apenas 40.9% de seus orçamentos.

Os demais paises se enquadram no sistema de financiamento incremental da rede pública (e, em alguns casos, de universidades privadas tradicionais) pelo Estado, através de repasses diretos automáticos do orçamento. Em todos os casos, essa forma de financiamento não atende satisfatoriamente às necessidades do sistema e nem garante equidade na distribuição dos recursos. [22] Embora o acesso à educação superior tenha se ampliado tremendamente, os novos contingentes têm sido absorvidos majoritariamente pelas instituições mais recentes e de pior qualidade, enquanto que o segmento mais rico e melhor preparado continua sendo o mais beneficiado pelo ensino de melhor qualidade, que em geral é o do setor universitário público, muitas vezes também gratuito (Brasil, Argentina, México já nem tanto). Mesmo aí no setor universitário público, os orçamentos são consumidos por suas folhas de pagamento e não sobram recursos para investimentos e melhoria da qualidade do ensino.

Este sistema, também chamado de paternalista ou benevolente, teve fundamento no reconhecimento da necessidade de se investir em capital humano e garantir estabilidade e autonomia às universidades. Já foi, entretanto, abandonado em muitos países europeus pelos efeitos perversos que tem sobre a eficiência das IES. José Joaquín Brunner chega a argumentar, convincentemente, que aí reside a causa fundamental da crise de prestígio e de qualidade dos Sistemas de ensino superior na região. Segundo ele, está é uma fórmula de financiamento desvinculada de qualquer consideração de qualidade, eficiência ou equidade e que não gera qualquer incentivo em nenhuma destas três direções. Ao contrário, leva as instituições a consumir todos os recursos a cada ano fiscal para poder reavê-los ou mesmo incrementá-los no ano seguinte e a depender dos ciclos do financiamento e da produção de normas legais e administrativas que assegurem sua liberação e aplicação mais ou menos livre das regulações públicas. A questão não está no montante dos recursos ou na existência ou não de disponibilidades financeiras do Estado, mas na dinâmica de ineficiência que este sistema embute. Por mais que se aumente o montante de recursos, eles jamais serão garantia de eficiência, equidade e qualidade.

Brunner descarta soluções como a privatização dos Sistemas de ensino superior ou a estatização do novo setor privado e de pior qualidade. No primeiro caso se destruiria boa parte da base institucional existente sem nenhuma garantia de que o mercado a substituiria por uma educação superior de melhor qualidade ou em melhor sintonia com as necessidades de desenvolvimento destes países. A estatização, por sua vez, não passaria de mais uma solução burocrática que aumentaria as dimensões do problema hoje. Sua proposta é a de um novo pacto entre as IES, a sociedade e o Estado. Isto envolveria dois eixos de reestruturação e de redefinição das relações entre a educação superior e o Estado. Primeiro, a substituição do conjunto de relações baseadas quase que exclusivamente no débil poder de controle administrativo do Estado, por uma relação de avaliação. Em segundo lugar, a substituição do compromisso do Estado de financiar total e automaticamente as IES, por uma relação mais diferenciada e complexa, onde as IES, a sociedade e o Estado compartilhem o custeio do sistema, com as instituições de ensino superior diversificando suas fontes de recursos e o Estado, as suas modalidades de financiamento em função de objetivos e metas negociadas.

Deste modo, os recursos públicos passariam a ter um papel indutivo pois passariam a estar vinculados a determinados programas ou objetivos e as instituições de ensino superior seriam duplamente impulsionadas à melhorar sua eficiência, em toda a extensão do termo. Isto porque a necessidade de captar recursos incentivaria as instituições de ensino superior não só a buscar maior eficiência interna, como também a entrar em maior sintonia com as demandas sociais e com as metas e objetivos vinculados aos programas para os quais há financiamento público.

Sistemas de financiamento deste tipo estão sendo tentados no Chile, já há uma década, e no México, há não mais de um ano. Em ambos os países, eliminou-se o ensino gratuito, embora não totalmente o subsídio público, (não sei se as matrículas no México já são realistas) e criou-se modalidades de financiamento vinculadas à modalidades de avaliação.

No Chile, a cobrança de matrículas pelas instituições públicas já paga cerca de 32% dos salários dos professores e foi acompanhada da introdução de crédito educativo para aqueles alunos que comprovem incapacidade financeira. Paralelamente, introduziu-se um mecanismo competitivo de financiamento público das instituições de ensino superior públicas. Estas continuam a receber um aporte direto baseado em quotas históricas mas que vem sendo gradualmente reduzido, e um aporte indireto que varia de acordo com a capacidade que demonstrem de atrair os melhores colocados no exame nacional de ingresso ao terceiro grau. Em 1990, este mecanismo foi estendido a todo o Sistemas de ensino superior chileno e cogita-se também da ampliação do crédito educativo para alunos do setor privado. O sistema de financiamento chileno também inclui isenções fiscais a doações feitas por pessoas físicas e jurídicas às instituições de ensino superior e mecanismos competitivos para o financiamento de pesquisa científica.

No México, o sistema de repasse automático de recursos para o setor público (universidades e Institutos de Tecnologia) vem sendo alterado e já se conjuga com novos mecanismos de financiamento a pesquisa, a projetos inovadores e, inclusive, com mecanismos de recompensa financeira pela produtividade e mérito individual de pesquisadores e professores. Além disso, as instituições de ensino superior públicas têm sido convocadas a introduzirem exames de seleção de ingressantes e a buscarem novas fontes de recursos pela cobrança de matrículas, venda de serviços e estabelecimento de contratos com a indústria, por outro. Hoje as instituições públicas já cobram matrículas, administram exames para o ingresso e conseguem suprir cerca de 10-15% de seus orçamentos com fontes não-governamentais de recursos.

Introduziu-se também um sistema seletivo e indutivo de concessão de recursos adicionais, teoricamente vinculado a auto-avaliação institucional e ao encaminhamento de projetos inovadores que o governo submete ao julgamento de mérito por comissões ad hoc de pares. Na prática, questiona-se a seriedade da auto-avaliação institucional como critério para a concessão verbas complementares; uma vez que as autoridades universitárias raramente envolvem a comunidade acadêmica nesse processo e que as autoridades governamentais vêm declarando que não usam esses resultados nas suas decisões sobre financiamento. Além disso, tanto as auto-avaliações institucionais, quanto os resultados do julgamento de mérito dos projetos encaminhados não são tornados públicos, o que enfraquece o impacto de ambas modalidades de avaliação. Entretanto, há outras duas formas de avaliação - individual de professores e pesquisadores pelos departamentos acadêmicos, e de programas de pós-graduação pelo Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia -, que parecem estar servindo como referência para a distribuição de "grants" individuais e para a elaboração de ranks de excelência que qualificam os melhores programas de pós-graduação para receberem financiamento a pesquisa, bolsas e outras formas de assistência financeira governamental.

De todo modo, são visíveis e importantes as mudanças já produzidas pelas novas políticas. O Estado passivo e benevolente que se limitava a repassar recursos para universidades autônomas, mas decadentes, cedeu lugar a um Estado ativo que vem gerenciando o setor público através de financiamentos indutivos e de recomendações específicas para com as políticas das IES. No interior das universidades, o corporativismo docente e discente cedeu lugar ao fortalecimento da comunidade acadêmica e de reitores e administradores universitários imbuídos de espírito gerencial e modernizador. Discute-se os benefícios ou malefícios do maior intervencionismo governamental, especialmente, pela pouca transparência de alguns dos novos processos e bases de relacionamento recém introduzidos, [23] mas percebe-se também mudanças importantes de mentalidade e de gestão interna orientadas para eficiência e para o aproveitamento das novas oportunidades abertas pela nova política governamental.

A avaliação para o caso do Chile corrobora as apreciações ainda preliminares e impressionistas das mudanças no México. Chritian Cox considera que a pressão colocada sobre as instituições públicas para diversificarem suas fontes e formas de financiamento foi por si só o fator responsável pela maior mudança nas estratégias de desenvolvimento das universidades na última década. Forçou-as a introduzir racionalizações, pelo menos parciais, em seu funcionamento interno, a abrir-se para as demandas sociais e a valorizar suas atividades ao ter que colocá-las no mercado.

No Brasil, o financiamento automático e incremental das universidades públicas convive há mais de duas décadas com formas competitivas e indutivas de financiamento à pós-graduação e à pesquisa científica. Este sub-setor do Sistemas de ensino superior vem sendo objeto de avaliações externas por comitês de pares constituídos em regime ad hoc ou para mandatos regulares por agências governamentais voltadas para a pós-graduação (CAPES) e ciência e tecnologia (CNPq e Finep). No âmbito do financiamento institucional das universidades públicas houve uma mudança recente, mas restrita à rede das universidades estaduais, que é bem menor do que a rede das federais. Desde 1989, alguns estados concederam autonomia orçamentária, determinando um percentual da arrecadação fiscal e responsabilizando as instituições pelo seu próprio custeio com esses recursos. A mudança, embora superficial, permitiu maior flexibilidade e autonomia de gestão e a rede apresenta melhoria significativa, especialmente, nos estados mais ricos. Por fim, chegou-se a desenvolver no âmbito federal uma matriz de indicadores de desempenho e a se vincular uma parte do financiamento público à performance das universidades, medida por esta matriz de custos e resultados. O sistema chegou a distribuir recursos adicionais em 1991 e 1992 para as universidades federais que apresentaram melhor desempenho segundo os indicadores definidos, mas o novo sistema não chegou a ser institucionalizado e foi interrompido.

Quanto à oferta e uso do crédito educativo como mecanismo de ressarcimento de gastos públicos, as informações são esparsas. A Argentina não parece ter nada no gênero e a grande maioria dos alunos tem acesso automático e gratuito ao ensino superior. No Chile, o sistema introduzido no início da década de 80 recém começa a ter sua capacidade de ressarcimento testada. O pagamento é devido a partir do terceiro ano depois da formatura ou, no caso de evasão, no ano seguinte ao do abandono dos estudos. As prestações podem chegar a se distribuir por 10 a 15 anos. Em 1989 começou o pagamento dos primeiros beneficiários e houve uma taxa de mais de 40% de inadimplência. [24] O Brasil introduziu o crédito educativo nos anos 70 e enfrentou dificuldades iguais ou maiores do que as que o Chile enfrenta hoje. O sistema esteve desativado, tentou-se reativá-lo no início da década de 90, mas não se chegou a consolidar uma nova sistemática. O crédito educativo encontra-se semi-falido no Brasil. Há uma referência à "scholarship on credit" no México (Burton Clark) e nada a respeito na Colômbia.

A pós-graduação e pesquisa científica

Os sistemas de pós-graduação e pesquisa, quando existem, são ainda muito recentes na região. A única exceção é o Brasil, que desenvolveu em ritmo muito acelerado, um sistema de cobertura nacional pós-graduação e C&T desde a segunda metade da década de 60. É o único caso em que se vinculou a carreira docente à titulação e em que se instituiu um sistema de incentivo e financiamento à pós-graduação dos professores universitários. O Chile e Argentina possuem tradições de pesquisa importantes em alguns campos, como na Física e Biologia, mas ainda estão por desenvolver e consolidar sistemas endógenos de formação de pesquisadores e comunidades cientificas com massa crítica suficiente nos vários campos do conhecimento para garantir a sua continuidade. [25] O que se denomina de pós-graduação na região tem se limitado a cursos de especialização de caráter profissional.

Os dois quadros abaixo situam a capacidade de formação de cientistas e de produção científica da região em relação a outras regiões do mundo.

Indicadores de Ciência e Tecnologia (1985)
  A.Latina Países Mediterrâneosa Países Asiáticosb Grupo dos 7c
Diploma superior/100 mil hab. 156.0 191.0 578.0 592.0
Diploma em engenharia e tecnológicas/total de diplomados (%) 17.2 17.6 20.2 15.5
Engenheiros e cientistas em P&D/mil pessoas da PEA 69.0 119.0 145.0d 581.0
Gastos em P&D/PNB 0.6 0.9 1.3 2.7
Gastos em P&D/habitante (US$) 12.0 24.0 18.0e 346.0
Gastos em P&D por origem
i) setor público
ii) setor produtivo
iii) fundos estrangeiros
100.0
78.8
10.5
3.3
100.0g
46.4
49.5
3.9
100.0
35.6
61.4
2.9
100.0
43.1
52.5
0.4
Gastos em P&D por atividade
i) pesq. básica
ii) pesq. aplicada
iii) desenvolvimentos
100.0h
20.9
52.4
26.7
100.0i
19.0
39.7
41.2
100.0d
21.1
30.4
48.5
100.0j
14.1
26.5
59.5
CEPAL (1990) Transformación Productiva con Equidad, Santiago de Chile, p. 66, in Bruner (1991).
(a) Espanha, Grécia, Portugal, Turquia e Iugoslávia
(b) Coréia do Sul, Filipinas, Hong Kong, Cingapura, Tailandia
(c) Alemanha Ocidental, Canadá, EUA, França, Itália, Japão e Grã-Bretanha
(d) exclui Hong Kong e Tailandia
(e) exclui Hong Kong
(f) nem sempre soma 100 devido a exclusão da categoria "outras fontes de financiamento"
(g) exlui Turquia
(h) só inclui Argentina, Cuba, México e Venezuela
(i) só inclui Espanha e Portugal
(j) exclui Canadá

Cientistas e Engenheiros de P&D (estimativas 1970 e 1980)
  N N por milhão de habitantes Gastos em P&D (US$milhão) % do PNB
Total mundial
1970
1980
2.608.100
3.756.100
711
850
62.101
207.801
2.04
1.78
Países em Desenvolvimento
1970
1980
221.618
420.028
84
127
1.556
12.949
0.32
0.45
América Latina
1970
1980
38.411
90.936
136
252
498
3.745
0.30
0.49
fonte: UNESCO, Anuário Estatístico, 1988

Número de Publicações Científicas (1986-1989)
  1986 1987 1988 1989
Argentina 1.674 1.688 1.648 1.718
Brasil 2.001 2.083 2.193 2.556
Chile 815 799 841 901
México 1022 1.139 1.061 1.270
Fonte: Conicyt, por Brunner e Briones, in Wolff and Albrecht 1992

No Chile, o sistema de pós-graduação é ao mesmo tempo pequeno e disperso em um grande número de programas de pequeno porte. A matrícula em programas de pós-graduação corresponde a apenas 2% do total das matriculas no setor universitário. Em 1984, isto correspondia a 2.371 alunos distribuídos em cerca de 100 programas. As turmas são pequenas, a relação professor-aluno é baixa e o aparelhamento, incipiente (Schiefelbein). Esta pulverização dispersa os recursos, dificulta o uso efetivo de mecanismos de financiamento que induzam à melhoria de desempenho e, em suma, retarda a formação da massa crítica necessária para desenvolver centros de excelência auto-sustentados. O volume de gastos em P&D continua pequeno (0.4% do PIB) e a participação das universidades na captação destes recursos declinou: em 1965 absorvia 80% e em 1990 não passava de 60%. A criação do CONICYT (Conselho Nacional de Financiamento à Pesquisa), em 1967, separou o financiamento à pesquisa do orçamento geral para a educação superior, garantindo maior estabilidade e continuidade ao financiamento à pesquisa. Chile é o único país sul-americana a alocar mais de 50% do financiamento à pesquisa nas universidades.

A pós-graduação no México se desenvolveu basicamente nas modalidades de especialização e mestrado, cuja função foi mais a de compensar a má qualidade da graduação. [26] Em 1987, a matrícula na pós-graduação correspondia a 6.7% (7.900) da matrícula nos cursos de graduação (117.378). A Colômbia segue o mesmo perfil da pós-graduação no México. Possui 520 cursos de pós-graduação, dos quais 316 são cursos de especialização, 197 de mestrado e apenas 7 de doutorado. [27] Na Argentina o ensino de pós-graduação tem sido uma área relativamente negligenciada, mesmo nas principais universidades. [28] As mudanças verificadas aí se limitam à criação de mestrados e cursos de especialização tanto no setor público quanto privado, ambos de orientação profissional.

Características do corpo docente

Convivem quatro gerações de docentes nos Sistemas de ensino superior em estudo: (a) a geração típica até os anos 50-60, de profissionais de renome, bem posicionados no mercado de trabalho, que ensinam em tempo parcial; (b) os professores-pesquisadores com titulação no exterior (e no país) cuja atividade principal é a pesquisa e produção científica; (c) os docentes full-time, que não desenvolvem pesquisa e (d) os professores-horistas, jovens, mal-remunerados, prematuramente especializados em tópicos de currículos e sem condições de ampliarem e desenvolverem suas qualificações.

A expansão das matrículas profissionalizou docentes, que passaram a dedicar-se exclusivamente ao ensino superior e aumentou vertiginosamente o contingente de docentes de tempo-parcial e baixa competência. Emergiu com isso uma nova "categoria" profissional, os "professores-taxi" que, embora coexistam com outras gerações de docentes de perfis muito diferentes, são hoje o segmento majoritário do corpo docente e se compõe de professores contratados ainda muito jovens e recém-formados para atividades docentes especializadas, em regime de tempo parcial e com níveis de remuneração muito baixos. Este segmento se constituiu em um novo ator nos anos 80 através de sindicatos e militância corporativa. Esses professores não encontram oportunidades de se qualificarem porque os currículos continuam privilegiando "single-subject courses" e seus baixos salários os obrigam a acumularem vários empregos.

Outro caminho de lobby dos docentes universitários, muitas vezes corporativista também, é pela via dos colegiados e esferas de poder universitário. Na Argentina e México, esses colegiados têm manifestado uma cultura de resistência à mudança.

O sistema universitário público brasileiro tem mecanismos próprios de titulação e tempo integral.A peculiaridade deste caso está na qualificação em grande volume dos quadros docentes universitários. Criou-se uma massa crítica de professores-pesquisadores de tempo integral, mas cuja produtividade e qualidade científica é questionável e vem se deteriorando com a decadência das instalações e do valor real dos salários. Consolidaram-se contudo uma série de grupos de excelência que funcionam como matrizes ou incubadoras de outros grupos de pesquisa. Entretanto, esta dinâmica de desenvolvimento endógeno da capacidade de C&T poderia ser maximizada e mereceria monitoramento dos grupos emergentes para plena eficácia.

Os programas de fomento à pesquisa e pós-graduação e de qualificação dos docentes não eliminaram a presença do "baixo clero", de um proletariado docente, não-titulado, e que tenta melhorar sua condição por militância corporativista.

A fragilidade e descontinuidade das políticas, planejamento e coordenação do sistema

Propostas de reforma são raras e quando ocorrem muitas vezes não passam de propostas que se esgotam no plano do discurso ou de ações legislativas que não são implementadas (como o IFCES entre sua criação e 1980 na Colômbia). Quando a intenção é efetiva enfrentam dificuldades de consenso, quando não movimentos organizados de resistência (Argentina e México). Há claramente neste grupo de países, um nível de intratabilidade ou ingovernabilidade dos Sistemas de ensino superior que tem a ver:

(1) com a porosidade dos Sistemas de ensino superior em relação ao sistema político - seja por clientelismo (rede pública no interior da Colômbia; MEC e CFE de um lado e agências de C&T e comunidade científica de outro, no Brasil; as grandes universidades mexicanas e argentinas onde cargos de reitor são parte da carreira política) seja por militância da comunidade universitária que resiste à mudanças, impõe novos gastos e um comportamento defensivo ao governo (suas ações passam a ser movidas por cálculos de prevenção de risco político, que alteram o curso ou mesmo esvaziam programas de mudança - caso México, Argentina, colômbia). Neste caso, o governo enfrenta a resistência seja pelas próprias elites políticas que já incorporaram as universidades ao tráfico de influência e à prática política, de alianças e relações de compromisso; seja pela comunidade universitária que cresceu e se organizou corporativamente. A evolução da década de 60 para a de 80 foi de militância estudantil para ativismo sindical, tendo como elemento novo os novos docentes, principalmente os segmentos inferiores - jovens professores, recém-formadas, horistas e mal remunerados.

(2) com a relação tradicional de financiamento público automático do sistema e a rigidez e inflexibilidade que este sistema gera. A total dependência do financiamento público acaba forçando a "socialização da miséria", a pulverização dos recursos, a distribuição automática e indiscriminada de recursos e impossibilidade de definir prioridades e concentrar esforços onde os resultados podem fazer diferença. Por outro lado, nos casos onde o Sistemas de ensino superior está imbricado com clientelismo, onde as nomeações para postos-chave e alocação de recursos visam resultados políticos e eleitorais, não sobra espaço para investimentos em qualidade acadêmica e pesquisa porque têm baixa ou nenhuma visibilidade a curto e médio prazo.

Conclusões: radiografia do sistema hoje

Algumas das conseqüências relativamente gerais da expansão foram:

(1) o crescimento desordenado e pulverizado de um setor privado extremamente heterogêneo no porte das instituições e qualidade da educação que oferecem. A complacência com que os governos autorizaram a criação destes novos estabelecimentos refletiu, de um modo geral, a necessidade de dividir com a iniciativa privada os custos da expansão das matrículas.

(2) o agigantamento e segmentação interna das universidades mais tradicionais, reforçando a autonomia das unidades (faculdades, escolas, institutos) e dificultando seu gerenciamento;

(3) a queda da qualidade da formação oferecida em função de uma combinação de fatores: (a) não só o alunado se diferenciou, passando a ter um grande componente de estudantes de primeira geração (cujos pais não passaram pelo ensino superior) e, portanto, sem parâmetros de exigência de qualidade; como (b) o corpo docente cresceu sem critérios rígidos de seleção e perspectivas de qualificação e promoção e, (c) massificou-se o ensino profissionalizante, especializado e estanque, que nem facilita a qualificação e dos professores, nem a capacidade crítica dos alunos.

(4) avanços recentes no re-equacionamento do financiamento no Chile e México, ambos tentando usá-lo para intervir na qualidade do sistema.

México e Argentina continuam possuindo sistemas públicos e laicos, com acesso irrestrito (a iniqüidade se dá no primário no México e dentro da U. na Argentina?) e ainda muito concentrados nas universidades mais tradicionais (UBA e UNAM). Enfrentam como problemas principais a queda da qualidade, o gigantismo das instituições públicas e enormes dificuldades de gerenciar mudanças. Persiste a politização que, na Argentina, se alinha hoje às atuais clivagens partidárias e, no México, tem caráter predominantemente corporativo. (O México parece estar conseguindo alterar este perfil).

O Chile experimenta mudança profunda; o Estado já reduziu significativamente seu comprometimento com a manutenção do ensino superior e o novo sistema, já predominantemente privado e não-universitário, coloca desafios no plano da qualidade e da equidade. A continuidade da reforma está assegurada - o regime democrático absorveu e manteve a orientação da reforma - e a questão é de ajuste; de refinamento dos mecanismos de indução; de melhoria da eficácia e eficiência.

O Brasil continua semi-imobilizado pela conjugação da crise econômica com problemas graves de governabilidade. O sistema de ensino superior público enfrenta problemas de insuficiência de recursos e, principalmente, de falta de condução. Não tem havido planos e políticas específicas para o setor. Além disso, a atual constituição (promulgada em 1988) incorporou demandas corporativistas e de transparência orçamentária, que têm imobilizado as universidades públicas. Reitores e administradores não tem autonomia para gerir os recursos humanos e orçamentos de suas instituições. O setor privado, de sua parte, se ajusta às demandas sociais e à crise econômica. O interessante no Brasil são movimentos já visíveis de evolução das mentalidades e debates no âmbito da sociedade civil e no próprio âmbito da comunidade acadêmica, sem uma condução pelo Estado ou liderança de qualquer tipo. Na área do ensino superior, temas inaceitáveis no início dos anos 80 já estão incorporados e sendo objeto de discussões sobre procedimentos (não mais sobre o mérito ou pertinácia) e sendo implementados aqui e ali, em uma unidade ou mesmo em uma ou outra instituição, sem que tenha se estabelecido leis e regulamentos e enforcement. Este é o caso da avaliação, de sistemas de eleição qualificada das autoridades universitárias, da diversificação das fontes de recursos, etc.

O Brasil já vem de quase duas décadas de ausência de políticas para o ensino superior e de insuficiência de recursos para a pesquisa e infraestrutura. Existe um processo de decadência que atinge mais fortemente a rede das universidades federais (como é o caso da UBA e da UNAM) e uma contração das matrículas tanto no segmento público quanto principalmente no privado. Entretanto, não há evidências de brain-drain preocupantes e há segmentos do Sistemas de ensino superior em boa saúde financeira.

Em todos os paises, a apelo da formação superior declinou com a crise econômica, a queda da qualidade do ensino e dificuldades de emprego. Há desajustes entre o número de titulados e o tipo de formação que adquirem e o mercado de trabalho. De outro lado, embora o desemprego entre egressos do ensino superior continue sendo menor do que nos segmentos de menor escolaridade, as perspectivas de salários e carreiras vêm decaindo com o aumento de pessoal com este nível de educação/formação.

Com exceção parcial do Chile e de uma ou outra instituição nos demais países, os Sistemas de ensino superior ainda se estruturam com base em parâmetros antiquados. Um deles é a concentração do prestígio social na formação universitária, quando esta já não passa de uma entre outras alternativas de uso do sistema de educação de terceiro grau nos países do Primeiro Mundo. A profissionalização cada vez mais tem como lócus a própria empresa e os cursos regulares de tipo tradicional não passam de uma das muitas modalidades de educação oferecidas pelas universidades e demais instituições de ensino neste nível. A educação continuada cresceu e se diversificou, assim como formas de ensino a distância. Visto desta perspectiva, o processo de diferenciação da educação de terceiro grau na América Latina ainda está longe de esgotar suas possibilidades. A demanda social ainda se orienta para a universidade, em seu sentido tradicional, e vimos que em toda parte - Brasil, México, Colômbia - as autoridades têm cedido a pressões por conferir status universitário à instituições (que oferecem apenas três tipos de carreira, ou que representam arranjos inter-institucionais para efeitos de qualificação perante a lei, etc.) e modalidades de ensino (como de formação de professores) que não correspondem à modalidade universitária em seu sentido estrito.

Outro parâmetro antiquado diz respeito ao papel do Estado: prevalece ainda a idéia de que cabe ao Estado arcar com os custos e promover o acesso universal e gratuito ao ensino superior, assim como a isonomia e estabilidade funcional dos docentes, etc. O papel de "financiador benevolente" ainda está longe de ser atualizado nestes países, com a exceção do Chile. A politização político-partidária, de esquerda ou de tendência corporativista, assim como os processos políticos (eleitorais ou clientelistas) de escolha dos dirigentes universitários, são realidades que também destoam da orientação cada vez mais profissional das instituições de terceiro grau do Primeiro Mundo.

Tais contrastes refletem estruturas sociais muito distintas das democracias ocidentais. As universidades latino-americanas desempenham papéis simbólicos e efetivos próprios e continuam sendo a referência principal de todo os SES.

Referências Bibliográficas

Balán, Jorge and Ana M. García de Fanelli. 1993. El sector privado de la educación superior políticas públicas y sus resultados recientes en cinco países de América Latina. Buenos Aires: Centro de Estudios de Estado y Sociedad.

Brunner, José Joaquin. 1994. "Estado y Educación Superior en América Latina." in Prometeo Encadenado Estado y Educación Superior en Europa, edited by G. V. Neave, Frans van. Barcelona: Gedisa.

Brunner, José Joaquín. 1991. El contexto actual de la educacion superior en América Latina. São Paulo: NUPES, Universidade de São Paulo.

Clark, Burton R. 1984. Perspectives on higher education eight disciplinary and comparative views. Berkeley: University of California Press.

Durham, Eunice Ribeiro. 1993. Uma Política para o Ensino Superior. São Paulo: Universidade de São Paulo - NUPES.

Kent Serna, Rollin. 1994. El Estado Actual de la Educación Superior en México. Mexico: Departamento de Investigaciones Educativas, Centro de Investigación y Estudios Avanzados.

Klein, Lucia and Simon Schwartzman. 1993. "Higher education policies in Brazil 1970-90." Higher Education 25:21-34.

Piffano, Horacio. 1992. El Financiamiento de la Educación Universitaria y su Racionamiento. Buenos Aires.

Wolff, Laurence and Douglas Albrecht. 1992. Higher education reform in Chile, Brazil and Venezuela towards a redefinition of the role of the state. Washington, D.C.: Human Resources Division, Technical Department, Latin America and the Caribbean Region, The World Bank.



NOTAS

[1] Eunice Ribeiro Durham. "Uma Política para o Ensino Superior." São Paulo: Universidade de São Paulo - NUPES. 1993. .

[2] José Joaquín Brunner. "El contexto actual de la educacion superior en América Latina." São Paulo: NUPES, Universidade de São Paulo. 1991.

[3] A universidade latinoamericana tem sido tratada como uma extensão direta da arena política, seja incorporando-a ao clientelismo, seja para jogo político-partidário. Foi o terreno e canal de expressão dos partidos clandestinos (não reconhecidos) de esquerda no México, Chile, Brasil e Argentina. Com a democratização dos países do Cone Sul, continua a reproduzir internamente alinhamentos partidários na Argentina. Está em um estado ainda pouco desenvolvido de diferenciação de papéis e de profissionalização.

[4] "Em geral a política de educação superior na Argentina tende a ignorar a oferta educacional dos institutos terciários (de 3o. grau) não-universitários, que têm um prestígio menor do que a oferta universitária. O sistema de reconhecimento é inteiramente diferente, sendo uma extensão do que vinge para as escolas primárias, secundárias ou especializadas". Jorge Balán and Ana M. García de Fanelli. "El sector privado de la educación superior políticas públicas y sus resultados recientes en cinco países de América Latina." Buenos Aires: Centro de Estudios de Estado y Sociedad. 1993.

[5] Desde a última constituição brasileira (de 1988) que se proibiu a destinação de recursos públicos para a rede privada. Entretanto, o sistema de apoio à C&T ainda destina financiamento a pesquisas em universidades privadas que possuem tradição em pesquisa (as católicas).

[6] A partir da década de 80, a taxa de crescimento das matrículas caiu de 10 para 1% ao ano, ao passo que no setor privado cresceu de para 5% ao ano. Uma conseqüência da massificação do setor público foi a privatização da trajetória escolar das elites: estas passaram a buscar instituições privadas e pós-graduação no exterior, fazendo com que a universidade pública perdesse relevância para o mercado de trabalho tanto na esfera publica, quanto empresarial.

[7] Rollin Kent Serna. "El Estado Actual de la Educación Superior en México." Mexico: Departamento de Investigaciones Educativas, Centro de Investigación y Estudios Avanzados. 1994.

[8] Kent, 1994.

[9] ver os trabalhos de Sérgio Costa Ribeiro sobre evasão e repetência no Brasil.

[10] M. de Ibarrola in Clark, p. 470."Growth of higher education opportunities has meant for many little more than the chance to enroll. Severe dropout after the first semesters still limit the percentage of students completing the four-year course to a decreasing rate of less than 60 percent. In addition, fulfillment of all graduation requirements has been constantly low, about 20%. There are important differences according to specific professions... Achieving a higher education professional training, evenif it is just one or two semesters, still plays a significant role in employment in two ways: it offers a better probability for incorporation in the formal sector, altough on a devaluated basis and there seem to be clearly segmented tracks to different kinds of employment according to the type of institution." (a referência parece ser a Burton R Clark. "Perspectives on higher education eight disciplinary and comparative views." Berkeley: University of California Press. 1984.

[11] O total de matrículas na rede pública em 1990 era 118.665 que dividido pelas 22 instituições, dá uma média de 5.393 alunos em média.

[12] Jorge Balán and Ana M. García de Fanelli. "El sector privado de la educación superior políticas públicas y sus resultados recientes en cinco países de América Latina." Buenos Aires: Centro de Estudios de Estado y Sociedad. 1993.

[13] Também influíram a queda do ritmo de crescimento populacional e do sistema de educação secundário. No Chile, registrou-se problema de excesso de vagas em 1991: houve 160 mil vagas para uma população inferior a 100 mil candidatos José Joaquin Brunner. "Estado y Educación Superior en América Latina." in Prometeo Encadenado Estado y Educación Superior en Europa, edited by Neave. Barcelona: Gedisa. 1994.

[14] Como o segmento privado dos sistemas de ensino superior dos países em estudo é o mais heterogêneo de todos - porque engloba deste grandes universidades tradicionais, como as universidades católicas, até instituições recentes de perfil variadíssimo (que vão de organizações ricas e modernas de grandes grupos econômicos até escolas de sobrado e fundo de quintal) - as medidas de tendência central são inadequadas para descrever a distribuição real de alunos ou qualquer outra dimensão. A rigor não há um perfil típico de instituições neste segmento. Tendo-se em conta estas restrições, podemos usar as médias de alunos por instituições de ensino superior particulares para o ano de 1990 como sinalização precária da pulverização dos SES em conseqüência da expansão do setor privado. A divisão do total de matrículas em instituições privadas no ano de 1990 pelo número de instituições produz as seguintes médias: 326 alunos por instituição na Argentina, 424 no Chile, 583 no México, 1.405 no Brasil e 1.654 na Colômbia.

[15] Balán (1993).

[16] E. Schiefelbein, in Burton Clark, p. 133.

[17] Alvarez e Alvarez in Burton Clark, p. 154.

[18] Dados sobre a taxa de escolaridade por coorte (de idade da poopulação) seria importante. No Brasil cresce a cobertura, mas também a repetência, alongando o número de anos gastos para cumprir o primário.

[19] Horacio Piffano. "El Financiamiento de la Educación Universitaria y su Racionamiento." Buenos Aires. 1992. ; Balán, 1993.

[20] Lucia Klein and Simon Schwartzman. "Higher education policies in Brazil 1970-90." Pp. 21-34 in Higher Education, vol. 25. 1993.

[21] A constituição brasileira acaba de proibir o financiamento publico às instituições de ensino superior privadas e no Chile a tendência é inversa: a de estender às instituições de ensino superior privadas os tratamento dado às públicas.

[22] José Joaquin Brunner. "Estado y Educación Superior en América Latina." in Prometeo Encadenado Estado y Educación Superior en Europa, edited by Neave. Barcelona: Gedisa. 1994. pgs. 57 e 57, nota 16 sobre Colômbia e 18 sobre Argentina.

[23] Além do sigilo que cerca a auto-avaliação institucional e a aprovação dos projetos institucionais, critica-se a pouca transparência que também cerca as prestações de contas dos gastos feitos pelas autoridades universitárias, que tampouco vêm a público (se limitam ao governo).

[24] Schiefelbein, E., in Clark, pg. 137.

[25] A universidade não é principal locus do sistema de P&D em nenhum desses dois países.

[26] Ramdoyal, in CLark, pp. 471-2.

[27] Alvarez e Alvarez, in Clark, pg. 156.

[28] Balán, in Clark, pg. 25. <