FORMAÇÃO DA COMUNIDADE CIENTIFICA NO BRASIL, Simon Schwartzman, Nacional / Finep, 482 pp. 148,00

"Uma história social da ciência", Maria Beatriz N. da Silva, Jornal da Tarde, 26 de maio de 1979

Fruto de uma equipe de pesquisadores que trabalham no projeto sobre história social da ciência contemporânea no Brasil, coordenado por Simon Schwartzman. este estudo sobre a formação da comunidade científica brasileira parte de um postulado explicitado logo na introdução: não se trata de entender a ciência naquilo que ela tem de mais espetacular e notório o mas sim no que ela tem de mais permanente e contínuo. Foge-se de uma história das revoluções científicas para se pensar a atividade científica cotidiana.

Já era tempo que aqueles que fazem história da ciência abandonassem uma perspectiva (aliás ainda partilhada por muitos dos que se dedicam à história da filosofia, da literatura, da arte) na qual só os gênios aparecem, constituindo-se assim urna espécie de galeria de heróis selecionados de acordo com juízos e de valor próprios da ciência atual. Este tipo de história da ciência pertence à mesma "episteme" como diria Michel Foucault, que a história dedicada a eventos privilegiados (revoluções, guerras mundiais) ou a grandes chefes políticos (Frederico da Prússia. Napoleão.

Qualquer país, por mais periférico que seja, possui, ou luta por possuir, uma comunidade científica e, embora em certas fases da história essa comunidade possa desempenhar um papel maior como divulgadora, como simples transmissora de uma cultura científica no âmbito de instituições de ensino, do que como criadora de novas teorias, isso não significa que, mesmo nesses períodos mais intensamente didáticos, ela não se entregue, dentro daquilo a que Thomas Kuhn chama "ciência normal", a uma tarefa de pesquisa. cujos resultados são comunicados aos especialistas por meio de órgãos de comunicação específicos. Até para o Brasil colonial isto é verdade- É certo que as "memórias" científicas eram apresentadas sobretudo na metrópole e divulgadas pela Academia das Ciências de Lisboa, mas isso não impedia que tal produção fosse obra de uma comunidade científica com raízes brasileiras, muito diferente daqueles cientistas estrangeiros que apenas se interessavam em percorrer o Brasil para enriquecer as coleções dos museus de História Natural dos seus respectivos países.

É pena que o livro de Simon Schwartzman passe tão rapidamente sobre a formação da comunidade científica no Brasil durante o período colonial e durante todo o século xix, preferindo concentrar-se no século XX. Vários séculos são analisados em apenas 51 páginas, enquanto sete décadas ocupam 220, do que resulta um certo desequilíbrio quanto à profundidade de análise. Este desequilíbrio só pode ser explicado por um preconceito que, ainda que mitigado nesta equipe de pesquisadores, ainda se faz sentir em história da ciência: o passado é encarado apenas em função do presente.

Dai resulta serem profundamente anacrônicas muitas das análises históricas até agora feitas e, embora o livro de Simon Schwartzman fuja a este anacronisno exatamente por se concentrar na comunidade científica do século XX, esta é apenas uma maneira de contornar o problema: o da historicidade do conceito de ciência. <