TEMPOS DE CAPANEMA, de Simon Schwartzman, Helena Maria Bousquet Bomeny, e Vanda Maria Ribeiro Costa. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1984, 388 pp. 2ª edição, 2000.

Tânia Regina de Lucca, "Nos tempos de reforma educacional de Capanema", O Estado de São Paulo, 2 de julho de 2000


A reedição de Tempos de Capanema (Paz e Terra/FGV, 434 págs., R$ 28,80), de Simon Schwartzman, Helena Maria Bousquet Bomeny e Vanda Maria Ribeiro Costa, merece ser saudada. A obra, lançada originalmente em 1984 e esgotada há muito tempo, tornou-se consulta obrigatória para todos os que se interessam pela história brasileira, em especial a era Vargas.

Os pesquisadores embrenharam-se pelo vasto arquivo pessoal de Gustavo Capanema (1900-1985), constituído por mais de 200 mil documentos, que foi cedido e doado em 1978 ao Centro de Pesquisa e Documentação em História Contemporânea do Brasil (CPDOC), da Fundação Getúlio Vargas.

Esse rico material abarca a vida pessoal e a longa carreira política de Capanema. Entretanto, como advertem os autores, Tempos de Capanema não é uma biografia sistemática. O livro concentra-se no período da sua gestão no Ministério da Educação e Saúde (1934-1945) e tem por objetivo reconstituir as grandes intenções e projetos que mobilizaram o Ministério da Educação naqueles anos, buscando ver, por um lado, suas matrizes políticas e ideológicas no ambiente da época e, por outro, o que ocorreu quando se tratou de levá-los à prática (p. 29-30).

O trabalho está estruturado em quatro partes, que se subdividem em vários capítulos. Na primeira, Tempo de Política, Capanema é inserido no grupo de intelectuais mineiros que, na década de 1920, cruzava a Rua Bahia: Abgar Renault, Pedro Nava, Milton Campus, João Alphonsus, Mário Casassanta, Afonso Arinos, Pedro Aleixo, Carlos Drummond de Andrade, seu chefe de gabinete no Ministério.

A atuação política em Minas Gerais, as ligações com o movimento de 1930, a influência de Francisco Campos, então o seu mentor político, e de Alceu Amoroso Lima, são cuidadosamente analisadas. As expectativas que cercavam a educação no momento em que Capanema foi indicado para o MES e os vários projetos em confronto - o da Escola Nova, da Igreja, dos militares, o de cunho fascista, idealizado por Francisco Campos - estão devidamente explicitados.

A segunda parte, Tempos de Ação, detém-se nas propostas e projetos do MES para a área cultural, entendida como parte da tarefa educativa do Ministério. O Serviço de Radiodifusão Educativa, o Instituto Nacional de Cinema, o Conservatório Nacional de Canto Orfeônico, a Escola de Música, o Projeto da Cidade Universitária e o Palácio da Cultura são esquadrinhados.

Destaca-se aqui a colaboração de nomes como Mário de Andrade, Villa-Lobos, Lúcio Costa, Oscar Niemeyer, Cândido Portinari, Rodrigo de Melo Franco, além de Drummond.

A enumeração dos interlocutores de Capanema e de suas iniciativas, ainda que por si só significativa, não dá conta das idas e vindas, das pressões e injunções políticas que cercaram cada uma dessas atividades: as disputas com outros órgãos governamentais - DIP e demais Ministérios - e as diferentes perspectivas daqueles que se envolveram nas propostas, aspectos devidamente contempladas no livro.

Exemplar, nesse sentido, é a convivência de dois projetos antagônicos: o Palácio da Cultura, sede do Ministério, erigido a partir do traço modernista de Le Corbusier, e o da Cidade Universitária, encomendado ao arquiteto italiano Piacentini, marcado pela monumentalidade dos edifícios fascistas e que, felizmente, não saiu da prancheta.

Minorias - A constituição da nacionalidade brasileira, que deveria ser o ponto culminante de todas as ações do Ministério, esbarrava em obstáculos de ordem variada, como a presença de minorias étnicas, sobretudo os alemães. O esforço no sentido de erradicar os `quistos' que ameaçavam a brasilidade, compreendida como algo homogêneo, é cuidadosamente documentado, sem que se deixe de registrar o ponto de vista daqueles que foram objeto da ação ministerial.

As intervenções na área educacional propriamente dita são discutidas na terceira parte, Tempos de Reforma. Aborda-se aqui o longo caminho até a aprovação do Plano Nacional de Educação, possível, nos termos em que ocorreu, apenas no contexto de um governo autoritário; as propostas para o ensino universitário, que incluíram o fechamento da Universidade do Distrito Federal e a criação da Universidade do Brasil, concebida como modelo para todo o País; o novo formato do Ensino Secundário e as tentativas de criar um Ensino Industrial sob a responsabilidade do Estado.

Os conflitos de opiniões, a influência da Igreja, manifesta na proximidade entre Capanema e Alceu Amoroso Lima, os interesses dos industriais, que desejam fazer valer suas concepções sobre a formação de mão-de-obra; e a competição entre os vários ministros e assessores de Vargas ganham espaço, alertando para as tensões e dissonâncias de um período que, muitas vezes, se insiste em tomar como monolítico.

Na parte final, Tempo de Transição, avalia-se a herança recebida. É certo que muitas das propostas dos Tempos de Capanema não se efetivaram, no entanto, é forçoso reconhecer que, apesar das declarações enfáticas, continuamos a conviver com o seu legado. Concepções e normas gestadas naquele período ainda conservam a capacidade de seduzir e apresentar-se como verdades evidentes e naturais.

Nesse âmbito, vale destacar a noção de que o sistema educacional do País tem de ser unificado seguindo um mesmo modelo de Norte a Sul, de que cabe ao governo regular controlar e fiscalizar a educação em todos os seus níveis; de que todas as profissões devem ser reguladas por leis, de que ao Estado cabe não só o financiamento da educação pública, como também o subsídio à educação privada; e de que a cura dos problemas de ineficiência, má qualidade de ensino, desperdício de recursos, etc., reside sempre e necessariamente em melhores leis, melhor planejamento, mais fiscalização, mais controle (p. 273).

O tom polifônico que distingue o livro, resultado da argúcia com que os autores exploram a variada documentação do arquivo, é perceptível desde as páginas iniciais. Se a trajetória de Capanema é o fio de Ariadne que dá sentido ao enredo, esse está muito longe de se circunscrever a um único personagem: o enfrentamento entre teorias políticas e ideológicas antagônicas, as expectativas de país e de futuro acalentadas, assim como as disputas no âmbito governamental, vão sendo descortinadas a partir da fala de seus protagonistas, fornecendo a justa medida da complexidade do período e do seu legado. <