SIMON SCHWARTZMAN, HELENA MARIA BOUSQUET BOMENY, VANDA MARIA RIBEIRO COSTA
1ª edição: Editora da Universidade de São Paulo e Editora Paz e Terra, 1984 - 2ª edição, Fundação Getúio Vargas e Editora Paz e Terra, 2000.Os debates versavam sobre literatura, arte, ciência, desportos, regimes políticos e alimentares, bailes, finanças, o temporal e o espiritual. Fazia-se livremente a crítica de homens e costumes. Nenhum valor era aceito por simples tradição ou presunção; tinha de ser analisado miúda e implacavelmente. Os ataques seriam às vezes injustos; os louvores, mais raros, não o eram nunca. Despreocupados de qualquer conveniência de partido ou de indivíduo, os circunstantes tinham aquela ferocidade intelectual, espontânea e gratuita, sem a qual não medra o livre exame (...) Como a atitude do grupo fosse meramente especulativa, o governo, sempre vigilante quanto aos fermentos da dissolução, deixava-o existir. Eram os 'intelectuais', e nesta classificação havia um pouco de desdém da força maciça em frente aos belos mas inofensivos torneios da inteligência. Na realidade, porém, estes intelectuais interceptavam na rua da Bahia o trânsito ascendente para o palácio da Liberdade e, ao tropismo exclusivo para o poder constituído que ameaçava constituir-se em traço novo da índole montanhesa, opunham o espírito da sátira, de equilíbrio e de revisão. Tínhamos assim a rua da Bahia levando ao governo e ao mesmo tempo se afastando dele.Se Capanema participava desse grupo, era bem pouco típico. "De todos," lembra Drummond, "era talvez o mais terrível consumidor de livros. Era também o mais ascético, e não participava do gosto que um ou outro freqüentador do recinto sagrado nutria pelas peregrinações noturnas aos bares, com declamação de poemas do modernismo nascente e largo consumo de cerveja gelada." Em relação à política, Drummond o descreve como "dos espectadores mais frios, cuidando menos de julgar o governo do que de ignorá-lo, para melhor se consagrar à análise pura do fenômeno politico, numa espécie de inconsciente preparação ideológica para a atividade de governo que em breve lhe seria dado exercer." Era o "homem de livro e de lâmpada", o "clérigo puro", que se viu, um dia, chamado às contingências da vida politica.
Bacharelandos de Direito, Belo Horizonte, 1924. Formandos à esquerda: Carlos da Cunha Peixoto, Leopoldo de Souza Neto, Aguinaldo da Costa Pereira, Antonio Olinto Pereira, Afonso Dutra Nicácio, Camilo Mendes Pimentel, Rafael Rebelo Horta e João Utsch de Carvalho. À direita: Gastão de Oliveira Coimbra, Alencar Alexandrino de Faria, Francisco Negrão de Lima, Gustavo Capanema Filho, Gabriel Rezende Passos, Mário Casassanta, Abgar Renault (Foto de Dopper e Martins), 1924. |
"Tive conhecimento da alta eloqüência e do rasgado pensamento que assinalaram os teus discursos de saudação ao Campos Gostei e fiquei satisfeito por verificar que andas cada vez mais distanciado de Locadieu; és real, e, portanto, mais forte. O destino de Locadieu é regulado por Maurois que arranjou um esquema engraçado para a desgraça; o teu destino é puramente o destino. Depois, a tua força não está apenas na tua inteligência nem na tua cultura; sempre esteve na tua persistência. Não veja em mim atitudes irônicas: sou de natural pouco agudo e prezo aos meus amigos. Mas, a tua persistência em Pitangui tem qualquer coisa de heróica, como aquelas assentadas valentes diante aos livros. E o que te libertará de Pitangui; tanto afrontarás a cidade que te tornarás superior a ela. Um dia ela deixará de existir em ti."(12)Com a posse de Olegário Maciel no governo do Estado, em setembro de 1930, ele é convidado para chefe-de-gabinete do Presidente do Estado, levado provavelmente pelas mãos de Campos. Participa da Revolução de 1930 nesta posição, e é logo depois nomeado para o posto-chave de secretário do Interior de Minas Gerais.
Peço-lhe que me mande dizer com urgência onde está meu pai, pois o lugar dele já está arranjado. Ele deve ir morar em Pitangui, onde a senhora e ele deverão ter casa. O João e a Alice deverão instalar-se logo em Pitangui. O João já está contratado para professor da Escola Normal, devendo a nomeação dele para diretor sair nestes poucos dias. Meu pai irá para o cargo de escrivão da Coletoria Federal, tendo eu já arranjado um lugar para o Vital aqui em Belo Horizonte. O Corinto deverá submeter-se a rigoroso tratamento, para o que seria bom que consultasse um especialista daqui (...). Quero ver se arranjo para o José um lugar no Banco do Brasil, aqui na agência de Belo Horizonte (...). Seja como for, a nossa família ficar instalada em Pitangui. Lá é que deve estar o nosso centro. Eu quero muito a Pitangui e não desejo separar-me daquele povo. Além disto, tenho lá interesses políticos. É principalmente por isto que preciso ter em Pitangui um ponto de descanso, ou um centro de informação e de trabalho. Espero que tudo isso se fará logo. Até que se normalize a situação, peço-lhe que me comunique todas as suas necessidades, para eu arranjar jeito para afastá-las.(14)Que fazia, na década de 1930, um secretário do Interior em Minas Gerais? Terminado seu ciclo de política mineira em 1933, e antes de assumir o Ministério da Educação no Rio de Janeiro, Capanema escreve um resumo de suas atividades nos intensos anos que panaram, com vistas, possivelmente, a uma obra maior que nunca se completou. "Os decretos de minha pasta eram coisas comuns," lembrava então; "pequenas aberturas de crédito, perdão, autorização de despesas, nomeações, aposentadorias, coisas assim."(15) O quadro que traça Carlos Drummond, na pequena biografia mencionada anteriormente, não é distinto:
A secretaria de estado que lhe confiou o velho presidente Olegário Maciel não oferecia grandes perspectivas de ação cultural. Não cuidava dos negócios do ensino. Seu conteúdo consistia em juízes, soldados e municípios. Nestes últimos, o campo de ação seria realmente enorme e sugestivo, mas o regime federativo com base na autonomia municipal, não obstante a revolução vitoriosa, sufocava ainda qualquer veleidade de influência profunda no organismo das comunas. O governo era um espectador graduado da vida municipal, comparecendo para aplaudir ou aprovar, mas sem os meios de ação eficazes para intervir. Os demais assuntos da secretaria - magistratura e policia - não convidavam à elaboração intelectual. Gustavo Capanema teve assim o privilégio de movimentar um aparelho governamental a que não correspondia nenhuma tarefa substancial e de conseguir movimentá-lo realizando uma obra-prima de inteligência aplicada ao governo.(16)Esta tarefa sem substância era, sobretudo, politica. Ela consistia, essencialmente, em um jogo delicado de poder, que se realizava em duas frentes. Em nível nacional, o básico era manter os canais abertos e a lealdade ao novo governo federal, e utilizá-lo como ponto de apoio para consolidar a posição de poder dentro do estado. No nível estadual, tratava-se de fazer a operação inversa, ou seja, manter e consolidar o máximo de apoio das lideranças politicas regionais e locais, e utilizá-lo como capital politico para manter as boas graças do governo federal. A estratégia de sobrevivência da velha oligarquia mineira ante o ímpeto da revolução vitoriosa havia consistido em apoiar o lado vencedor e, assim, pela lealdade ao novo regime, tratar de preservar o estado dos ventos renovadores que o tenentismo triunfante ameaçava. Era necessário manter a lealdade ao novo regime antes que outros o fizessem, amaciar, tanto quanto possível, o impacto dos novos poderes que se acumulavam no Rio de Janeiro, sem alterar em maior profundidade as formas tradicionais de vida e poder politico do estado.
De dezembro de 1930 a setembro de 1933, Gustavo Capanema conseguiu, quase sozinho, manter o contato entre Minas e o poder central. À primeira vista, parece pouco. É muito, se considerarmos as circunstâncias da época e o que esse contato veio a representar na evolução da vida nacional. Capanema arrostou as maiores incompreensões, inclusive por parte de amigos íntimos. (Como é trágico ter razão contra o amigo Intimo!). Minas Gerais era trabalhada por forças diversas, dentro e fora do seu território, e estas tendiam antes à desagregação do que à composição. Ao lado de agitadores malévolos, que queriam a desordem, havia homens de boa fé, repelindo o princípio de colaboração com o governo federal. Tudo conspirava por que Minas se desinteressasse da Revolução de Outubro e, desinteressando-se, entravasse o desenvolvimento natural dessa revolução.(17)O arquivo Capanema mostra alguns aspectos deste trabalho. Três de novembro de 1930. Feita a revolução, ela ameaça devorar seus criadores. No palácio da Liberdade, em Belo Horizonte, Capanema anota os eventos daqueles dias: "Hoje aclaram-se os horizontes. A tempestade que ontem se armara contra Minas passou e nos resta apenas esse amargo inevitável de toda a decepção, mesmo a mais injustificada. A nossa decepção não foi porém injustificada. O gaúcho não andou bem com Minas, e sejam quais forem os acontecimentos futuros, que não se apague a lembrança dessa ferida e a lição dessa experiência."(18) As notas relatam negociações delicadas com Osvaldo Aranha a respeito da participação de Minas no novo governo, que terminam com a indicação de Francisco Campos para o novo ministério.
Minha primeira viagem ao Rio foi a 5 de dezembro, sexta-feira. Na Estação Pedro II o Campos esperava-me. Fui no seu automóvel, com ele, até Copacabana e fiquei hospedado em sua casa. No caminho, o Campos já tratou do assunto comigo: liquidar o Bernardes. Fiquei espantado, julguei isso um absurdo. Eu estimava o Bernardes. O plano inicial de Campos não era a fundação da Legião ou de outro partido em Minas. Era a reorganização da Comissão Executiva do PRM com a liquidação de Bernardes. Achei difícil e arriscado. Além de tudo, ingrato e injusto. O Campos objetava com os tenentes, o Getúlio, a salvação de Minas, os ideais revolucionários. Depois de vários dias de conversa, regressei. Regressei a 11 de dezembro, chegando a Belo Horizonte a 12, sexta. Vim disposto a falar ao Olegário. No fundo, vim do Rio disposto a auxiliar o Campos na trucidação do Bernardes.(21)Os detalhes do jogo politico que se seguiu já são conhecidos, e não precisam ser repetidos aqui. A hostilidade a Artur Bernardes cresce progressivamente, a Legião de Outubro é criada em Minas com o objetivo de alterar suas bases, com a participação de lideres tradicionais de Minas em oposição a Bernardes, principalmente Antônio Carlos, e em certo momento (agosto de 1931)0 próprio governo Olegário Maciel vacila ante uma tentativa de deposição tramada desde o Rio de Janeiro. O conflito é contornado no início de 1932 pelo chamado "acordo mineiro", que dá a Bernardes o direito de indicar alguns nomes para o secretariado do Estado. O movimento constitucionalista de São Paulo consolida a cisão, que se transformará no confronto entre o velho PRM e o novo Partido Progressista, que domina as eleições para a Constituinte de 1934.(22)
Defender a vitória da revolução brasileira é combater contra todos os seus inimigos, que são de três categorias: inimigos oriundo: do velho regime (os governantes depostos, os aderentes hipócritas e os viciados e corruptos de toda espécie); inimigos existentes no seio da própria revolução (os revolucionários sem convicção, os revolucionários preguiçosos ou céticos e os revolucionários violentos); e inimigos de origem externa (todos os propagandistas e pregoeiros e apóstolos de doutrinas políticas exóticas e inadaptáveis à solução dos problemas brasileiros).Realizar os ideais da revolução brasileira era desenvolver em busca deles uma dupla ação, a "ação política e a ação educativa". A ação política incluía, além do apoio ao governo e ao programa da Aliança Liberal, "organizar e mobilizar a opinião pública para que ela seja capaz de conhecer os problemas nacionais e de propor para eles as soluções adequadas e oportunas; e ser intermediária entre o povo e o governo, para estabelecer entre eles o necessário equilíbrio e harmonia." A ação educativa consistia, essencialmente, em "manter e fortalecer o espírito de unidade nacional e pregar e desenvolver os altos sentimentos e as grandes virtudes humanas:"(26)
"Designamos V.S. para delegado da Legião nesse município, com incumbência de aí organizar núcleo legionário que represente o pensamento e aspirações do município. Seguirão instruções minuciosas. Pedimos sua resposta por telegrama. Saudações cordiais. (aa) Francisco Campos, ministro do Governo Provisório; Gustavo Capanema, secretário do Interior; Amaro Lanari, secretário das Finanças."(28)Para lideres políticos sem responsabilidades administrativas diretas, telegrama mais curto era enviado pedindo apoio e colaboração: "Apelamos prezado amigo sentido colocar toda sua influência e prestigio a serviço da grande causa legionária de cuja rápida e vitoriosa organização depende a segurança, a estabilidade e o êxito das iniciativas do novo regime republicano."(29)
Os bravos soldados, que galhardamente se bateram nas várias frentes mineiras pelo ideal da liberdade, serão abandonados, ao desamparo, nada valendo, para os homens que querem dominar o Estado, o sangue que generosamente derramaram (...). A formação de milícias fascistas, espalhadas pelos vários município: do estado, visa substituir a Força Pública de Minas. Para isto, muito embora não se paguem aos funcionários, nem aos fornecedores das repartições públicas, há dinheiro bastante para a enorme encomenda de armamento que está a chegar e é destinada à milícia fascista. O plano vai ser executado pela mesma forma pela qual pretenderam afastar de Minas os bons mineiros que lutaram pelo nosso progresso, ao lado de nossa gente (...). O presidente Olegário já não delibera. Há um Rasputin a seu lado fazendo a desgraça de Minas. Oficiais: Por Minas e pelo Brasil - Reagir enquanto é tempo.O aspecto visual e simbólico deste tipo de movimento é importantíssimo, e Francisco Campos se preocupa com todos os detalhes. Em 28 de março de 1931 envia um telegrama a Capanema, que já dão texto de um outro telegrama a ser enviado aos chefes municipais da Legião convocando para uma grande parada legionária em Belo Horizonte, para o dia 21 de abril. Cada município deveria "enviar pelo menos vinte milicianos com o uniforme da milícia legionária, isto é, camisa cáqui e gorro do mesmo pano", e o telegrama informava, também, que "as estradas de ferro Central e Leopoldina concederão grande abatimento nas passagens". Em outra correspondência, Campos trata com Capanema a questão do hino da Legião e da filmagem do grande acontecimento: "O portador lhe entregará também o hino da Legião, cuja música foi feita pelo Souto, autor do hino João Pessoa. A letra não vale nada; a música, porém, me parece muito melhor do que a do hino feito aí. Seria o caso de adotá-la oficialmente como hino da Legião, tanto mais que está sendo gravada pela Casa Edison em milhares de discos. É indispensável que seja filmada a parada. Não há em Belo Horizonte quem filme bem. A Botelho Films pede cinco contos para a filmagem. É capaz, porém, de reduzir o preço. Consulte ao Lanari se posso contratar pelo menor preço possível."(30)
Até hoje, onde e sobre que problema se ouviu a voz oficial de Minas? Qual o seu pensamento em tudo quanto se tem deliberado em todas as questões, sejam de ordem politica, sejam de ordem econômica e financeira? Qual a contribuição oficial de Minas nos debates oficiais relativos à reconstrução das nossas instituições políticas? As suas exigências, os seus interesses, as suas tendências, as suas opiniões, que expressão já encontraram nos conciliábulos e nas combinações de que, entre os responsáveis pelo governo e pela direção do Brasil, têm sido objeto os rumos a se imprimirem nos negócios nacionais? A todas essas cogitações têm estado ausentes o governo de Minas e o seu partido. Minas não se interessa por essas vagas abstrações; não será por questões de idéias, de princípios e de doutrinas que Minas há de mover-se dos seus cômodos. O que aquele governo reclama é o que costuma reclamar uma prefeitura - nomeações e demissões de coletores, agentes fiscais e inspetores de ensino. Eis o seu quinhão e os sinais de seu prestígio. A prefeitura de Minas não tem outras aspirações a satisfazer. Talvez a de Patos seja mais exigentes nas suas reivindicações...(34)Uma amostra, sem dúvida, das grandes diferenças entre Capanema e seu mentor de início de carreira. Campos foi, sempre, um ideólogo, no sentido de que toda a sua atuação politica se fazia a partir de determinadas idéias e concepções que lhe pareciam mais apropriadas para a época e para o jogo político no qual se envolvia. Capanema, sem deixar de ser também um homem de idéias, parecia mover-se muito mais pelas contingências do dia-a-dia, em uma estratégia de conciliação, de conservação e acúmulo de poder que, no final, se mostraria bastante realista e efetiva, ainda que acarretasse uma perda de autonomia e independência.
Permito-me acentuar a grande importância que terá para o governo um ato da natureza do que proponho a V. Excia. Neste instante de tamanhas dificuldades, em que é absolutamente indispensável recorrer ao concurso de todas as forças materiais e morais, o decreto, Se aprovado por V. Excia, determinará a mobilização de toda a Igreja Católica ao lado do governo, empenhando as forças católicas, de modo manifesto e declarado, toda a sua valiosa e incomparável influência no sentido de apoiar o governo, pondo a serviço deste um movimento de opinião de caráter absolutamente nacional.Assinando o decreto, prossegue Campos, "terá V. Excia. praticado talvez o ato de maior alcance politico do seu governo, sem contar com os benefícios que de sua aplicação decorrerão para a educação da juventude brasileira. (...) Pode estar certo", conclui, evidentemente com conhecimento de causa, "que a Igreja Católica saberá agradecer a V. Excia. esse ato, que não representa para ninguém limitação à liberdade, antes uma importante garantia à liberdade de consciências e de crenças religiosas."(36)
"Inquietou-me um pouco o 'panteísmo' goethiano do prefácio, esse primado da ação sobre o ato, que é um dos pecados mais graves do 'mobilismo' contemporâneo. Creio que uma orientação fascista, como teve o movimento legionário em boa hora iniciado pelo Capanema, pelo Campos, por você, pelos novos mineiros, só pode ser útil a Minas e ao Brasil, se mantiver o 'primado da inteligência' como Melo de defesa da supremacia da Fé. De outro modo, através do hegelianismo, do primado da ação, continuaremos apenas no evolucionismo, no relativismo que provocam o ceticismo e que uma nacionalidade como a nossa, sem estrutura certa, sem ideais definidos, sem unidade geográfica e sem critério político, poderá ser o nosso desastre definitivo." E mais tarde, referindo-se ao movimento constitucionalista de São Paulo em 1932: "Quanto aos ideais, estavam tão errados os de 30 como os de 32: o liberalismo democrático, a 'pureza' dos princípios constitucionais de 91, como queria a Aliança Liberal ou como hoje quer São Paulo. Portanto: afirmação de varonilidade vital e de ilusão ideológica em 30 e em 32. Hoje São Paulo será provavelmente vencido. Qual o resultado desse desfecho diverso em face de premissas idênticas? É o que eu procurei nos fatos e nos livros como o seu, de espíritos capazes de ver o fundo dos acontecimentos."(38)A importância desta carta é que ela já define, desde o inicio, os termos nos quais a Igreja, na perspectiva de Alceu Amoroso Lima, via a colaboração com o novo regime e com o projeto político de Francisco Campos. Havia identidade de pontos de vista quanto à falência do regime liberal, e também concordância, evidentemente, quanto à importância dos valores religiosos como fundamento ideológico para a consolidação moral do país. Mas havia, também, uma divergência profunda. Apesar de considerar "útil" a orientação fascista do movimento iniciado por Campos, Alceu deixa clara sua divergência profunda com um dos princípios básicos do fascismo e do pensamento politico de Francisco Campos, que é a crença na supremacia da ação e da vontade sobre o uso da razão. Pensador católico, Alceu Amoroso Lima não se afasta da idéia clássica de que é possível estabelecer uma ordem social de base moral erigida de acordo com os princípios da filosofia racional, cujas conclusões coincidirão, necessariamente, com as verdades reveladas da religião cristã. É esta racionalidade que permitiria sair do relativismo, do ceticismo, da falta de critério. É ela que permitiria substituir a debilidade de princípios que Alceu via no liberalismo democrático por uma ordem social fundada em princípios cristãos bem definidos. Para Francisco Campos, no entanto, os princípios cristãos pareciam ser, principalmente, um instrumento de mobilização política, e não um valor em si. Isto talvez explique por que, apesar da aproximação inicial, o relacionamento da Igreja Católica com o tipo de política preconizado por Francisco Campos jamais se tenha consumado completamente.