SIMON SCHWARTZMAN, HELENA MARIA BOUSQUET BOMENY, VANDA MARIA RIBEIRO COSTA
1ª edição: Editora da Universidade de São Paulo e Editora Paz e Terra, 1984 - 2ª edição, Fundação Getúio Vargas e Editora Paz e Terra, 2000.Os poderes públicos devem ter em mira que a educação, tendo por finalidade preparar o indivíduo para a vida moral, política e econômica da nação, precisa considerar diversamente o homem e a mulher. Cumpre reconhecer que no mundo moderno um e outro são chamados à mesma quantidade de esforço pela obra comum, pois a mulher mostrou-se capaz de tarefas as mais difíceis e penosas outrora retiradas de sua participação. A educação a ser dada aos dois há, porém, de diferir na medida em que diferem os destinos que a Providência lhes deu. Assim, se o homem deve ser preparado com têmpera de teor militar para os negócios e as lutas, a educação feminina terá outra finalidade que é o preparo para a vida do lar. A família constituída pelo casamento indissolúvel é a base de nossa organização social e por isto colocada sob a proteção especial do Estado. Ora, é a mulher que funda e conserva a família, como é também por suas mãos que a família se destrói. Ao Estado, pois, compete, na educação que lhe ministra prepará-la conscientemente para esta grave missão.(1)O tratamento especial que Capanema reserva às mulheres se desdobraria em dois planos. Por um lado, haveria que proteger a família; por outro, haveria que dar à mulher uma educação adequada ao seu papel familiar. Os diversos projetos e propostas elaborados com este objetivo mostram certa evolução, que vai desde uma divisão extrema de papéis entre os sexos até uma atitude mais conciliatória, que chega até mesmo, a aceitar, em 1942, a co-educação, ainda que de forma excepcional. Foi uma evolução provocada, acima de tudo, pela força dos fatos.
Manifstação Cívica. FGV - CDPODC, Arquivo Capanema |
1 - É recomendável que a educação secundária das mulheres se faça em estabelecimentos de ensino secundário de exclusiva freqüência feminina.
2 - Nos estabelecimentos de ensino secundário freqüentados por homens e mulheres, será a educação destas ministrada em classes exclusivamente femininas. Este preceito só deixará de vigorar por motivo relevante, e dada especial autorização do Ministério da Educação.
3 - Incluir-se-á na 3a. e na 4a. séries do curso ginasial e em todas as séries dos cursos clássico e científico a disciplina de economia doméstica.
4 - A orientação metodológica dos programas terá em mira a natureza da personalidade feminina e bem assim a missão da mulher dentro do lar.(6)A economia doméstica foi o que ficou implantado definitivamente nas escolas secundárias como educação feminina. As associações femininas católicas, tradicionalmente ligadas à educação e à assistência de meninas, prestariam inestimável contribuição a este tipo de ensino. A Liga das Senhoras Católicas de São Paulo organiza, logo depois de promulgada a Lei Orgânica do Ensino Secundário, um Curso de Emergência para a preparação de professores de economia doméstica "sob os auspícios do Ministério da Educação e Saúde".
- Redução progressiva do trabalho feminino fora do lar (a mulher que trabalha fora, funcionária ou operária, ou não é mie, ou não é boa mãe, ou não é boa funcionária). O salário familiar permite a volta da mulher à casa, com mentalidade renovada.
- Luta contra o urbanismo. Os grandes centros são hostis às famílias numerosas. Rumo à terra! Rumo ao campo!
- Proibição de instrumentos e drogas destinadas a práticas anticoncepcionais (veja anexa a lei francesa, de 31 de julho de 1920) - Proibição de livros, folhetos, cartazes, filmes, peças de teatro e de qual quer propaganda anticoncepcional.
- Proibição legal eficiente do aborto.
- Conservar o clima espiritual e cristão em que respiram as famílias brasileiras e lutar contra o materialismo que alimenta a concepção egoísta da vida estéril.A inspiração dos setores católicos mais militantes ao projeto fica ainda mais patente quando nos deparamos, no arquivo Capanema, com o texto de um artigo assinado com o nome de Tristão de Ataíde, e em linguagem pretérita. É um artigo de elogios sem reservas a Vargas e a Capanema: "O governo nacional comemorou O Dia da Pátria, este ano, de maneira excepcional. Houve um movimento unânime de opinião. As demonstrações escolares e militares foram impressionantes. E não faltou a colaboração fraterna de grandes nações vizinhas, mostrando que a América entende e aprecia devidamente o que é o valor supremo da paz com dignidade." De todos os eventos da data, continua o artigo, "nenhum excedeu, a meu ver, em importância, o da promulgação da lei a que se deu o nome tão expressivo de Estatuto da Família." Por este ato, "o Dr. Getúlio Vargas e o Dr. Gustavo Capanema merecem os aplausos incondicionais da opinião pública brasileira."
Desfile da Juventude por ocasião da visita de Capanema a Curitiba, 14 de outubro de 1943. FGV - CDPOC - Arquivo Gustavo Capanema |
Em princípio, não pode deixar de ser aconselhável a arregimentação da mocidade em normas preestabelecidas de orientação doutrinária e cívica, em hábitos de disciplina e no culto do dever militar. No Brasil, e no momento atual, é mais do que indicado esse trabalho de educação moral, física e intelectual da mocidade. Mas, para que seja atingida a finalidade visada, torna-se necessário que a organização da juventude brasileira se faça de acordo com as nossas realidades, boas ou más, e nunca sob inspiração de modelos, que se não ajustam ainda ao nosso meio. E, ao que parece, é isso que se depreende do projeto ora em apreço.
Como é sabido, três países na época atual se destacam na organização da mocidade: a Alemanha, a Itália e Portugal.
O projeto em estudo pretende, como se faz naquelas nações, emassar a mocidade brasileira numa organização de feição militar, miliciana, com formação de colunas, falanges, bandeiras, companhias legiões e grupos de legiões; postos graduados de bandeirantes, mestre de companhias etc.; continências, comando e instrução de infantaria, idênticas às do Exército etc.; e com atribuições até de conceder cadernetas de reservista.
Baseia-se ainda a organização numa articulação de núcleos, dos municípios com os estados e destes com a União (...)(14)Dutra prossegue salientando o fato de apresentar o Brasil características absolutamente distintas daqueles países que estão servindo de modelo à elaboração desse projeto de Organização.
(...) convêm ponderar a questão do analfabetismo. Quando aqueles países cuidam da organização da juventude e, sobretudo, da sua instrução pré-militar, partem da preliminar de que essa juventude já está alfabetiza da. (...) O mesmo não se dá no Brasil, onde ainda é elevado, como se sabe, o número de analfabetos nos jovens de sete a 17 anos. E não é lógico imaginar-se uma campanha cívica, sem primeiro ser resolvido, ou convenientemente impulsionado, o importante problema do analfabetismo.
Em terceiro lugar, cumpre atender ás razões que determinaram a organização miliciana da juventude nas referidas nações, a qual se justifica como decorrente:
1o.) do regime da nação armada, a que estão sujeitos aqueles países;
2o.) da permanente ameaça de guerra em que os mesmos têm vivido há vários anos num ambiente de nervosismo e de amarga expectativa.
Nada disso se verifica presentemente no Brasil. Nessas condições, o projeto, conforme está, parece não se adaptar convenientemente à realidade brasileira.
Trata-se de uma organização complexa e cara. E, sobretudo, de difícil execução.(15)No lugar do projeto do Ministério da Justiça, Dutra propõe, essencialmente, trabalhar através do sistema escolar existente, e envolver o Ministério da Educação:
Com o enquadramento da mocidade escolar já existente, dentro de normas que seriam traçadas pelo Ministério da Guerra e o da Educação e que visariam a sua conveniente educação física, cívica e instrução pré-militar. (...) Em vez de distribuir-se os alunos das atuais escolas nas fileiras de uma entidade nova, como o é a Organização Nacional da Juventude, melhor seria conservá-los nos estabelecimentos a que pertencem e que passariam, então, a células da ONJ.
A segunda fase consistiria no recrutamento da juventude que ainda não pertence a nenhum estabelecimento de ensino. O melhor meio de recrutá-la seria com a Fundação de escolas.(16)No fundo, as considerações de Dutra resumem-se no seguinte: nem criar uma organização nacional paramilitar que implicaria, além de uma orientação política que julga inapropriada ao Brasil, despesas e custos administrativos vultosos; nem deixar que as escolas fiquem livres de uma intervenção de cunho político-pedagógico. O pomo de discórdia localizava-se na invasão da área de autoridade que ele considerava como restrita ao Exército Nacional. Consentir na criação da Organização Nacional na forma proposta seria admitir uma estrutura paralela ã do Exército, o que não escapa à observação e ao enérgico protesto do ministro da Guerra, ainda que membro integrante do Conselho Supremo que dirigiria a Organização Nacional da Juventude:
(...) Caso, porém, não prevaleçam as considerações de ordem geral acima expostas e que, nessas condições, o projeto se mantenha como está, cumpre, atendendo às imperiosas razões de segurança nacional, objetar o seguinte:
1o.) O projeto em apreço contraria fundamentalmente o decreto-lei n 432 de 19 de maio de 1938, que regula o ensino no Exército, bem como a lei do Serviço Militar. Nessas condições não podem subsistir os seguintes artigos do Regulamento Técnico-Disciplinar anexo:
Art. 5o. O serviço pré-militar preparatório à reserva das forças passa a ser feito exclusivamente nas fileiras da Organização. Os Tiros de Guerra autônomos ou adjuntos a estabelecimentos de ensino ou sociedades esportivas, as Linhas de Tiro, e os Tiros Navais cessarão de existir, passando seus filiados às fileiras da Organização, na forma do disposto no art. 6o.
Art. 6o.-O preenchimento dos quadros do Exército Nacional continuará a ser feito pelo sorteio militar, realizado anualmente entre os cidadãos que se encontrem na idade determinada pela lei.
O certificado de aprovação no curso de instrução pré-militar dada aos pioneiros de segundo grau exclui a obriga ção de prestar serviço ativo dentro dos quadros regulares do Exército.Ao final da exposição, o ministro da Guerra conclui:
Como se vê, a Organização Nacional da Juventude se permite dar caderneta de reservista e chega a determinar a extinção dos Tiros de Guerra e Navais, o que não consulta aos interesses da defesa nacional e vem retirar das classes armadas uma atribuição que não deve ser concedida a outrem.
Só ao Exército deve caber todo o poder militar.Eurico Dutra afirma categoricamente que, consentir na criação de outra entidade coletiva com tais atribuições, seria decretar o enfraquecimento do Exército como força nacional, redundando, conseqüentemente, no enfraquecimento do Estado e da União. "A instrução pré-militar já está regulada nas próprias leis militares e com vantagens perfeitamente especificadas para os jovens que recebem instrução nos estabelecimentos de ensino."(17)
O bom exemplo, nesta matéria, é a organização juvenil portuguesa. Foi instituída com finalidades singelas. Diz a lei portuguesa (decreto-lei n 26.611 de 1936, art. 40) que a Mocidade Portuguesa "abrangerá toda a juventude, escolar ou não, e se destina a estimular o desenvolvimento integral da sua capacidade física, a formação do caráter e a devoção à pátria, no sentimento da ordem, no gosto da disciplina e no culto do dever militar."(24)A exemplo daquele país, dever-se-ia mobilizar a juventude brasileira sem afetar as instituições já constituídas de segurança nacional. Em Portugal, a instituição da Mocidade não se confundia com a organização paramilitar da Legião Portuguesa. Ao contrário, eram entendidas como organismos distintos, nunca concorrentes. A primeira, uma organização pré-militar e a segunda, paramilitar, o que evidentemente as distinguia na essência. A própria forma como eram compreendidas essas organizações deixa clara a distinção que os próprios portugueses faziam. A Mocidade Portuguesa funcionava como um apoio essencial à formação do efetivo a ser incorporado á Legião. Devia ela, portanto, concentrar seus esforços nos aspectos fundamentalmente educativos, reservando para a Legião toda a responsabilidade pela formação militarizante, necessária em um momento considerado excepcional da vida política portuguesa.
Na Itália, na Alemanha e na URSS, as organizações juvenis são órgãos relacionados, mas não subordinados aos ministérios da Educação; é que nesses países as organizações juvenis São, não instituições de precípua finalidade educativa, mas órgãos políticos, entidades filiadas e encorpa das aos partidos únicos nacionais.(27)A preocupação com a duplicação de estruturas paralelas de controle e funções não se restringia, na análise de Capanema, à esfera dos ministérios. A forma centralizada e unitária com que foi pensada a Organização abriria espaço para conflitos com os governos estaduais preteridos na sua estrutura de controle e funcionamento. "A estrutura unitária da Organização Nacional da Juventude tem como conseqüência o fato já assinalado de ficar ela inteiramente desvinculada dos governos estaduais e municipais. É excluída toda ligação com os órgãos locais de administração dos serviços de educação."(28) A proposta do ministro era uma estrutura conforme o princípio federativo, o que significaria uma redução do vasto campo de domínio do secretário-geral da Organização.
Tenho a honra de submeter á apreciação de Vossa Excelência o incluso projeto de decreto-lei sobre a criação da Juventude Brasileira, de autoria do sr. general José Meira de Vasconcelos, com o parecer favorável do Estado-maior do Exército.
A Juventude Brasileira, como a imagina e propõe o seu autor, será uma instituição nacional e permanente, cujo objetivo essencial é a formação e a orientação cívica da mocidade, nos moldes da educação extra- escolar de Baden Powell (escoteirismo).
O Estado-maior do Exército julga não haver inconveniente na fundação dá Juventude Brasileira, nos termos exatos em que está prevista no projeto de decreto-lei. Não devem, entretanto, os encargos de seus diferentes órgãos ser atribuidos, exclusivamente, a militares, senão na fase primeira da organização, (...) se faça mister o elemento militar. Depois, melhor ficará a instituição sob a direção imediata do Conselho Superior de Segurança Nacional, coadjunto ao seu trabalho por funcionários de um ou mais ministérios.
Este ministério já teve ocasião de se manifestar sobre o projeto semelhante que cogitava da Organização Nacional da Juventude (ONJ).(29)O novo projeto contribui para reforçar a autoridade do Exército, auxiliando-o na sua função educativa, sem ameaçar esse monopólio com a criação de instituições paralelas com atribuições semelhantes às suas. Orientar civicamente a juventude para o bom desempenho de suas funções como futuros "cidadãos-soldados" é fundamentalmente diferente de militarizá-la nos quadros de uma nova organização. A primeira atividade é de reforço; a segunda, de competição.
Desfile da Juventude Brasileira durante o Estado Novo, foto de Peter Langue, FGV - CPDOC, arquivo Gustavo Capanema. |
As finalidades a que se propõe a Juventude Brasileira, em proveito da infância e da juventude são essencialmente: a) a educação moral, cívica e física; b) a educação pré-militar; c) a educação doméstica.(31)A organização paramilitar da juventude cede lugar à transmissão de valores que visava inculcar "nos infantes e nos pioneiros inscritos na Juventude Brasileira, o amor ao dever militar, a consciência das grandes responsabilidades do soldado, o conhecimento das técnicas elementares do serviço militar e os hábitos singelos e duros da vida de caserna e de campanha."(32) O projeto prevê o estabelecimento do 21 de abril como data de sua comemoração; o realce ao culto constante e fervoroso à bandeira nacional; a definição de símbolos de sua unidade moral; o estabelecimento de comemorações cívicas em todo o território nacional etc. O efetivo básico da agremiação seria formado por jovens matriculados em qualquer estabelecimento de ensino oficial ou fiscalizado, devendo estes inscreverem-se obrigatoriamente. Aos jovens não matriculados, a inscrição seria facultativa.
O nosso companheiro secretário nacional de Educação e Cultura Artística recebeu do Exmo. Sr. Dr. Gustavo Capanema, DD. ministro da Educação e Saúde Pública, um convite para que a mencionada Secretaria da Ação Integralista Brasileira prestasse a sua colaboração à I Exposição Nacional de Educação e Estatística, que se inaugurará no próximo dia 20 de dezembro, sob o patrocínio do referido ministério.
Atendendo ao convite recebido, o companheiro secretário nacional enviará diretivas aos chefes provinciais transmitindo-lhes instruções afim de que, com diligência, possam colaborar na brilhante e patriótica iniciativa, uma das valiosas e grandes realizações do ministro Capanema.(36)Um indicio da afinidade do projeto da Organização Nacional da Juventude com o movimento político chefiado por Plínio Salgado é a ligação que Francisco Campos manteve com o chefe da AIB, reiterando a importância daquele movimento para a consolidação da política autoritária que se implantava no Brasil. Esses contatos são lembrados por Plínio Salgado em uma carta a Getúlio Vargas contendo uma exposição das perseguições que a AIB vinha sofrendo por parte do governo e, principalmente, da decepção que essa organização sofrera com a ruptura de um pacto estabelecido de início entre o poder central e a Ação Integralista Brasileira. Neste documento, Plínio Salgado fala a respeito de um plano de ação que consistiria no apoio da AIB ao projeto político do Estado Novo em troca do consentimento e do apoio do governo ao desenvolvimento da ação integralista no Brasil:
A influência do integralismo na sociedade brasileira e nas Forças Armadas atingira amplíssimas áreas e tocava às profundidades dos corações. Os comunistas e os governadores dos estados bem o sentiam. Desencadeava-se uma propaganda tenaz contra os princípios ensinados pelo integralismo: os mesmos princípios políticos que serviram em grande parte à nova estrutura constitucional do país.
Foi nessa ocasião que me procurou o Dr. Francisco Campos, com o qual me encontrei em casa do Dr. Amaro Lanari. Ele me falou dizendo-se autorizado pelo Sr. presidente da República e me entregou o original de um projeto de Constituição que deveria ser outorgada, num golpe de Estado, ao país. Estávamos no mês de setembro de 1937.
O Dr. Francisco Campos, dizendo sempre falar após entendimento com V. Excia., pediu o meu apoio para o golpe de Estado e a minha opinião sobre a Constituição, dando-me 24 horas para a resposta. Pediu-me, também, o mais absoluto sigilo.(37)Em termos de princípios, não havia dúvida sobre a conveniência de uma ligação do integralismo com o poder central; a bandeira principal de combate ao comunismo parecia ser uma arma eficaz de ajuda ao governo na desmobilização da esquerda. Ademais, toda a ênfase do integralismo no culto à pátria, na valorização da nacionalidade e da soberania nacional, na prática de atividades cívicas e politicas simbolizadas no patriotismo exacerbado, se adequavam perfeitamente à proposta de implantação de um regime autoritário no Brasil, podendo representar uma sólida base de apoio e sustentação à politica do Estado Novo em processo de gestação. O governo, além de não descartar esse apoio, por um certo tempo efetivamente o alimentou. A expectativa do chefe integralista, segundo seu depoimento, foi mesmo acrescida com promessas estimuladoras:
Perguntei qual seria, na nova ordem, a situação da Ação Integralista Brasileira ao que o Dr. Francisco Campos me respondeu que ela seria a base do Estado Novo, acrescentando que, naturalmente, o integralismo teria de ampliar os seus quadros para receber todos os brasileiros que quisessem cooperar no sentido de criar uma grande corrente de apoio aos objetivos do chefe da nação (...).(38)A ligação com o projeto futuro da Organização Nacional da Juventude já fora feita, nessa ocasião. "Em relação ao integralismo, V. Excia. (Francisco Campos) falou-me da reorganização da nossa milícia. Tais palavras me encheram de confiança. Acreditei até que essa grande organização da juventude seria patrocinada pelo ministro da Educação, uma vez que V. Excia. me dizia que esse ministério tocaria ao integralismo."(39)
(...) A milícia armada da AIB era o que o povo mais temia. Segundo os estatutos da AIB, cada célula tinha seu próprio depósito de armas pesadas e leves, e inventários regulares eram feitos e submetidos aos centros regionais, e nacional da AIB. Plínio aboliu formalmente a milícia quando o governo promulgou a sua lei de Segurança Nacional de abril de 1935 (cujo alvo eram, naturalmente, as esquerdas), mas criou em seu lugar uma secretaria de Educação Moral e Física, também sob a orientação de Gustavo Barroso, o que vinha a dar na mesma coisa.(42)Consentir no livre desenvolvimento do integralismo como força civil organizada era assumir os custos que poderiam implicar a proliferação das células que organizavam esquadrões paramilitares para a "educação moral e física"; uma reserva para a milícia integralista, autônoma e de âmbito nacional. Ora, isso significava a formação de um mecanismo de mobilização política que tanta reação provocou na cúpula militar. Em trabalho recente sobre a participação das Forças Armadas na política, no período de 30 a 45, José Murilo de Carvalho refere-se à reação militar ao integralismo desta forma:
(...) O integralismo era mobilizatório, provocava reações políticas contrárias, mantinha, enfim, viva a atividade politica. E isso era exatamente o que não interessava à cúpula militar que via a oportunidade de eliminar de vez a atividade política e conseguir assim eliminar também as perturbações disciplinares motivadas pelo partidarismo.(43)A transformação da Organização Nacional da Juventude em movimento cívico acresceu-se de mais um significado político: o freio que foi dado às pretensões de liderança nacional de Francisco Campos. Da mesma forma que Plínio Salgado, o ministro da Justiça viu alimentada essa pretensão com a participação direta e ativa na articulação do golpe de 37 e na feitura da Carta Constitucional que traçaria as bases do regime autoritário. No entanto, quando do momento de implantação do regime, o governo vai deixar clara a distância entre essa política autoritária e o que o ministro da Justiça poderia pretender. Plínio Salgado, na correspondência a que antes nos reportamos, refere-se à afinidade de Francisco Campos com o fascismo, segundo o chefe integralista, uma característica que os distinguia essencialmente. "De minha parte, como conheço as idéias fascistas do Sr. Campos, eu me imaginava mais próximo do pensamento do presidente do que ele próprio." Essa afinidade vai-se transformar no argumento central utilizado por aqueles que combateram o projeto da Organização Nacional da Juventude.
(...) Não se compreende, pois, que se crie uma Juventude Brasileira e não se fixe imediatamente um programa de ação, enquadrando-a dentro do programa de ação do Estado. Juventude Brasileira para só aparecer nos dias de festa nacional ou para nomear diretorias e render homenagens aos vultos nacionais nos dias que lhes são consagrados, não se justifica. Precisamos de uma Juventude Brasileira orientada nos moldes das juventudes totalitárias, embora adaptada ao nosso ambiente e às diretrizes do Estado Novo.
Que representam na Alemanha ou na Itália as "Juventudes" nazistas? Representam organismos vivos, imbuídos dos programas do Estado, que desempenham num determinado escalão as tarefas preparatórias do escalão superior, inclusive a instrução pré-militar, de modo que qualquer membro dessas Juventudes possa evoluir naturalmente, sem sobressaltos ou malabarismos, para este ou aquele setor da organização nacional. Em uma palavra, qualquer membro dessas Juventudes sabe para que se está preparando (...)(44)Mas, não seria no final de 1941, quando já passado o momento efervescente em que teve lugar a proposta da Organização Nacional da Juventude e já debelados os impulsos de organização miliciana, que teria eco um clamor dessa natureza. O movimento da Juventude Brasileira já se afirmara pela desmobilização e já fazia parte do folclore do civismo, a grande retórica nacional.