SIMON SCHWARTZMAN, HELENA MARIA BOUSQUET BOMENY, VANDA MARIA RIBEIRO COSTA
1ª edição: Editora da Universidade de São Paulo e Editora Paz e Terra, 1984 - 2ª edição, Fundação Getúio Vargas e Editora Paz e Terra, 2000.O comando da 5a. R. M. ressalta os estados mais atingidos pelos perigos da colonização estrangeira, tanto alemã como italiana, japonesa e polonesa, achando que de todos os elementos radicados no nosso país, os mais bem-organizados são os alemães, devido ao isolamento em que procuram viver, transmitindo aos seus descendentes língua, costumes, crença, mentalidade, cultura e patriotismo.(2)A dificuldade de assimilação alemã é atribuida à fecunda consciência patriótica que o grupo preserva. Esse processo de consciência é transmitido às gerações seguintes, constituindo-se em uma forte ameaça à formação da consciência patriótica brasileira. Pelo tipo de ocorrências que a 5a. Região Militar seleciona para conhecimento do Estado-maior do Exército, não é difícil compreender as razões de ter o Exército se imiscuído na questão da nacionalização, transformando-a em questão de segurança nacional. O comando regional chama a atenção do Exército para fatos como: a não compenetração dos deveres militares para com a pátria por parte dos conscritos de origem teuta; a dificuldade na repartição dos reservistas no plano de mobilização; o problema racial; a educação como base de formação da nacionalidade; a Igreja como colaboradora dos elementos estrangeiros e, finalmente, as atividades nazistas no Brasil. O comando da 5a. Região indica a colonização alemã como a mais perniciosa "porque tem atrás de si, com a política da Alemanha de hoje, uma organização capaz não só de encorajá-la como mesmo de protegê-la, quer pela força, quer pelas injunções diplomáticas."(3)
Desfile do Dia do Trabalho no Grêmio Esportivo Renner, Porto Alegre, 1937 |
Tendo em vista o problema da infiltração nazista, decidimos utilizar as escolas como meio de neutralizar as influencias do meio social. Resolvemos então criar incentivos especiais para as professoras que concordassem em se deslocar para locais mais distantes, sob maior influência alemã. Oferecemos a elas residência, serviço de saúde e proteção policial, além de salário normal a que tinham direito (...); nas áreas mais carentes fizemos convênios com entidades particulares para intensificar a formação de quadros. Enfim, foram cercadas de todo cuidado e tratadas como verdadeiras princesinhas (...).(4)Ainda ao Ministério da Educação caberia a tarefa de atuar junto à Igreja, transformando-a em órgão que colaborasse com o governo e não com o grupo estrangeiro. Era preciso auxiliar a organização de sociedades recreativas e culturais, procurando modificar as que existiam e modelando-as dentro de um "espírito de brasilidade".
(...) A presença alemã no Brasil centrava-se no intercâmbio comercial, embora não se restringisse a isso. Havia entre o governo brasileiro e o alemão um acordo tácito de que as dificuldades políticas não deveriam prejudicar os acertos econômicos. Os problemas políticos daquele momento eram os seguintes: do lado brasileiro havia a reclamação de que o nazismo procurava influenciar a população de origem alemã no Sul do Brasil, além da pretensão do governo alemão de proteger "minorias alemãs" e organizar o partido nazista em nosso país. Do lado alemão, havia queixas contra as leis de assimilação dos estrangeiros em território brasileiro promulgadas pelo governo em 1938, bem como a proibição de propaganda de partidos políticos estrangeiros.(10)No ambiente internacional havia já a certeza de que as graves crises político-militares na Europa em 1938 levariam a um confronto drástico. Essa era a forte razão que levava o governo americano a ampliar sua área de influência no continente, e o estreitamento de relações Brasil-Alemanha era interpretado como um perigo de aliança do Brasil com o Eixo. O objetivo do governo brasileiro era manter uma situação que lhe fosse favorável sem que lhe custasse a ruptura de relações com qualquer dos dois países. É dentro dessa conjuntura de "opção estratégica pela indefinição" que se compreende a argumentação, sempre recorrente, da necessidade de aplicar uma política "severa, mas cautelosa" com relação à nacionalização do ensino, quando em confronto com os grupos alemães. Defendia-se, oficialmente, a separação entre o projeto de nacionalização e a posição de neutralidade do Brasil no contexto dos conflitos externos. A fórmula proposta combinava energia e suavidade na definição da ação politica nacionalizadora. Houve até momentos em que se chamava a atenção para a necessidade de não imprimir à nacionalização "alardes de xenofobia". A política deveria assumir uma feição tal que não criasse embaraços, colocando o Brasil numa situação constrangedora frente a estados estrangeiros pela aplicação de medidas violentas que, eventualmente, pudessem provocar qualquer choque de soberanias. Era um equilíbrio difícil de manter, sob o Estado Novo.
Antes de 1937 isso não teria sido possível nalguns estados, porque as instituições vigentes erigiam em forças eleitorais os núcleos de origem estrangeira, dando-lhes influência bastante para contrariar os intentos do governo central.(11)Esse tipo de depoimento é mais ou menos recorrente na documentação oficial que diz respeito à questão da nacionalização do ensino. A vinculação freqüente entre a resolução do que era considerado um "problema nacional" e uma estrutura de poder fortemente centralizado no Estado Nacional funcionava como argumento de justificação da política do Estado Novo. E, sem dúvida, foi nesse período, entre 1938 e 1940, que medidas foram tomadas em prol da construção do que se chamava uma "política de nacionalização".
Não se deve aplicar o mesmo critério assimilador a asiáticos e europeus. Por maior que seja a nossa boa vontade, por mais profundo que seja o nosso instinto de cordialidade internacional, cumpre-nos defender os caracteres morfológicos do povo brasileiro, preservar as suas possibilidades de aproximação com os tipos europeus iniciadores, mantendo à parte os grupos asiáticos e impedindo o seu desenvolvimento. Destarte, o problema japonês fica desde logo definido como um problema de política imigratória. A nacionalização, neste caso, não deve significar assimilação étnica.(12)
Sede da União Beneficiente e Educativa fechada pela polícia gaúcha. FGV - CPDOC, Arquivo Cordeiro de Farias |
Sabido como são férteis os japoneses em seus processos de sutileza e em sua pertinácia racial, contamos que V. Excia. em seu alto patriotismo se dignará mandar estudar o assunto pela seção de segurança desse ministério, no sentido de ser encontrada uma forma para neutralizar essa manobra de burla à nossa politica nacionalizadora.(13)Solicitando a assessoria do INEP, o ministro da Educação dá prosseguimento às medidas cabíveis ao caso. Recebendo o memorando assinado por Lourenço Filho, foi constatado que com a legislação vigente não se poderia impedir a entrada de livros estrangeiros, pelo artigo 19 do decreto-lei n 1.006 de 1938, que regularizava a produção e distribuição do livro didático no Brasil. Por esse artigo, "é livre a importação de livros didáticos." Lourenço Filho chama a atenção para esse "embaraço legal" apontando como solução a alteração da legislação prevendo-se a liberdade de importação de livros didáticos, "desde que impressos em língua portuguesa."(14) Essa sugestão foi imediatamente acatada e incorporada ao conjunto de novos regulamentos que essa matéria recebeu no período do Estado Novo.(15)
Até há cerca de um ano podia o alemão, ou de descendência, viver aqui sem ser molestado, desde que se portasse direito. Podiam, outrossim, as crianças dos alemães aqui nascidas, e que de acordo com as leis são brasileiras, freqüentar as escolas alemãs e ter assim ensino suficiente. Começaram as medidas de nacionalização do governo brasileiro, que destruíram sem razão e destroem dezenas de anos de uma cuidadosa conservação de costumes (...) De importância, é que com essa situação não pode haver uma educação direita dos filhos aqui. De nenhuma forma pretendo dar aos meus filhos um ensino escolar de apenas (quatro) anos, que é feito por professoras com 18 anos. Pois isso não é ensino. Além disso não estou disposto a mandar meus filhos sentarem num mesmo banco escolar com negros.(17)O major Euclides Sarmento, em 1939, escreve ao ministro da Educação destacando os quatro mais importantes decretos promulgados em 1938 a respeito dos estrangeiros no Brasil. O decreto-lei n 383, de 18 de abril de 1938, que vedava aos estrangeiros o exercício de atividades politicas no Brasil; o decreto-lei n 406, de 4 de maio desse mesmo ano, regulamentando o ingresso e a permanência de estrangeiros, determinando providências para a assimilação dos mesmos e criando o Conselho de Imigração e Colonização como órgão executivo das suas disposições; o decreto n 868, de 18 de novembro de 1938, criando a Comissão Nacional de Ensino Primário, estabelecendo entre as suas atribuições a de nacionalizar o ensino nos núcleos estrangeiros; e, finalmente, o de n 948, de 13 de dezembro de 1938 que, considerando serem complexas e exigirem a cooperação de vários órgãos da administração pública as medidas capazes de promover a assimilação dos colonos de origem estrangeira e a completa nacionalização dos filhos de estrangeiros, determinava que as medidas com esse fim "fossem dirigidas e centralizadas pelo Conselho de Imigração e Colonização."
ESTADO | ESCOLAS FECHADAS | ESCOLAS ABERTAS |
R.G. SUL | 103 | 238 |
S. CATARINA | 298 | 472 |
PARANÁ | 78 | 70 |
SÃO PAULO | 284 | 51 |
ESPÍRITO SANTO | 11 | 45 |
TOTAL | 774 | 876 |
(...) Existem duas formas, ou melhor, três, de se estabelecer a nacionalidade de uma pessoa: pela herança de sangue, fundamentada no jus sanguinis, que exclui critérios geográficos; pelo local de nascimento de uma pessoa, baseado no jus soli; ou pela combinação dessas duas coisas. Esta última alternativa levou a uma dualidade de nacionalidades, principalmente entre grupos de imigrantes, estabelecidos fora de seu país de origem, gerada pela confusão em torno dos conceitos de pátria, cidadania e nacionalidade. Por exemplo, na ideologia pangermanista divulgada no Sul do Brasil, qualquer pessoa descendente de alemães teria direito à nacionalidade alemã (expressada pelo termo Volkstüm), enquanto que a cidadania estava restrita aos nascidos na Alemanha.(21)A conseqüência básica dessa concepção era a distinção entre os conceitos de cidadania e nacionalidade. Cidadania tinha que ver com vinculação ao Estado; nacionalidade, com direito de sangue (e não com a eventualidade de se ter ou não nascido na Alemanha). "Por isso, na concepção pangermânica, todos os alemães e descendentes de alemães, em todo o mundo, poderiam formar uma unidade nacional sem se constituírem, necessariamente, em traidores dos estados dos quais são cidadãos."(22) Este entendimento, considerado extremamente ameaçador às autoridades brasileiras, era para o grupo teuto-brasileiro absolutamente natural, uma vez que se consideravam brasileiros por cidadania e, como tal, cumpridores de todos os deveres cívicos e políticos a que o cidadão comum está sujeito. Mas sua nacionalidade alemã era mantida por suas instituições próprias: a imprensa teuto-brasileira, a escola alemã, a sociedade de caça e tiro, a Igreja Luterana. Junto a elas, prossegue Giralda Seyferth, a Escola Evangélica Alemã, as igrejas Luterana e Católica, as sociedades recreativas - e mais o uso quotidiano da língua alemã. Para um alemão, era possível construir uma Heimat para si no estrangeiro. Este termo se aplicava essencialmente ao local onde o indivíduo tinha seu lar. A Heimat de um teuto-brasileiro nascido em Blumenau, por exemplo, é esta cidade e será uma Heimat alemã se for mantida viva a cultura especificamente germânica pela utilização da língua alemã e até pela evocação da paisagem brasileira através de uma canção, a Lied. Dessa forma, a língua acabou por se tornar a principal característica do nacionalismo alemão fora de suas fronteiras, como o meio mais concreto de identificação étnica.(23)
De iniciativa exclusivamente particular, foram surgindo as instituições necessárias à vida coletiva: comunidades religiosas, sociedades recreativas e beneficentes, hospitais e uma vasta rede escolar (...) Criadas e mantidas pela diligência particular e só mais tarde subvencionadas pelo governo alemão, estas escolas representam um alto e quase comovente esforço de elevação, partido de criaturas abandonadas, desejosas de não regressar às condições primárias dos aglomerados não civilizados.(24)A alusão ao descaso dos governos passados, da metade do século XIX até a década de 1930, vem tanto de fontes oficiais, como dos próprios grupos estrangeiros quando defendem a manutenção do que construíram sem auxílio e sem apoio do governo. Na investida final do processo de nacionalização esse tipo de argumento era utilizado com certa freqüência pelos próprios grupos estrangeiros, principalmente o alemão. Nas diversas avaliações de órgãos diretamente responsáveis pelo assunto, como é o caso do INEP, aparece igualmente na argumentação o fato de nunca ter havido uma politica definida sobre a imigração que prevenisse impasses futuros como os que estavam vivendo naquele período.
(...) Há noventa anos passados chegava no vale do Itajaí a primeira colônia dos povoadores alemães. Decerto, no meio de imensas florestas, foram deixados ao abandono. Abateram a mata, lavraram a terra, lançaram a semente, construíram suas casas, formaram as lavouras e ergueram o edifício de sua prosperidade. Dir-se-á que custaram muito a assimilar-se à sociedade nacional, a falar a nossa lingua. Mas a culpa não foi deles, a culpa foi dos governos que os deixaram isolados na mata, em grandes núcleos, sem comunicações. Aquilo que os colonos de então pediam era o binômio de cuja resultante deveria sair a sua prosperidade. Só pediam duas coisas: escolas e estradas, estradas e escolas. No entanto, a população que prosperava isolada, devido somente ao seu próprio esforço, só tinha uma impressão de existência do governo. Era quando este se aproximava dela como algoz para cobrar-lhes impostos, ou como mendigo, para solicitar-lhes o voto. O governo que se aproximava somente quando precisava dos votos perdia a respeitabilidade, porque vivia de transigências. E à troca desses votos, não vacilava em desprezar os próprios interesses da nacionalidade (...).(26)Ora, exatamente porque foram obrigados a vencer esse "descaso",os alemães reivindicavam agora o reconhecimento de sua existência como grupo cultural autônomo e até a participação efetiva do governo na sustentação desse patrimônio já conquistado. Na perspectiva do grupo, o governo faria justiça se auxiliasse e apoiasse o empreendimento já construído, e nesse sentido é freqüente a solicitação dos alemães ao governo da mesma atenção que recebem os que chamam "luso-brasileiros":
(...) A primeira grande ofensiva do Estado nesse sentido constituiu a perseguição aos alemães em 1919, e a segunda começa a se esboçar agora (...). Segundo nosso conceito de brasilidade, porém, a nossa escola teuto-brasileira é tão brasileira quanto a escola oficial de lingua portuguesa; nós a consideramos equivalentes e equiparadas. A nossa exigência vai ao ponto de reclamar do Estado que ele auxilie não só financeiramente mas em todos os sentidos a escola teuto-brasileira, como sendo a escola de milhares de seus filhos.(27)Na avaliação do grupo germânico, os luso-brasileiros detinham um poder exacerbado e achavam injusto que, "pelo acaso de terem descoberto o país e vivido ali sozinhos durante 500 anos, em companhia de negros e índios, hajam conquistado o direito de impingir a sua norma de existência a todos os habitantes do Brasil."(28) Não atribuem aos portugueses nada de especialmente distinto que os credencie a um título de proprietário político, ideológico ou mesmo cultural dominante sobre os demais grupos estrangeiros que vieram construir a sociedade brasileira. Colocam em pé de igualdade e de direito a formação de uma vida teuto-brasileira, ítalo-brasileira, luso-brasileira. Cada grupo se nacionalizaria com uma marca especifica de etnia e isso em nada transtornaria a formação de uma sociedade, desde que os deveres fossem rigorosamente cumpridos frente ao estabelecido em lei na sociedade brasileira. Na verdade, o que se sentem enfrentando é uma conquista que os luso-brasileiros tiveram na constituição de 34 que oficializou a "brasilidade concebida no sentido lusitano."
O colono alemão foi forçado, desde o começo, a realizar trabalho físico, no qual, visto serem pequenos os estabelecimentos agrícolas, todos os membros da família - inclusive mulheres e crianças - tinham que participar. Como os filhos de colonos alemães cedo descobriram a relutância da mulher brasileira em se dispor ao trabalho físico, foram forçados a procurar esposas tão dispostas ao trabalho quanto eles. Dai a maior parte dos casamentos se fazerem quase que exclusivamente entre alemães ou pessoas de origem alemã ou, mais raramente, com colonos poloneses e italianos, os quais também não tinham relutância ao trabalho.(29)Logo adiante, contudo, outra razão é oferecida para essa escolha dentro do grupo: "Se um grupo é separado de sua pátria e, ao mesmo tempo, seu sangue é diluído por casamentos mistos, os traços típicos e as habilidades do grupo são destruídas."
O Estado controla soberanamente a escola, mas a Igreja escapa à sua fiscalização, porque, enquanto aquela promana do poder político, esta se considera divinamente inspirada, e conseqüentemente subtraída, graças ao axioma da liberdade de consciência, à soberania do temporal. Cada culto reconhece, apenas, a autoridade de sua própria hierarquia em matéria espiritual; e como todos têm em mira, como objetivo primacial, a propagação de sua fé particular, procuram atrair para seu seio o maior número possível de fiéis, utilizando-se para esse fim de todos os meios adequados, seguindo, como é natural, o principio de conservação dos esforços, a linha de menor resistência.(34)O conflito entre Estado e igreja estaria definitivamente aberto, caso não se tentasse e efetivamente não se realizasse um pacto entre ambos. Frente à mesma questão - a da convivência com núcleos estrangeiros no Brasil - duas estratégias opostas de ação se cruzavam. O Estado não abria mão do projeto de nacionalização que implicava na uniformização cultural, mesmo que para isso tivesse que utilizar métodos coercitivos e violentos; a Igreja, por sua parte, não se oporia - ao contrário, até estimularia - à preservação da cultura estrangeira se por esse caminho visse portas se abrirem à missão de multiplicar seus fiéis:
Enquanto o poder público, com o intuito de nacionalizar, procura disseminar a língua nacional, a Igreja prefere conservar a língua familiar dos núcleos estrangeiros, para facilitar sua tarefa. A ação do Estado, muitas vezes, é coatora, opondo-se aos desejos ou sentimentos dos núcleos desnacionalizados; a Igreja, para servir seus próprios fins, tudo faz para captar-lhes a simpatia. Nasce daí o choque de interesses antagônicos, suscitando conflito praticamente insolúvel.(35)Padres, pastores estrangeiros e mesmo bispos brasileiros reagiram de inicio às medidas de nacionalização. Até 1940, o governo não tinha conseguido impor a obrigatoriedade das prédicas e sermões em língua nacional pela forte reação por parte do clero. O governo temia complicar ainda mais o problema, acirrando uma questão religiosa pelo conflito aberto com a Igreja. Chegou-se até a mencionar a necessidade de nacionalizar o clero, mas, de imediato, percebeu-se o fracasso inevitável de tal projeto, devido ao insuficiente número de padres brasileiros para atender aos fiéis. E, "entre o interesse da religião e o do Estado, os sacerdotes de qualquer denominação pendem por aquele."(36) E ai reside um aspecto de suma importância para essa reflexão. Ao nacionalismo extremado do projeto do governo brasileiro contrapunha-se o internacionalismo religioso. A barreira e a fronteira à religião não se definem por território, mas por princípios ideológicos e religiosos. O que abria portas ao avanço da Igreja parecia ao governo um obstáculo perigoso ao seu projeto nacionalista. A política menos eficaz seria aquela que se pautasse pela intransigência. O parceiro mais propicio à intransigência, nesse caso, era a própria Igreja, já que em nada lhe atrapalhava o fato de serem os grupos estrangeiros afinados à sua própria cultura. Ao contrário, uma posição rígida com relação a esse grupo lhe era de todo prejudicial. Uma política ofensiva e agressiva do Estado contra a Igreja teria como conseqüência a reação da população na defesa de seu sentimento religioso e da liberdade de preservação da prática religiosa tão familiar. Um recurso do governo poderia ser o de angariar apoio da estrutura eclesiástica brasileira, mas também ai alguns problemas já se anunciavam:
Entretanto, como para dificultar mais ainda a solução do problema da nacionalização, a própria Igreja Católica, no caso dos poloneses, por breve de S.S. Pio XI, concedeu ao cardeal Augusto Hlond, primaz da Polônia, atualmente refugiado no Vaticano, a direção de toda a atividade religiosa católica relativa aos polacos no exterior. Dai resulta a obediência do clero católico polonês no Brasil à orientação, profundamente contrária aos nossos interesses, do cardeal Hlond, sem possibilidade de intervenção, sequer, das autoridades eclesiásticas brasileiras.(37)Era preciso uma política de extrema habilidade que, atendendo aos propósitos do governo, não ferisse a Igreja Católica. A posição do governo era particularmente difícil na área educacional, dado que o sistema privado, predominantemente confessional, era muito mais desenvolvido do que o oficial, e o governo não teria meios ou condições de substituir o primeiro pelo segundo. Além disto, era exatamente com a Igreja Católica que o Ministério da Educação contava para a tarefa de incutir nos alunos os valores éticos e morais que fariam parte de uma cultura nacional revigorada. Nas áreas de colonização alemã, contudo, o efeito era o oposto. O secretário de Educação do Rio Grande do Sul, por exemplo, considerava que o clero nesta região era, em última análise, um aliado do nacional-socialismo:
Na verdade, essa parte do clero combate a ideologia nazista, mas cultua a tradição alemã, com o fundamento de que na tradição reside o espírito de disciplina da gente de origem alemã - base de sua religiosidade.(38)Ele acrescenta que, no entanto, o sentimento religioso poderia ceder passo a um ideal racista. A seqüência do relatório é mais reveladora. Os dados apresentados indicam que a colônia alemã mantinha perto de duas mil escolas nas zonas de colonização - as escolas da rede das igrejas e as escolas independentes, Essas primeiras estavam divididas entre a Igreja Católica, a Igreja Evangélica Alemã (Sínodo Riograndense), a Igreja Evangélica Luterana Missouri e a Igreja Adventista. Segundo esta fonte oficial, as Igrejas Adventista e Missouri mantinham praticamente o ensino em português. O contrário se dava na rede escolar católica e evangélica: a língua escolar oficial era o alemão. Algumas ensinavam o português, mas como disciplina de interesse acessório. Além disso, possuíam suas escolas de formação de professores (em São Leopoldo e Novo Hamburgo), centenas de escolas primárias e grande número de estabelecimentos de ensino secundário.
A Cúria Metropolitana se compromete, sem prejuízo da completa autonomia administrativa e confessional das referidas escolas, a manter nas mesmas um ensino rigorosamente nacional, de acordo com a legislação federal e estadual atinente à matéria.(40)
Embora o nacionalismo brasileiro difira em muitos pontos do bolchevismo, combatendo-o como "ideologia estrangeira", na sua destruição dos valores criadores da individualidade nacional, usam ambos os mesmos métodos universalistas e mecânicos. O bolchevismo deseja o abandono das características peculiares às nações do globo, e o nacionalismo brasileiro extremado tem o mesmo fito dentro das fronteiras.(42)Na verdade, o modelo de nacionalismo brasileiro - ao contrário do liberal, que entendia a nação como uma coleção de indivíduos - buscava transformar a nação em um todo orgânico, uma entidade moral, política e econômica cujos fins se realizariam no Estado. O reforço do sentimento de nacionalidade parecia conferir à nação uma supremacia sobre o Estado, que se transformaria no mais forte instrumento de realização do ideário da nacionalidade. Nação e Estado construiriam a um só tempo a nacionalidade. Ora, é exatamente em cima de sua separação, e não de sua junção, que os alemães reivindicavam a liberdade para manutenção de uma dupla lealdade: à nação alemã e ao Estado brasileiro. A preservação simultânea da cidadania brasileira e da nacionalidade alemã.
Os pangermanistas politicamente mais articulados sempre insistiam na prioridade do interesse nacional sobre o interesse do Estado e geral mente argumentavam que "a política mundial transcende a estrutura do Estado", que o único fator permanente no decorrer da história era o povo e não o Estado e que, portanto, as necessidades nacionais, mudando com as circunstâncias, deviam sempre determinar os atos políticos do Estado.(43)Se o sentimento de nacionalidade ganha prioridade sobre o interesse de Estado, ele pode se desprender de barreiras territoriais, unificando em torno desse ideário as populações dispersas em outras regiões que não pertencem ao país de origem. Esse movimento de unificação funciona ao mesmo tempo como elo de ligação e expansão do sentimento nacionalista nas mais distantes regiões do globo. Ampliar o sentimento de nacionalidade alemã era manter viva a lealdade à Alemanha e, ainda, estender ao mundo sua influência. É como se o nacionalismo, "substituto emocional da religião",(44) fortalecesse os movimentos de unificação, conferindo a seus adeptos uma origem como que sagrada, o que permitia a permanência da nacionalidade qualquer que fosse a contingência histórica.
(...) O que ela (a Alemanha) cobiça é a imensa riqueza natural brasileira. A sua posse resolveria completamente todos os problemas que a sua política de militarismo econômico origina. A conquista por assalto não seria uma política prática, mas o domínio efetivo dos recursos brasileiros poderia ser obtido infiltrando-se no Brasil como "um alinhado ideológico", para, por essa forma, converter o Brasil num vassalo econômico e político da Alemanha. As possibilidades econômicas brasileiras são tão ilimitadas que o domínio delas pela Alemanha significaria uma realização rápida do objetivo expansionista da hegemonia germânica através do mundo. Em resumo, é este o escopo das ambições germânicas no Brasil.(45)A ampla divulgação internacional das ambições e intenções do Terceiro Reich de aumentar seu domínio no mundo facilitou muito a associação imediata entre a existência de comunidades alemãs no exterior e a germinação de focos de representação do Terceiro Reich nesses países. E a insistência dos grupos alemães em defenderem a manutenção de sua lealdade à nação de origem fortalecia a crença em uma política deliberada da Alemanha de ampliação de suas fronteiras no mundo. O sentimento de nacionalidade transformava-se na própria razão de ser do Estado alemão, maior beneficiário de todo esse processo. Ser capaz de estar presente e viva, não obstante distâncias as mais longínquas, fazia da Alemanha um país distinto dos demais, provocando reações mais ou menos violentas, sobretudo daqueles países que igualmente disputavam maior controle e influência no cenário da política internacional.