TEMPOS DE CAPANEMA

SIMON SCHWARTZMAN, HELENA MARIA BOUSQUET BOMENY, VANDA MARIA RIBEIRO COSTA

1ª edição: Editora da Universidade de São Paulo e Editora Paz e Terra, 1984 - 2ª edição, Fundação Getúio Vargas e Editora Paz e Terra, 2000.



Capítulo 7

O Grande Projeto Universitário


1. O projeto

2. A extinção da Universidade do Distrito Federal

3. A Faculdade Nacional de Filosofia

4. A Faculdade de Ciências Políticas e Econômicas

5. O saldo

Notas


1. O projeto
Uma universidade não é o que os espíritos simplistas imaginam: uma reunião material de diversas faculdades, ou, mesmo, a articulação de diferentes faculdades esparsas, sob esta pomposa denominação, a fim de que continuem, isoladamente, a fornecer diplomas para as profissões normais. Sem um plano de conjunto que vise a investigação, a pesquisa, o estudo, o conhecimento, a cultura, num ambiente propício e materialmente aparelhado para elevar os conhecimentos acima do nível comum e da simples missão de diplomar doutores, não se terá nunca uma universidade. Esta nasce - falo de modo genérico - para criar uma cultura real e direta, haurida no próprio meio, desenvolvida com os elementos que se fornece à livre expressão. Será o centro de preparo técnico, de aparelhamento de elite que vai dirigir a nação, resolver-lhe os problemas, preservar-lhe a saúde, facilitar-lhe o desdobramento e a circulação de riquezas, fortalecer a mentalidade do povo, engrandecer sua civilização.(1)
Essas palavras mostram de maneira nítida o grande papel que Capanema atribuía ao projeto universitário, certamente o mais ambicioso segmento do seu programa educacional. Para ele, era mais importante o preparo das elites do que a alfabetização intensiva das massas. Só com verdadeiras elites se resolveria, não somente o problema do ensino primário, mas o da mobilização de elementos capazes de movimentar, desenvolver, dirigir e aperfeiçoar todo o mecanismo de nossa civilização. Não se tratava, simplesmente, de uma elite de escritores e artistas: "A elite que precisamos formar, ao invés de se constituir por essas expressões isoladas da cultura brasileira, índices fragmentários da nossa precária civilização, será o corpo técnico, o bloco formado de especialistas em todos os ramos da atividade humana, com capacidade bastante para assumir, em massa, cada um no seu setor, a direção da vida do Brasil: nos campos, nas escolas, nos laboratórios, nos gabinetes de física e química, nos museus, nas fábricas, nas oficinas, nos estaleiros, no comércio, na indústria, nas universidades, nos múltiplos aspectos da atividade individual, nas letras e nas artes, como nos postos de governo. Elite ativa, eficiente, capaz de organizar, mobilizar, movimentar e comandar a nação."(2)

O caminho para o recrutamento dessas elites deveria ser o ensino secundário, que por sua vez se alimentaria do ensino primário. Idealmente, a seleção de pessoas a ser feita pelo curso secundário deveria obedecer a critérios de estrita competência e vocação: "Não se trata de embaraçar a ascensão dos alunos pela eliminatória das taxas altas, com o encarecimento do ensino, transformado em mais um privilégio odioso, antidemocrático e anti-social dos ricos. Ao contrário, devemos preparar de tal modo o curso secundário que até mesmo os milionários incapazes encontrem nele barreira intransponível, enquanto que os pobres que tenham bom merecimento possam concluí-lo sem dificuldades. Urge realizar, assim, ao mesmo tempo, o aperfeiçoamento dos cursos, a seleção de valores, a democratização e a socialização democrática do ensino, com o livre acesso nele, em todos os seus graus, aos mais capazes."(3)

O núcleo deste projeto grandioso deveria ser a Universidade do Brasil, uma continuação da antiga Universidade do Rio de Janeiro. A Universidade do Rio de Janeiro fora constituída em 1920 como uma reunião das escolas superiores da cidade, e em 1931 Francisco Campos, como primeiro ministro da Educação de Vargas, havia baixado legislação minuciosa dando-lhe um caráter integrado, a partir de faculdade de educação, ciências e letras que, entretanto, aguardaria vários anos para ser criada.

A primeira iniciativa nesta linha, no entanto, não caberia ao governo federal, e sim ao governo paulista, que em 1934, na gestão de Armando de Sales Oliveira, instituiu a Universidade de São Paulo (USP), centrada na sua faculdade de filosofia, ciências e letras. Para os fundadores da Universidade de São Paulo, ela teria como principal objetivo devolver ao seu estado, a longo prazo, a posição de liderança nacional perdida em 1932. Formada em 1937, a nova Universidade do Brasil teria como um de seus principais objetivos implantar em todo o país um padrão nacional e único de ensino superior, ao qual a própria USP se deveria amoldar. Ela teria ainda um outro objetivo mais geral, que era estabelecer um sistema estrito de controle de qualidade no en- sino superior, tal como fora exercido antes pelo Colégio Pedro II no nível secundário, mas que se tornava cada vez mais difícil de manter pela própria expansão da educação média no país.(4)

O projeto da Universidade do Brasil desdobrava-se em quatro atividades principais: o desenvolvimento da própria concepção da universidade; seu planejamento físico, que se deveria materializar na Cidade Universitária; a criação de uma faculdade de filosofia, ciências e letras, que seria o núcleo de integração de todo o conjunto; e a criação de algumas novas faculdades e institutos, dentre os quais sobressaía o projeto de uma faculdade nacional de política e economia. A rigor, a inovação de Capanema em relação à legislação de 1931 consiste, principalmente, em tratar de dar vida à faculdade de filosofia, ciências e letras - que na lei Francisco Campos deveria ser de educação, ciências e letras - e da construção do campus universitário.

Em 5 de julho de 1937, Getúlio Vargas sanciona a lei n 452, oriunda do Poder Legislativo, que institui a Universidade do Brasil, definida em seu artigo primeiro como "uma comunidade de professores e alunos, consagrados ao estudo." Em discurso feito na ocasião, Capanema define os dois princípios fundamentais do projeto, que já prenunciam as dificuldades que ele iria encontrar nos anos futuros.

O primeiro principio era o de que a Universidade do Brasil deveria "fixar o padrão do ensino superior de todo o pais", um objetivo que padecia tanto de excesso de pretensões quanto de uma grande limitação, dada pela idéia de que toda a estrutura e programas da nova universidade deveriam ser objeto de uma definição prévia detalhada. Este trabalho foi iniciado por uma comissão de 14 professores,(5) que deveria "não somente fixar o plano geral das escolas e faculdades e das demais instituições educativas, competentes na universidade, mas ainda fazer a minuciosa descrição de cada uma dessas unidades." Não é de admirar que, criada em 1935, a comissão ainda continuasse seus trabalhos dois anos depois. O programa, segundo Capanema, já elaborado nas suas linhas gerais e em grande parte de seus detalhes, era de dilatadas proporções. Dele emergia o programa da Universidade do Brasil, "completa de estrutura e sólida de entrosagem." Esta busca de uma definição prévia da estrutura e funcionamento da universidade deveria ter um nível de formulação ainda mais alto, a ser dado no sonhado Plano Nacional de Educação. Para Capanema, era na formulação legal que se consubstanciaria a essência de seu grande projeto. Entretanto, concedia, "é bem certo que não bastará o estabelecimento de determinações legais. Será necessário que os textos vivam, que deles decorra a realidade dos cursos superiores de todos os ramos. E esta realidade terá os seus tipos na Universidade do Brasil."

Nascendo já pronta e acabada, como Minerva da cabeça de Júpiter, à Universidade do Brasil seria negada a possibilidade de um crescimento orgânico e progressivo, durante o qual fosse buscando seus próprios caminhos. Além disto, traria como seqüela a morte ou a tentativa de sufocamento de outras iniciativas mais modestas e localizadas que não se ajustavam ao grande projeto, a começar pela Universidade do Distrito Federal, em cujo destino outros fatores de ordem política também influiriam.

Em sua concepção grandiosa, a nova universidade deveria ser "uma instituição total e unânime", o que significava, para Capanema, que em suas escolas e faculdades "devem ser ministradas todas as modalidades de ensino superior previstas pela lei, de tal sorte que nenhum estabelecimento, isolado ou congregado em universidade, deixe de ter nela o seu correspondente." Ficava, desta forma, estabelecida a premissa básica para o controle total do sistema de educação superior a partir da Universidade do Brasil, que deveria exercê-lo com o máximo de eficiência e qualidade. Para isto, estava previsto o aprimoramento progressivo do corpo docente, inclusive com a introdução do tempo integral; a exigência, para os alunos, "de vocação, consagração e disciplina"; e a montagem de todo o aparelhamento necessário (clinicas, laboratórios, museus, gabinetes, bibliotecas), para que o ensino deixasse de ser a estéril decoração de compêndios, e fosse um permanente trabalho de inquérito e pesquisa, de cooperação e descobrimento.

O segundo princípio, implícito no anterior, seria o dc que a Universidade do Brasil deveria ser uma instituição nacional, com estudantes recrutados em todo o país por critérios rigorosos dc seleção: "(...) Para a grande massa de estudantes da cidade do Rio de Janeiro, candidatos à matrícula nos cursos superiores, existem, e devem cada vez mais existir, estabelecimentos locais diversos. Tais estabelecimentos de caráter local, são, por outro lado, necessários em todo o território do país." A Universidade do Brasil, no entanto, seria a universidade para a elite. E ela se assentaria, desde o inicio, em uma Cidade Universitária construída em moldes grandiosos, que fosse, ao mesmo tempo, o núcleo da cultura brasileira e o marco mais visível da passagem de Gustavo Capanema pelo Ministério da Educação.

O grande projeto universitário não era bem visto pela imprensa, que já em 1936 o criticava acerbamente. O Diário da Noite afirmava que a prioridade deveria ser o combate ao analfabetismo.(6) O Diário Carioca criticava a escolha do local da Cidade Universitária tendo em vista as desapropriações próximas à quinta da Boa Vista: "É absurdo desapropriar a estação de Mangueira. Passa por cima de tudo que é de praxe e é ponderado." Segundo este jornal, Capanema queria fazer uma obra grandiosa e isolar a universidade: "Capanema nasceu de si mesmo. Tomou conta de Minas Gerais e para deixar o governo de Minas para Benedito Valadares, ganhou o Ministério da Educação (...). Em dois anos não fez nada, agora está se virando. Quer ser o alcaide, guardar as chaves da cidade no bolso e dizer 'é minha.' A central não deve perder a subestação de Mangueira. O Congresso não deve liberar a verba."(7) O Jornal comentava que a educação não podia servir à politica partidária e que não se podia centralizar o ensino. Segundo este jornal, a Universidade do Brasil era um desperdício que traria problemas financeiros. "O importante é o ensino eficaz."(8) Ainda em O Jornal, há um artigo intitulado "O Plano Universitário," que discute a questão da prioridade da cultura: alfabetizar o povo ou cuidar do ensino superior, fundando a Universidade do Brasil. Capanema afirmava que ia fazer as duas coisas, o que era considerado impossível, pois uma teria mais recursos e concentraria mais esforços: "É notório que o ministro se interessa mais pelo plano universitário. A prova disso é que ele não liga tanto para a saúde, que está em sua pasta"(9) Também o jornal Correio Paulistano se opunha ao projeto. "A Cidade Universitária é megalomania. o país está mal de finanças e o ensino primário está em péssimas condições. O grande mal é o analfabetismo."(10) O Diário de Notícias acusava Capanema de querer sair do anonimato burocrático com a Cidade Universitária: "Tenta convencer os deputados nos corredores da Câmara. Deixa o importante para trás. Não há dinheiro (...) Quer a Cidade Universitária por pura vaidade. O Ministério da Educação e Saúde não é falado, não tem posto político (...) Bacharelismo é luxo."(11) Ainda o Diário de Notícias, em artigo intitulado "Pletora Universitária", considerava louvável a idéia de Capanema de favorecer a cultura com a Universidade do Brasil, mas achava que havia questões prioritárias no âmbito do ministério que estavam sendo relegadas, como o analfabetismo, A situação financeira do país, dizia, não permitia uma reforma universitária de tal amplitude. Bastaria melhorar a situação da Universidade do Rio de Janeiro, ajudar a prefeitura a aperfeiçoar a Universidade do Distrito Federal e concentrar os recursos do Ministério da Educação para combater o analfabetismo.(12) O jornal O Correio da Manhã, no artigo "O Obstinado" também criticava Capanema, levantando uma nova questão: a tirania do Poder Executivo. Segundo o jornal, um ministro não deve fazer leis. Para isso existia o Poder Legislativo, com mandato eleitoral: "Onde está a soberania do Legislativo? O ministro não pode elaborar um projeto de lei, artigo por artigo. Anular o Legislativo é servir aos ideais comunistas." Criticava ainda a concentração de verba no projeto universitário, já que os 20% da verba que a Constituição destinava á educação eram para atender ao Brasil todo, beneficiar todos os setores da população e não apenas formar as elites.(13)

2. A extinção da Universidade do Distrito Federal

Enquanto o Ministério da Educação dava inicio aos grandes planos da Universidade do Brasil, no Rio de Janeiro uma outra universidade era rapidamente posta em marcha, sob a liderança de Anísio Teixeira, então diretor do Departamento de Educação do Distrito Federal. Tendo como núcleo principal uma faculdade de ciências,(14) ela representou, por alguns anos, a esperança dos setores liberais da intelectualidade do Rio de Janeiro, que viam, enfim, surgir uma instituição de nível superior à altura de suas aspirações. Seus cursos foram solenemente instalados em 3 de julho de 1935, com a presença do ministro da Educação e de Pedro Ernesto, prefeito do Distrito Federal. No discurso inaugural, Anísio Teixeira afirmava que "muitos sonhavam, é certo, iniciar, entre nós, a tradição universitária recusando essa liberdade de cátedra que foi conquistada pela inteligência humana nas primeiras refregas intelectuais de nossa época. Muitos julgaram que a universidade poderia existir, no Brasil, não para libertar, mas para escravizar. Não para fazer marchar, mas para deter a vida. Conhecemos, todos, a linguagem deste reacionarismo. Ela é matusalênica. 'A profunda crise moderna é sobretudo uma crise moral'. 'Ausência de disciplina'. 'De estabilidade'. 'Marchamos para o caos'. 'Para a revolução'. É o comunismo que vem ai!' Falam assim, hoje. Falavam assim há quinhentos anos. É que a liberdade, meus senhores, é uma conquista que está sempre por fazer."(15) Anísio Teixeira terminava afirmando que não haviam morrido em vão os que morreram pelo ideal de um pensamento "livre como o ar": "Todos os que desapareceram nesta luta, todos os que nela se batem, constituem a grande comunhão universitária que celebramos com a inauguração solene de nossos cursos. Dedicada à cultura e à liberdade, a Universidade do Distrito Federal nasce sob um signo sagrado, que a fará trabalhar e lutar por um Brasil de amanhã, fiel às grandes tradições liberais e humanas do Brasil de ontem."(16) Esta vocação liberal, se por um lado entusiasmava os intelectuais e atraia para a nascente instituição os melhores talentos, era por outro um desafio direto ao projeto universitário acalentado pelo Ministério da Educação, e provocava arrepios nos setores militantes da Igreja. "A recente fundação de uma universidade municipal", escreve Alceu Amoroso Lima ao ministro, "com a nomeação de certos diretores de faculdades, que não escondem suas idéias e pregação comunistas, foi a gota d'água que fez transbordar a grande inquietação dos católicos. Para onde iremos, por este caminho? Consentirá o governo em que, á sua revelia mas sob a sua proteção, se prepare uma nova geração inteiramente impregnada dos sentimentos mais contrários à verdadeira tradição do Brasil e aos verdadeiros ideais de uma sociedade sadia?"(17) O expurgo que se segue ao fracasso da insurreição da Aliança Nacional Libertadora de novembro de 1935 leva à saída de Anísio Teixeira do Departamento Municipal de Educação do Distrito Federal (onde é substituído por Francisco Campos), à destituição de Pedro Ernesto da prefeitura e ao afastamento de vários professores da nova universidade. As atividades da UDF, no entanto, não se interrompem, e em 1936 as aulas são iniciadas com professores dc uma missão francesa que incluía Émile Brehier (filosofia), Eugène Albertini, Henri Hauser e Henri Troncon (história), Gaston Léduc (lingüística), Pierre Deffontaines (geografia) e Robert Garic (literatura). Os professores da UDF, até a extinção, são um verdadeiro "quem é quem" da ciência e da cultura brasileira fora de São Paulo: Roberto Marinho de Azevedo, Lélio Gama, Lauro Travassos, Djalma Guimarães, Bernhard Gross, Alfred Scheffer, Viktor Lenz, Otto Rothe, Luís Freire, Joaquim Costa Ribeiro, Luís Dorthworth nas ciências físicas e naturais; Jorge de Lima, Sérgio Buarque de Holanda, Prudente de Morais Neto, Álvaro Vieira Pinto, Luís Camilo de Oliveira Neto, Josué de Castro, Afonso Arinos de Melo Franco em filosofia, letras e ciências sociais; Lourenço Filho, Mário Casassanta em pedagogia; Mário de Andrade, Heitor Villa-Lobos, Arnaldo Estrela, Cândido Portinari em pintura, escultura e música; e muitos outros.

Em 1936, no entanto, a destruição da UDF já se prenuncia, provocando reações em sua defesa. Escrevendo em O Jornal daquele ano, José Maria Belo dizia que o ministro da Educação se esquecia, com seu projeto da Universidade do Brasil, "que aqui mesmo, na capital do país, existe a Universidade do Distrito, propondo-se a realizar programa análogo ao da Universidade do Brasil. As faculdades novas de filosofia e letras, de ciências políticas e econômicas (não falando na de educação ou antiga Escola Normal) a que se refere o Sr. Capanema funcionam há dois anos com pleno êxito, atraindo hoje a atenção de todo o país. Criar, pois, novas faculdades de filosofia, economia e educação seria o mesmo que criar novas escolas de direito, de medicina e de engenharia. Redundância inútil ou prejudicial."(18) Capanema responde no mesmo dia, por telegrama que prenuncia suas ações futuras: "Onde estão os edifícios, os laboratórios, as bibliotecas das faculdades da prefeitura? Depois, chamo sua atenção para este lado grave da questão, a saber, à União é que cabe dar ao ensino superior do país os padrões de todos os cursos. A Universidade do Brasil, modelo das demais, deve pois instituir e organizar modelarmente todas as espécies de faculdades. Nós que temos espírito nacional, que queremos o Brasil em primeiro lugar, não podemos querer que os padrões venham de outro ponto que seja a União."

A instituição do Estado Novo dá a Capanema os recursos políticos de que necessitava para, finalmente, eliminar este obstáculo aos seus planos. Com a demissão de Pedro Ernesto, Afonso Pena Jr. assumirá a reitoria da UDF no lugar de Afrânio Peixoto; em 1937 a reitoria é entregue a Alceu Amoroso Lima, que a exerce até o ano seguinte, quando chega o momento de preparar sua extinção. Em 19380 ministro prepara um texto intitulado "Observações sobre a Universidade do Distrito Federal", que é enviado ao diretor do DASP, Luís Simões Lopes. Segundo o texto, o decreto municipal n 8.215, de 21 de maio de 1938, que definia a organização da UDF, era inconstitucional, por faltar competência ao prefeito para tanto. Além deste aspecto formal, Capanema argumenta que a UDF não tinha todos os institutos previstos na Lei Federal para este tipo de instituição, e, o que é mais grave, seus estatutos foram aprovados pelo prefeito, e não pelo Ministério da Educação; ora, até mesmo as universidades estaduais de São Paulo, Minas Gerais e Porto Alegre já se haviam submetido à sanção federal. Por estas e outras violações das normas federais ficava claro para o ministro que "a existência da Universidade do Distrito Federal constitui uma situação de indisciplina e de desordem no seio da administração pública do país. O Ministério da Educação é, ou deve ser, o mantenedor da ordem e da disciplina no terreno da educação." E por isto afirmava que "e preciso, a bem da ordem, da disciplina, da economia, e da eficiência, ou que desapareça a Universidade do Brasil, transferindo-se os seus encargos atuais para a Universidade do Distrito Federal, ou que esta desapareça, passando a Universidade do Brasil a se constituir o único aparelho universitário da capital da República."

Este arrazoado é seguido de uma Exposição de Motivos ao presidente da República, datada de 28 de junho de 1938, onde propõe formalmente a extinção da UDF. "Senhor presidente," escreve ele, "o Estado Novo se assenta num principio essencial: a disciplina." Em nome deste principio, e partindo do suposto de que "uma universidade, mesmo a mais modesta, uma vez que seja de fato uma universidade, é uma instituição nacional, de alcance, de influência, de sentido nacionais", propõe-se a incorporação dos cursos da UDF à Universidade Federal. Em 20 de janeiro Getúlio Vargas assina o decreto-lei n 1.063, que consuma o que o ministro queria, não sem grande celeuma. Assina, depois (em 4 de abril de 1939), o decreto-lei n 1.190, que cria a Faculdade Nacional de Filosofia como modelo para todo o país.

Luís Camilo de Oliveira Neto, reitor da UDF nesse momento, ainda tenta inutilmente salvá-la, e termina dando por escrito seu protesto com a secretaria da Presidência da República. Para ele, a destruição da UDF significara o sacrifício de mais de 500 alunos, com cursos interrompidos ou truncados; a dispensa de mais de 50 professores, "reunidos com dificuldades no Rio de Janeiro pela convocação de elementos de valor do interior e do estrangeiro", e um recuo considerável no ensino superior em sua parte fundamental, ou seja, o ensino de filosofia, ciências e letras, dadas as dificuldades e limitações que ele entendia haver na concepção da nova Faculdade Nacional de Filosofia."(19)

3. A Faculdade Nacional de Filosofia

A Faculdade Nacional de Filosofia deveria ser criada nos moldes de sua antecessora paulista, mas sob tutela federal e estrito controle doutrinário da Igreja Católica. Capanema busca em Georges Dumas, que havia ensinado na Universidade de São Paulo, subsídios intelectuais para seu projeto. Numa carta de 1935, Dumas confirma algumas das idéias básicas ditas pessoalmente pouco antes ao ministro: "Todos os professores franceses que vêm ao Brasil", diz, "impressionam-se com a cultura e a inteligência dos ouvintes e estudantes que conhecem mais de perto, mas também se espantam pelo fato de que de tanta inteligência e tanta cultura se originem tão poucas obras que contem na produção mundial." "Estou persuadido", prossegue, "que a contradição que constato se explica pelo fato de não haver, no Brasil, organismos encarregados de ensinar à juventude, de forma metódica e desinteressada, as disciplinas gerais de pesquisa e de trabalho, na esfera científica e mais ainda na esfera filosófica, histórica e literária." Daí a necessidade de criação das faculdades de filosofia, ciências e letras, que sejam "a alma de sua universidade nacional." Dumas se refere, depois, à exuberância da vida afetiva dos brasileiros, e sugere a necessidade de moderá-la em alguns setores:
Não são os dons intelectuais que faltam à sua bela juventude; ao contrário, ela os tem em abundância. Mas a boa fada que lhe preside o nascimento colocou também no berço outros dons além da inteligência: o gosto da imaginação e do sonho, a abundância da vida afetiva. E ainda que não se trate, de nenhuma forma, de combater estas disposições naturais, será muito útil limitá-las, sobretudo nos domínios que lhes convém mais particularmente. O Brasil possui admiráveis líricos, sem dúvida porque o lirismo é inerente à raça e todo brasileiro é, à sua maneira, poeta da alma e da natureza, mas este lirismo pode ter seus inconvenientes quando se manifesta fora das obras de poesia e da imaginação; e as fundações universitárias que o senhor está preparando deverão como resultado canalizá-lo e moderá-lo nas obras da razão, de onde não seria o caso, evidentemente, de exclui-lo totalmente.
A carta continua neste tom e afirma, mais adiante, estar o Brasil em um momento histórico onde caberá decidir se ele continuará "um país cheio de charme onde se lê tudo e se produz pouco, ou terá amanhã um lugar adequado entre as nações que colaboram na produção intelectual do mundo." Quanto à faculdade de filosofia propriamente dita, ela deveria formar professores secundários e pesquisadores e havia muito menos a fazer no campo científico do que no campo filosófico, histórico e literário: "É nestes últimos domínios", dizia Dumas, "que o esforço me parece ser mais urgente, e sem dúvida mais difícil."(20) Dumas intermediaria a contratação de professores franceses para a Faculdade Nacional de Filosofia e em 1939 escreveria uma carta a Capanema apoiando a extinção da Universidade do Distrito Federal. Essa carta seria utilizada pelo ministro como resposta às criticas que recebeu da intelectualidade liberal do país.

Em 1936 Capanema escrevia a Luigi Fantappié e Gleb Wataghin, professores de matemática e física da Universidade de São Paulo, oriundos da Itália, pedindo sugestões de professores para a faculdade de ciências que pretendia organizar no Rio de Janeiro. Wataghin responde com uma lista de nomes de professores italianos (Umberto Nobile, de Nápoles; Giovani Giorgi, de Roma; Beniamino Segre, de Bolonha) e inclui na lista até mesmo E. Schröedinger, prêmio Nobel de física. Em 1939 Vargas autoriza a contratação de 15 professores estrangeiros para a nova faculdade, e a partir daí as gestões passam a ser feitas em nível oficial. Em junho de 1939 o embaixador italiano no Brasil, Ugo Sola, confirma por carta haver o governo brasileiro pedido ao governo italiano a designação de professores de língua e literatura italiana, análise matemática, mecânica racional, física teórica, físico-química, química, geometria superior e física experimental. Segundo a carta, sete professores foram devidamente escolhidos, e sua chegada era anunciada para o final de julho do mesmo ano. Este procedimento, de contratação pela via administrativa, contrasta vivamente com a experiência paulista, cujo recrutamento de professores estrangeiros foi feito através de uma missão de alto nível sob a responsabilidade de Teodoro Ramos.

O convite a professores franceses também se processou por canais oficiais, mas aqui o controle doutrinário foi tentado de forma muito mais estrita, sendo os entendimentos feitos através de Georges Dumas. "Para psicologia e sociologia", escrevia-lhe o ministro, "desejo professores habituados à pesquisa e de estudos bem orientados, mas ligados à Igreja. A faculdade vai ficar sob a direção do Sr. Alceu Amoroso Lima, católico, amigo de Jacques Maritain. Daí não encontrar eu boa acolhida para nomes que sejam conhecidos por suas tendências opostas à Igreja ou dela divergentes."(21)

A embaixada francesa no Brasil ajuda nas negociações, pressiona o ministro para que apresse suas decisões, e não se furta a dar informes sobre as orientações dos professores. Sobre o professor Poirier, proposto para ensinar filosofia no lugar de Gouthier, a embaixada afirma que "il a déjà été indiqué que son orientation doctrinale répondait entièrement aux vues du directeur de la nouvelle faculté". A respeito do Sr. Ombredonne, proposto para a cadeira de psicologia, a embaixada confirma que ele "présente toutes les garanties souhaitables au point de vue des tendances". Para sociologia, o indicado é Jacques Lambert, que já havia estado em Porto Alegre em 1937, uma pessoa que, segundo a embaixada, "appartient à la même génération de professeurs catholiques que MM. Déffontaines et Garric."

O balanço feito pela embaixada listava, por essa época, quatro professores já indicados: Fortunat Strowski, de literatura francesa, chegado ao Brasil em nine de maio; André Gros, de politica, chegado em 27 de março; e, ainda por chegar, Gilbert, para geografia humana, e Antoine Bon, para história antiga e medieval. Estavam em suspenso as decisões sobre quatro professores de ciências exatas, além das de Maurice Byé, para economia politica, Ombredonne, para psicologia, e Poirier, para história da filosofia. Ainda havia para preencher as cátedras de história moderna, para a qual o nome sugerido era o de Tapié, e a de sociologia, para a qual fora sugerido Jacques Lambert. Maurice Byé fora indicado em substituição a François Perroux: ele havia estado também em Porto Alegre em 1937, e, tanto quanto Jacques Lambert, era definido como "un catholique aussi militant que M. Garric ou Déffontaines". Oito professores franceses já haviam sido contratados em 1939, e Capanema confirmava, para 1940, o interesse do ministério na renovação dos contratos de Strowski, Poirier, Ombredonne, Lambert e Bon, além de Maurice Byé, destinatário de carta nesse sentido, onde se informava do vencimento estabelecido dc quatro contos por mês, além de gastos de viagem.

Todos os contratos de professores estrangeiros e brasileiros eram feitos diretamente pelo ministério, e alguns convites podem ser acompanhados pela documentação disponível. Em 28 de setembro de 1939 o ministro escreve a Luís Camilo de Oliveira Neto, que havia protestado contra a extinção da UDF, convidando-o para o lugar de professor de história do Brasil: "Você se aborreceu com esse episódio de extinção da Universidade do Distrito Federal. Tinha você, do seu ponto de vista, boas razões para isto. A mim a coisa também me aborreceu, por estarem as minhas razões em divergência das suas. Consideremos, porém, passado o episódio." Oliveira Viana é convidado para assumir uma cadeira não especificada, mas não aceita. Influências e pressões vêm, evidentemente, de todo lado. Ainda em julho de 1939 Capanema escreve a Alzira Vargas sobre diversos nomes de interesse presidencial: Delgado de Carvalho, para geografia do Brasil; Alcides Gentil, para substitui-lo na cadeira de sociologia do Colégio Pedro II; Almir de Andrade, a ser designado professor-auxiliar; Ivan Lins, que prefere manter sua colocação no Instituto Nacional de Tecnologia. Vítor Nunes Leal é indicado em 1943 como catedrático interino no lugar de André Gros, que volta para a França, prejudicando as pretensões de Alberto Guerreiro Ramos, que havia deixado posição na Bahia para trabalhar como assistente de Gros. (San Tiago Dantas, então diretor da faculdade de filosofia, sugere que Guerreiro Ramos seja contratado como técnico em educação pelo MEC, como medida compensatória.) As injunções politicas para a escolha dos professores são um dos principais motivos pelos quais, ao final, Alceu Amoroso Lima decide não aceitar sua indicação para dirigir a nova faculdade. Em abril de 1939 ele escreve ao ministro ainda propenso a aceitar o convite, mas mediante duas condições prévias, que eram a não-incorporação dos professores, alunos e funcionários da UDF na nova faculdade, e o adiamento do início das aulas para 1940. Sua preocupação é não assumir o passivo da antiga universidade, com seus quase 100 professores e 500 alunos, e poder começar com liberdade. Ao mesmo tempo, ele aceita ser indicado pelo ministro para a cátedra de literatura brasileira.(22)

Em julho, no entanto, já estava claro que as coisas não se desenvolveriam como ele desejara, principalmente em relação às nomeações de professores. Em carta ao ministro ele protesta contra a nomeação de um italiano desconhecido para a cadeira de física experimental no lugar de Joaquim Costa Ribeiro, e, de uma maneira geral, contra a indicação "por outros, e não por nós", dos professores da faculdade. Capanema trata de tranqüilizá-lo: "Tudo que combinei com você está na minha memória e nada deixará de ser cumprido. Nenhuma nomeação se fará sem o seu prévio assentimento. O melhor é você ouvir menos alhures, e conversar mais comigo. O governo é uma coisa constituída de tal natureza, que exige que a gente adote a todo momento um modo especial de agir, a fim de que o objetivo desejado e previsto se atinja. É a tal história de andar direito por linhas tortas, processo que, por ser divino, é também próprio da arte humana de governar. (...) Alceu, meu caro amigo, não veja nuvens sombrias no favorável céu que nos cobre."(23)

Em fevereiro de 1941 o convite ainda permanecia de pé, e Alceu escreve longamente ao ministro explicando suas razões definitivas de não aceitá-lo. "Não me sinto com entusiasmo por esta obra," dizia entre outras coisas. "Não sinto nada por esta empresa; senti alguma coisa quando entrei para a UDF. A dolorosa experiência de oito meses tirou-me as ilusões." Mais ainda, "tenho a consciência de nada poder fazer de útil." Seria impossível, segundo ele, afastar uma série de professores que, "direta ou disfarçadamente, criam na faculdade o confusionismo filosófico e ideológico."(24) A esta altura, evidentemente, a Igreja Católica já havia desistido de assumir o controle ideológico da universidade pública e dava inicio à organização de sua universidade própria, a Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.(25) A direção da Faculdade Nacional de Filosofia ficaria, até 1945, com Francisco Clementino San Tiago Dantas.

A Faculdade Nacional de Filosofia crescia a partir destas marcas de origem, com todas as dificuldades e algumas das virtudes que elas implicavam Uma Exposição de Motivos de Capanema ao presidente da República em 1944 deixa claro que a nomeação de professores para a universidade era feita por autorização do presidente, ouvida a seção de Segurança Nacional.(26) Em uma carta ao embaixador francês no Brasil, de 19 de setembro de 1945, o ministro manifestava o desejo do governo brasileiro em contratar oito professores daquele pais para o ano seguinte (literatura francesa, geografia física, filosofia, história moderna, economia politica, sociologia, psicologia educacional e física matemática), deixando "a conveniente escolha a critério do próprio governo francês, que certamente fará as melhores indicações, tendo em vista não só as conveniências culturais de seu pais, mas também os interesses pedagógicos da nossa Faculdade Nacional de Filosofia."(27)

4. A Faculdade de Ciências Políticas e Econômicas

Um outro componente central da nova universidade deveria ser sua faculdade de ciências politicas e econômicas. Prevista desde a reforma Francisco Campos de 1931, ela jamais seria criada com este nome, e seria objeto de pressões, interesses e motivações de vários tipos, levando finalmente à criação da Faculdade Nacional de Ciências Econômicas da Universidade do Brasil, já ao final do Estado Novo. E possível discernir, entre seus proponentes, pelo menos três orientações e interesses distintos. Havia, por um lado, os contabilistas, administradores e economistas formados por escolas de nível secundário e privadas que viam na nova faculdade o reconhecimento social que almejavam para sua profissão. Para outros, ela deveria ser um centro de formação de quadros políticos e administrativos de alto nível, responsáveis pela condução dos destinos do país. Finalmente, havia uns poucos que viam as ciências sociais como uma ciência entre as demais, e pretendiam dar ao novo estabelecimento um caráter basicamente técnico e científico. O resultado final seria uma tentativa de acomodar um pouco de cada tendência.

Em 1933 a Universidade do Rio de Janeiro forma uma comissão composta por Luís Betim Paes Leme, Cândido Mendes de Almeida e Valdemar Falcão para elaborar o projeto de uma faculdade de ciências políticas e econômicas. Sua criação estava prevista no decreto n 19.852, de 11 de abril de 1931, que organizava a Universidade do Rio de Janeiro, e pretendia criar um instituto possibilitando a formação de técnicos que se destinassem ao desempenho de atividades administrativas públicas e privadas. A comissão, no entanto, buscava uma instituição com objetivos muito maiores, "onde possam caldear e robustecer o seu preparo, no sentido superior da administração e da politica, o escol de nossa mocidade pensante, a fim de que, amanhã, os altos cargos de direção técnica e de orientação administrativa, na gestão dos negócios coletivos, tanto do Estado como das grandes organizações associativas de finalidade econômica não venham a experimentar, como tantas vezes se há observado, a alarmante crise das competências, que um autodidatismo eclético e sem coordenação não poderá jamais remediar."

O parecer da comissão, de autoria de Valdemar Falcão, apresenta um resumo da experiência internacional deste tipo de escolas, citando a Escola de Ciências Politicas de Paris e a experiência austríaca, que separa a Konsularakademie, essencialmente orientada para a formação de diplomatas e funcionários superiores do governo, da Hochschule für Welthandel, uma academia de comércio. Mais próximo de nós, é citada a Escola Livre de Sociologia e política de São Paulo, criada pouco antes com grandes pretensões.(28) Um outro decreto de Francisco Campos, que organizava o ensino comercial, previra também a organização de um curso superior de administração e finanças, mas, segundo o parecerista, sua orientação predominantemente jurídica era uma limitação grave, já que não despertava nenhum interesse aos que se destinavam às carreiras comerciais."

A escola projetada deveria incluir a economia, a politica, administração e as finanças, participando, "simultaneamente, da preocupação político-administrativa e da finalidade econômico-diplomática", já que esta diferenciação não parecia fazer sentido no Brasil de então. O relatório passa, então, a apresentar a estrutura do curso projetado. Na base, a matemática e estatística; depois a geografia humana e econômica, como propedêutica para a economia política. Depois, as cadeiras jurídicas; do lado destas, as de economia aplicada (mercadologia e tecnologia comercial, política internacional, legislação aduaneira comparada, legislação e prática consulares). Em um patamar superior as disciplinas críticas: "Crítica politico-econômica da história" e a filosofia; e finalmente, "como coroamento dessas indagações, colocamos a cadeira de sociologia, a que se deverá atribuir principalmente uma orientação tendente a construir um estudo de verdadeira filosofia social e política, voltada o mais possível para a realidade sócio-política de nossa pátria." Outras cadeiras incluíam a legislação social, a higiene industrial, e a "publicística", ética jornalística e legislação dc imprensa. O projeto previa, ainda, uma cadeira de "ciência da administração, política criminal e defesa social", e outra de "contabilidade das grandes administrações". O ingresso a este curso, aberto a alunos com o 5o. ano ginasial completo, e outros equivalentes, dependeria, de toda forma, de um exame vestibular composto de um exame de línguas, matemática (elementos de álgebra superior e cálculo diferencial e integral), história e elementos de filosofia, psicologia e lógica. Os professores deveriam ser, um terço, de livre nomeação do governo, entre pessoas de notória competência; outro terço transferidos de outras instituições de ensino; e o terço final selecionado por concurso público.

Em 1935, já senador, Valdemar Facão apresenta seu projeto ao Congresso, que é parcialmente encampado pelo Ministério da Educação e Saúde. Em uma sessão da Comissão de Educação do Senado, Capanema comparece para apresentar seu substitutivo ao projeto inicial, apoiado em análise do Conselho Nacional de Educação. O senador defende seu projeto em termos da "mal-aventurada tentativa de propaganda do internacionalismo marxista" no meio estudantil brasileiro, que, segundo ele, "era fruto da madraçaria intelectual a que se tinham voltado as massas da juventude patrícia na escola:, madraçaria essa que incentivava de certo modo o surto dessa propaganda internacionalista." O marxismo, segundo ele, "não é demonstração de atividade científica, mas sobretudo "uma lamentável demonstração da exploração politica, de messianismo revolucionário, que arrasta as massas inconscientes aos maiores exageros." A nova faculdade permitiria estudar as ciências políticas e econômicas de forma realmente científica, e por isso ajudaria a corrigir este problema. Capanema procura minimizar esta conotação ideológica. Segundo ele, a nova faculdade deveria ser criada não somente pela: razões de ordem política, defendidas pelo senador, mas principalmente porque, "na fase adiantada em que estamos, de administração de negócios públicos e de empresas particulares, temos necessidade de numerosos técnicos especializados em tal administração." A principal diferença entre o projeto original e o substitutivo é que este previa um currículo unificado de três anos e uma opção entre ciência: políticas e econômicas no quarto, além de outras a serem posteriormente criadas. Valdemar Falcão não concorda, lembrando que "a preocupação da política é ligar-se, evidentemente, á economia , e que a economia liberal padecia justamente do defeito de isolar os fenômenos econômicos dos fenômenos políticos."

Na discussão sobre os objetivos da faculdade, Capanema insiste em que ela não deve pretender formar os políticos do futuro: "O que visa praticamente, com seus estudos de ciências políticas", diz ele, "é a formação de funcionários para o serviço público." Ele reconhece que a expressão "ciência política", já consagrada, dava lugar a equívocos, c preferiria um equivalente ao public affairs americano. A seção dc economia teria também a função de formar técnicos para a administração dos "estabelecimentos de ordem econômica." Da lista de disciplinas sugeridas pelo ministério fazem parte, agora, a "defesa social e politica criminal" e a "história das doutrinas políticas", entre outras, tendo sido retiradas as de filosofia, legislação aduaneira, publicitária e outras. Na concepção do ministério, finalmente, o curso deveria ter como requisito o nível secundário completo de sete anos, mesmo que, no inicio, este requisito não fosse requerido; e havia objeções quanto à forma de recrutamento de professores do projeto de Valdemar Falcão.

A questão da qualificação necessária para o ingresso no novo curso era de fundamental importância para os profissionais de economia, administração e contabilidade. Na época, os cursos de comércio e contabilidade, profissionalizantes de nível médio, não davam acesso à universidade, que era reservada aos alunos formados pelos cursos secundários propriamente ditos. Os custos de economia e administração então existentes em alguns estabelecimentos privados não passavam de extensões dos cursos de comércio, ainda que tivessem, muitas vezes, o nome de 'faculdade'. A exigência do curso secundário completo para o ingresso na nova faculdade daria a ela um status universitário pleno, que poderia ser posteriormente estendido a todo o sistema.

A Faculdade Nacional de Política e Economia chega a ser criada oficialmente pela lei n 452 de 5 de julho de 1937, mas não é implantada, para frustração dos já formados em cursos afins. O sindicato dos economistas de São Paulo escreve ao ministro em 1943 defendendo a idéia de "elevar ao grau universitário um curso único, em que se enquadrem as especializações de economia, administração e finanças. Naturalmente, dado o interesse evidente pelas especificações nos diversos ramos de atividades pública: e privadas, poderiam ser criadas cadeiras optativas dentro do mesmo curso, cuja conclusão daria um grau único em economia e administração" (3 de julho de 1943). Ainda em fevereiro de 1945 o Diretório Acadêmico da Faculdade de Ciência: Políticas e Econômicas do Rio de Janeiro, privada, escreve ao ministro pedindo a instalação da Faculdade Nacional de Economia, argumentando que esta faculdade daria ao ensino de economia um status universitário, que até então ela não possuía.

A noção de que as ciências sociais tinham uma base comum e que por isto só deveriam se diferenciar no nível das especializações, era também compartilhada por antropólogos e sociólogos de orientação mais acadêmica. Há um projeto neste sentido, elaborado pelos professores de ciências da Universidade de São Paulo enviado ao ministério, que propunha uma organização geral para a área que ia até o nível do doutoramento. Pelo projeto, haveria três etapas: "Um curso fundamental de três anos com currículo mínimo fixo, visando a transmissão de uma cultura superior, estruturada em conhecimentos básicos, que diploma bacharéis; um curso de especialização de dois anos, para estudos especializados de determinada matéria de escolha do candidato cujos estudos ficarão inteira e completamente entregues ao professor da cadeira, que diplomará mestres em filosofia, ciências ou letra:; e, finalmente, um período de preparação para o doutorado, de duração indeterminada, onde o candidato desenvolverá estudos de pesquisa ou indagação literária ou filosófica e será, uma vez aprovada a sua tese, diplomado doutor."

O curso básico incluía as cadeiras de matemática, introdução à filosofia, sociologia, psicologia social e economia no primeiro ano; sociologia, economia, estatística, politica e antropologia no segundo e terceiro anos. A admissão ao mestrado seria feita pelos professores das respectivas matérias, e estava prevista a obrigatoriedade de no mínimo mais duas disciplinas a serem cursadas pelos alunos. Ao final de dois anos haveria uma tese, a ser defendida ante uma banca composta pelos professores da disciplina principal e das complementares, O doutorado tinha como exigência o mestrado e a defesa de tese como prova final. Havia ainda um curso de didática, feito um ano após o curso fundamental, dando o título de licenciado e preparando o aluno para o magistério secundário.

Tem sentido parecido o anteprojeto encaminhado pelo antropólogo Artur Ramos ao ministério de 1938, para a organização do Instituto de Ciências Sociais da Universidade do Brasil. Era baseado principalmente, segundo ele, no Institute of Human Relations de Yale, no Institute for Research in Social Sciences da Universidade da Carolina do Norte e na Divisão de Ciências Sociais da Universidade de Chicago, a meu ver as mais completas organizações no setor dos estudos sociais." O instituto deveria ter uma parte didática e outra de pesquisa, "nos domínios da antropologia física e cultural, da sociologia e da psicologia social (da economia e da estatística), com especial aplicação aos problemas brasileiros, no sentido de ser melhor conhecido o material humano no Brasil, o homem brasileiro dentro de seus grupos de sociedade e de cultura." O instituto estaria organizado em departamentos de sociologia, antropologia, economia, ciências políticas e outros. O programa de cursos de antropologia incluía as cadeiras de antropologia física, arqueologia e lingüística, antropologia cultural, folclore, indianologia e africanologia. O objetivo geral deste departamento seria o do "estudo do homem e seu grupo de cultura, considerados do ponto de vista histórico e comparado." Já curso de sociologia visava "o estudo da natureza e do desenvolvimento das instituições sociais e sua influência na personalidade" e incluía a: cadeiras de introdução à sociologia, sociologia geral (a ser desdobrada cm sociologia urbana, rural e ecologia humana), psicologia social, serviço social, pesquisa brasileira em sociologia urbana e rural, e patologia social e higiene mental (incluindo criminologia).

Independentemente desta sugestão, um novo projeto do Curso Superior de Ciências Econômicas é elaborado por uma comissão formada por Eugênio Gudin, Maurice Byé e Otávio Gouveia de Bulhões. O programa é encaminhado ao ministro em 13 dc maio de 1941. Após expor suas linhas gerais, a carta que o encaminha termina insistindo em que o curso fosse criado separado do de administração, "uma etapa preliminar essencial para o progresso econômico do Brasil." O currículo apresentado pela Comissão tinha forte conteúdo matemático (álgebra superior, geometria analítica e análise infinitesimal no primeiro ano, estatística geral no segundo e métodos estatísticos e matemáticos aplicados à economia no terceiro) e em teoria econômica (teoria do valor e formação de preços, teoria da moeda e crédito, teoria da distribuição da renda social, da economia internacional, do desenvolvimento econômico, do ciclos de prosperidade e depressão). Além disto, havia matérias introdutórias e gerais, como geografia econômica, história econômica, finanças, estudos comparados de sistemas econômicos, economia e sociologia. Para o quinto ano estava prevista a elaboração de uma tese original.

Em agosto de 1944, de volta da Conferência de Bretton Woods, que reorganizou o sistema econômico internacional para os anos de pós-guerra, Eugênio Gudin visita a Faculdade de Economia da Universidade de Harvard, em companhia de Otávio Gouveia de Bulhões, onde discute o projeto da Faculdade de Economia do Rio de Janeiro. O resultado da visita é relatado em carta ao ministro, enviada de Chicago: "Escrevi na pedra o programa e o projeto de currículo que lhe recomendamos, para submetê-lo à critica de todos e para receber as sugestões dos mestres. Tenho a satisfação de comunicar-lhe que depois de fazerem várias perguntas e de pedirem esclarecimentos, todos os professores de Harvard acharam o programa excelente, dizendo que nada havia a modificar." Existia, no entanto, uma objeção: "Perguntamos-lhes também sobre a conveniência ou não de separar, as duas faculdades, a de economia e a de administração. Eles nos levaram janela para mostrar-nos, do outro lado do rio, a faculdade de administração, admiravelmente instalada aliás, e nos recomendaram que se n'o tivéssemos um rio, abríssemos um canal (...) para separar as duas faculdades." O resto da carta é dedicado às possibilidades de participação de professores americanos na faculdade de economia, que pareciam promissoras para os anos de pós-guerra.(29)

Capanema não mostra o que pretende até o último momento. Em 21 de julho escreve ao presidente do sindicato de economistas do Rio de Janeiro, que então terminava seu mandato, dizendo que o projeto dos cursos de economia e administração estava pronto, adotando "por um lado, o critério de unir em um só currículo de quatro anos os estudos de ciências econômicas e administração geral, e por outro lado instituindo o curso superior de contabilidade e atuária, também com um currículo de quatro séries." Dois meses mais tarde, contudo, o ministro submete à sanção presidencial um projeto de criação do curso de economia que excluía a administração.(30) O curso proposto obedecia à orientação de Eugênio Gudin: "Em vez de reunir disciplinas de estudos econômicos, jurídicos, administrativos, numa composição complexa, o novo curso propõe-se à formação do economista, ministrando para isto completos e altos estudos das ciências econômicas"; na forma proposta, segundo ele, o curso se constituiria em uma nova experiência cultural com a qual o nosso país passará a contribuir, também nesse importante setor dos estudos científicos, de modo mais amplo e elevado, na produção intelectual do mundo."

O decreto-lei n 7.988, de 22 de setembro de 1945, transforma a antiga Faculdade Nacional de Política e Economia, criada em 1937, na Faculdade Nacional de Ciências Econômicas, e extingue o Curso Superior de Administração e Finanças e Ciências Atuariais, também criado no papel em 1931. Na nova sistemática, ao fim do Estado Novo, a administração desaparece do sistema universitário, e as ciências sociais restringem-se ao curso básico de três anos das faculdades de filosofia, com três períodos dedicados à sociologia, três à economia, três à matemática e estatística, um à ética, outro à filosofia, e outros dois, finalmente, à antropologia e à ciência politica. Desta forma, a ciência política também desaparece do ensino superior brasileiro, apesar de ter sido, alguns anos antes, vista como indispensável para a formação das elites e inseparável da economia.

5. O saldo

Como avaliar o grande projeto da "universidade-padrão?" Seria evidentemente necessário, para uma conclusão definitiva, tratar de verificar quais das inúmeras iniciativas tomadas ou apoiadas pelo Ministério da Educação e Saúde nos anos do Estado Novo tiveram algum impacto nos anos seguintes ou, ao contrário, caíram no esquecimento. De uma maneira geral, todavia, é possível dizer que, do ponto de vista de seus objetivos mais explícitos, o projeto redundou em fracasso. Os anos e esforços dispensados no planejamento da Cidade Universitária foram em vão, já que o atual campus da Universidade do Rio de Janeiro foi construído em outro local e com outros projetos. A Faculdade Nacional de Filosofia, apesar de ter-se consolidado em alguns de seus cursos e programas, não chegou a capturar a mística e as esperanças que cercaram a Universidade do Distrito Federal, nem conseguiu se equiparar ao nível de qualidade de sua congênere e antecessora paulista, criada em 1934. A tentativa de dar à nova faculdade um conteúdo ético e filosófico de cunho católico não chegou a ganhar corpo, tendo a própria Igreja partido para a criação de sua universidade independente. A faculdade de economia jamais chegou a se constituir no centro de formação de lideres nacionais a que se destinava inicialmente.

A comparação com a Universidade de São Paulo não é fortuita, até mesmo porque havia um elemento de inegável competição entre o projeto de Capanema e a iniciativa já implantada de Armando de Sales Oliveira. A Universidade de São Paulo foi muito melhor sucedida em sua tentativa de formar uma faculdade de filosofia, ciências e letras de cunho fortemente acadêmico, ainda que tivesse tantas dificuldades quanto a do Rio de Janeiro em lograr uma integração efetiva entre esta faculdade e as escolas mais tradicionais de medicina, engenharia e direito. Ambos os projetos partiam de um objetivo de longo alcance. Para os paulistas, tratava-se de criar condições para a formação de uma elite cultural e politica que pudesse recuperar para São Paulo a posição de liderança nacional perdida em 1930; para o Ministério da Educação, tratava-se de criar um centro de formação das elites nacionais. Mas aí as semelhanças cessam quase que completamente.

A criação da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP obedeceu a procedimentos muito mais acadêmicos, que, por isto, deram melhor resultado. A escolha dos professores estrangeiros das áreas mais técnicas foi feita a partir do trabalho pessoal de um matemático de grande competência, Teodoro Ramos; os de ciências sociais, recrutados predominantemente na França, eram familiares à intelectualidade paulista, de orientação francesa conhecida. No Rio de Janeiro, enquanto isto, o processo de indicações nas áreas sociais e humanas era submetido a um crivo ideológico estrito, e os canais oficiais eram utilizados para a seleção de professores. Em São Paulo havia um evidente investimento intelectual em pensar a maneira pela qual os novos cursos deveriam ser instituídos, ao passo que, no Rio a preocupação arquitetônica com a Cidade Universitária parecia ser a principal motivação. Em resumo, se por um lado o projeto paulista era muito mais orgânico, partindo dos recursos e do envolvimento da própria comunidade científica e acadêmica existente no estado, por outro, o projeto nacional era de concepção muito mais hierárquica e autoritária, buscando implantar-se de cima para baixo. A todas estas considerações há que acrescentar uma outra, de ordem mais geral: por uma série de razões nem sempre muito claras, mas que incluem, sem dúvida, a dinâmica de sua economia e a presença de grandes contingentes de população de origem européia, é possível que São Paulo possuísse, já no inicio da década de 1930, um ambiente mais propicio para a atividade intelectual, cultural e científica do que o Rio de Janeiro, e isto proporcionava um terreno mais sólido para um projeto universitário.(31)

O projeto ministerial, no entanto, parece ter sido muito bem-sucedido na consolidação de uma série de concepções, formas administrativas e procedimentos implantados naqueles anos, e que continuariam a funcionar de maneira quase que automática nos anos subseqüentes: a idéia de que o sistema universitário necessitava de uma sistematização legal que definisse os currículos dos diversos cursos; a noção de que deveria haver modelos e padrões válidos para todo o país; o principio de que ao título proporcionado pelas universidades deveria corresponder uma profissão regulamentada pela lei; o papel do Ministério da Educação como órgão fiscalizador do sistema educacional, apoiado por um grande Conselho NacionaI; a idéia de que o ponto de partida para a estruturação das universidades deveria ser a construção física de seu campus; e muitos outros projetos que tinham como implicação geral o tolhimento da iniciativa no nível das instituições de ensino e seu professorado, e a concentração do poder nas autoridades ministeriais, administrativas e financeiras.

Não é que os problemas advindos dessa maneira de conduzir a educação superior fossem, na época, desconhecidos. O arquivo Gustavo Capanema contém uma carta do sociólogo Donald Pearson, por muitos anos vinculado à Escola de Sociologia e Politica de São Paulo, em que comentava um projeto de organização do ensino das ciências sociais no Brasil elaborado pela antropóloga Heloísa Alberto Torres, então diretora do Museu Nacional. "Não acha mais aconselhável", perguntava, "organizar as matérias de acordo com o pessoal disponível para o ensino e a pesquisa em cada faculdade, do que de acordo com um certo padrão ideal nacional, seja qual for sua perfeição? Criar cursos para serem ensinados em todas as faculdades sem o pessoal adequado tenderá a deformar as ciências sociais antes de, por assim dizer, terem nascido... Não acha preferível, uma vez obtidos os professores adequadamente orientados e preparados no próprio campo de ensino, deixar ao critério destes especialistas o preparo dos próprios programas em vez de os padronizar de acordo com a rígida centralização do ensino na capital do país?" E concluía: "Prender seu trabalho a um padrão central me parece uma policy irrealista, policy que criará desnecessários obstáculos ao progresso educacional uma vez que 1) as condições de ensino, num país tão vasto como o Brasil, variam bastante de lugar para lugar (e devo indicar também, de tempo para tempo); 2) esta padronização inibe, em vez de estimular, a iniciativa particular; e 3) ela sujeita o melhoramento do ensino, em cada lugar, às vicissitudes de possível controle politico (ou administrativo) inadequadamente informado."(32)

Falou mais forte, contudo, o peso da centralização política e burocrática, que tolheu a educação superior brasileira desde sua incepção, e apesar das boas intenções e do eventual talento de muitos dos responsáveis pela sua organização. A liberalização politica ocorrida no país após 1945 não foi suficiente para reverter o padrão de centralização burocrática que se constituiu sob o manto autoritário do Estado Novo, incorporado ao comportamento quotidiano da máquina administrativa. Na ausência de setores suficientemente fortes que pudessem levar à frente uma concepção mais dinâmica e autônoma do processo educacional e, mais ainda, na ausência de um conhecimento suficientemente maduro de outras realidades e experiências que pudessem servir de modelo alternativo, o ambiente cultural e universitário brasileiro em sua grande maioria assimilou como óbvio e inevitável todo aquele conjunto de procedimentos operacionais rotineiros gestados nos tempos de Capanema. Tais procedimentos já estavam, então, gastos e fracassados em suas pretensões mais ambiciosas, mas nem por isto foram revistos e reexaminados, até hoje, em profundidade.

Projeto da Universidade do Brasil (Lei nº 452, de 5 de julho de 1937)

Estabelecimentos de ensino:


Faculdade Nacional de Filosofia, Ciências e Letras
Faculdade Nacional de Educação
Escola Nacional de Engenharia (ex-Escola Politécnica)
Escola Nacional de Minas e Metalurgia (ex-Escola de Minas de Ouro Prelo)
Escola Nacional de Química
Faculdade Nacional de Medicina (ex-Faculdade de Medicina)
Faculdade Nacional de Odontologia (ex-Faculdade de Odontologia)
Faculdade Nacional de Farmácia (ex-Faculdade de Farmácia)
Faculdade Nacional de Direito (ex-Faculdade de Direito)
Faculdade Nacional de Politica e Economia
Escola Nacional de Agronomia
Escola Nacional de Veterinária
Escola Nacional de Arquitetura
Escola Nacional de Belas-Artes
Escola Nacional de Música (ex-Instituto Nacional de Música)

Institutos:

Museu Nacional
Instituto de Física
Instituto de Eletrotécnica
Instituto de Hidroaerodinâmica
Instituto de Ensaio de Materiais
Instituto de Química e Eletroquímica
Instituto de Metalurgia
Instituto de Nutrição
Instituto de Eletrorradiologia
Instituto de Biotipologia
Instituto de Psicologia
Instituto de CriminoIogia
Instituto de Psiquiatria
Instituto de História e Geografia
Instituto de Organização Politica e Economia

Instituições Complementares:

Colégio Universitário (ensino secundário complementar)
Escola Ana Néri (enfermagem e serviço social)
Hospital das Clínicas





Notas

1. Entrevista concedida pelo ministro Gustavo Capanema à Agência Meridional Ltda. (Diários Associados), corrigida a mão por uma caligrafia não identificada. É provável que ela tenha sido escrita por um assessor ou jornalista, o que explicaria eventuais diferenças de estilo e linguagem. A entrevista, preparada provavelmente em 1934, não chegou a ser publicada.

2. Idem ibidem.

3. Idem ibidem.

4. Veja a cronologia sobre a implantação das instituições de ensino superior e pesquisa científica no Brasil elaborada por Tjerk Guus Franken. Em: Simon Schwartzman. Formação da comunidade científica no Brasil. Rio de Janeiro, Cia. Editora Nacional/FINEP, 1979, apêndice.

5. Sobre a composição da Comissão, ver nota 40 do capítulo 3.

6. Diário da Noite, 16 dc setembro dc 1936.

7. Diário Carioca. 29 dc setembro dc 1936.

8. O Jornal, 22 dc setembro dc 1936.

9. O Jornal, 18 dc setembro dc 1936.

10. Correio Paulistano, 17 de setembro de 1936.

11. Diário de Notícias, 17 de setembro de 1936.

12. Diário de Notícias, 15 de setembro de 1936.

13. Correio da Manhã, 13 de setembro de 1936.

14. Para mais detalhes sobre a Universidade do Distrito Federal veja: Antônio Paim. "Por uma Universidade no Rio de Janeiro". Em: Simon Schwartzman (org.). Universidades e instituições científicas no Rio de Janeiro. Brasília, CNPq, 1982.

15. "A instalação, ontem, dos cursos da Universidade do Distrito Federal". Correio da Manhã, 1 de agosto de 1935.

16. Idem

17. Carta de 16 de junho de 1935. GC/Lima, A, doc. 15, série b.

18. O Jornal, 18 de setembro de 1936.

19. Carta de L. C. de Oliveira Neto a Vergara, 7 de maio de 1939. GC 36.09.18, doc. 10, série g.

20. Carta de G. Dumas a Capanema, 1o. de setembro de 1935, escrita a bordo do navio Campana, GC/Dumas, G, doc. 2 (anexo), série b.

21. Carta de Capanema a G. Dumas, 17 de junho dc 1939. GC 36.01.18, 13"'sta III, doc. 51, série g.

22. Carta de Alceu Amoroso Lima a Capanema, 7 de abril dc 1939. GC/Lima, A-A, doc. 35, série b.

23. Carta de Capanema a Alceu Amoroso Lima, 21 de julho de 1939. GC 36.01.18, pasta IV, doc. IS, série g.

24. Carta de Alceu Amoroso Lima a Capanema, 3 de fevereiro de 1941. GC/Lima, A., doc. 46, série b.

25. Veja a esse respeito Tânia Salem, "Do Centro Dom Vital ã Universidade Católica Em: Simon Schwartzman (org.). Universidades e instituições científicas no Rio de Janeiro. Brasília, CNPq, 1982.

26. Exposição de Motivos no. 19, 6 de março de 1944. Arquivo Gustavo Capanema, dossiê Cidade Universitária.

27. Carta de Capanema ao embaixador François d'Astier de la Vigeric, 19 de setembro de 1945.

28. Sobre a criação da Escola Livre de Sociologia e Politica de São Paulo ver Simon Schwartzman. Formação da comunidade científica no Brasil. Rio de Janeiro, Cia. Editora Nacional/FINEP, 1979, pp. 192-3.

29. Carta de Eugênio Gudin a Capanema, 21 de agosto de 1944. GC 38.09.17, doc. 22, série g.

30. Exposição de motivos no.108-A de 17 de setembro de 1945. GC 35.08.14, pasta IV, doc. 6, série g

31. Para uma comparação entre os dois ambientes, veja a introdução de Simon Schwartzman (org.). Universidades e Instituições científicas no Rio de Janeiro. Brasilia, CNPq, 1982.

32. Carta de Donald Pearson e Heloísa Torres, transcrita cm papel timbrado do Ministério da Educação em 11 de dezembro dc 1944. GC 38.11.03, doc. ii, série g.