TEMPOS DE CAPANEMA
SIMON SCHWARTZMAN, HELENA MARIA BOUSQUET BOMENY, VANDA MARIA RIBEIRO COSTA
1ª edição: Editora da Universidade de São Paulo e Editora
Paz e Terra, 1984 - 2ª edição, Fundação Getúio Vargas e Editora Paz e Terra, 2000.
Introdução à segunda edição
Gustavo Capanema faria cem anos em agosto
de 2000: tempo de virada do século, de quinhentos anos do Brasil. É um
momento de reexame do passado e de indagação sobre o futuro, do qual a
reedição deste livro faz parte: por que somos como somos? Como seremos
daqui por diante? Quanto de nosso futuro está determinado ou contido no
nosso passado?
Este reexame não decorre de uma simples
efeméride, seja o centenário de Capanema, os cinco séculos do Brasil,
ou a chegada do novo milênio. A imagem do fim do século XX foi a queda
do muro de Berlim em 1989, que não só marcou o fim do mundo polarizado
da guerra fria, como também simbolizou a implosão de todo um universo
de concepções e interpretações a respeito do passado e do futuro de nossa
vida em sociedade, sem que tenhamos ainda clareza sobre o que virá em
seu lugar. Também no Brasil estamos entrando em um novo tempo, não só
pela influência do que acontece além das fronteiras, mas também pelo esforço
de deixar para trás um século de alternâncias entre experiências autoritárias
que se frustram e aberturas democráticas que não atingem a plenitude,
e que não têm permitido que o país atinja os padrões mínimos de educação,
justiça social e produção de riqueza compatíveis com o mundo moderno.
Publicado em 1984, como o primeiro resultado
das pesquisas no arquivo Gustavo Capanema, depositado no CPDOC em 1980,
este livro já antecipava um dos temas importantes deste reexame, o do
relacionamento entre os intelectuais e o autoritarismo político. (1) Os anos de Capanema ficariam na lembrança como
um momento da história republicana brasileira em que política, educação
e cultura estiveram associadas de forma singular e notável, e os arquivos
revelaram um paradoxo que exigia um exercício cuidadoso de análise e interpretação.
Aos decretos e procedimentos afinados com a política autoritária do Estado
Novo sobrepunham-se falas de uma correspondência privada e pessoal de
uma intelectualidade de todos nós conhecida, identificada com as causas
sociais e de modernização cultural e admirada e cultivada como patrimônio
cultural e afetivo do país. Entre esses intelectuais e artistas estavam
Carlos Drummond de Andrade, Alceu Amoroso Lima, Manuel Bandeira, Mário
de Andrade, Rodrigo Mello Franco de Andrade, Heitor Villa Lobos, Lúcio
Costa, Oscar Niemeyer, Gilberto Freyre e Cândido Portinari, além dos educadores
que marcariam a história brasileira como pioneiros e formuladores dos
projetos políticos e institucionais que deram vida ao debate educacional
desde os anos 1920, como Anísio Teixeira, Fernando de Azevedo, Lourenço
Filho e o próprio Francisco Campos, envolvido com as reformas educacionais
em Minas Gerais desde os anos 1920 e o primeiro ministro a ocupar a pasta
da Educação em 1930.
Como entender que figuras tão ilustres
e de horizontes aparentemente tão abertos convivessem com políticas de
cunho autoritário e repressor, como o fechamento da Universidade do Distrito
Federal em 1939, a criação do movimento Juventude Brasileira, de inspiração
inequívoca no fascismo em voga na Europa dos anos 1930 e a perseguição
aos intelectuais de pensamento liberal, identificados pelas lideranças
conservadoras do Estado com os movimentos de esquerda? Por um lado, como
os arquivos revelam, particularmente na correspondência de Carlos Drummond
e Mário de Andrade, esta não era uma convivência tranqüila, mas cheia
de tensões e ansiedades. Mas, por outro, a idéia de que os regimes fortes,
de esquerda ou direita, poderiam abrir caminho para um futuro melhor sempre
atraiu intelectuais brilhantes em todo o mundo - de Leon Trotsky a Martin
Heidegger, passando por André Malraux e Maurice Merleau-Ponty, sem falar
em literatos como Pablo Neruda, Miguel Ángel Asturias e Jorge Amado -
e o Brasil não seria exceção. Essa proximidade não passaria sem deixar
seqüelas importantes, entre as quais as grandes dificuldades que tantos
entre nossos intelectuais encontrariam para entender e defender, ao lado
dos direitos sociais, os valores do pluralismo, dos direitos individuais
e da ordem jurídica democrática. (2)
Faz parte também deste reexame um novo
olhar para os temas da educação e da cultura. (3)
É curioso como, hoje, esses temas parecem recuperar a importância que
tinham nos anos 1920 e 1930, quando os debates sobre a educação e a cultura
brasileiras mobilizavam os intelectuais, incendiavam as disputas entre
leigos e católicos e ocupavam espaços nos jornais.
Naqueles anos, quando ainda não se falava
de subdesenvolvimento e dependência, e sim de atraso e civilização, acreditava-se
que, pela educação, se formariam o caráter moral e a competência profissional
dos cidadãos, e que isto determinaria o futuro da Nação. Os movimentos
e a disputa pela educação, e sobretudo seu controle pelo Estado ou pela
Igreja, eram vividos como uma luta pela própria alma do país. Leigos e
católicos concordavam que, sem educação, essa alma não existiria. Ela
precisava ser construída, tirando-se o país da barbárie, do atraso e da
indigência moral. O que se disputava era quem cuidaria da formação da
criança que aprendia suas primeiras letras, o que fatalmente a destinaria
para o Bem ou para o Mal, segundo a visão de mundo de cada um.
Como este livro revela, a educação pública,
que até os anos 1930 praticamente não existia, começou a ganhar forma
nos tempos de Capanema, e cresceu deste então de forma lenta e precária.
A Constituição de 1946 previa a votação uma "Lei de Diretrizes e
Bases da Educação" que deveria dar um novo sentido e formato à educação
do país. O Brasil não conhecera, no entanto, outra maneira de lidar com
a educação além da que fora criada no governo Vargas, e a presença de
Gustavo Capanema no Congresso, depois de longa permanência no Ministério
da Educação, inibiu as discussões que tomavam como ponto de partida o
projeto elaborado sob sua gestão no período de 1934 a 1945. Em pauta desde
1948, por iniciativa de Clemente Mariani, ministro da Educação de Dutra,
a lei só seria votada em 1961, em meio a um debate que reproduzia, até
mesmo nos personagens, as disputas de 30 anos antes. A principal diferença
era que, nos anos 30, católicos e leigos disputavam o controle da educação
pública; nos anos 1960, a disputa aparecia como um confronto entre a educação
pública, que se pretendia universal e gratuita, a proporcionada pelo Estado,
e a educação privada, defendida como um direito das famílias, às quais
o setor público deveria apoiar. Anísio Teixeira e o grupo da Escola Nova
de um lado; Carlos Lacerda e Dom Hélder Câmara de outro, com a Igreja
Católica defendendo a primazia dos direitos da família e os interesses
das escolas católicas, que respondiam por parcela significativa do ensino
privado oferecido no país. No final dos anos 1950, precisamente em 1959,
Fernando de Azevedo redige outro Manifesto à Nação, "Uma vez mais
convocados", em alusão ao "Manifesto dos Pioneiros da Educação"
lançado em 1932.
Poucos se lembram do resultado dessa disputa,
que terminou, nominalmente pelo menos, com a vitória da corrente "privatista,"
liderada por Carlos Lacerda. Havia o temor de que a nova legislação, ao
reconhecer a liberdade de escolha das famílias para matricular seus filhos
em escolas privadas, abrisse caminho para a canalização dos recursos públicos
para estas escolas, em detrimento da educação pública e leiga. Na prática,
o Estado continuou com a responsabilidade da educação pública, que nunca
chegou a desempenhar de forma plena. As famílias de classe média e alta
assumiram, como sempre fizeram, a responsabilidade pela educação de seus
filhos, preparando-os para as melhores escolas públicas secundárias ou
superiores ou colocando-os em escolas particulares, a maioria dirigida
por religiosos. A Igreja Católica, que nos anos 1930 havia tentado assumir
o controle da educação pública do país, limitava-se agora à administração
de um conjunto restrito de escolas que, quem sabe, ainda poderiam cuidar
da alma das elites.
A partir dos anos 1960, os grandes temas
nacionais passaram a ser outros. O que preocupava, agora, eram o desenvolvimento
e a industrialização, a dependência e o nacionalismo, as ameaças do populismo
e o autoritarismo que acabou se implantando novamente e polarizando o
país por duas décadas, deixando como herança as grandes questões da distribuição
da renda, da inflação, da dívida externa e da estagnação econômica. Se
perguntados, todos concordariam que a educação era importante, assim como
é importante o amor materno, e que sem eles nada se poderia fazer. Mas
poucos tinham idéias próprias a respeito do que fazer, na prática, com
a educação; era algo a ser visto quando os outros problemas tivessem sido
resolvidos.
Enquanto isso, a educação continuava a
se expandir, impulsionada pelo crescimento das cidades e pela expansão
do setor público, dentro das linhas mestras desenhadas nos anos 1930.
Para os políticos, em todos os níveis, os sistemas educacionais se tornaram
moedas de troca importantes, que permitiam distribuir empregos, contratar
serviços e intercambiar favores. Ao mesmo tempo, formou-se toda uma comunidade
de professores e professoras, pedagogos, especialistas, funcionários e
empresários da educação que faziam congressos, disputavam verbas, continuavam
a discutir a importância, os direitos e os espaços da educação pública,
privada e religiosa. Esses profissionais se preparavam para reproduzir,
depois da Constituição de 1988, os mesmos debates dos anos 1930 e 1960,
que deveriam marcar a segunda Lei de Diretrizes e Bases da Educação, idealizada
para um novo tempo que chegou a se chamar, por alguns anos, de Nova República.
Foi uma batalha que não houve: a Lei de Diretrizes e Bases aprovada pelo
Congresso Nacional em 1996 não foi o resultado de um grande debate nacional,
e sim da adoção de um substitutivo de última hora apresentado pelo então
senador Darcy Ribeiro, que havia estado nas trincheiras da escola pública
nos anos 1950 e 1960, mas que buscava então olhar para a educação com
outros olhos.
A razão deste anticlimax talvez tenha sido
que, paradoxalmente, na medida em que a educação crescia, o tema da educação
perdia sentido para grande parte dos próprios educadores. No passado,
na tradição dos conceitos pedagógicos da Escola Nova, trazidos por Anísio
Teixeira, e das pesquisas educacionais, iniciadas por Lourenço Filho,
os educadores se preocupavam com coisas tais como com técnicas pedagógicas,
conteúdos dos currículos, psicologia da aprendizagem dos alunos. Professores
e professoras acreditavam que tinham uma missão importante a desempenhar
e se frustravam quando percebiam que se estavam proletarizando, que não
recebiam o reconhecimento social que esperavam, que as escolas contavam
com muito poucos recursos e nenhuma autonomia de ação, e que as crianças
chegavam a elas, cada vez mais, sem as condições mínimas para um aprendizado
satisfatório. Os temas pedagógicos pareciam secundários e irrelevantes,
e as questões que passaram a dominar os cursos, congressos, movimentos
e publicações dos educadores não eram as da educação enquanto tal, mas
questões de natureza sindical - salários, sobretudo - ou política e econômica.
Assim, nos anos 1990, passou-se a tratar de temas como os direitos sociais,
a globalização e o neoliberalismo, que se traduziam quase que diretamente
em opções político-partidárias e eleitorais. Com isso, os educadores se
transformaram, de guardiães da alma nacional, e um grupo de pressão como
tantos outros, e perderam a capacidade de galvanizar a atenção e o interesse
do país.
E no entanto, é justamente neste momento
que a educação volta a ser percebida como tendo um papel importante e
central. Já não se discute tanto a alma do país - se cívica, leiga ou
católica -, e sim o desempenho e sobrevivência do corpo. Como nos anos
1920, a educação deixa de ser tratada como conseqüência e começa a ser
vista como causa. Não são mais os educadores, e sim os economistas, muito
mais em evidência, que argumentam que a economia só cresce quando há investimento
em recursos humanos, e que as desigualdades sociais se devem, sobretudo,
às desigualdades de oportunidades educacionais. Internacionalmente, a
bandeira da educação deixa de ser monopólio da UNESCO e passa a ser dividida
com outras agências como o Banco Mundial, Banco Interamericano de Desenvolvimento,
UNICEF. Empresários que antes apoiavam a educação, no máximo, como caridade,
e viviam na prática dos preços baixos dos produtos fabricados com mão
de obra desqualificada, agora buscam treinar melhor seus empregados e
concordam em contribuir para que as escolas formem melhor seus alunos,
e lhes forneçam mão de obra mais qualificada. Esse interesse renovado
pela educação chega também aos políticos, que falam de suas realizações
e promessas na área da educação para ganhar votos e, quando eleitos, já
começam a não usar os ministérios e secretarias de educação como moedas
partidárias nas negociações de apoios e de votos.
A grande questão da educação brasileira,
hoje, é como transformar o antigo sistema montado pelo Ministério da Educação
nos anos 1930, e conservado sem mudanças fundamentais ao longo de quase
60 anos, em um sistema moderno, eficiente, abrangente e adaptado aos novos
tempos. Este livro ajuda a entender parte do problema, que é o da origem
de muitas práticas que hoje podem nos parecer óbvias e naturais, mas que
foram opções de determinada época e momento, nunca mais revistas. Coisas
como a centralização administrativa, que faz das secretarias de educação
de estados como São Paulo e Minas Gerais, com centenas de milhares de
funcionários, estruturas quase impossíveis de administrar; a prioridade
dada aos títulos e diplomas sobre os conteúdos; a crença no poder dos
currículos definidos no papel e controlados por sistemas burocráticos
e cartoriais; a existência inquestionada de instituições vetustas como
os antigos conselhos oficiais de educação; a predominância do formalismo
e do ritualismo nos processos pedagógicos; e o isolamento que acabou ocorrendo
entre o mundo da educação e o mundo real, esvaziando o sentido do primeiro
e limitando seus recursos. As novas palavras de ordem são envolvimento
da comunidade com as escolas, descentralização, autonomia, iniciativa
local, avaliação, uso de novas tecnologias, ênfase nos conteúdos. Os temas
da alma ressurgem com novas roupagens, como a preocupação com o meio ambiente,
o vínculo das escolas com as comunidades, e os direitos e deveres da cidadania.
É uma revolução em andamento, que vem ocorrendo tanto no nível federal
como em muitos estados e municípios, e que já se reflete nos grandes números,
com a explosão da educação média e o aumento nos anos de escolaridade
das crianças, mas que ainda está longe de adquirir forma e se completar.
A cultura, nos tempos de Capanema, também
era vista como campo de construção da alma nacional. Nos anos 1920, o
modernismo havia vislumbrado a possibilidade de construção de um país
mais autêntico, menos mimético, e essa busca do "Brasil Real"
na literatura, na pintura e na música se mesclava com a busca de um "Brasil
real" na política e na vida em sociedade, onde o formalismo da república
oligárquica pudesse ser substituído pela construção de um Estado nacional
forte e voltado para o progresso e para o futuro. Essa aproximação entre
a busca da autenticidade e o autoritarismo político era dominante naqueles
anos, em que as democracias pareciam condenadas ao fracasso, e os autoritarismos
de esquerda e de direita se confundiam em nome dos valores, supostamente
mais altos, da cultura e da nacionalidade. Capanema, inspirado por Francisco
Campos, apoiado em Carlos Drummond e Alceu Amoroso Lima, procura construir
seu projeto cultural em cima dessa ambigüidade. Por um lado, havia que
valorizar os homens de letras, as artes, e criar para isto um mecenato
estatal. Por outro, havia que produzir os símbolos culturais do Estado
Novo, que substituíssem a iconografia da República, que mal conseguira
desmontar a hagiologia do Império. (4)
Os símbolos do novo Brasil buscariam suas raízes nos mitos da cultura
indígena e nas epopéias dos bandeirantes; os monumentos do passado deveriam
ser recuperados e preservados na memória nacional; e o novo país se consubstanciaria
nas paradas cívicas, nos grandes projetos arquitetônicos de Piacentini
e Lúcio Costa, nas iconografias nativistas de Portinari, e nos grandes
concertos orfeônicos de Villa Lobos. As correspondências de Drummond,
Mário de Andrade e Portinari, neste livro, mostram o lado escuro deste
projeto ambicioso, que não seria suficiente, no entanto, para desfazer
a imagem que ficou dos tempos de Capanema como uma época de ouro do mecenato
cultural.
A principal realização do Estado Novo na
área da cultura talvez tenha sido a implantação de um sistema de recuperação
e preservação do patrimônio artístico e cultural do país, que daria testemunho
do passado mais autêntico e da identidade nacional que se buscava construir.
Tão forte foi a atmosfera que envolveu a política de preservação do patrimônio
que, até hoje, aquele período é lembrado como a "idade de ouro"
do patrimônio brasileiro. Era o projeto ambicioso de organização e sistematização
da cultura brasileira em todas as suas manifestações que entusiasmava
Mário de Andrade e Rodrigo Mello Franco de Andrade e que encontraria outro
breve momento de brilho nos anos 1970, sob a liderança do designer Aloísio
Magalhães. (5)
Para a cultura, como para a educação, cabe
indagar em que medida os pressupostos e os formatos institucionais criados
naqueles tempos ainda subsistem, e se deveriam ser recuperados ou substituídos
por outros supostos e instituições. A "cultura" do antigo Ministério
da Educação e Cultura se transformou hoje em um Ministério próprio, que
já não tem a missão de construir os símbolos e a mitologia da nacionalidade
e se dedica, sobretudo, a manter ainda viva a chama do mecenato, mas sem
um objetivo claro e definido. Em parte, trata-se de recuperar e reativar
as tradições e costumes de populações empobrecidas e marginalizadas, não
para construir a partir daí uma nova Cultura nacional, como pensaria talvez
Mário de Andrade, mas simplesmente, para recuperar o sentido de identidade
e respeito próprio dessas populações.
A rotina do patrimônio, sucessivamente
identificada em uma nova sigla que é definida em uma seção do Ministério
da Cultura, é hoje mais uma rotina burocrática e funcional do que a expressão
de idéias e projetos ou a atualização de dinâmicas mais sintonizadas com
o novo perfil de sociedade metropolitana e da informação que a sociedade
brasileira vem adquirindo. A recuperação e preservação do patrimônio histórico
são, cada vez mais, iniciativas associadas à indústria do turismo, e não
à preocupação com a recuperação da memória nacional. Existem mecanismos
para o financiamento de produtos culturais para o mercado de consumo -
sobretudo filmes e teatro - cujo principal propósito parece ser sua própria
existência como indústria cultural, e não mais o estímulo ao fortalecimento
de conteúdos culturais específicos.
Há quem lamente esta pulverização e comercialização
da cultura, e sinta falta dos projetos ambiciosos, ainda que frustrados,
do passado. Há quem acredite, ao contrário, que existe uma nova cultura
em formação, muito mais fragmentada e complexa do que a dos projetos do
passado, combinando a vida local com o mundo global, a língua nacional com
a língua franca das comunicações, o mundo das idéias e o mundo do trabalho,
e dando prioridade a valores individuais e interpessoais, como os da competência,
responsabilidade, criatividade, solidariedade e pluralismo, e não mais aos
valores do Estado, da Nação e da Cultura. (6)
Voltar aos tempos de Capanema é voltar, de alguma
forma, às matrizes de valores, idéias e instituições que ainda perduram
em nosso inconsciente, encarnados em nossas leis e instituições, e que nos
impedem de saber se realmente ainda as queremos, ou se devemos procurar
outros rumos e alternativas.
Notas
1. Resenhas, artigos e comentários publicados em revistas acadêmicas
como The Hispanic American Historical Review, v.66, n.2, May,1986, pp.423-424,
Comparative Educaction Review 30, No.4 (November 1986):617-618; nas revistas
Isto é (20/3/1985, p.64), Senhor (27/3/85, p.102), Ciência
Hoje (Vol.3, n.17, Março/Abril 1985, p.82), além dos jornais Jornal do
Brasil (1985), O Globo (14/4/85, p.6) e Folha de São Paulo
(24/3/1985, p.64) nos autorizam acreditar que o livro vinha preencher um espaço
ainda não ocupado de avaliação de um período crucial na história republicana brasileira,
e na história da educação, em particular.
2 . Veja, para um aprofundamento desta
questão, Bolivar Lamounier, "Rui Barbosa e a Construção Institucional
da Democracia Brasileira", em Rui Barbosa, Rio de Janeiro,
Editora Nova Fronteira, 1999) que faz uma releitura da contribuição de
Rui em contraposição a contemporâneos seus mais "realistas",
como Oliveira Vianna.
3. Cf. Helena Bomeny, Guardiães
da razão - Modernistas mineiros. Rio de Janeiro: Editora UFRJ; São
Paulo: Edições Tempo Brasileiro, 1994.
4. Veja, para a construção da iconografia do Império, Lilia
Moritz Schwarcz, As Barbas do Imperador: D. Pedro II, Um Monarca nos Trópicos
(São Paulo, Companhia das Letras, 1998); e para a República, José Murilo de Carvalho,
A Formação das Almas - o imaginário da República no Brasil, São Paulo,
Companhia das Letras, 1990). Gustavo Capanema também se dedicou, pessoalmente
à construção da imagem do Estado Novo, a partir de uma obra de síntese das realizações
do governo Vargas que nunca chegou a ser publicada. Veja, a respeito, Simon Schwartzman,
Estado Novo - Um Auto-Retrato. (Arquivo Gustavo Capanema) (Brasília,
Editora da Universidade de Brasília, Coleção Temas Brasileiros, vol. 24, 1983),
5. Cf. Helena Bomeny, "O patrimônio
de Mário de Andrade". em A invenção do patrimônio. Ministério
da Cultura, Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Departamento
de Promoção. Rio de Janeiro, IPHAN, 1995; e Helena Bomeny, "Patrimônios
da Memória Nacional", Cadernos de Debates. Secretaria de
Cultura da Presidência da República. Instituto Brasileiro do Patrimônio
Cultural. Rio de Janeiro, 1992, pp.1-14.
6. Esta nova visão da cultura fragmentada
em um mundo interdependente está muito bem caracterizada por José Joaquín
Brunner, em Un espejo trizado: ensayos sobre cultura y politicas culturales.
Santiago, FLACSO, 1988. Veja também Simon Schwartzman, A Redescoberta
da Cultura, São Paulo, Editora da Universidade de São Paulo, 1997.