SENTIDOS DO CORPORATIVISMO (1987)

Simon Schwartzman

Dizem os historiadores que, na Idade Média, as profissões se organizavam como corporações fechadas, onde o conhecimento era transmitido de pai para filho ou de mestre para aprendiz. Haviam regras estritas sobre quem podia e quem não podia entrar, e quem pertencia a uma corporação tinha orgulho de sua competência profissional. Instituições de vocação monopolista, as corporações regulavam o preço de seus serviços, e controlavam quem podia e quem não podia trabalhar.

O tempo muda as coisas, e também o sentido das palavras. As antigas corporações artesanais deram lugar, aos poucos, aos sindicatos, e as corporações de natureza mais intelectual se transformaram nas modernas profissões liberais. O termo "corporação", hoje em dia, significa principalmente uma grande empresa, que integra verticalmente capitalistas, executivos, operários e técnicos sob a mesma estrutura administrativa.

Os conflitos sociais trazidos pelo capitalismo fizeram renascer a idéia romantizada da corporação medieval como uma forma quase perfeita de organização social, na qual cada qual seria conduzido pela mão dos mais velhos no aprendizado de sua profissão e seu lugar na sociedade, e uma regulamentação estrita garantiria o lugar de cada corporação em uma sociedade perfeitamente harmônica e integrada. O corporativismo, como alternativa para o capitalismo e a luta de classes, fez parte da ideologia de todos os fascismos dos anos 20 e 30, e chegou até nós pela legislação trabalhista e educacional do Estado Novo.

Se o corporativismo clássico era uma forma de organização e defesa da sociedade ante os poderes reis e da nobreza, na versão autoritária o corporativismo foi o inverso, ou seja, um mecanismo para a subordinação e o controle da sociedade pelo Estado. O corporativismo fascista nunca chegou a existir plenamente e não passou de uma ideologia de justificação de formas brutais de controle político e de opressão, que não sobreviveu ao fim das ditaduras de Franco e Salazar.

Hoje fala-se novamente em corporativismo, mas agora em dois sentidos distintos. O primeiro é uma seqüela tardia do corporativismo fascista. Agora que o Estado não quer, e freqüentemente não pode, regular e controlar as atividades de cada grupo e categoria profissional, são estas categorias que exigem, do Estado, suas regras, seus privilégios e direitos exclusivos, seus monopólios. Sem um Estado forte a autoritário para controlá-las, e sem um mercado competitivo para exigir desempenho e eficiência, as novas/velhas corporações buscam maximizar sua presença na arena política, onde há a ilusão de que os ganhos podem ser fáceis e podem ser conquistados no grito. Desta forma, cada grupo e setor procura garantir seus direitos e privilégios, e tudo estaria bem se houvesse um Estado rico e benfeitor, ou uma providência divina, cuidando de que a soma das conquistas de todos não seja muito distinta do total das riquezas que poucos parecem se preocupar, realmente, em produzir.

Há um novo tipo de corporativismo na Europa de hoje que tem um outro sentido, e que corresponde a um estágio mais avançado do sindicalismo. Nos países onde isto ocorre, o movimento sindical e associativo é tão independente, competente e organizado que pode, quando quer, paralisar a economia e impor sua vontade. O resultado, no entanto, não é o impasse, mas a co-responsabilidade, e um entendimento social que permite que soluções consensuais sejam buscadas para as questões de interesse nacional, com benefícios para todos. É difícil dizer se esta experiência, própria de países pequenos e ricos, tem alguma relevância para nós. O que ela sugere, no entanto, são duas coisas: primeiro, que as sociedades modernas necessitam de consenso e co-responsabilidade para prosperar; e, segundo, que esta co-responsabilidade requer a autonomia e o fortalecimento das entidades representativas da sociedade, e não sua dependência e acomodação à sombra dos benefícios do Estado. <