Representação e Cooptação Politica no Brasil

Simon Schwartzman

Publicado na Revista Dados, 7, 1970, pp. 9-41. O autor Agradece os comentários e criticas de Amaury de Souza, Bolívar Lamounier e Peter McDonough, além do interesse e debate incessante sobre os temas aqui discutidos com os alunos do IUPERJ, que também colaboraram neste volume.

Apresentação ao número especial da revista Dados sobre Sociedade e Estado

Representação e Cooptação Politica no Brasil

Introdução: um modelo analítico - Estado e Sociedade

I - Participação política e sistema social

II - Cooptação e Representação na Política Brasileira
1. Uma ordem privada?

2. Antecedentes históricos

3. Duas ideologias de mudança política

4. A dualidade brasileira

5. Origens históricas
5.1. Modificações demográficas no século XIX

5.2. Estagnação e Ressurgimento Econômico

5.3 Centralização Política e Aumento do Poder

5.4. Representação Política
6. Descentralização Republicana
6.1 A nova centralização e depois
7. Conclusões: algumas implicações teóricas
Notas

Apresentação ao número especial da revista Dados sobre Sociedade e Estado (Dados 7, 1970)

O tema deste número trata das relações que se estabeleceram, no decurso da história política brasileira, entre o Estado e a sociedade. Os trabalhos reunidos são o resultado de uma experiência didática realizada com alunos curso de mestrado em Ciência Política e Sociologia do IUPERJ, em 1969, a orientação de Simon Schwartzman.

As incursões de sociólogos e cientistas políticos na seara da historiografia trazem consigo todos os inconvenientes e vantagens próprios deste tipo de transgressão. Leigo, o cientista social ignora muitas vezes autores consagrados, toma fontes secundárias por primárias, deixa de considerar teses, teorias e proposições freqüentes na literatura que não domina totalmente. Talvez por isto mesmo, entretanto estes parvenus podem as vezes propor novas interpretações, chamar a atenção para aspectos ignorados, fazer conexões entre fatos isolados ou, simplesmente, trazer a um novo contexto de discussão temas e proposições até então limitados ao especialista. Não há dúvida de que estes trabalhos padecem daqueles defeitos, mas é possível que tenham, também, algumas dessas qualidades.

Existe uma indagação teórica e um suposto metodológico que permeiam todos os trabalhos. A indagação teórica é a suscitada por Raymundo Faoro em Os Donos do Poder, a respeito do domínio total que seria exercido pelo Estado brasileiro, estruturado na forma de um "estamento burocrático", sob o sistema social, político e econômico do país, desde os primórdios do período colonial. Esta tese impressiona pela força da evidência que a acompanha, e ao mesmo tempo perturba, principalmente quando estamos acostumados a pensar o Estado e a política como resultantes mais ou menos diretos de processos sócio-econômicos básicos. Este problema é discutido, em nível teórico, no início dos três primeiros artigos, evidenciando, entre outras coisas, como diversas orientações teóricas podem chegar a visões similares de um mesmo fenômeno.

O suposto metodológico implica a busca de dados quantitativos. O interesse pela quantificação não deriva, como muitas vezes se supõe, de um esforço para precisar e refinar a informação sobre um fato ou objeto já conhecido. O objetivo principal da quantificação é pesquisar a existência de tendências e relações entre fatos que só em termos globais podem ser apreendidos, e que escapam à historiografia tradicional que se desenvolve à luz do estudo de personalidades e de estruturas jurídico-formais. O desenvolvimento das técnicas de quantificação em ciências sociais, a partir, principalmente, da Segunda Guerra, veio associado à metodologia de "survey" e ao estudo de sociedades nacionais complexas. Os anos sessenta trouxeram, no entanto, a noção de que a análise sistemática de dados sócio-econômicos referidos a sociedades complexas pode levar ao conhecimento de processos globais só acessíveis, anteriormente, por via intuitiva e ensaística. Precisão e refinamento são conseqüências posteriores de melhores dados e melhores teorias, mas o suposto essencial é que não há porque exigir dados melhores que os conceitos, e, neste momento, existe ainda um campo imenso a explorar com materiais sistemáticos que hoje dormem em nossos arquivos e bibliotecas.

O seminário que deu origem a estes estudos foi estruturado em torno de três temas - transição, desenvolvimento do Estado, desenvolvimento da sociedade civil - e dois períodos históricos - o Império e a República Velha. O resultado, aqui apresentado parcialmente, deve ser apreciado menos em seu detalhe que em seu conjunto, pelos temas, problemas e perspectivas e linhas de estudo que porventura sugira. Apesar da unidade temática e dos esforços de integração teórica, cada trabalho deve ser visto como autônomo.

Os artigos foram distribuídos da seguinte forma:

Simon Schwartzman "Representação e Cooptação Política no Brasil"
Período Colonial: Fernando José Leite Costa "Processo de Diferenciação na Sociedade Colonial"
Império: Lúcia Maria Gaspar Gomes e Olavo Brasil de Lima Jr.. "Atores Políticos do Império"
Transição: Maria Antonieta de A. Parahyba Abertura Social e Participação Política no Brasil" (1970 a 1920)
Transição: Nancy Aléssio "Urbanização, Industrialização e Estrutura Ocupacional"
Transição: Irene Maria Magalhães "Antecedentes da República: Intervencionismo: militar e legitimidade" (publicado como nota de pesquisa)
Revolução de Trinta: Celina do Amaral Peixoto M. Franco, Lúcia Lippi de Oliveira e Maria Aparecida Alves Hime "O contexto político da Revolução de Trinta'

Os trabalhos de Hélio Mathias - "A Sociedade Civil no Império: Crescimento da População", Vera Maria Pereira - "Independência e subordinação da economia" e Renato Raul Boschi - "O Estado e a Sociedade na República Velha: uma análise de tendências orçamentárias", que não puderam ser incluídos neste número, serão publicados e divulgados como Documento de Trabalho do IUPERJ e poderão ser solicitados à instituição. Nem todo o material quantitativo recolhido foi' utilizado nas análises aqui apresentadas, e grande parte dele encontra-se reunida em documento de trabalho lho do IUPERJ com o título de "Subsídios para o estudo da História Político Social Brasileira", a ser divulgado proximamente.


Representação e Cooptação Politica no Brasil
"Os reinos conhecidos pela história têm sido governados de duas formas. Pelo Príncipe e seus servos, que, como ministros por sua graça e permissão, o assistem no governo de seus domínios; ou por um príncipe e seus barões, que ocupam posições não pelo favor do governante, mas pela antiguidade do sangue". Machiavel, O Príncipe.
Introdução: um modelo analítico - Estado e Sociedade

Reinhard Bendix chama a atenção, em trabalho recente, para duas linhas de pensamento que se vêm alternando na história da teoria política desde, pelo menos, Machiavel(1).Uma delas, a mais antiga, tem no próprio Machiavel seu representante, e entende os fenômenos políticos como decorrentes das habilidades e virtudes do chefe político: o Príncipe. Em sua forma mais geral esta tradição percebe o Estado como sintetizando e realizando a vontade e os objetivos de toda a sociedade, que a ele se subordina. A outra tradição parece adquirir sua explicitação mais clara em Rousseau, para quem as atividades do Estado se fazem por delegação explícita e delimitada por um contrato social Se a noção de um contrato social não tem mais que um sentido ideológico e normativo (Rousseau trata na realidade, de estabelecer limites de legítimação ao Estado), permanece sem embargo a idéia dc que a politica se faz em função de interesses e propósitos de grupos dentro da sociedade Alterada a ordem causal, passa se à discussão de que grupos dentro da sociedade têm mais ou menos capacidade de orientar o Estado para a satisfação de seus interesses e objetivos. Em Hegel já é nítida a separação entre Estado e Sociedade Civil, esta correspondendo ao Estado de necessidade e aquele encarnando a unidade da vontade geral, da vida política.(2) A crítica de Marx a Hegel, que terá influência predominante no pensamento social daí por diante, diz que o Estado, na realidade, não encarna a vontade geral, mas realiza a vontade particular dos membros da burocracia(3). Esta particularização do geral é função, na sociedade capitalista, do sistema de propriedade privada, e daí à identificação entre os interesses do Estado e os da classe dominante é um passo(4) A tradição intelectual que deriva desta crítica tende a negar autonomia aos motivos políticos, explicando-os por suas implicações econômicas, assim como às ações que decorrem do Estado, explicando-as por seus fundamentos de classe.(5)

Mas Bendix assinala, na realidade, uma terceira alternativa, também presente na citação em epígrafe de Machiavel. Se a fórmula do "Príncipe e seus servos" corresponde a um modelo de autonomia do Estado, o modelo alternativo, do "Príncipe e seus barões", não corresponde a um modelo puramente contratual. Os direitos do Príncipe não emanam dos barões, mas têm origem independente e são apenas limitados pelas posições ocupadas "pela antiguidade do sangue". Seja por uma fonte autônoma de legitimação (quando o Príncipe, por exemplo, é um primus inter pares) ou pelo desenvolvimento de fenômenos de "particularização do geral" pelas estruturas burocráticas em sociedades complexas, o fato é que coexistem, em todos os sistemas sociais, sistemas de interesse que tratam de orientar e delimitar a ação do Estado, e uma autonomia mais ou menos significativa do Estado que trata de influenciar a vida da sociedade civil. Esta dualidade não é, meramente, de tipo funcional, o Estado incorporando as funções do sistema político referidas às relações verticais de autoridade e dominação, e a sociedade civil corporificando as relações horizontais de solidariedade e comunidade de interesses O que se passa, exatamente, é que relações de solidariedade se desenvolvem dentro das estruturas de autoridade, e relações de autoridade se desenvolvem dentro das estruturas de solidariedade, e é isso que torna a pesquisa empírica necessária e insubstituível. As características do Estado não podem ser deduzidas a partir da estrutura de classes, assim como estas não derivam de um sistema jurídico ou de poder dado.(6) A relativa autonomia de cada um, e depois suas interações, são o objeto central dos trabalhos aqui reunidos, para o caso do Brasil.

A análise das relações entre Estado e Sociedade é não somente importante, mas constitui a própria caracterização da ciência política como disciplina. Um estudo do crescimento e diferenciação das estruturas burocráticas e de serviços de um Estado só deixa de ser um estudo jurídico e/ou administrativo e passa a ser político quando se analisam as relações entre estas estruturas e suas mudanças e outros setores da sociedade, como por exemplo a economia. A distinção entre a preponderância das estruturas de governo e a preponderância das estruturas de organização sócio-econômica de tipo autônomo levou David Apter à distinção entre sistemas de autoridade hierárquicos (que incluem sistemas políticos de mobilização e burocráticos) e piramidais (compreendendo os sistemas teocráticos e de reconciliação).(7) Se passamos, no entanto, à consideração das formas de participação política mais típicas de cada uma destas alternativas, veremos que os termos representação e cooptação parecem ser de grande utilidade.

Com efeito, é possível pensar em sistemas sociais autônomos que desenvolvem seus recursos econômicos e institucionalizam e desenvolvem suas estruturas de interação social, de produção e difusão de símbolos e pautas culturais e educativas, tudo isto de forma independente do sistema de poder. Estas sociedades tratarão, tanto quanto possível, de subordinar o sistema de poder aos seus interesses (ou aos interesses dos setores que nelas dominam), ou, quando isto não for possível, de se fazer presentes quando decisões que lhes sejam vitais devam ser tomadas. O conceito de representação corresponde bem a este tipo de articulação de interesses e vontades de baixo para cima, buscando influenciar, dirigir ou mesmo comandar.

Entretanto é bem distinta a situação em que o Estado prepondera, a atividade econômica, a criatividade cultural, o sistema educativo, tudo dependendo de seu beneplácito, incentivo e direção. Nessa situação a participação politica não se faz pôr representação de interesses junto ao Estado mas antes, como bem o diz Apter, por "representação do Estado junto aos diversos setores da sociedade".(8) Dono da iniciativa, o Estado tem condições de promover a participação de uns e reduzir a de outros, e a participação mais eficaz não será mais aquela que melhor possa articular-se para reivindicações junto ao Estado, e sim aquela que melhor consiga se aninhar no interior da própria máquina governamental. A participação se faz por iniciativa superior, a "representação sem tributação" a que se refere Torcuato S. Di Tella, em forte contraste com o tipo anterior.(9) A esta participação essencialmente situacionista, dependente, corresponde bem o termo "cooptação".

A vantagem destes dois termos, no sentido aqui exposto, é que eles não se referem a um sistema de governo e autoridade, ou a um sistema político em sentido amplo, mas sim a formas específicas de participação na vida pública. Um regime político autoritário e hierárquico geraria somente formas de participação por cooptação ("o Príncipe c seus servos"), enquanto que um regime piramidal e aberto seria baseado em representação. Mas as formas mistas ("o Príncipe c seus barões") são as mais interessantes e relevantes historicamente, cabendo, então, o estudo dos determinantes destes diferentes tipos de participação, sua evolução c inter-relações.

I - Participação política e sistema social

É interessante notar como esta concepção de modos alternativos de participação política pode ser integrada com um quadro conceitual mais amplo sobre a estrutura c desenvolvimento do sistema social como um todo. Referimo-nos, em outro contexto, à existência de pelo menos quatro processos de desenvolvimento político-social que deveriam ser considerados como analiticamente independentes em qualquer estudo de desenvolvimento: o processo de desenvolvimento econômico, o de modernização social, o de participação politica c o de crescimento c diferenciação da estrutura do Estado.(10) É fácil ver como estes processos, enfatizados a partir de uma preocupação com estudos de desenvolvimento c transformação social, são similares aos subsistemas funcionais assinalados pela tradição parsoniana, orientada, prioritariamente, para problemas de integração social c consenso.(11)

Pensar em termos de processos, ao invés de coerência funcional, leva à análise de tensões c clivagens que se desenvolvem entre os diversos subsistemas funcionais em um processo de mudança social c desenvolvimento. Stein Rokkan c S. M. Lipset tratam, a partir do esquema parsoniano, de criar um modelo geral para a análise histórica dos sistemas multi-partidários da Europa Ocidental.(12) O esquema parsoniano consiste, essencialmente, em analisar as interações entre os seis pares de subsistemas, dos quais três são considerados especificamente "políticos", por Rokkan e Lipset:
a . interação entre os subsistemas político c valorativo: problemas dc legitimação política; b. interação entre os subsistemas político e o público: problema de apoio político; c. interação entre os subsistemas valorativo e integrativo: problemas de lealdade e solidariedade política.
Quadro 1 - Subsistemas Funcionais e Processos De Mudança
FUNÇÃO SUBSISTEMA PROCESSO INDICADORES
A- (adaptação) econômico crescimento renda per cápita, consumo de energia per cápita, etc
G (realização de objetivos) politico crescimento e diferenciação do Estado % do PIB em atividades governamentais, % da população ativa ocupada pelo governo, % da população servida por serviços públicos, etc.
I (integração) "O público", associações e grupos secundários participação política dados sobre sindicalização, participação em partidos políticos, comparecimento eleitoral, etc.
L (manutenção de pautas e valores) "Valorativo", familiar e educacional modernização e secularização urbanização, expansão de meios de comunicação de massas, expansão do sistema educacional, migração,tc.

A exclusão do subsistema econômico se entende pelo caráter analítico do esquema. O econômico só se relaciona diretamente com o político em termos de mobilização de recursos, o que não se reveste de caráter político em si mesmo. O aspecto político da economia aparece quando o sistema político se relaciona com o econômico através do público (com a consideração de critérios políticos de alocação de recursos) ou através do sistema de valores (implicando problemas de legitimação da estrutura do mercado de trabalho e das pautas de consumo).

A análise subseqüente de Lipset e Rokkan faz-se através de um exame da estrutura interna do subsistema integrativo, onde se localizam as estruturas partidárias que emergem historicamente. Eles consideram a existência de dois eixos de referencia, um no sentido de centro-periferia ("G" e "L") e outro no sentido de especificidade de interesses - política ideológica ("A" e "I"). Somente a título de exemplo, oposições políticas entre empregadores e empregados se localizariam no extremo de especificidade de interesses, da mesma forma que as oposições entre os setores primário e secundário da economia. Mas esta oposição estaria mais próxima da periferia política que a anterior, na Europa ocidental.

Se voltamos a pensar em termos de processos, e não mais de subsistemas funcionais, notaremos um ponto importante que não é levantado por Lipset - Rokkan: os quatro processos desenvolvem-se em ritmos diferentes, levando a diferentes graus de domínio de um sobre o outro. É possível pensar, por exemplo, que o desenvolvimento econômico pode vir acompanhado de um desenvolvimento maior ou menor da estrutura governamental, ou de modernização e urbanização. O mesmo se aplica em relação ao sistema de valores e pautas de consumo, já que a correlação entre estes e crescimento econômico não é perfeita. Em relação ao processo de participação política, a flexibilidade é ainda maior, e ele tanto pode se exacerbar em função de processos de mobilização mais ou menos autônomo quanto ser reduzido por via coercitiva. Portanto, é conveniente analisar o processo de participação política como dependente dos demais, em função da relativa dominância de um sobre o outro. O quadro 2 sumaria os resultados desta conceituação.

Quadro 2 - Dominância, Interações Funcionais e Estilos de Participação Política
PROCESSO DOMINANTE PROCESSO DEPENDENTE "ESTILO" DE PARTICIPAÇÃO (processo integrativo)
A -. desenvolvimento econômico crescimento e diferenciação do Estado representação politica
b. crescimento e diferenciação do Estado desenvolvimento econômico cooptação política
c. modernização e secularização crescimento e diferenciação do Estado movimentos coletivos por mobilização autônoma, populismo
d. crescimento e diferenciação modernização e secularização mobilização induzida, do Estado nacionalismo, paternalismo

Na realidade nenhum destes estilos apresenta-se de forma pura, sendo mais freqüente combinação dos tipos A e C, por um lado, e B e D, por outro. Os termos "representação" e "cooptação" serão usados aqui em sentido mais amplo, englobando cada um destes dois tipos, respectivamente. Isto significa que, para nós, o domínio relativo do Estado terá mais importância que o tipo de processo dominado. Fazemos isto não porque o domínio relativo dos processos de crescimento econômico e modernização tenha menos importância, mas, simplesmente, porque o papel do Estado tem sido relativamente menos explorado até agora. O quadro n 3 dá um resumo exemplificativo dos diferentes tipos de participação e ideologias políticas referidas aos sistemas que funcionam predominantemente por cooptação ou por representação.

II - Cooptação e Representação na Política Brasileira

David Apter descreve os sistemas políticos hierárquicos como "baseados cm uma distribuição de autoridade em que o poder deriva rigidamente do ápice, sendo distribuído à discrição do líder", e sendo "pautados através de linhas burocráticas ou militares".(13) Há pouca dúvida de que este padrão prevaleça na política brasileira atual, e um dos objetivos deste trabalho é o de demonstrar que ele tem uma história antiga no país. A participação política neste tipo de sistema é feita através de um certo grau de cooptação da liderança política pelo centro de poder, o que é o oposto da representação política, na qual a sociedade civil tende a controlar os seus representantes na esfera política. A representação política também tem sido vigente no Brasil e as relações entre estas duas formas de participação é nossa preocupação central. Inicialmente, faremos um sumário do debate mais ou menos implícito na bibliografia brasileira sobre a natureza histórica do seu sistema político. A seguir exploraremos alguns dados empíricos, a maioria dos quais proporcionados pelos demais trabalhos deste volume, no sentido de verificar a tese de que a história politica brasileira tem sido a de um conflito entre duas linhas primordiais de desenvolvimento, uma "de baixo para cima", conduzindo aos esforços de representação política, e outra "de cima para baixo", levando à cooptação.

Quadro 3 - Correlatos de Representação e Cooptação Política
  REPRESENTAÇÃO COOPTAÇÃO
setor dinâmico: economia de exportação o estado político
tipo de industrialização: baseada em mercado livre (não necessariamente competitivo) baseada em incentivos governamentais
relações exteriores: baseadas em laços (ou hostilidades) econômicos baseadas em laços (ou hostilidades) inter-governamentais ou inter-nacionais
Tipo de Participação política:
a. nível das elites: agregação de grupos de interesse "Classe política" cooptada, coronelismo
b. classe operária: sindicalismo autônomo sindicalismo corporativista
c. setores flutuantes de classe média e baixa: populismo carismático populismo paternalista
Ideologias políticas:
a. À direita liberalismo econômico moralidade publica e controle social
b. Ao centro eficiência empresarial planejamento central baseado em estímulos governamentais à iniciativa privada
c. À esquerda objetivos anti-capitalistas nacionalismo

1. Uma ordem privada?

Nestor Duarte, em A Ordem Privada e a Organização Política Nacional, representa um dos extremos na interpretação do sistema político brasileiro até a Independência, cm 1822. Cita Oliveira Vianna no que se refere ao poder da aristocracia local e vai mais adiante dizendo que "se atentamos melhor, porém. veremos que o fenômeno a salientar aqui não é o dessa descentralização, mas o da modificação da índole do próprio poder, que deixa de ser o da função política para ser o da função privada". E citando novamente Oliveira Vianna: "São eles que governam, que legislam, são eles que justiçam, são eles que guerreiam contra as tribos bárbaras no interior, em defesa das populações que habitam as convizinhanças das suas casas fazendeiras, que são como os seus castelos feudais e as cortes dos seus senhorios"(14). Noutras palavras, uma réplica do modelo feudal tomado no sentido explícito do termo e considerado essencialmente imutável até o século XIX: "a grande paz do Império, o seu equilíbrio e o seu esteio estão nesse senhoriato territorial que é a força econômica e o poder material do Estado. É ele também a única parcela "política" da população brasileira. . ."(15)

A visão oposta é melhor expressa por Raymundo Faoro, em Os Donos do Poder. Retira ele da história de Portugal as origens de um estado centralizado e patrimonial, transportado para o Brasil sob a proteção britânica após a ocupação de Lisboa por Junot em 1808, e que já se encontrava presente na administração colonial. "A diferença de estrutura das duas colonizações americanas" (a portuguesa e a inglesa) "decorria da diversa constituição do Estado, em uma e outra nação. Portugal, na era seiscentista, já se havia consolidado em Estado absoluto, governado por um estamento burocrático, centralizador. A Inglaterra, ao contrário, discrepando da orientação histórica continental, definiu-se numa transação capitalista industrial e feudal, repelindo a centralização burocrática". Discute longamente os mecanismos de controle da vida econômica e os limites da autonomia política da aristocracia local brasileira, concluindo que "nosso feudalismo era apenas uma figura de retórica".(16) Não ignora, é claro, as tendências centrifugas de descentralização que sempre existiram, e prossegue com um estudo detalhado do processo de centralização progressiva da administração colonial, processo esse que se acentuaria progressivamente até os fins do século XIX.

2. Antecedentes históricos

Faoro parece estar factualmente mais correto, e na segunda metade do século XVIII o país assiste à passagem de um sistema econômico colonial de produção do açúcar, no Nordeste, para um sistema de mineração do ouro e do diamante no Centro, e para um crescente enrijecimento do controle da administração colonial sobre a pujante mas efêmera economia de mineração. A política inicial de colonização no Brasil foi, de fato, a criação dc feudos hereditários (capitanias) concedidas à exploração privada, porém este sistema não chegou a se desenvolver plenamente, sendo logo em seguida substituído por um processo crescente de centralização administrativa. Como observa acuradamente Faoro, nunca houve um pacto político através do qual os altos escalões do sistema político representassem e governassem em nome de alguns setores da sociedade, o que é típico do modelo feudal. Esta situação não ocorreu sem tensões, e representantes brasileiros estiveram presentes às Cortes Portuguesas estabelecidas após a restauração. Tais deputados aparecem novamente no primeiro órgão representativo do país independente, a Assembléia Constituinte de 1823. Preparou ela um projeto dc Constituição considerado o marco de mais alto nível de representação política da aristocracia agrária brasileira no século XIX, logo abortado pelo "golpe" imperial que dissolveu a Assembléia e outorgou uma Constituição nova e menos liberal. D. Pedro I não logrou permanecer no poder mais de nove anos devido, principalmente, à clivagem demasiadamente bem delineada entre a aristocracia nativa e seus representantes, por um lado, e a administração marcadamente portuguesa, por outro. De 1831 a 1840 há um período confuso em que se sucedem regentes e estalam rebeliões nas províncias, terminando com a maioridade legal de Pedro II aos 15 anos de idade, quando se inicia o Segundo Reinado. Nesta época já as rebeliões estavam dominadas, a imagem portuguesa do governo central fazia-se menos presente, a aristocracia agrária liberal estava ou enfraquecida pelas rebeliões separatistas ou cooptada pela Corte, e o estado brasileiro pôde gozar da tranqüilidade de cerca de cinqüenta anos de calmaria política baseada no controle quase absoluto da arena política pela administração imperial.

3. Duas ideologias de mudança política

Agora podemos ir até 1930, quando a República estabelecida após a queda do regime imperial foi destruída por um movimento revolucionário, usualmente tomado como o marco do início do Brasil moderno.

A interpretação deste movimento tem sido uma preocupação constante para os historiadores e cientistas políticos brasileiros e pelo menos duas teorias podem ser explicitadas de acordo com o debate anteriormente mencionado.

A primeira perspectiva, a do feudalismo brasileiro, está de acordo com o modelo marxista de um processo que se inicia com o sistema feudal e um governo central dependente, passando por uma contradição em virtude do surgimento de uma burguesia urbana, e culminando com uma revolução burguesa, que por seu lado prepararia o caminho para o acesso à arena política da classe trabalhadora. Adaptada ao contexto de uma economia de exportação dependente do mercado internacional, tal teoria identifica, em sua forma mais simplificada, o "feudal" com a agricultura extensiva para a exportação, de tipo colonial ou semi-colonial, e a revolução burguesa é também vista como nacionalista e anti imperialista. Assim é que muitos autores brasileiros vêem a Revolução de 30 como a tomada do poder pela burguesia, senão diretamente, pelo menos em termos de conseqüências "objetivas" da política por ela seguida.(17)

Um outro modelo substitui a burguesia pelas classes médias como fator dinâmico na Revolução. Entretanto, não se trata apenas de uma variante menor do primeiro, já que suas implicações são bem distintas. Os teóricos das classes médias pensam menos em termos do processo econômico de industrialização que no processo social de modernização, e "classes médias" ou "setores médios" são conceitos suficientemente amplos para abranger todos os grupos emergentes que não sejam nem um setor da elite política e/ou agrária, nem totalmente assimiláveis a ela.

O descontentamento crescente de jovens militares após 1920 é visto por muitos autores como um indicador do surgimento do setor médio que até então era excluído do sistema político, e que agora passava a reivindicar maior participação política. A Revolução de 1930 é, então, para tais autores, um movimento essencialmente de classe média que abriu as portas do sistema político a estes novos setores.(18)

O que chama a atenção enquanto diferença essencial entre os dois tipos de explicação não é tanto o fato de apontarem para grupos sociais diferentes como principais atores da Revolução de 30, quanto o fato de que apresentam uma imagem diferente do papel do sistema político no processo de mudança. No primeiro caso, o fenômeno político nada mais é que um epifenômeno, modificado e explicado pela confrontação entre dois setores do sistema econômico do país. No segundo caso, entretanto, os setores médios são vistos menos como uma classe econômico-social que como um estrato social que possui demandas de consumo, de participação e de poder políticos. A participação política e o poder político são buscados não como meios para satisfazer os interesses econômicos de um dado setor da economia, mas como um objetivo em si mesmo, do qual derivariam outras formas de participação econômica e social.(19)

Estas duas teses apontam para duas abordagens intelectuais e ideológicas distintas na compreensão da história brasileira, e o que é mais importante, refletem duas tendências no desenvolvimento da sociedade brasileira que geralmente são apontadas como alternativas mas nunca, como deveria ser, como um processo simultâneo de desenvolvimento contraditório.

Estas duas teorias sobre a Revolução de 1930 devem ser vistas como ideologias das duas tendências que constituirão a preocupação central deste trabalho. Os pormenores das duas ideologias são um capítulo da história do pensamento social brasileiro e enquanto tal não lhe dedicaremos muita atenção. E suficiente dizer que embora os teóricos da revolução "burguesa" tendam a partir de uma tradição marxista, partilhar com a ideologia liberal uma visão de um estado passivo, a inspiração dos teóricos das classes médias originou-se nas experiências e ideologias fascistas européias. Virgílio de Santa Rosa, um dos mais lúcidos analistas da Revolução de 30, e um dos teóricos das classes médias, viria a tomar as experiências bolchevista e fascista como exemplos da criação de uma estrutura de Estado eficiente. e racional, dirigida pela intelectualidade e setores médios, e preocupada com a destruição da estrutura tradicional de poder em seus países. Azevedo Amaral, um dos mais importantes ideólogos do governo de Vargas, recusa explicitamente a relevância tanto de uma quanto de outra experiência para o caso brasileiro e ignora os setores médios. Vai mais longe ainda: traindo sua influência germânica, vê o poder local no interior como a fonte telúrica da força nacional, e culpa as oligarquias regionais por infestarem o país com a idéia de um Estado liberal exótico e fictício. A Revolução de 30, neste contexto, é vista como um esforço de aproximação da nação com as suas fontes reais, e como o começo de uma nova era. Este componente romântico encontra-se ausente de outros autores da mesma linha de pensamento, porém todos concordam com a idéia de um Estado Central que poderia vir a recuperar a sua autonomia após várias décadas de controle pelas oligarquias regionais.(20)

Estabelecido como um compromisso entre as oligarquias regionais e um grupo de jovens oficiais e intelectuais modernizantes, surgindo num momento em que ocorria um acréscimo nos níveis de participação política no país, o regime de Vargas logo afastou de si um setor significativo da intelectualidade brasileira que se filiou ao movimento "integralista" e tentou mesmo derrubá-lo em 37, em um esforço para avançar ainda mais a revolução da "classe média". A despeito das diferenças individuais e divergências de opiniões sobre as origens históricas dos problemas do país e suas possíveis soluções, não é difícil ver como os ideólogos da "classe média" aceitam a noção (e o ideal) de uma estrutura governamental independente dos interesses de classe e pressões regionais, e que possa agir à vontade na condução da vida do país.

4. A dualidade brasileira

Estas duas perspectivas refletem o fato de que o Brasil tem tido um processo de desenvolvimento ao longo de duas linhas diferentes e, em certa medida, divergentes; uma gerada pelo setor mais dinâmico da economia, ligada ao mercado internacional e baseada principalmente no Estado de São Paulo, e outra gerada pelo centro do poder político, baseada no Rio de Janeiro, e apoiada nos Estados de Minas Gerais, Rio Grande do Sul, Bahia e outros. Esta dualidade é devida à dualidade entre as fontes econômica e política de poder, entre uma estrutura de poder hierárquica por um lado, e uma estrutura de poder contratual e piramidal, por outro. Assim, a história do Brasil pode ser descrita em. termos das relações entre estes dois pólos. Ela não pode ser compreendida se se pressupõe simplesmente que o regime político reflete, mais ou menos por definição, o sistema de produção ou, então, que o poder político pode determinar o que ocorre em outras esferas da sociedade. Não é difícil perceber que estas duas alternativas devem ser tomadas como pontos extremos de um continuum tendo, é claro, implicações profundas quanto à natureza do sistema político do país e ao seu futuro.

A marginalidade política do Estado econômico e demograficamente mais forte do país é, possivelmente, uma peculiaridade brasileira, que pode ser observada nos quadros 4 e 5. Apenas durante a República Velha (1889-1930) São Paulo teve voz mais ativa na formação do governo central no Brasil. A Revolução de 30 começou exatamente quando São Paulo tenta quebrar a aliança republicana com Minas Gerais e assumir a liderança a permanente.(21) Frustrado, faz uma nova e mais vigorosa tentativa em 1932, que teve como resultado o fracasso e o isolamento político do Estado por mais 30 anos. Só em 1960, com a eleição de Jânio Quadros, pôde São Paulo fazer um presidente porém um presidente de pouca duração, que inaugurou um período de instabilidade e levou ao regime militar de 1964.

Quadro 4 - Percentagem de Votos para Partidos Nacionais e Regionais nas Eleições Parlamentares de 1950 (6 Maiores Estados) (+)
  % de votos para partidos % de votos de todo o Brasil no Estado
Estado nacionais (1) regionais (2)  
SP 42,0% 58,0% 18,0%
MG 87,2 12,8 15,0
RS 81,9 18,1 10,0
RJ 77,3 227 6,0
BA 73,1 307 7,0
DF 69,3 30,7 7,3
BRASIL 71,7 28,3 100%
(+) Calculado de Orlando M. de Carvalho, "Os Partidos Nacionais e Parlamentares de 1958". Revista Brasileira de Estudos Políticos, 8, abril da 1960, pp.18/19. (1)- PSD, PTB o UDN (2)- PSP, PR, PDC e 6 outros

O quadro 4 toma uma eleição parlamentar típica, a de 1958, e compara a porcentagem de votos dada a partidos nacionais com os votos dados a partidos regionais, para os seis maiores Estados. São Paulo apresenta a variação mais significativa do padrão nacional, seguido não muito de perto pelo centro urbano do Rio de Janeiro. Os correlatos econômicos e demográficos desta marginalidade política podem ser vistos no quadro 5.

Quadro 5 - São Paulo e Brasil: Alguns Dados Demográficos, Sociais e Econômicos Comparativos
  % do total em São Paulo:
Demográficos:
população (1960) 18,3
Sociais:
telefones ( 1966 ) 39,2
veículos 38,8
estradas federais pavimentadas 18,4
bibliotecas populares e especializadas (1965) 21,5
teatros e cinemas (1964) 27,0
estações de radio (1966) 26,7
circulação de jornais (1966) 42,4
Econômicos:
valor da produção industrial (1960) 55,1
consumo de energia elétrica (1966) 52,
arrecadação de impostos federais (1966) 41,3
FONTE: IBGE, Anuário Estatístico, 1965 a 1966

É bastante claro que não se pode compreender a história política brasileira se esta contradição entre os pólos econômico e político de desenvolvimento do país não é posta no centro da análise. Entretanto, a tendência tem sido ignorar esta dualidade, devido provavelmente à falta de uma estrutura teórica adequada para integrá-la.(22) Autores paulistas tendem a generalizar o que vêem em São Paulo como válido para todo o Brasil, apenas em um nível mais reduzido, enquanto outros vêem através da perspectiva do Rio ou de Minas Gerais, tendendo a ver a singularidade política de São Paulo como um fenômeno idiossincrático que não altera muito o quadro geral.(23) É de se admirar que esta dualidade, a característica mais importante do quadro geral, tenha sido negligenciada até hoje . A delimitação precisa desta dualidade e suas conseqüências são um campo praticamente virgem para a pesquisa, do qual apresentamos neste trabalho apenas alguma evidência preliminar.

5. Origens históricas

Torna-se importante retornar ao período de consolidação do Estado brasileiro, no século XIX, para se compreender a evolução desta situação. O período colonial no Brasil pode ser visto como uma grande operação comercial do Estado português, que desenvolveu a administração colonial como um instrumento de controle desta atividade . É essencial para a compreensão do período acentuar "os laços que uniam os dois processos paralelos da expansão comercial e criação dos Estados do tipo moderno".(24) O que ainda é desconhecido é a forma pela qual esta estrutura burocrática reagia face às flutuações da economia lo período colonial . Celso Furtado sugere que a economia do açúcar no Nordeste só foi capaz de resistir às quedas de preço no mercado internacional pela retração de seu aspecto "externo", revertendo a um estado de auto-suficiência que é o que mais se aproximaria, no Brasil, de um sistema de tipo feudal.(25) Se isto é assim, o que ocorreu com as atividades administrativas e comerciais relacionadas com esta economia decadente? Os historiadores ainda estão por mostrá-lo, mas o mais provável é que o comércio tenha desaparecido ou se transferido, enquanto que a administração colonial se recolhia ao ritualismo burocrático ao qual a estrutura administrativa portuguesa, altamente centralizada e formalizada, tanto conduzia. O padrão da colonização ibérica na América parece-nos composto de dois movimentos típicos. Inicialmente, a administração proporciona todo tipo de facilidade à iniciativa privada, e isto tanto conduziu à prosperidade econômica quanto à dispersão do poder . Em um segundo momento, a administração aumenta seu papel, através de toda sorte de restrições e centralizações, levando a um conflito inevitável com os empresários particulares, os "criollos" na América espanhola.(26) A ironia da colonização portuguesa reside em que tais movimentos centralizadores tenderam a ocorrer em períodos de decadência econômica . Isto ocorreu com a economia do açúcar, certamente foi o caso da decadência da mineração em fins do século XVIII e ocorreu novamente na tentativa de restauração promovida pelas Cortes portuguesas. O resultado geral foi o estabelecimento de um Estado forte que está em defasagem constante com a economia; esta regularidade é ainda acentuada durante o período imperial do Brasil independente. O renascimento econômico do país na segunda metade do século XIX ocorre em uma área geográfica estranha às raízes políticas tradicionais do Estado, área esta que não está representada na política nacional até a queda do regime imperial em 1889. A tendência para a centralização política e autoridade hierárquica procede quase sem interrupção através do século, tendo como conseqüência a alienação política gradual dos setores dinâmicos da economia de exportação. As características essenciais do período que marcarão a evolução do país até os nossos dias são a centralização crescente, o aumento progressivo dos recursos de poder nas mãos do governo central, e também a alienação crescente da economia do café e os desenvolvimentos ligados a esta alienação.

5.1. Modificações demográficas no século XIX.

As estimativas da população brasileira antes do Censo de 1872 são imprecisas, daí os dados abaixo serem apenas indicadores de tendências muito amplas. Há pouca dúvida, no entanto, de que São Paulo tenha sido uma província relativamente pouco importante no ano de 1823, tendo apenas cerca de 7% da população total, enquanto as províncias do Nordeste, da Bahia e de Pernambuco possuíam 29% da população. Outros 29% estavam nas províncias de Minas Gerais e do Rio de Janeiro, incluindo a Corte. Uma revisão cuidadosa das informações disponíveis para o período conduziu a uma caracterização do desenvolvimento demográfico conforme o quadro 6 (vide nota 29).

Quadro 6 - Taxas Anuais de Crescimento Populacional por Região
Região: 1808/1854 1854/1890
Norte 2,1 1,72
Nordeste 2,31 1,28
Leste 2,82 1,66
Centro Oeste 2,73 0,59
Brasil 254 1,79
Fonte: Hélio Mathias, "A sociedade civil no Império: crescimento da População". Documento de trabalho do IUPERJ

Tais dados diferem dos de Celso Furtado, por exemplo, que calcula uma taxa de crescimento de 1,3% ao ano entre 1800 e 1850.(27) Não trataremos de determinar aqui a confiabilidade e significação estatística e teórica desta discrepância. Basta observar a queda de mais de um ponto na taxa de crescimento do Nordeste e um acréscimo equivalente no Sul para se obter uma idéia da tendência. As variações na taxa de. crescimento refletem as migrações do Nordeste e Leste para o Sul, bem como o fim do tráfico negreiro em 1850, e a imigração externa . A imigração européia para o Brasil é um fenômeno relativamente pouco importante até fins do século XIX. Apenas cerca de 22 mil imigrantes entraram entre 1819 e 1850, e cerca de 900 mil de 1851 até 1888. Esta média de cerca de 25 mil imigrantes por ano no segundo período compensa parcialmente o fim do tráfico negreiro que havia introduzido no país cerca de 9 mil escravos por ano de 1801 a 1804, cerca de 30 mil de 1820 a 1829, e mais de 50 mil anuais entre 1842 e 1851, quando o tráfico praticamente estancou. A substituição da mão-de-obra escrava pelo trabalho livre prova?elmente significou também um acréscimo na taxa de crescimento que parece ter sido nula ou negativa para a população escrava, o que poderia vir a compensar ainda mais a redução relativa do fluxo migratório.(28)

Os dados para urbanização no século XIX são ainda mais dispersos e não permitem uma comparação sistemática através do tempo. Em 1823 apenas as cidades do Rio, Bahia e Recife possuíam mais de 50 mil habitantes, em uma população total de 4 milhões. As estimativas da população do Rio de Janeiro oscilam entre cem e duzentos mil ao longo do século, e o Censo de 1872 atribui-lhe 275 mil habitantes. Existe uma estimativa para 1864 que tende a exagerar os dados para os centros urbanos, mas o número de cidades relacionadas como tendo mais de 50 mil habitantes é ainda o mesmo, em uma população total de 11 milhões. O primeiro Censo, em 1872, acrescenta a este grupo mais duas cidades, Belém e Campos. Nesta época apenas o Rio, Bahia e Recife possuíam mais de 100 mil habitantes, em um total de 11 milhões. O Estado de São Paulo é o quarto maior, após Minas, Bahia e Pernambuco, e a cidade de São Paulo, naquele ano, possuía apenas 27 mil habitantes. Em 1890 a população do país havia crescido para 14 milhões, e mais três cidades penetraram no grupo dos 50 mil, inclusive São Paulo, que então contava com 64 mil habitantes. Este Estado ocupava então o terceiro lugar no país em termos de população, após Minas e Bahia, mas já acima de Pernambuco.(29) Qualquer taxa de urbanização seria arbitrária, mas existe pouca dúvida de que o processo de urbanização no século XIX foi lento, tendo-se acelerado no fim do período.

5.2. Estagnação e Ressurgimento Econômico

A principal atividade econômica em fins do século XVIII era a mineração; seu declínio foi muito rápido, indo de uma média anual de 14.600 quilogramos de ouro no período 1741-1760 a apenas 1.760 entre 1811 e 1820. As Guerras Napoleônicas e o início do livre comércio com a Inglaterra ocasionaram uma breve prosperidade na agricultura do açúcar e do algodão, mas depois de 1812/15 os preços caem e a independência política brasileira ocorre em um momento de completo recesso econômico mundial e de retração da economia nacional.(30) Ao mesmo tempo, entretanto, o café estava surgindo como o produto básico no país, situação que perduraria a partir de então. O quadro 7 oferece um panorama geral da evolução:

Quadro 7 - Exportação Brasileira até 1931 (valores em Libras de 1950)
  Milhões de libras % do café no valor total % do segundo maior produto
nominal valores de 1950
1821 4,3 9, 4 16,3 25,3 (+)
1829 2,1 4,6 20,5 37,2
1830 3,3 7,4 19,8 36,7
1940/1 5,3 10,4 42,7 28,5
1850/1 8,1 21,5 48,1 23,3
1860/1 13,2 25,0 64,7 -
1870/1 15,4 34,0 50,3 -
1872/3 22,3 45,0 37,6 14,7
1880/1 21,2 51,0 54,6 -
1890 26,3 75,0 50,3 -
1900 33,1 90,0 67,7 -
1910 63,0 160,0 42,3 39,1 (++)
1920 82,3 67,5 49,1 6,0 (+)
1929 94,8 156,0 71,0 -
1930 6,7 130,0 62,6 -
1931 49,5 122,0 68,9 -
(+) açúcar (++) borracha
Fontes: IBGE, Anuário Estatístico, 1940 e 1966; APEC, Estudos, A Economia Brasileira e suas Perspectivas, 4 volumes; e Oliver Onody, A Inflação Brasileira 1820-1958 (Rio, 1960) para o índice de conversão em libras para 1950.

Minas Gerais era ainda, na passagem do século, o principal produtor de café no país, mas em base muito diferente de São Paulo. É comumente aceito que a fazenda de café em São Paulo era baseada em um sistema de trabalho de tipo contratual e monetário (o colonato), enquanto no resto do país, e especialmente em Minas Gerais, as relações de trabalho eram baseadas em um sistema de parceria. As diferenças entre estes dois sistemas surgem quando os preços caem no mercado internacional nos começos do século XX. O empresário do café, em São Paulo, é mais vulnerável às flutuações de preço que o sistema da parceria e daí porque, de acordo com Delfim Netto, não tenha sido surpresa que a pressão no sentido de uma intervenção do Estado nacional na economia do café partisse de São Paulo.(31) Um regime de estrito liberalismo com relação à indústria do café foi mantido, entretanto, até 1906.

5.3 Centralização Política e Aumento do Poder

Vejamos agora o que ocorre no nível do sistema político. A história política brasileira no século XIX pode ser contada em termos de dois períodos O primeiro, de 1808 a 1841, assiste às lutas pelo estabelecimento de um governo central enquanto poder estável e centralizado. O segundo, a partir de 1841 até a queda do Império, em 1889, foi um período de acentuada estabilidade e n não-contestação da autoridade imperial.

O primeiro período caracteriza-se pelo conflito entre brasileiros e portugueses, que em breve evolui para um conflito entre os partidos "liberal" e "conservador". A dissolução da Assembléia de 1823 significa a vitória dos portugueses, e a abdicação de Pedro I a vitória dos brasileiros . Após a abdicação, o país atravessa um período de rebeliões regionais que o leva à beira da fragmentação. O governo central tem que desenvolver uma capacidade militar relativamente independente das regiões onde se localizam as revoltas, desenvolvendo então um exército regular . Tanto a Marinha como o Exército, no início do Brasil independente, são compostos por portugueses e utilizam-se de forças mercenárias, mas a nacionalização do exército parece ter ocorrido rapidamente . Um decreto reorganizando o exército, em 1831, fixa sua força em 10 mil homens, e o número real oscila entre 15 e 20 mil em todo o século, à exceção do período da Guerra do Paraguai . Havia 35 mil homens em armas em 1865 e 83 mil em 1869, cifra que cai novamente para 15 mil em 1873. Tais dados deixam entrever o desenvolvimento de um exército organizado e profissional após a instabilidade do regime regencial.(32) Isto é demonstrado no quadro 10 de "Atores Políticos do Império", neste volume.

Apenas o Rio Grande do Sul não está completamente pacificado em 1845, e não é por acaso que o homem encarregado dc combater as rebeliões viesse a ser considerado o fundador do exército nacional .

O fim das revoltas regionais e a criação de forças armadas regulares constituíram apenas algumas das realizações governamentais no período. O orçamento federal triplicou nos primeiros dez anos após a independência, e cresceu constantemente ao longo do século. (Ver quadro 8). Não se trata de um simples aumento nominal, pois a moeda brasileira manteve uma relação estável com a libra inglesa durante a maior parte do século XIX.(33) Esse incremento dos gastos governamentais acompanhou de perto a recuperação da economia brasileira na segunda metade do século, devido principalmente ao café, mas que reflete também a crescente capacidade do governo de usufruir dela. O quadro 8 mostra que as despesas governamentais mantiveram uma relação estável e crescente com o comércio exterior, e o quadro 9, de "Política e Sociedade no Brasil Imperial" (elaborado por Vera Maria Pereira Borda) mostra a crescente importância deste comércio como fonte de renda para o governo central.

Quadro 8 - Despesas Governamentais e Exportações no Brasil, Século XIX (em 1.000 Contos De Réis)
Ano DESPESAS GOVERNAMENTAIS EXPORTAÇÕES DESP/EXP (%)
1823 4.702 20.623 22,80
1831/2 12.836 32.431 29,79
1840/1 19.073 41.672 39,79
1852/3 29.368 73.745 39,87
1860/1 45.950 123.171 37,30
1870/1 83.435 168.000 49,66
1889 138.108 256.095 53,30
FONTE: Dados coligidos por Sérgio de Rocha e Souza e Luís Werneck Vianna. Dados para a equivalência entre moedas brasileira e inglesa são encontrados em Olivar Onody. A Inflação Brasileira (Rio, 1960).

Quadro 9 - Receita Pública no Período Imperial
RECEITA 1831/32 1888
Importações 29,5% 61,0%
Interior 42,7% 10,0%
Exportações 6,0% 28,0%
Total (contos de réis) 11.1 milhões 145,2 milhões
Fonte: Vera Maria Pereira Borda, "Independência e subordinação d Economia Imperial", IUPERJ, Documento de Trabalho.

5.4. Representação Política

Quem se fazia representar ante esta estrutura governamental sempre em expansão? Durante o Império certos níveis de renda e propriedades eram requisitos necessários ao exercício de direitos políticos, e Faoro analisa detalhadamente como a Carta de 1823 intencionalmente reduziu a importância da propriedade de terras enquanto critério principal de elegibilidade(34). O número total de eleitores em 1872 anda em torno de um milhão - cerca de 11 %, da população total do país(34). Essa cifra assinala, de maneira muito geral, os limites do sistema político, e o folclore político brasileiro abriga incontáveis histórias a respeito de irregularidades e fraudes eleitorais de todo o tipo - o partido no poder sempre venceu as eleições por ele convocadas e organizadas.

A Assembléia Constituinte de 1823 é considerada como representante das tendências centrifugas mais liberais contrastando com nas tendências centralizadoras do governo imperial Se isto é certo, é de se esperar que o Congresso jamais se tenha tornado um corpo plenamente institucionalizado. Isso se reflete, embora indiretamente, nos dados relativos às alocações de recursos orçamentários ao legislativo apresentados no quadro 10, em "Atores Políticos do Império", neste volume.

O orçamento do legislativo fazia parte do orçamento do Ministério do Império, tendo sempre um volume de recursos bem menor do que os destinados aos gastos com a Família Real, principal item da despesa desse Ministério. As despesas governamentais com o legislativo jamais excederam 1,6% do total, e tenderam a crescer ligeiramente da primeira para a segunda metade do período imperial (a média para o período que vai de 1837 a 1864 é de 0,75%, enquanto a média do período 1864/89 é de 1,10%).(35) Esse leve aumento relativo significou um progresso real, num contexto de crescimento geral do Estado, mas não foi suficiente para compensar a absorção gradual da oposição liberal pelo Estado político. "O que parece ter ocorrido na realidade foi a prática de um mecanismo semelhante ao da reciprocidade vigente no sistema coronelista: da mesma forma que para se manter o coronel cede na autonomia legal ao governo estadual em troca da concessão, por parte deste, de uma autonomia extralegal, o Partido Liberal abre mão de seus princípios básicos em troca da possibilidade de ser esporadicamente convocado pela instituição suprema do regime imperial centralizado para se ocupar do Executivo". Se a filiação partidária dos detentores das posições executivas e legislativas não nos diz quem eles representam, suas origens regionais podem ser um melhor indicador:

Quadro 10 - Províncias de Origem dos Membros dos Gabinetes do Segundo Reinado
  de 1840 a 1953 de 1857 a 1871 de 1873 a 1889
Pará 1,75 1,59 -
Maranhão - 1,59 1,75
Piaui - 6,35 5,00
Ceará - - 2,50
Paraíba - - 2,50
Pernambuco 12,28 14,28 10,00
Sergipe - - 2,50
Bahia 26,32 34,92 22,50
Minas Gerais 19,30 7,94 32,50
São Paulo 7,02 7,94 2,50
Santa Catarina 1,75 1,59 -
São Pedro (Rio Grande do Sul) - 1,59 2,50
Total Brasil (100%) 37 63 40
Este quadro sumaria os dados detalhados no quadro 11 apresentados em "Atores Políticos do Império", neste volume.

O quadro dificilmente poderia ser mais marcante. Enquanto o centro de gravidade econômico e social se desloca para o Sul, a base política do governo se desloca para o Norte, São Paulo e Rio Grande do Sul estão manifestamente sub-representados, e não é por acaso que estes dois Estados irão se tornar os sustentáculos da República. A diminuição da participação do Rio de Janeiro provavelmente reflete o crescente abrasileiramento da elite política, que tende a ser recrutada principalmente na aristocracia mais tradicional do Norte e Nordeste. Todavia, tudo parece indicar que esse recrutamento envolve muito mais um processo de cooptação do que de representação política.

A alienação política das fontes de riqueza é paralela à resistência enfrentada pelo exército na tentativa de assegurar para si um papel político mais ativo. O fim do Império dá-se através de um golpe militar incruento, abrindo caminho para uma tentativa de descentralização política, e para o estabelecimento de uma relação menos imprecisa entre poder político e desenvolvimento econômico e social.

6. Descentralização Republicana

O período Republicano caracteriza-se por uma ascendência das províncias, agora Estados, ao controle da arena política. São Paulo transforma-se num ator principal, e, lado a lado com Minas Gerais, sustenta a eleição de todos os presidentes até Washington Luiz em 1926.

A história política desse período é, sem dúvida, bem mais complexa do que aparece aqui, e não é o caso de analisá-la agora.(36) Pretendemos apenas acentuar alguns fatos comumente deixados de lado na análise desse período.

Primeiramente, a descentralização republicana não significou uma ampliação substancial da participação eleitoral. Maria Antonieta Parahyba mostra como outros fatores correlacionados com o processo de modernização crescem muito mais que os níveis de participação eleitoral,(37) e a inquietação social nos principais centros urbanos cresce continuamente a partir de 1920.

Em segundo lugar, o Exército era um ator muito importante nas decisões políticas da República Velha. Foi o Exército que tomou o poder em 1889, com Deodoro, e foi um general quem o sucedeu, Floriano. A campanha do candidato Rui Barbosa contra o General Hermes da Fonseca em 1910 foi feita em termos de oposição civilista. Hermes é o último representante ilustre da velha geração militar no executivo nacional, mas, a partir dos anos 20, uma nova safra de jovens militares dá início à sua duradoura carreira de atuação política.(38)

Em terceiro lugar, o peso cada vez maior do Estado de São Paulo não levou a uma representação plena na área do executivo nem mesmo neste período. Pode-se argüir que o governo central não era demasiadamente importante, dada a descentralização operada, mas se isto foi verdade em algum momento já tinha deixado de sê-lo nos anos 20.(39) A despeito do fato de o Partido Republicano Paulista ter apoiado todos os candidatos presidenciais eleitos a partir de 1898, e ter dado forma à "política dos governadores" com Campos Sales, de seus sucessores somente Rodrigues Alves e Washington Luiz eram paulistas, tendo o primeiro um colorido fortemente monarquista. A ausência do poder de 1906 a 1926(40) foi fortemente ressentida no Estado e a revolução de 1924 em São Paulo é talvez o melhor indício deste fato. Esta revolta militar teve todo o apoio da Câmara de Comércio de São Paulo, e o depoimento de seu presidente, José Carlos de Macedo Soares, merece uma citação em extenso:
"Tinha São Paulo o direito de abandonar a Federação ao domínio - por vezes exclusivo - de estadistas menos adiantados, de permitir a politicagem utilitária do "empreguismo", desanimando todas as coragens cívicas, pelo apoio sistemático aos mandões regionais, pela expropriação injusta dos mandatos? Pois bem: a abstenção de São Paulo não se limitou aos cargos de nomear, que têm constituído o alvo e a ambição de quase todos os homens públicos do país. Perdemos totalmente a influência legislativa, tanto na Câmara Federal quanto no Senado. Fomos completamente excluídos de um dos poderes da República, pois no Supremo Tribunal Federal, a esta hora não há um único juiz de São Paulo. Entretanto, deles dizia Rui Barbosa: 'Podemo-nos consolar da fraqueza de seus políticos, ao menos, com a serenidade impoluta dos seus magistrados'. Não temos um só representante no Conselho Superior do Comércio. Na Diplomacia, como na Magistratura, na Marinha, como no Exército, nos poderes do Estado, por toda parte, em todos os postos de influência e de autoridade, São Paulo está sistematicamente excluído".(41)
O que mais lhe importava não era a falta de instrumentos para uma política de clientelismo e apadrinhamento, tão essencial em um sistema em que o poder emana do acesso aos instrumentos de administração. O problema principal era ter-se negado a São Paulo a representação política adequada através da qual os objetivos de sua elite pudessem ser alcançados. Não era, assim, uma simples questão de discriminação regional, mas o confronto de dois estilos e objetivos políticos distintos e conflitantes. O resultado, mais uma vez, foi a vitória da cooptação sobre os esforços de representação.

6.1 A nova centralização e depois.

A sociedade e a política brasileira tornam-se cada vez mais complexas e menos estudadas a partir de 1930, e podemos interromper aqui este apanhado histórico. Voltemos à Revolução de 30, e um rápido exame de alguns resultados eleitorais pode ajudar-nos a entender melhor o seu significado. As eleições presidenciais durante a República Velha raras vezes foram competitivas (Rodrigues Alves em 1902, Afonso Pena em 1906, Epitácio Pessoa em 1918, Washington Luiz em 1926) e, quando competitivas, as divisões eram essencialmente regionais. Rui Barbosa, duas vezes derrotado em eleições presidenciais, tinha suas bases políticas na Bahia, e Getúlio Vargas, em 1930, foi sustentado por Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Paraíba. O quadro 11 apresenta dados para uma comparação entre as três últimas eleições competitivas da República Velha.(42)

Estes dados são incompletos, e qualquer conclusão é tentativa. 1910 mostrou certa competição intra-estadual localizada, principalmente, nos Estados do Sul (São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande deram uma média de 73,3% de seus votos a seus candidatos preferidos), uma situação que não voltou a se repetir em 1914, quando Rui Barbosa foi apoiado apenas pela Bahia. O comparecimento eleitoral mostrou um aumento pequeno mas persistente durante o período, caindo entretanto para 2,06% em 1926 (uma eleição sem oposição), e mais que duplicando em 1930. A eleição de 1930 foi mais competitiva que as anteriores ao nível estadual, particularmente na cidade do Rio de Janeiro onde o candidato vencedor obteve apenas 51 % dos votos. Em geral, no entanto, o padrão é o mesmo, tanto nos Estados da situação quanto nos da oposição, com uma característica a mais: o nível de participação eleitoral aumentou, principalmente nos Estados da oposição. Isso apenas vem confirmar a proposição geral de que a competição política tende a ampliar a extensão do conflito político, denotando um afastamento radical do padrão de abertura politica extremamente limitada até então dominante.(43) O sistema politico baseado no domínio dos Estados mais tradicionais não pode mais se sustentar; contudo, ao invés de o centro poder deslocar-se para São Paulo, esse Estado, novamente, é o grande perdedor. O regime de Vargas transfere ainda mais a fonte de poder dos Estados para o executivo, e aumenta a participação dos militares e a dependência das oligarquias regionais em relação ao governo central.(44)

Quadro 11 - Eleições Competitivas na República Velha
  1910 1914 1930
Estados em oposição São Paulo, Bahia, Rio de Janeiro Bahia Minas, Bahia, R. Grande Sul
Candidato da oposição Rui Barbosa Rui Barbosa Getúlio Vargas
Média das percentagens de votos do candidato vencedor nos Estados da situação 89,5 (16 Estados) 95,60 (10 Estados) 85,44 (9 Estados)
Média das percentagens de votos do candidato da oposição em seus Estados 73,75 (Bahia e São Paulo) 62,21 (1 Estado) 84,83 (3 Estados)
Média das percentagens de votos dos candidatos vencedores em cada Estado 87,79 (18 Estados) 94,00 85,29
Percentagem de votantes sobre a população total. 1,64% 2,14% 5,10%

Em 1932 assistimos ao fim da esperança de que o novo regime não traria nenhuma mudança radical, e muitos dos que apoiaram Vargas em 1930 estão agora atrás das barricadas de São Paulo.(45) As tendências para uma concentração cada vez maior de poder nas mãos do executivo, intensificando a participação da União na vida econômica e social, a continua cooptação das lideranças políticas autônomas em todos os níveis e a subordinação do processo econômico ao processo político, serão firmemente estabelecidas durante o regime de Vargas, e, realmente, não mais alteradas desde então. Ao mesmo tempo, entretanto, as divisões regionais se transformam gradualmente em clivagens nacionais, num processo que começa no Rio e permanece essencialmente como um fato urbano. Essa combinação entre uma forte centralização e uma política "plebiscitária" parece estar na base do populismo a partir do final da década de trinta.

7. Conclusões: algumas implicações teóricas

Os fatos históricos são únicos, e não é possível chegar a conhecer um fenômeno político específico sem estar familiarizado com suas particularidades. Isso vale tanto para o Brasil como para qualquer outro país, mas esse estudo não pretende ser uma análise da "singularidade" de nossa história. Ao contrário, o objetivo é identificar, na aparente singularidade e complexidade de nossa história política, padrões que possam ser divisados em um alto nível de abstração, e cuja combinação compõe a realidade específica que estamos tentando descrever. Já tratamos em outra parte de algumas questões conceituais e proposições mais gerais para a análise da politica brasileira(46) , e esta conclusão se referirá tão somente aos pontos que parecem ser mais diretamente relevantes ou que foram melhor elucidados ou levantados pela análise histórica anterior, em função do modelo analítico apresentado no início.

Em primeiro lugar, as limitações de uma abordagem exclusivamente "desenvolvimentista" do processo sócio-político são visíveis. O processo de mudança política não pode ser entendido seja como uma conseqüência do processo de modernização (como insinuam os que consideram 1930 uma revolução de "classe média") seja através do processo de desenvolvimento econômico, ou acumulação de capital (como afirmam os teóricos da revolução "burguesa"). Há uma esfera específica do poder político que cresce em tamanho e muda suas fontes de energia através do tempo. As ligações entre este processo político e o que acontece em outras esferas da sociedade é um problema de pesquisa empírica. No Brasil, a tendência parece ter sido a existência de um baixo nível de correspondência entre as esferas sócio-econômica e política.

Em segundo lugar, parece claro que a questão não consiste em saber qual tipo de explicação é melhor, mas quanto cada uma delas pode explicar de uma dada situação. Uma abordagem desenvolvimentista de um certo tipo acarreta unia série de conseqüências a fazer dela um quase modelo, e parece e a realidade específica que estamos tentando descrever. Já tratamos em outra parte de algumas questões conceituais e proposições mais gerais para a análise da politica brasileira(46) , e esta conclusão se referirá tão somente aos pontos que parecem ser mais diretamente relevantes ou que foram melhor elucidados ou levantados pela análise histórica anterior, em função do modelo analítico apresentado no início.

Em primeiro lugar, as limitações de uma abordagem exclusivamente "desenvolvimentista" do processo sócio-político são visíveis. O processo de mudança política não pode ser entendido seja como uma conseqüência do processo de modernização (como insinuam os que consideram 1930 uma revolução de "classe média") seja através do processo de desenvolvimento econômico, ou acumulação de capital (como afirmam os teóricos da revolução "burguesa"). Há uma esfera específica do poder político que cresce em tamanho e muda suas fontes de energia através do tempo. As ligações entre este processo político e o que acontece em outras esferas da sociedade é um problema de pesquisa empírica. No Brasil, a tendência parece ter sido a existência de um baixo nível de correspondência entre as esferas sócio-econômica e política.

Em segundo lugar, parece claro que a questão não consiste em saber qual tipo de explicação é melhor, mas quanto cada uma delas pode explicar de uma dada situação. Uma abordagem desenvolvimentista de um certo tipo acarreta unia série de conseqüências a fazer dela um quase modelo, e parece ocorrer que muitos desses modelos podem ser aplicados simultaneamente em diferentes circunstâncias. Vejamos algumas possibilidades. Uma das alternativas possíveis se dá entre modelos "cataclísmicos" e "estratégicos" de explicação, o primeiro determinista e o segundo incluindo elementos de escolha(47). Estes dois modelos podem ser entendidos simplesmente como duas maneiras diferentes dc olhar as mesmas coisas, mas, enquanto o primeiro tende a focalizar a esfera decisória (que é principalmente política) como determinada por processos "externos", o segundo se atém mais especificamente ao processo decisório a partir da suposição de que os graus de liberdade são muitos e relevantes. É importante determinar, numa situação histórica dada, quanto do processo global é decidido em um determinado centro de decisão e em que medida é independente deste, sendo função, então, de circunstâncias fora de controle ou de outros centros de decisão não controlados.(48)

Fizemos referência a três processos distintos de crescimento: um através de um padrão tradicional-moderno; outro através de um continuum pré-industrial-industrial, e o terceiro através de um continuum de crescimento e diferenciação do Estado. Mostramos como os dois processos aparecem como modelos alternativos de explicação da Revolução de 1930, dentro da historiografia. O primeiro supõe uma participação crescente dos setores médios modernizantes na vida política, e o problema político correspondente é o da integração desses grupos emergentes na vida política. Um dos caminhos são os governos de tipo populista, mas suas limitações são bem conhecidas, e diferentes espécies de mobilização de tipo fascista, tecnocrático e/ou regimes coercitivos são prognosticados. O modelo do continuum pré-industrial-industrial se atém mais estritamente aos limites e possibilidades de produção econômica, tendo como variáveis essenciais as características do mercado internacional quando o setor exportador-importador é importante. Esse modelo tende a excluir explicações especificamente políticas até o momento em que se localiza um ponto de estrangulamento econômico, quando então se tende a interpretar a participação governamental nas atividades políticas como completamente dependente das necessidades econômicas. O terceiro modelo possível, bem menos freqüente na literatura, é a abordagem especificamente política que, no caso do Brasil, tenderia a ver seu sistema político como decorrente do estado mercantilista dos séculos XVIII e XIX, e toda a análise política subseqüente sendo feita em termos dos conflitos entre suas tendências centralizantes e as demandas de representação política dos grupos sociais e econômicos emergentes. O que a análise acima sugere é que qualquer desses modelos tem uma aplicabilidade parcial ao caso brasileiro e a questão empírica mais interessante diz respeito ao seu domínio específico e à sua interação.

O terceiro ponto geral decorrente consiste na descrição das clivagens mais importantes na política brasileira. Em primeiro lugar, a separação entre centro e periferia política, uma tendência centralizante e outra descentralizante. Essa separação pode ser desdobrada em duas direções. Primeiro, há a separação entre os setores mais burocráticos e tecnocráticos e a "classe política" que assume o papel de intermediária entre o governo e os interesses locais e regionais. O segundo desdobramento diz respeito ao setor da sociedade que é dependente do governo central e o setor que não o é. O primeiro setor inclui tanto a "classe política" como a administração técnica e burocrática; e o segundo, os setores econômica e institucionalmente autônomos. Essa divisão coincide com a divisão regional entre a área de São Paulo e o resto do país, no que se refere à participação política. Essa divisão regional assume diferentes aspectos para grupos diferentes: divisão entre interesses liberais e interesses econômicos protecionistas, entre corporativismo e sindicalismo, entre formas paternalistas e formas carismáticas de mobilização política popular.

Existem dois tipos de questões inter-relacionadas que não puderam ser examinadas em profundidade aqui. A primeira refere-se ao exame teórico do possível cenário político que decorreria de um predomínio das estruturas de representação sobre as de cooptação na história política brasileira. Se a falência da política civil no Brasil é uma decorrência do predomínio histórico dos sistemas de cooptação, será que a vitória da Revolução de 1932, por exemplo, não teria criado as bases para um regime representativo de apoio civil mais estável e eficaz? A resposta a esta questão é problemática, mas é bastante provável que ela tenda a ser negativa, por uma série de razões. Primeiro, parece bastante evidente que o liberalismo ideológico ligado à economia exportadora e à industria paulista não seria capaz de, por si mesmo, levar à frente um processo de desenvolvimento econômico sem a ajuda do Estado. Depois, o processo de modernização social tende a ser, e tem sido no caso do Brasil, muito mais rápido que o de crescimento econômico, autônomo ou induzido, fazendo com que estilos políticos populistas tendam a predominar quando o sistema de participação se mantém aberto. O populismo carismático (mais ligado ao. processo de crescimento econômico) e paternalista-fascista (mais ligado ao processo de crescimento do Estado) são ambos disfuncionais para um estilo de participação. política que se pretenda eficaz.(49) Finalmente, as possibilidades de aberturas e contatos internacionais parecem conduzir a um "esvaziamento" político das elites econômicas mais ativas.

Este é, pois, o segundo tipo de questões que não pudemos desenvolver suficientemente: o dos efeitos da situação de dependência do país ante o sistema internacional. A vinculação da economia brasileira de exportação ao mercado internacional pode ter sido um dos fatores principais na determinação de um liberalismo à outrance nos seus setores mais dinâmicos, que buscariam no Estado pouco mais que a função policial do liberalismo europeu do século passado. Esta internacionalização prematura da economia seria, assim, um dos principais determinantes da ausência de uma ideologia nacionalista e desenvolvimentista entre os representantes das classes empresariais brasileiras. Quem desenvolve este "projeto" é, na realidade, o Estado Novo, levando muitos a considerarem, por implicação, que o Estado Novo representava os interesses objetivos (mas inconscientes) da burguesia.

Seria importante poder levar à análise dos fenômenos de dependência a consideração dos três processos de transformação a que viemos nos referindo, assim como suas inter-relações e domínio relativo. Haveria que distinguir os setores econômico, governamental e cultural (ou ideológico, ou valorativo), tanto no pólo dominante quanto no pólo dependente, e examinar as conseqüências das diversas combinações. É evidente que a dependência do Império Brasileiro ante a casa Rotschild deve ter tido conseqüências política distintas da dependência de setores da economia brasileira à política fiscal e de importação do governo norte-americano. Cada um destes setores possui graus distintos de liberdade de ação, e a análise desta matriz complexa de interações e domínio pode levar a resultados bem mais proveitosos que a simples constatação de um fenômeno de dependência internacional global e indiferenciado.

Por mais importantes que sejam as questões de dependência, elas não devem obscurecer o fato de que a política brasileira tem uma dinâmica interna própria que deve ser conhecida em seus aspectos fundamentais e que determina, em grande parte, a colocação do país no contexto internacional. Os limites desta autonomia não são conhecidos, mas há tão poucas razões para acreditar em uma autonomia completa quanto em supor que toda a nossa história não passa, na realidade, de um jogo de fantoches feito por mãos alheias.


Notas:

1. Reinhard Bendix, "Social Stratification and the Political Community", em R. Bendix e S. M. Lipset, (ed). Class, Status and Power, 2ª edição, New York, Free Press, 1966.

2. Mais especificamente, para Hegel a sociedade civil é o fenômeno do Estado, enquanto que o Estado é a idéia da Sociedade. A Idéia se apresenta na forma do Soberano e da Constituição, e a mediação entre esta forma particularizada da idéia e a sociedade é realizada por instituições intermediárias, tas como a opinião pública e a representação de grupos civis no Estado, a burocracia, etc. Esta concepção hegeliana do Estado está desenvolvida em Jean Hippolite, Études sur Marx et Hegel, Paris, Marcel Rivière, 1965 (que, por sua vez, baseia-se no trabalho clássico de Luckácz sobre o jovem Hegel.

3. Veja Karl Marx, Crítica à Filosofia do Estado de Hegel, que é uma análise detalhada da Filosofia do Direito de Hegel.

4. Observe-se, no entanto, que os interesses particulares da burocracia são importantes nesta analise, ou seja: a relação entre o Estado e a classe dominante não é imediata. Vale a pena citar: "A burocracia tem em seu poder o ser do Estado, o ser espiritual da sociedade: ela é sua propriedade privada. O espírito geral da burocracia é o mistério, guardado pela hierarquia da vista de estranhos pela sua estrutura de corporação privada. A revelação do espírito do Estado à opinião pública é percebida pela burocracia como traição ao seu mistério. A autoridade é, assim, o princípio de sua ciência, e a idolatria da autoridade o seu sentimento. Mas, dentro da própria burocracia, o espiritualismo se transforma em um materialismo sórdido, o materialismo da obediência passiva, da fé na autoridade, do mecanismo de uma atividade formal fixa, de princípios, idéias e tradições fixas. Para o burocrata tomado como indivíduo, os objetivos gerais do Estado transformam-se em seu objetivo pessoal: a caça às posições mais altas, é necessário subir na vida (traduzido livremente de Marx, Oeuvres Philosophiques, ed. Molitor, vol. IV, p.103).. Toda esta riqueza de interpretação dos fenômenos de burocratização é obscurecida quando se opera a identificação imediata entre Estado e interesses de classe, para surgir novamente muito mais tarde, e de forma paradoxal. em oposição ao marxismo, como por exemplo em Michels.

5. Veja a discussão a este respeito. em termos das ciências sociais contemporâneas, em Simon Schwartzman, "Desenvolvimento e Abertura Politica", Dados 6, 1969.

6. O conceito de "Modo Asiático de Produção" aparece na literatura marxista para designar um sistema sócio-econômico em que o Estado desempenha um papel ativo na organização direção e controle da vida econômica. 0 termo "asiático" explica-se pelo fato de este tipo de organização social ter sido estudado inicialmente nos grandes Impérios orientais que se organizaram no passado a partir de grandes sistemas de irrigação de terras. Não há razão, entretanto, para que fenômenos de organização burocrática e governamental da atividade econômica não sejam estudados de forma mais generalizada. As vicissitudes deste conceito dentro do marxismo, ocasionadas principalmente pela implicação de "asiatismo" que traz necessariamente ao estado soviético é discutida em detalhe por Karl A. Wittfogel, Oriental Despotism. Yale University Press 1957 capitulo 9. A respeito veja também a discussão de Luís Werneck Vianna em "Política e Sociedade no Brasil Imperial", neste volume. Para o conceito em Marx veja os Fondements de la Critique de L'Économie Politique, tradução francesa de Roger Dangeville Ed., Anthropos, Paris 1967 p. 435 e seguintes.

7. David Apter, "Notes for a Theory of No-n-Democratic Representation", em Some Conceptual Approaches to the study of Modernization, Prentice Hall Inc, 1968.

8. ibidem

9. Torcuato S. Di Telha, "As Formas do Populismo", em Para uma Politica Latino-Americana, Rio, Paz e Terra, 1969.

10. Cf. "Desenvolvimento e Abertura Política, Dados 6, 1969.

11. Para uma exposição sintética do modelo parsoniano, visto do ponto de vista do subsistema político, veja Talcott Parsons, "On the Concept of Political Power", em S. M. Lipset e R. Bendix, Class, Status and Power, 2 edição, New York, Free Press, 1966, pp. 240-265.

12. "Cleavage Structures, Party Systems and Voter Alignments: An Introduction", em S. M. Lipset e S. Rokkan, Party Systems and Voter Alignments, New York, Free Press, 1967.A exposição que se segue dá somente uma pálida idéia do modelo desenvolvido pelos autores. Tratamos de manter tanto quanto possível as referências ao "AGIL", para os iniciados, ainda que as referências aqui devam ser inteligíveis independentemente; não há nenhum esforço, na realidade, em compatibilizar o que aqui se diz com o sistema parsoniano, mas simplesmente em utilizá-lo na medida em que nos parece útil.

13. David Apter, The Politics of Modernization (Chicago: The University of Chicago Press, 1965)

14. Nestor Duarte, A Ordem Privada e a Organização Política Nacional (São Paulo, Companhia Editora Nacional, Coleção Brasiliana, vol. 172, p. 169.

15. A Ordem Privada..., pp. 188-9.

16. Raymundo Faoro, Os Donos do Poder - A Formação do Patronato Político Brasileiro (Porto Alegre: Editora Globo, 1958), pp. 53 a 65.

17. Cf. Celina do Amaral Peixoto Moreira Franco Lúcia Lippi Oliveira e Maria Aparecida Alves Hime, "O Contexto Político da Revolução de Trinta", neste volume, para a determinação de duas linhas de interpretação da Revolução de 30 a da "revolução burguesa" e a da "revolução das classes médias". Os representantes da alternativa burguesa são entre outros Nelson Werneck Sodré (Formação Histórica do Brasil, São Paulo, Ed. Brasileira, 1962), Wanderley Guilherme dos Santos (Introdução ao Estudo das Contradições Sociais no Brasil, Rio de Janeiro ISEB 1963) e Octávio Ianni. A recente tese de Bóris Fausto (1930, Historiografia e História, Universidade de São Paulo, mimeografada) se dedica a demonstrar que, pelo menos na área de São Paulo não há confirmação para um sentido "burguês" na Revolução de 30 Octávio Ianni entretanto tomou precauções antecipadas quanto a esta possibilidade de refutação empírica de sua tese: "a Revolução de 30, a despeito de não ter sido alimentada preponderantemente pelas burguesias industrial e financeira nascentes, nem pelo proletariado incipiente, deve ser interpretada como um momento super-estrutural da cumulação primitiva, que funda a industrialização posterior" (Estado e Capitalismo, Rio de Janeiro, Editora Civilização Brasileira, 1965 pp. 135-6) Esta afirmação baseia- se no fato de que houve um surto industrial no Brasil depois de 1930. Este tipo de explicação ex post-facto é, evidentemente, irrefutável, mas não deixa de colocar seu autor em dificuldades quando se trata de explicar por que o centro da oposição a Vargas estava precisamente em São Paulo A saída foi dizer que esta oposição, e especificamente a Revolução de 1932, "não é um movimento contra revolucionário senão com referência aos ideais dos componentes não-burgueses da Revolução de 30" (p 138)

18. Os teóricos da tese das classes medias incluem a Virgínio de Santa Rosa (O Sentido do Tenentismo, 1932(?), reeditado como Que foi o Tenentismo? Rio de Janeiro, Editora Civilização Brasileira, 1963), Guerreiro Ramos (A Crise do Poder No Brasil, Rio de Janeiro, Zahar, 1961), e Hélio Jaguaribe (Desenvolvimento Econômico e Desenvolvimento Político, Rio de Janeiro, Ed. Fundo de Cultura, 1962). Veja, para um sumário desta perspectiva, o trabalho de Celina Moreira Franco, Lúcia Lippi Oliveira e Maria Aparecida Hime, neste número.

19. A tese das "classes médias" comparte com a tese da "revolução burguesa" o dom da irrefutabilidade. Fora dos extremos superior e inferior da sociedade, todos são "classe média", um truísmo que não tem demasiado valor explicativo. A insistência em teorias de "classes médias" para a explicação de movimentos sociais na América Latina, incluindo a presença dos militares na arena política, é provavelmente uma seqüela de um esquema conceitual que não consegue sair das poucas alternativas de explicação baseadas em três ou quatro classes sociais e suas permutações. "Classes médias" ou, melhor ainda, "setores médios", é uma categoria residual que pode ser usada quando as outras explicações classistas evidentemente não o podem. Mas este tipo de pseudo-explicação vem algumas vezes de algo mais profundo de que esta dificuldade teórica e conceitual, como estamos vendo.

20. Azevedo Amaral, O Brasil na Crise Atual (São Paulo, Companhia Editora Nacional, Col. Brasiliana n 31, 20 1934). Para uma bibliografia completa e uma analise em profundidade de sua obra, veja o trabalho de Aspásia Brasileiro Alcântara, "A Teoria Politica de Azevedo Amaral", Dados 2/3, 1967. Para um panorama de nomes e temas na história do pensamento social brasileiro, veja Wanderley Guilherme dos Santos, "A Imaginação Político-Social Brasileira", Dados 2/3, 1967.

21. Esta é evidentemente uma simplificação de uma situação muito mais complexa, A Revolução de 30 obteve substancial apoio em São Paulo por parte da oposição interna manifesta nos esforços de articulação do Partido Democrata, e utilizou em seu proveito a crise do café no mercado internacional. Paulo Nogueira Filho descreve em detalhes seus esforços para arregimentar apoio paulista para os setores revolucionários mais radicais, mas também seu fracasso, levando o ao rompimento com Prestes. O esforço da política paulista em romper o pacto republicano existia tanto entre o grupo minoritário dos "burgueses progressistas" quanto au por parte da velha oligarquia representada pelo continuísmo paulista de Washington Luís. Cf. Paulo Nogueira Filho, Idéias e Lutas de um Burguês Progressista, (Vol. I, O Partido Democrático e a Revolução de 1930), Rio Ed. Olympio, 2a ed., 1965. Estas contradições internas da política paulista perderam importância, no entanto, ante a intervenção do Governo Provisório no Estado levando à frente unida da Revolução de 1932.

22. Muitos autores têm sugerido distinguir dois polos na sociedade brasileira, incluindo Jacques Lambert (Os Dois Brasis, Rio. CBPE, 1950 ). e Ignácio Rangel (Dualidade Básica da Economia Brasileira, Rio, ISEB, 1959). Todos tendem a referir-se, com diferentes graus de refinamento e engenho, a um continuum ou polaridade tradicional-moderno. Houve quem levantasse a idéia de um "imperialismo interno" de São Paulo, que se opunha ao dito da locomotiva puxando os 20 vagões. Octávio Ianni discute esta questão sob o título de "falsas dualidades", dizendo, entre outras coisas, que "o conceito de dualidade retira a historicidade da história, tomando o objeto presente em sua existência manifesta". O que ele parece querer dizer é que não tem sentido falar em dois polos distintos, já que "nenhuma economia capitalista, subdesenvolvida ou não, é perfeitamente integrada". A impressão permanece, no entanto, de que o problema que este autor discute é principalmente semântico, e a utilidade em distinguir diferentes polos e linhas de mudança e crescimento parece ser bem alta, exatamente porque "nenhuma economia capitalista" (nem qualquer outra) "é perfeitamente integrada". (Estado e Capitalismo, pp. 80/81).

23. Francisco C. Weffort, por exemplo, depois de dizer que "é evidente que as condições paulistanas são especificas de uma grande cidade industrial que ocupa posição única no Brasil", afirma que, "exatamente por ser uma metrópole, ela se constitui em 'modelo' para a análise da política de massas no Brasil". ("Política de Massas", em Octávio Ianni e outros, Política e Revolução Social no Brasil, Rio de Janeiro, Editora Civilização Brasileira, 1965 pp. 178-9). O fato de que a metropolização de São Paulo tenha ocorrido simultaneamente com um processo igualmente rápido de industrialização é entretanto muito especial dentro do Brasil, o que torna problemática qualquer generalização a partir deste caso. As diferenças que Weffort estabelece entre dois tipos de populismo em São Paulo, o de Jânio e o de Ademar, parecem co corresponder ao fato de que Ademar era, originariamente, o representante do regime Vargas em São Paulo, dando-lhe aquele aspecto paternalista que contrasta vivamente com o populismo carismático de Jânio Quadros.

24. Fernando A. Novais, "O Brasil nos Quadros do Antigo Sistema Colonial", em Manuel Nunes Dias e outros, Brasil em Perspectiva. Veja também a discussão conceitual em Antônio Octávio Cintra, "A Função Política no Brasil Colonial". Revista Brasileira de Estudos Políticos 18, 1965, e a análise de Faoro, Os Donos do Poder.

25. Depois de descrever as causas do declínio econômico na área do açúcar, Celso Furtado diz que "esses fatores contribuíam para a reversão cada vez mais acentuada a formas de economia de subsistência, com atrofiamento da divisão do trabalho, redução da produtividade, fragmentação do sistema em unidades produtivas cada vez menores, desaparição das formas mais complexas de convivência social, substituição da lei geral pela norma local etc." (Formação Econômica do Brasil, Rio e Lisboa, Editora Fundo de Cultura, 1959, p 87).

26. Para uma análise da colonização espanhola veja Magali Sarfatti, Spanísh Bureaucratic Patrimonialism in America (Berkeley: Institute of International Studies, University of California, 1966).

27. Celso Furtado, Formação Econômica do Brasil, p. 129.

28. Veja, para a imigração européia no Brasil, Manuel Diegues Jr., Imigração, Urbanização e Industrialização (Rio de Janeiro: Centro Brasileiro de pesquisas Educacionais, 1964), e, para os dados sobre o tráfico de escravos, a análise de Emília Viotti da Costa, Da Senzala à Colônia (São Paulo, Difusão Européia do Livro, 1966). Uma estimativa da taxa de crescimento da população escrava em Minas Gerais para o principio do século é de 1,3% para homens e 0.7% para mulheres. Veja a respeito o estudo de Herbert S. Klein sobre a população negra livre e escrava no Brasil, "The Colored Freedmen Under Brazllian Slavery A preliminary Analysis" (Universidade de Chicago, mimeografado, 1967).

29. Dados coligidos por Hélio Mathias, em várias fontes, a ser publicado como Documento de Trabalho pelo IUPERJ.

30. Virgílio Noya Pinto, "Balanço das Transformações Econômicas no Século XIX", em Manuel Nunes Dias e outros, Brasil em Perspectiva (São Paulo: Difusão Européia do Livro, 1969), p. 132. Os dados acima são da mesma fonte.

31. Veja Antônio Delfim Netto, O Problema do Café no Brasil (São Paulo: Faculdade de Ciências Econômicas e Administrativas da Universidade de São Paulo, Cadeira III, 1959. pp. 43-44). A comparação entre os sistemas de "colonato" e de "parceria" se baseia em Augusto Ramos, "A Intervenção do Estado na Lavoura cafeeira", em O Café (Rio de Janeiro, Departamento Nacional do Café, 1934).

32. Uma breve história da criação do exército brasileiro é dada por Eurípedes Simões de Paiva, "A organização do Exército Brasileiro", em Sérgio Buarque de Holanda (ed), História Geral da Civilização Brasileira, t. II. vol. I, pp. 265-277. Uma descrição detalhada da criação da Marinha de Guerra é dada por Prado Maia, A Marinha de Guerra do Brasil na Colônia e no Império (Rio, José Olympio, 1965), que dá um quadro bem nítido de suas origens portuguesas. Para os efetivos militares no século XIX veja os dados coligidos por Olavo Brasil de Lima Jr., e os constantes nos Relatórios da Administração do Ministério da Guerra. 0 exército nacional quase nunca esteve em perfeita harmonia com a elite civil, que tratou sempre de controlar sua expansão pela criação da Guarda Nacional, no século passado, e das policias estaduais durante a República Velha. Esta história tem, evidentemente, implicações profundas para a compreensão das relações entre civis e militares no Brasil desde o período regencial.

33. Dados para a equivalência entre moedas brasileira e inglesa são econtrados em Olivar Onody, A Inflação Brasileira, Rio de Janeiro, 1960.

33. Os Donos do Poder, pp. 141 e seguintes.

34. Dados levantados e analisados por Maria Antonieta Parahyba, em "Abertura Social e Participação Política no Brasil" (1870 a 1920), neste volume.

35. Dados levantados por Sérgio da Rocha Souza.

36. Para um bom resumo do período veja o trabalho de Maria do Carmo Campello de Souza, "O Processo Político Partidário da Primeira Republica", em Manuel Dias e outros, Brasil em Perspectiva, pp. 163-226. A obra clássica sobre o período é, certamente, de José Maria Bello, História da República, São Paulo, Companhia Editora Nacional, 1940

37. Veja o quadro 3 de Maria Antonieta Parahyba em "Abertura Social e Participação Política no Brasil", neste volume.

38. A importância do papel político do Exército na Primeira República é uma destas grandes realidades que não encontra cabida em análises meramente classistas do período. A excelente compilação de documentos da época por Edgard Carone (A Primeira Republica, texto e contexto, São Paulo, Difusão Européia do Livro, 1963). não deixa de evidenciar o importante papel dos militares no período, mas a passagem dos textos à interpretação do contexto não é tão fácil. Uma das quatro partes do livro é dedicada às forças armadas no período. O epílogo, entretanto, tem estas forças armadas como o grande ausente: "A implantação da República é o gesto de uma classe, reivindicação de um grupo em desenvolvimento (. . . ) "A Primeira Republica é o período em que os senhores do café ascendem ao poder, alcançam sua plenitude e depois declinam para seu ocaso." "O governo é a representação de uma (classe) apenas; outras vivem em processo de margínalização" etc. A Primeira República p. 288.

39. Mário Wagner Vieira da Cunha, em seu importante O Sistema Administrativo Brasileiro, considera que a autonomia dos Estados é bastante alta no inicio, caindo, depois da primeira guerra, em função da mudança do centro econômico mundial para os Estados Unidos. "O poder destes grupos (locais de poder), reconhecido na Monarquia, amplia-se na República a ponto de livremente contraírem os Estados empréstimos no estrangeiro, de cobrarem impostos de exportação. criarem barreiras fiscais inter-estaduais e manterem suas próprias forças armadas" (p. 16). A transferência do centro dinâmico da economia mundial para os Estados Unidos, no entanto, fez com que surgisse a "necessidade de um entendimento de nação a nação, caindo quase em desuso o apelo a banqueiros particulares. A conquista da presidência da República apresentou-se como necessidade ineludível para a garantia econômica das oligarquias estaduais" (O sistema Administrativo Brasileiro, Rio, Centro Brasileiro de pesquisas Educacionais, 1963, pp. 19-20).

40. Quanto à ausência da presidência significar ausência de poder está ainda para ser visto. De acordo com a proposição de Mário Wagner Vieira da Cunha, o governo central teria se transformado em objeto de posse essencial para a oligarquia paulista. no inicio dos anos vinte. Diminuída a autonomia estadual, seria necessário ver se os grandes Estados não passaram a controlar de maneira sistemática alguns postos-chave para seus interesses dentro da administração federal. Manuel Olympio Romeiro, Oficial de Gabinete do Ministério da Fazenda no governo Artur Bernardes (1922-4), sai em campo para defender São Paulo das acusações de "filho pródigo da União" e sustenta, com dados abundantes, que, enquanto São Paulo contribuía com um terço, aproximadamente. da receita federal, "é forçoso reconhecer que o Estado de Minas Gerais é, na União Brasileira, o que maiores encargos acarreta aos cofres federais, sendo, portanto. na realidade, aquele que mais pesado se torna ao Tesouro Nacional". Cf. M. Olympio Romeiro, São Paulo e Minas na Economia Nacional, Empresa Gráphica "Revista dos Tribunaes". São Paulo, 1930, p. 4. O autor é ainda testemunha dos conflitos entre a economia paulista e Artur Bernardes em relação à política de valorização do café, levando a que a economia paulista executasse diretamente esta política sem o apoio e mesmo com a relutância do governo federal. É evidente, se isto é assim, que o governo central tinha importância distinta para os dois grandes Estados. Para Minas, dependente do sistema de cooptação, a dependência já era grande na década de 20, mas São Paulo ainda reservava grandes áreas de ação autônoma. Por isto é que. quando São Paulo se rebela mais tarde contra a administração central, esta rebeldia assume o tom de um conflito entre São Paulo vs. Minas, conflito que já se prenuncia no trabalho de Olympio Romeiro.

41. José Carlos Macedo Soares, Justiça - A Revolta Militar em São Paulo, Paris, Imprimèrie Paul Dupont, 1925, 43 p. 12.

42. Dados elaborados em "O Contexto Politico da Revolução de 30", neste volume. É bem sabido que as eleições para este período não refletem os "verdadeiros" sentimentos da população, dados tanto os baixos níveis de participação quanto os altos níveis de fraude. Eles indicam, no entanto, as dimensões da comunidade política e o grau de abertura do sistema à manifestação de oposições.

43. E. E. Schattschneider, The Semi-Sovereign People (Holt, Rienhart e Winstor, 1960), capitulo 1.

44. Benedito Valadares descreve desinibidamente seu papel nos esforços de subjugar a elite política mineira à vontade de Vargas, tanto quanto seu papel na luta contra São Paulo. Veja Benedito Valadares, Tempos Idos e Vividos (Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira, 1966) e meu comentário em Dados 6, 1969.

45. Uma destas pessoas era o gaúcho João Neves da Fontoura, líder da Aliança Liberal. Outro foi o paulista Júlio de Mesquita Filho. Veja João Neves da Fontoura, Memórias, vol. II, "A Aliança Liberal e a Revolução de 30" Porto Alegre, Editora Globo, 1963.

46. Simon Schwartzman, "Desenvolvimento e Abertura política". Dados 6. 1969.

47. Esta distinção é sugerida por Anatol Rapoport ("Two views of Conflict: the Cataclysmic and the Strategic Models", em Proceedings of the International Peace Research Assocíation, Van Gorcum-Assen, Holanda, 1966) como uma forma de contrastar as teorias de jogo com as teorias de tipo Richardson sobre conflitos internacionais.

48. Este ponto é discutido explicitamente por Vera Maria Pereira em relação à interpretação que Faoro dá da vida econômica do Império: "se a tese de Faoro para o período imperial, especialmente para sua segunda metade, é a de que o Estado Patrimonial, através do estamento burocrático, controla inteiramente a economia, e por suas interferências é que o sistema se expande, a tese que propomos é diversa. O Estado não tem condições financeiras para orientar a economia, para investir em atividades modernizadoras; não tem condições políticas externas para decidir sobre alternativas econômicas e não tem condições políticas internas para assumir o controle do sistema, embora tenha condições administrativas bastante desenvolvidas para exercer um mecanismo de repressão, no sentido de impedir o desenvolvimento de uma "independência" político-econômica dos novos setores latifundiários-mercantís em expansão". Isto parece ser mais verdade a respeito da economia rural de exportação que a respeito dos esforços de industrialização e terciarização no século XIX A história de Mauá parece indicar a existência de uma forte interdependência entre a iniciativa privada e incentivos governamentais ou sua falta. Veja entre outros Anyda Marchant, Viscount Maua and the Empire of Brazil (Berkeley and Los Angeles: The Unlversity of California Press, 1965).

49. Theodoro J Lowi chama a atenção paia dois tipos distintos de funções dos partidos políticos e, podemos generalizar, dos sistemas de participação social. A primeira é uma função "constituinte", que tem que ver com a estrutura do regime, e menos com seu funcionamento efetivo. A segunda função é a de "policy~making", relacionada com a condução efetiva da coisa pública. A tese de Lowi é que esta função de execução politico-administrativa nem sempre coexiste com a outra, e a ausência da função executiva é o que diferencia o sistema partidário norte-americano em relação aos dos países da Europa Ocidental. A "eficácia" de um sistema de participação deve ser medida de forma independente nestas duas dimensões. É possível considerar, assim, que o sistema partidário da Primeira República foi eficaz no primeiro sentido, mas não no segundo, o inverso tendo ocorrido com o Estado Novo. O populismo, em suas duas versões, tende a submeter a função constituinte a grandes oscilações, ao tempo em que reduz a função de "policy-making". Cf. Theodoro J. Lowi, "Party, Policy and Constitution in America", em W. Nisbet Chambers e W. Dean Burham, The American Party Systems - Stages of Political Development, Oxford University, Free Press, 1967. <