Brasil: a
agenda social Simon Schwartzman
Em Leslie Bethel, organizador, Brasil: fardo do
passado, promessa do futuro: dez ensaios sobre política e sociedade
brasileira, Rio de Janeiro, ed. Civilização Brasileira,
2002, pp. 77-116.Publicado originalmente em Brazil - Burden of the Past,
Promise of the Future, edição especial de Daedalus,
Journal of the American Academic of Arts and Sciences, Spring 2000,
pp. 29-56.
Sumário
Má reputação
A transição social
A agenda da pobreza
A agenda social democrática, ou do estado de bem-estar social
As agendas econômicas: desenvolvimento nacional e competitividade internacional
As agendas emergentes
Políticas sociais: as possibilidades de ação
Previdência social
Saúde
Educação
Desemprego
Perspectivas
Notas
Má reputação
Na área social, o Brasil tem péssima reputação. Os dados oficiais não são
bons, e as imagens divulgadas pela imprensa internacional são péssimas:
crianças vagando e sendo mortas pelas ruas ou trabalhando em indústrias
de fundo de quintal; moradores urbanos empilhados em favelas; camponeses
sem terras clamando por reforma agrária; índios dizimados por madeireiros,
garimpeiros de ouro e impiedosos senhores de terra; dezenas de mortos todos
os dias nas cidades por grupos armados ou pela polícia; e a elevada desigualdade
de renda, dramatizada por fotografias de apartamentos elegantes em Ipanema
frente às favelas nos morros.
Nenhuma dessas imagens é falsa, mas seu significado e sua interpretação
não são óbvios. A imprensa e a televisão retratam extremos, sem dar sentido
ao todo. Usadas de forma imprópria, as estatísticas podem levar a interpretações
errôneas, ao ocultarem diferenças, contrastes e tendências importantes.
Como exemplo, em 1995 a pesquisa nacional por domicílios brasileiros encontrou
cerca de quinhentas mil crianças entre cinco e nove anos trabalhando, a
maioria delas sem pagamento. A interpretação mais fácil, que deu origem
às manchetes, foi a existência de escravidão infantil generalizada, reduzindo
o preço dos produtos brasileiros e causando a reação imediata e indignada
de consumidores bem intencionados dos países civilizados. A realidade era
muito diferente: a maioria dessas crianças ajudava os pais em atividades
agrícolas de base familiar como parte de suas vidas normais. Aos nove anos,
82% dessas crianças estavam na escola, comparadas aos 93% daquelas que não
trabalhavam. A falta de estudo nesta tenra idade tem menos a ver com o trabalho
infantil do que com a pobreza geral e a escassez de escolas em algumas áreas
rurais. O número de crianças que trabalham regularmente aumenta com a idade.
Aos dez anos, 7% das crianças realizam algum trabalho e 5% estão fora da
escola; aos dezesseis, 36% trabalham e 26% estão fora da escola; aos dezoito,
50% trabalham e 50% estão fora da escola (dados de 1997). Pode-se pensar
que a razão para que as crianças não estudem é que têm de trabalhar. Contudo,
a correlação é pequena: entre os jovens de dezoito anos, 58% dos que trabalham
estão fora da escola, comparados aos 40% dos que não trabalham. Em resumo,
o trabalho infantil está principalmente associado à pobreza rural e, por
si só, não é uma causa importante da falta de instrução. Existe o trabalho
infantil abusivo e explorador, e tem de ser reprimido, mas este não é o
padrão.
Em outro exemplo, o nível elevado de desigualdade de renda encontrado nas
estatísticas brasileiras deve-se mais à existência de uma extensa classe
média alta nas áreas urbanas, beneficiária da grande diferença salarial
que ocorre entre os mais e os menos instruídos, do que ao contraste entre
os poucos muito ricos e os milhões de pobres às vezes retratado nos meios
de comunicação de massa (ver figura 1). O que espanta não é a renda do grupo
mais rico (média mensal de pouco mais de 3.000 reais, ou US$ 3.000 em 1997),
mas a grande diferença entre o topo e a base, em especial a maneira como
o nível de renda se multiplica conforme cresce a instrução, medida em anos
de escolaridade. A visão convencional é de que a pobreza poderia ser reduzida
tirando dinheiro dos ricos para dar aos pobres. No entanto, os dados mostram
que estes “ricos” não são tão ricos assim e que a melhor política para a
redução da desigualdade é investir em educação, para dar mais capacidade
à população diminuir as vantagens desproporcionais decorrentes de níveis
elevados de instrução.[1]
A má reputação do Brasil levou à idéia de que as condições sociais do país
estão piorando, por razões que variam, segundo diferentes comentaristas,
da adoção pelo governo brasileiro de políticas neoliberais e voltadas para
o mercado à falta de um compromisso verdadeiro com os valores da racionalização,
da privatização e da competitividade internacional. Na verdade, embora algumas
condições tenham piorado nos últimos anos, em especial as ligadas à qualidade
de vida em grandes áreas metropolitanas, a maioria dos indicadores sociais
básicos, como instrução, expectativa de vida, condições de moradia e saneamento,
apresentaram crescimento e melhoria constantes. A modernização e a mudança
social são tendências de longo prazo que progridem apesar das variações
de curto prazo em função das tendências e políticas econômicas. Por exemplo,
o número de domicílios com acesso a água encanada no Brasil passou de 52%
a 85% entre 1970 e 1991; o acesso a eletrodomésticos básicos como geladeira,
televisão em cores, freezer e telefone vem crescendo constantemente
conforme cai o preço destes itens; a mortalidade infantil sofreu uma queda
dramática na década de 1970, continuou caindo durante a “década perdida”
dos anos 80 e prossegue declinando hoje (ver figura 2).
Esses exemplos não são apresentados para sugerir que os problemas sociais
brasileiros não sejam sérios ou que possam resolver-se sozinhos. O Brasil
passa por uma profunda transição social que está alterando o formato do
país e levantando um novo conjunto de questões sociais e econômicas que
não estavam na agenda há apenas poucos anos. A nova agenda é um reflexo
não só dos problemas existentes como também das perspectivas, valores e
interesses dos diferentes grupos sociais. A questão de quem determina a
agenda tem conseqüências importantes para as questões abordadas, sua prioridade
e a probabilidade de seu fracasso ou sucesso.
A transição social
A característica mais evidente da transição social é que o Brasil é hoje
uma sociedade predominante urbana, e não rural. Cidades como Salvador, Recife,
Rio de Janeiro e São Paulo sempre foram importantes como sedes das administrações
coloniais e, mais tarde, nacionais e regionais e como pólos de atração de
imigrantes, mas até recentemente a maioria da população do Brasil vivia
fora das cidades. Em 1940, 70% da população ainda vivia em áreas rurais;
em 1997, apenas 20% (ver figura 3).
Os empregos no campo estão desaparecendo depressa. Quinhentos mil postos
rurais de trabalho foram eliminados entre 1992 e 1995, enquanto criavam-se
4,7 milhões de novos empregos nas áreas urbanas.
Entre 1995 e 1997, desapareceram 1,8 milhão de empregos no campo e um número
semelhante foi criado nas cidades[2].
A principal razão desta mudança é o desaparecimento gradual das pequenas
propriedades rurais tradicionais e sua substituição pelos agronegócios e
uma nova classe média rural, próspera apesar de pequena, na região Sul.
O fascínio da vida da cidade e o acesso a empregos, serviços de saúde e
educação para os jovens, assim como a disponibilidade de pequenas pensões
para os idosos, também explicam o movimento para longe da vida dura e incerta
da pobreza rural.
A outra transição importante é a queda dramática do crescimento populacional.
De 1991 a 1996, a taxa de crescimento anual foi de 1,38, contra os cerca
de 2,99% do período 1950-1960. Essas taxas se aproximam de 1% tanto em regiões
desenvolvidas, como Rio Grande do Sul e Rio de Janeiro, quanto em áreas
pobres, como Bahia e Pernambuco. Tal taxa de crescimento corresponde a uma
taxa de fecundidade por volta de 2,1, abaixo da qual a população começa
a reduzir-se. A população brasileira ainda é jovem e espera-se que continue
a crescer ainda por algumas décadas, mas vai estabilizar-se e passará a
diminuir antes de meados do século. Esta mudança demográfica não é conseqüência
de alguma política intencional de controle populacional, mas resultado da
migração rural, da entrada das mulheres no mercado de trabalho e da disseminação
das informações e serviços de saúde. Esta tendência populacional já está
mostrando alguns efeitos positivos, tais como a redução dos fluxos migratórios
do campo para as cidades e da demanda por escolas. Assim, famílias menores
podem investir mais na educação de seus filhos. Esses fatos ajudam a explicar
como em alguns anos o Brasil foi capaz de conseguir a matrícula de quase
100% de suas crianças na escola. Contudo, em algumas décadas, com o envelhecimento
da população, surgirá um novo conjunto de problemas relativos à saúde, ao
custo das pensões e à integração social dos idosos.
Por causa dessas transições, o número de pessoas que mudam sua condição
social no Brasil é um dos mais elevados no mundo. Em 1996, 60% dos filhos
de trabalhadores rurais e dois terços dos filhos de trabalhadores urbanos
não especializados estavam em melhor condição social que a de seus país[3].
É à luz dessas mudanças que se devem examinar os problemas sociais
do Brasil e as agendas para sua solução.
A agenda da pobreza
A erradicação da pobreza é hoje prioridade máxima das agendas de instituições
internacionais como o Banco Mundial, o Banco Interamericano de Desenvolvimento,
as Nações Unidas e a Igreja Católica, e tem grande visibilidade nos meios
de comunicação. No Brasil, a questão tem sido impulsionada por movimentos
sociais como o Movimento da Cidadania contra a Fome (encabeçado pelo falecido
Herbert José de Souza, Betinho), o Movimento dos Sem Terra, muitos movimentos
e organizações não governamentais menores e o próprio governo federal, por
meio do Programa Comunidade Solidária. Juntos, sacudiram os séculos de tradição
da aceitação da pobreza como natural e inevitável e colocaram o objetivo
de erradicação da pobreza na linha de frente da agenda política e social
do Brasil.
A agenda da pobreza é muito diferente da posição tradicional da antiga esquerda,
que lutava pela melhoria das condições de vida dos trabalhadores através
de acordos cada vez mais vantajosos em sua relação com os capitalistas e
da criação de políticas sociais compensatórias. No passado, a industrialização,
o desenvolvimento da ciência e da tecnologia e a disseminação da educação
levaram à crença do que os problemas da pobreza, da ignorância e da miséria
estavam prestes a desaparecer, graças à expansão da economia privada, à
ação determinada e racional de governos, o apoio de organizações internacionais
ou de alguma combinação de ambos. O pessimismo de Malthus foi obscurecido
pela imagem de um “Prometeu libertado”, uma expansão infinita da riqueza
e do bem-estar impulsionada pela racionalidade e pela capacidade de inovação
do Homem. Esta imagem foi predominante nos países capitalistas e socialistas
e adotada por países em desenvolvimento do Hemisfério Sul em seu impulso
por independência política e desenvolvimento sócio-econômico.
Contudo, a suposição de que o desenvolvimento econômico por si só daria
a todos um emprego e condições de vida adequados está sendo questionada
nos países industrializados e na verdade nunca existiu nas sociedades em
desenvolvimento e subdesenvolvidas, onde a maioria da população ainda permanece
sem acesso a bens e serviços essenciais. A nova agenda da pobreza caracteriza-se
pelo forte tom moral de seus proponentes e pela crença no poder redentor
da vontade política e da mobilização da comunidade. No campo, a maior parte
da agenda da pobreza é executada pela Igreja Católica e pelo Movimento dos
Sem Terra, que denuncia a imoralidade da concentração da terra e levanta
a bandeira da agricultura familiar[4].
Nas cidades, promovem-se campanhas para mobilizar a classe média e levar
comida e roupas aos pobres. O “capitalismo de mercado” é criticado por sua
falta de preocupação com as questões humanas e o governo é criticado sempre
que reduz as despesas sociais.
De fato, existe muito espaço, no Brasil, para ações filantrópicas e de caridade.
A ênfase permanente na igualdade e no bem-estar social é importante para
focalizar as prioridades das políticas públicas, e a preocupação crescente
das entidades internacionais e organizações não governamentais com questões
de privação social é uma mudança bem-vinda. A agenda da pobreza, ainda que
não leve a propostas e soluções específicas, é um poderoso fator de mudança.
Contudo, esses esforços para mobilizar a sociedade a ajudar os pobres têm
sido menos eficazes do que se esperava.
Os problemas da pobreza e da privação social no Brasil têm duas faces muito
distintas que exigem políticas e abordagens diferentes:< a população da
periferia urbana e moderna das grandes áreas metropolitanas e cidades de
tamanho médio; e a população pobre das áreas rurais, principalmente na região
Nordeste. Os maiores níveis de pobreza no Brasil sempre foram associados
à população rural, privada de educação e serviços essenciais, trabalhando
a terra com baixíssima produtividade, sem proteção contra os caprichos da
chuva ou da seca e com taxas altíssimas de fecundidade e mortalidade infantil[5].
Os moradores do campo brasileiro não são descendentes de antigas civilizações
pré-colombianas, como no México e em alguns países andinos, nem de sociedades
camponesas tradicionais, como na Europa. São, em sua maioria, descendentes
de portugueses e escravos africanos ou indígenas brasileiros, antigos trabalhadores
das plantations de açúcar e café e fazendas de gado arruinadas pela
perda de mercado e pelo solo empobrecido, sem tradições de tecnologia e
cultura agrícolas que pudessem ajudá-los a extrair mais benefícios de seu
meio[6].
A combinação de intensa pobreza, oligarquias locais decadentes e solo depauperado
torna a pobreza rural muito difícil de mudar. Desde o século XIX, secas
cíclicas fizeram surgir o espectro da fome no Nordeste brasileiro, levando
o governo federal a despejar dinheiro na construção de açudes. No entanto,
a maior parte do dinheiro acaba ficando nas mãos dos líderes locais, que
pouco fazem para melhorar o destino dos pobres. A agricultura moderna cresceu
principalmente nas regiões povoadas por imigrantes europeus no Sul e nas
grandes plantations dos estados de fronteira do Oeste, e agora expande-se
a passos rapidíssimos nas regiões de fronteira do planalto central. Quando
chega ao Nordeste (como, por exemplo, nos novos projetos de irrigação e
no cultivo de frutas de mesa de alta qualidade), é trazida principalmente
por imigrantes da economia tradicional de pequenas fazendas do Sul.
“Reforma agrária”, a divisão de grandes propriedades rurais em lotes familiares,
ocupa posição elevada na agenda dos movimentos contra a pobreza nas áreas
rurais e é dramatizada por episódios recorrentes de ocupação forçada de
grandes fazendas por famílias sem terra. O governo tem reagido com a desapropriação
de terras rurais pouco usadas ou disputadas e sua transferência para os
camponeses, com a elevação dos impostos sobre terra improdutiva e com a
criação de instrumentos de crédito para moradores rurais. Essas políticas
podem melhorar as condições de vida de vários segmentos da população, mas
têm pouca probabilidade de causar impacto maior sobre a questão da pobreza.
O Brasil não tem cultura e tradição de pequena agricultura de base familiar,
exceto nas áreas do Sul onde houve imigração de japoneses e europeus. Hoje,
a agricultura de base familiar está encolhendo por toda parte ou transformando-se
em grandes redes de cooperativas ou empresas para a produção de leite, aves,
frutas e outros produtos para os mercados urbanos e para exportação. Com
o crescimento da produtividade, a perspectiva de criar mais empregos rurais,
mesmo nas áreas de agricultura moderna e eficiente, não é promissora.
Se a pobreza rural não está melhorando, pelo menos vem se reduzindo. Quando
as pessoas se mudam para as cidades, também melhoram suas condições de vida,
ainda que permaneçam pobres e tenham dificuldade de encontrar emprego. Segundo
os cálculos de Sônia Rocha, a proporção dos que vivem na pobreza no Brasil
caiu de 68% para 35% da população entre 1970 e 1990. Parte desta mudança
deveu-se ao crescimento econômico, mas ela foi, principalmente, conseqüência
da migração urbana. Nas cidades, as pessoas conseguem encontrar lugares
baratos para morar, numa favela ou na periferia das grandes cidades; e têm
acesso a eletricidade e água tratada, podem ir a um posto de saúde e receber
algum tipo de tratamento médico, enviar seus filhos à escola e ter mais
possibilidade de encontrar um emprego ou algum tipo de rendimento[7]. Por pior que seja, é uma condição social
muito melhor do que a pobreza absoluta do campo.
A agenda social democrática, ou do estado
de bem-estar social
Pode-se descrever esta agenda como a busca de benefícios públicos e proteção
social para a população, num contexto de crescimento econômico e industrialização.
É de inspiração claramente européia e associa-se a temas como estabilidade
no emprego, redução da jornada de trabalho e benefícios de atendimento médico,
aposentadoria e habitação. Inclui também a organização dos trabalhadores
em sindicatos, o desenvolvimento e fortalecimento das associações profissionais
e o crescimento do setor público como núcleo administrativo eficiente e
totalmente profissionalizado.
Esta agenda foi introduzida no Brasil nas décadas de 1920 e 1930 e ganhou
importância depois da Segunda Guerra Mundial. Criou-se um conjunto complexo
e generoso de benefícios sociais, que limitavam o número de horas trabalhadas
e tornavam obrigatórias as férias anuais, o salário mínimo, um salário adicional
no Natal, a licença-maternidade, os benefícios da aposentadoria, as pensões
e os serviços de saúde pública.[8]
No entanto, esta legislação social generosa limitava-se às pessoas com empregos
regulares em centros urbanos. Mesmo entre elas, os benefícios não eram distribuídos
de forma equilibrada. Até a década de 60, segmentos profissionais diferentes
tinham fundos de pensão e serviços médicos diferentes e não havia sistema
previdenciário de nenhum tipo para os moradores da área rural. Ainda hoje,
os benefícios da aposentadoria de funcionários públicos e militares ainda
são muito melhores do que os do restante da população, e os recursos públicos
para tratamento de saúde vão principalmente para as pessoas que vivem nas
áreas urbanas mais ricas.
A população não se queixa muito dessas desigualdades, talvez por ter a expectativa
de que os benefícios inicialmente concedidos a alguns sejam mais tarde estendidos
a outros. Assim, os sindicatos industriais não protestam contra os privilégios
de funcionários públicos; os alunos de instituições privadas não se queixam
da educação gratuita dos que estão em universidades públicas; e os portadores
de diplomas em áreas profissionais novas e de menos prestígio não questionam
os privilégios de mercado de profissões tradicionais como Direito, Medicina
e Engenharia. Esta expectativa de benefícios crescentes da agenda social
democrata gozou de apoio generalizado e se tornou ainda mais ambiciosa em
períodos de maior participação política e democracia: após 1945 e novamente
com a Constituição de 1988, no fim do regime militar.[9]
De início, esses benefícios eram custeados por impostos sobre as atividades
exportadoras; mais tarde, nas décadas de 60 e 70, pelo aumento da capacidade
do governo de cobrar impostos; e, desde então, pela inflação. A crise do
estado de bem estar social brasileiro é semelhante à que afeta a Europa
ocidental e os Estados Unidos. Com o aumento dos benefícios, cresceu o custo
dos serviços de saúde e da educação; com o envelhecimento da população,
a conta dos gastos sociais disparou e não foi acompanhada pelo aumento equivalente
do crescimento econômico e da produtividade. O Brasil gastou, em 1994, cerca
de 14% de seu produto nacional bruto (PNB) em benefícios sociais (aproximadamente
51,5 bilhões de reais, ou dólares)*,
65% dos quais em previdência social (dois terços para a população em geral,
um terço para militares e funcionários públicos), 18,4% para a educação,
16,5% para a saúde, 9,3% para educação e cultura e 7,1% para habitação[10]. Só pequena parte desses recursos chegaram
aos grupos mais pobres da sociedade[11].
A crise da agenda social democrata no Brasil é que ela chegou ao limite
de suas possibilidades quando a maioria da população ainda estava longe
de beneficiar-se dela, e a produtividade ainda era muito mais baixa que
a dos países que lhe serviram de modelo. A expectativa de que os benefícios
adquiridos por alguns acabariam por estender-se a todos está se tornando
muito difícil de manter.
As agendas econômicas: desenvolvimento nacional
e competitividade internacional
Até a década de 50, os brasileiros ainda debatiam se o país deveria permanecer
uma economia essencialmente agrícola ou se deveria encaminhar-se forçosamente
para a industrialização. Na prática a discussão foi resolvida pelo Programa
de Metas do presidente Juscelino Kubitschek, no final da década de 50, que
deu início à indústria automobilística brasileira, cobriu o país de estradas
pavimentadas e começou um programa ambicioso de produção de energia e desenvolvimento
industrial. Os principais instrumentos desta agenda inicial de desenvolvimento
econômico foram a atuação do governo nacional, como principal promotor e
investidor, e a proteção da indústria local contra a competição estrangeira
por meio de regulamentações, tarifas elevadas e controle cambial. Não era,
em essência, uma agenda nacionalista; a indústria automobilística, por exemplo,
pertencia a grande fabricantes multinacionais, Volkswagen, Ford, General
Motors e, mais tarde, Fiat, que mantiveram para si o mercado brasileiro,
e investidores estrangeiros sempre foram bem recebidos. Ainda assim, os
grupos financeiros e industriais de propriedade de brasileiros também floresceram
e receberam a vantagem de grandes contratos públicos e parcerias com grupos
estrangeiros. Este “modelo de substituição de importações” atingiu seu clímax
na década de 70 com os projetos ambiciosos de industrialização forçada liderados
pelo governo de Ernesto Geisel (1976-1980)[12]. Nos anos anteriores, um grande fluxo de capital estrangeiro havia
levado o país a níveis sem precedentes de crescimento econômico -- o chamado
“milagre brasileiro” da década de 70. Durante esses anos, era possível
argumentar que não se precisava de nenhuma política social específica para
a redução da pobreza ou o aumento dos benefícios sociais, já que os benefícios
do crescimento econômico acabariam por disseminar-se pela população como
um todo[13]. De fato, o crescimento econômico levou
à melhoria da renda em todos os setores sociais, mas a desigualdade de renda
também aumentou, dando credibilidade à noção, na verdade errônea, de que
o desenvolvimento econômico daqueles anos se baseou no aumento da exploração
e conseqüente empobrecimento da classe trabalhadora.
Na década de 80, uma combinação de elevados gastos públicos e aumento inesperado
das taxas de juro internacionais levou à inflação crescente e à estagnação
econômica. Os militares iniciaram sua retirada da vida pública e o governo
civil que assumiu o poder em 1985 não teve o arrojo ou as condições para
controlar a economia do país.
A agenda econômica da década de 90 baseia-se na busca de estabilidade econômica
e competitividade internacional, caracterizada por menor ênfase na importância
e na relevância do setor industrial nacional, pelo papel reduzido do estado
como empresário e pela valorização renovada da agricultura como fonte de
crescimento econômico. A competitividade internacional exige preços baixos
ou produtos melhores, ou ambos. Também exige uma economia estável, capaz
de inspirar confiança em investidores estrangeiros e apresentar previsibilidade
nas transações econômicas. Esta agenda vem sendo promovida pelo governo
Cardoso numa situação muito difícil, dada a necessidade de deter e controlar
a inflação, estabilizar o orçamento do governo federal e dos estados, chegar
a um equilíbrio na balança de pagamentos e abrir a economia ao mercado internacional,
tudo ao mesmo tempo.
De início a estabilização econômica, conquistada com a criação do Real em
1995, foi mais eficaz na generalização dos benefícios sociais e na melhoria
das condições de vida dos pobres do que qualquer outra política social concebível.
Estima-se que o controle da inflação aumentou em cerca de 30% os rendimentos
reais dos que estão no estrato inferior, aumentando o consumo de produtos
alimentícios básicos e bens duráveis domésticos. A inflação permaneceu no
nível de 1% ao mês desde a criação do real, e os mecanismos tradicionais
de indexação dos salários foram abandonados. Em sua maioria os aumentos
de preço ocorreram no setor de serviços e foram afetaram sobretudo aos setores
médios. A maior parte desses efeitos ocorreu imediatamente após a estabilização,
no início de 1995. Em 1998-1999, com o crescimento lento da economia e o
aumento do desemprego, e em especial depois da desvalorização da moeda no
início de 1999, houve sinais de piora da situação, refletidos na queda da
renda real média de todos os grupos sociais. O Brasil chegou ao ano 2000
com uma economia estável e crescente, mas com crescimento lento, sem impacto
direto sobre o desemprego, a qualidade do mercado de trabalho ou a desigualdade
de renda.
Os efeitos sociais da competição internacional são menos claros. Este processo
não começou com a administração Cardoso, mas manteve-se como parte importante
da agenda. Conforme a economia se reorganiza e se volta para a competição
internacional, reduzem-se o emprego formal e a estabilidade no emprego,
enquanto que as oportunidades de trabalho autônomo e no setor de serviços
em expansão aumentam, num novo ambiente no qual as habilidades educacionais
e profissionais fazem toda a diferença em termos de oportunidades e expectativa
de renda. Os dados de desemprego, colhidos pelo Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE), mostram um padrão constante de cerca de
5% da população ativa em condições de desemprego aberto (sem trabalho e
procurando emprego ativamente), comparado a números próximos de 20% na Argentina[14].
Com a recessão econômica de 1998-1999, o nível subiu um ou dois pontos percentuais.
Um exame mais cuidadoso dos dados do desemprego mostra um número crescente
de autônomos e de pessoas na chamada economia informal e um número decrescente
de trabalhadores na indústria. Muitas demissões podem ser explicadas pelo
aumento de eficiência das empresas, algumas pela redução do efetivo e pela
terceirização e outras pela mudança de fábricas da periferia de São Paulo,
Porto Alegre e Recife para outras cidades e regiões (em especial para o
interior de São Paulo) que não são cobertas pelas estatísticas do emprego.
Desta forma, uma parte substancial do aparente declínio histórico das oportunidades
de trabalho na verdade reflete um processo importante de reestruturação
econômica e deslocamento geográfico. Ainda assim, o número de pessoas incapazes
de encontrar emprego ou obter rendimentos está crescendo, particularmente
nas grandes áreas metropolitanas, entre os jovens menos instruídos e aqueles
deslocados pela modernização industrial.
Do ponto de vista desta agenda, o sistema complexo de proteção social construído
no Brasil na década de 30 parece insuficiente, economicamente impossível
de manter e perverso. É insuficiente porque a maior parte dos serviços permanece
limitada aos que vivem perto dos lugares onde são fornecidos, geralmente
nos estados e regiões mais desenvolvidos. É economicamente impossível de
manter porque a população está envelhecendo, precisando de mais cuidados
de saúde e de pagamento mais prolongado de aposentadorias e necessita de
melhor instrução. É perverso porque há uma correlação clara e positiva entre
a renda e os benefícios recebidos -- se você é da classe média ou mais elevada,
sua possibilidade de ter educação superior gratuita, bom tratamento médico
gratuito e aposentadoria precoce com benefícios generosos é muito maior
do que se você for pobre ou viver numa região atrasada.
Esta combinação de males morais e práticos deveria ser suficiente para convencer
qualquer pessoa de que o sistema de bem-estar social do Brasil precisa de
profunda reforma. No entanto, isto é difícil de explicar àqueles que estão
perdendo os benefícios ou imaginam que estão perto de obtê-los. No fundo,
a agenda social da competitividade internacional é negativa. A suposição
é de que a economia deveria ter crescer sem obstáculos e, com o aumento
da produtividade e a renda mais alta, as pessoas seriam capazes de cuidar
de suas próprias necessidades de educação e aposentadoria, com uma pequena
do governo quando possível e necessário. Contudo, esta suposição é questionável:
é possível conceber um cenário no qual o estado brasileiro se torna eficiente
e a economia muito competitiva mantendo, ao mesmo tempo, alto nível de desigualdade
de renda e grandes bolsões de pobreza. A agenda da pobreza tem de ser enfrentada
imediatamente, sem esperar pelos benefícios da competitividade internacional
[15].
As agendas emergentes
Além dessas agendas dominantes, há outras ligados a temas ou grupos específicos
que, pelo menos por enquanto, permanecem em posição secundária. Uma lista
incompleta incluiria os temas da raça, do gênero e do meio ambiente, que
abordarei abaixo, assim como a da educação e da violência urbana.
A agenda étnica ou racial tem sobressaído pouco, embora cerca de metade
da população brasileira seja negra ou de sangue mestiço, com grandes grupos
de descendentes de italianos, japoneses, alemães e outros imigrantes europeus.
A maioria dos imigrantes japoneses e europeus não portugueses chegaram ao
Brasil na virada do século e hoje a segunda e a terceira gerações falam
português como língua materna e mantêm pouco de sua cultura original. Ainda
podemos identificar áreas caracterizadas por importantes grupos japoneses,
italianos e alemães e os japoneses, em particular, têm demonstrado forte
tendência à endogamia. Mas não há conflitos e demandas associados a problemas
lingüísticos e étnicos e as questões relativas aos direitos ou à discriminação
de estrangeiros não fazem parte da agenda social brasileira.
A situação quanto aos escravos africanos e seus descendentes é muito mais
complexa. O órgão estatístico brasileiro, IBGE, pergunta sistematicamente
a “cor” dos brasileiros em seus censos e pesquisas nacionais. Cerca de 5%
da população definem-se a si mesmos como “pretos”, 40% como “mulatos” ou
“pardos” e cerca de 50% como brancos, com os demais classificados como “oriental”
(a maioria de origem japonesa) ou indígena. Ser preto ou pardo
é estatisticamente associado a ser mais pobre, menos instruído e com menos
probabilidade de ter ocupação valorizada, e a relação entre “cor” e renda
persiste mesmo entre os que têm nível semelhante de instrução. As explicações
para esta associação entre “cor” e renda são controversas. Ela indica, certamente,
a existência de preconceitos que funcionam como barreiras à mobilidade social
da população não branca; a existência de padrões culturais e de valores
específicos associados à educação e à mobilidade social em grupos determinados[16], e a combinação destes fatores. Entretanto,
as linhas demarcatórias entre grupos raciais ou étnicos diferentes não são
nítidas, e é relativamente fácil “passar” de uma categoria a outra. A maioria
da população rejeita a classificação de cor usada pelas pesquisas do IBGE,
em particular os termos preto e pardo, e prefere denominar-se
morena ou usar uma miríade de termos opcionais[17]. Isso significa que, embora sejam indistintas
as fronteiras raciais, há uma forte percepção das diferenças de raça.
O Brasil nunca teve segregação racial institucionalizada como a África do
Sul ou os Estados Unidos e tem uma vigorosa legislação que proíbe qualquer
tipo de discriminação racial. No entanto, o preconceito de cor parece generalizado
e ter a pele escura pode afetar a percepção pessoal e as oportunidades de
vida de milhões de pessoas. A resposta de várias organizações e intelectuais
negros a esta situação tem sido adotar a identidade racial e pressionar
por um programa de ação afirmativa nas políticas sociais. Contudo, a principal
diferença em relação aos Estados Unidos é a falta de fronteiras claras entre
os grupos raciais e a recusa da maioria da população de aceitar rótulos
raciais[18].
A situação das populações nativas brasileiras, conhecidas como “índios”
desde os tempos do início da exploração européia da América, é diferente[19].
Estima-se que a população índia, quando os portugueses chegaram ao Brasil
em 1500, fosse de cerca de cinco milhões de indivíduos. O censo brasileiro
de 1991 registrou cerca de 162 mil pessoas ainda classificadas como índios,
embora os especialistas estimem que o número verdadeiro fique em torno dos
270 mil. Muitos mais perderam a maior parte de sua identidade índia, ou
toda ela. No entanto, seus traços físicos podem ser vistos em rostos nas
ruas, principalmente no Norte e no Nordeste, e estão por toda parte as palavras
nativas que designam lugares, plantas e animais. Eles não são sobreviventes
de uma única cultura nativa, mas descendentes de cerca de duzentas sociedades
muito diferentes, que falam 150 línguas distintas e que se diferenciam enormemente
na forma como se relacionam entre si e com o meio ambiente. A FUNAI, órgão
federal, é responsável por cuidar da população índia — uma entidade do governo
sem similares para os negros ou outros grupos menos privilegiados. Esta
delimitação clara de alguns setores da população índia permitiu ações afirmativas
que recentemente se intensificaram, expressas principalmente através da
demarcação generosa de suas terras. Há vários problemas nesta política:<
ela exclui os índios assimilados, não inclui meios eficazes de proteger
os territórios índios de invasores e predadores, não estabelece limites
às atividades predadoras dos próprios índios e, muitas vezes, age contra
os interesses das populações locais não índias.
Assim como no caso da raça, a agenda de gênero, ou da discriminação
sexual, não se desenvolveu muito, apesar das diferenças significativas de
renda, ocupação e oportunidades de trabalho entre os sexos[20].
Em parte, esta agenda não se desenvolveu porque o Brasil não apresenta as
manifestações muito óbvias de discriminação sexual encontradas em outras
sociedades. As condições de nutrição e saúde de meninos e meninas são semelhantes,
não apresentando tratamento preferencial das famílias com base no sexo,
e há mais meninas que meninos em todos os níveis das escolas.
As mulheres estão entrando em grande número no mercado de trabalho, e famílias
nas quais ambos os pais trabalham são hoje a regra, em vez da exceção. No
entanto, as mulheres tendem a conseguir empregos menos prestigiados e lucrativos,
sua renda é mais baixa que a dos homens na mesma ocupação[21] e seu trabalho fora de casa não parece ter reduzido
seu fardo doméstico, especialmente no número crescente de famílias com um
só genitor.
Tem sido difícil traduzir esses dilemas numa agenda social claramente definida
porque eles ainda refletem tradições culturais que governam a relação entre
homens e mulheres. Há alguns temas de interesse especial para as mulheres,
como o aumento do número de pré-escolas e creches e o direito ao aborto,
que enfrentam forte resistência da Igreja Católica. Acima de tudo, a agenda
de gênero permanece limitada a poucos movimentos e organizações feministas
e está longe de fazer parte dos temas predominantes da temática social brasileira.
A agenda do meio ambiente ainda está restrita a pequenos grupos de
intelectuais e ativistas de classe média e a organizações não governamentais
preocupadas com questões como a destruição da floresta amazônica, a extinção
de espécies animais e a perda de biodiversidade. O problema da agenda do
meio ambiente é que os benefícios coletivos da proteção ambiental entram
muitas vezes em conflito com os interesses de curto prazo de determinados
indivíduos e as limitações orçamentárias dos governos, e pode ser especialmente
ameaçadora para grupos de baixa renda que consomem os recursos de florestas,
rios e solos, moram em favelas perto das fontes de água potável das cidades
e viajam em ônibus urbanos baratos e poluentes[22].
Entretanto, problemas ambientais como a poluição do ar nas grandes cidades,
a deterioração das praias e locais turísticos, a destruição do solo fértil,
a contaminação da água e dos alimentos e o tratamento do lixo começam a
ter conseqüências diretas e perigosas para a população e exigem ação imediata.
A eletricidade vem principalmente de barragens e quedas d’água, mas essas
fontes se estão se exaurindo e a criação de termelétricas traz novas ameaças
de impacto ambiental. Apesar da recente criação de órgãos de proteção ambiental
como o Ministério do Meio Ambiente e o IBAMA e da assinatura pelo governo
brasileiro da Agenda 21, depois de sediar a principal conferência mundial
sobre o meio ambiente no Rio de Janeiro, os temas ambientais ainda não se
tornaram prioridade no país.
Políticas sociais: as possibilidades de ação
O efeito dessas agendas que em parte se sobrepõem, em parte entram em conflito
tem sido provocar enorme pressão sobre as autoridades públicas para que
reajam a exigências crescentes e muitas vezes contraditórias num contexto
de contenção econômica.
Uma lista incompleta dos problemas de política social incluiria a manutenção
e a expansão dos sistemas existentes de proteção social e benefícios de
saúde pública, aposentadoria, educação e moradia; a correção de distorções
existentes, levando mais benefícios aos pobres e removendo privilégios de
grupos específicos; a melhora da eficiência e da eficácia do serviço público
na administração de seus recursos e no trato com o público; a redução da
desigualdade de renda; o aumento do número e da qualidade dos empregos e
das oportunidades para o trabalho autônomo; o atendimento de emergência
a grupos em situação de extrema pobreza; o desenvolvimento de programas
para apoiar os que estão em bolsões de pobreza no campo e na periferia urbana
a sair do círculo vicioso da pobreza e marginalidade social; o enfrentamento
de problemas agudos de conflito e inquietude social; e a atenção às necessidades
e exigências especiais de minorias e grupos menos privilegiados, inclusive
negros e população nativa.
Essas tarefas formidáveis não são responsabilidade exclusiva da administração
federal, mas dependem sobretudo do envolvimento ativo dos governos estaduais
e locais, de organizações não governamentais e do setor privado. O Brasil
é uma federação de vinte e sete estados e cerca de cinco mil municípios,
todos supostamente responsáveis pelo atendimento das necessidades de sua
população, particularmente na educação, na saúde, na administração urbana
e nos serviços básicos. No entanto, existe uma tendência de ver o governo
central como maior responsável pelos males do país e sua possível cura.
Há razões para isto, dada a tradição de centralização política. Contudo,
as grandes diferenças existentes entre os estados e localidades brasileiros
não se devem ao tratamento preferencial ou ao abandono do governo central
em relação a regiões específicas, mas principalmente à capacidade da população
local de gerar riqueza e cuidar de suas próprias necessidades e interesses,
o que por sua vez se relaciona com a qualidade e a eficácia dos governos
e lideranças locais.
O governo federal tem de manter o orçamento sob controle e não pode aumentar
as despesas públicas sem pôr em perigo a economia. A maior parte dos recursos
administrados pelo governo já está comprometida com o pagamento de salários,
transferências constitucionais para estados e governos locais, benefícios
legais e pagamentos de juros sobre a dívida interna. Para executar suas
políticas, o Executivo precisa da aprovação do Congresso, o que, como nos
Estados Unidos, muitas vezes exige muita negociação e concessões mútuas.
O governo também está sob pressão constante para cuidar de temas de grande
visibilidade que atraem a atenção da opinião pública, de organizações não
governamentais e da imprensa e contribuem para a má reputação do país, mas
que não são necessariamente os itens mais importantes ou de maior prioridade
na agenda social.
Brasília, como Washington, não é o melhor lugar para gerenciar programas
complexos que deveriam atender a comunidades carentes a milhares de quilômetros
de distância. A necessidade de descentralização é percebida com clareza,
e vem ocorrendo. Ainda assim, as regiões e os estados brasileiros diferem
amplamente em sua capacidade de obter recursos e usá-los em benefício da
população local. Quanto mais pobre a região, mais provável será que suas
elites vivam de concessões do governo central, mantendo os pobres na miséria.
Políticas centralizadas são necessárias para compensar a desigualdade regional
e criar padrões de serviço e tratamento, mas elas podem ser usadas como
desculpa para manter em seu lugar as antigas burocracias.
Mesmo na melhor das circunstâncias, com bom governo e crescimento econômico,
os enormes problemas sociais enfrentados pelo Brasil em questões de saúde,
pobreza, educação, emprego e condições de vida durarão ainda décadas. Ainda
assim, podem ser enfrentados, reduzidos e melhor administrados caso se tomem
as decisões políticas apropriadas e se aumente a competência administrativa
e gerencial das autoridades públicas. É útil examinar, embora rapidamente,
o que vem sendo feito em algumas dessas áreas problemáticas.
Previdência social
O sistema brasileiro de pensões e aposentadorias é um problema para a população,
por causa de seus reduzidos benefícios, e uma enorme dor de cabeça para
o governo, já que consome 65% dos gastos do governo federal na área social[23].
Dois terços deste total vão para ex-empregados do setor privado e são financiados
por um percentual fixo sobre todos os salários, pago conjuntamente por patrões
e empregados (cerca de dezesseis milhões de beneficiários); um terço vem
do orçamento ordinário e é usado para pagar aposentadorias e pensões do
setor público (cerca de meio milhão de pessoas) [24].
Nos últimos anos, foram feitos progressos importantes para reduzir a corrupção
e aumentar a rapidez e a eficiência do processamento de documentos e pagamentos.
Novas leis foram criadas para reduzir as distorções e privilégios mais óbvios,
reduzindo a aposentadoria de funcionários públicos e aumentando sua contribuição.
Entretanto, o sistema continua desequilibrado e exige uma reforma muito
mais profunda. O atual mecanismo de pagamentos baseado em receitas correntes
só pode custear benefícios mínimos e deveria ser substituído por um sistema
lastreado com base numa combinação de contribuições obrigatórias e voluntárias.
No entanto, a transição entre esses sistemas é muito cara, dada a necessidade
de manter o pagamento dos benefícios atuais ao mesmo tempo em que se economiza
para o futuro.
Saúde
O esforço no setor de saúde tem sido em transferir a administração dos serviços
de saúde para as comunidades locais (o chamado Sistema Único de Saúde, SUS),
mas o governo federal ainda é responsável por dois terços de todas as despesas
com a saúde pública[25]. Há conquistas significativas na medicina preventiva, por meio
de grandes campanhas de vacinação e trabalho intensivo em programas baseados
em agentes comunitários de saúde e médicos da família. Não há solução à
vista, no entanto, para os custos crescentes dos gastos médicos e hospitalares
pagos pelo governo federal a fornecedores privados de serviços de saúde,
assim como para os custos de reforma, manutenção e reequipamento dos hospitais
públicos. Ainda que tenha havido muito progresso recentemente, o sistema
de pagamentos de serviços de saúde ainda padece de uma situação de corrupção
inerente, causada pela combinação perversa de custos inflacionários, honorários
extremamente baixos e reembolsos pagos com atraso, o que levava as instituições
a aumentar ou falsear o número e a complexidade dos serviços prestados,
e os médicos a cobrar privadamente por serviços gratuitos
Foram criados mecanismos administrativos para restringir tais práticas e
um novo imposto sobre transações financeiras, muito controvertido, foi aprovado
pelo Congresso como recurso temporário para cobrir o custo do sistema de
saúde. O governo ainda tem de explicitar uma política clara que possa levar
a um sistema de saúde pública mais equânime e viável a longo prazo.
Educação
A educação básica é reconhecida como uma das áreas mais bem sucedidas da
política social dos últimos anos[26]. O acesso à educação básica é quase universal, as taxas de repetência
e abandono caem com rapidez e a educação secundária expande-se a um ritmo
altíssimo. No entanto a qualidade do ensino ainda é baixa e criou-se um
sistema complexo de avaliação dos alunos para identificar os principais
problemas e estabelecer prioridades. A educação básica (fundamental e secundária)
é de responsabilidade dos governos locais e estaduais, mas o governo federal
tem um importante instrumento de ação: os recursos do Fundo Nacional de
Educação, imposto cobrado das empresas para fins educacionais. Dois terços
desses recursos permanecem nos estados, mas o governo federal tem cerca
de setecentos milhões de dólares por ano para gastar. No passado, a maior
parte deste dinheiro era repassado por meio de políticos locais e seu destino,
na melhor das hipóteses, incerto. Agora, o Ministério de Educação desenvolveu
um sistema para transferir parte desses recursos diretamente às escolas,
impulsionando sua autonomia e capacidade de ação. Recentemente foram criadas
leis para garantir uma despesa mínima de 300 dólares por aluno por ano em
estados e municípios, o que leva a um salário básico comum para os professores[27].
O sucesso dessas políticas é em parte explicado pelo consenso crescente
a respeito da importância da educação básica e da orientação principal das
políticas para o setor, e pela existência de importantes iniciativas em
nível estadual e municipal.
Por outro lado, a administração Cardoso teve até agora dificuldade de estabelecer
uma política clara para a educação superior. O Brasil tem menos de 10% de
sua população mais jovem matriculados no ensino superior, cerca de dois
milhões de alunos, número que se espera cresça com muita rapidez nos próximos
anos[28]. O sistema federal de educação
superior, que custa cerca de 6,5 milhões de dólares por ano e fornece instrução
gratuita a menos de quatrocentos mil alunos, está claramente necessitado
de reformas. Um projeto que garante autonomia administrativa e exige a prestação
de contas das universidades públicas está bloqueado pela vigorosa resistência
de sindicatos de professores e organizações estudantis. Enquanto isso, o
setor privado é mantido sob controle burocrático e se expande sem direção
clara. Também existem várias iniciativas relativas à educação técnica, secundária
e para professores, mas nenhuma com a promessa de impactos significativos
a curto prazo.
Desemprego
O desemprego aberto nos centros urbanos do Brasil é baixo, mas o subemprego
é alto[29]. A previsão para os próximos
dez a vinte anos é de um número crescente de jovens entrando no mercado
de trabalho, combinado com um impulso do setor produtivo para aumentar a
eficiência pela incorporação de novas tecnologias e pela redução do efetivo.
Esta expectativa é causa de preocupação e o governo vem tentando reagir
com uma série de ações. A mais importante, mas sem efeito imediato, é aumentar
a qualidade da educação básica e secundária. Há também propostas para reduzir
o custo da mão-de-obra e desregulamentar o mercado de trabalho. Hoje, uma
empresa tem de gastar aproximadamente a mesma quantia que paga de salário
em benefícios sociais e impostos. O projeto é ter várias opções de contratos
de trabalho, inclusive contratos indeterminados, fixos e de curto prazo,
assim como pacotes diferentes de benefícios sociais e compensação por demissão
a serem negociados entre sindicatos independentes e empregados. Em princípio,
um sistema assim permitiria melhores contratos de trabalho nos setores mais
ricos da economia e mais emprego, enquanto concederia menos benefícios a
setores que hoje não empregam muitos indivíduos ou estão contratando ilegalmente
sem pagar benefícios nem impostos. Essas propostas são combatidas pelos
sindicatos e pelo Congresso, que argumentam que iriam apenas reduzir os
benefícios existentes e aumentar o lucro sem gerar mais empregos.
Outra abordagem é tentar aumentar o emprego por meio de obras públicas e
por incentivos diretos e crédito para o setor privado. Embora o governo
não vá embarcar numa política keynesiana tardia de pleno emprego sustentado
pelo estado, há vários mecanismos para estimular a criação de empregos por
meio de crédito concedido a pequenas empresas, investimentos em obras públicas
necessárias e programas de treinamento voltados para setores específicos
do mercado de trabalho. Em 1996, acredita-se que o Banco Nacional de Desenvolvimento
(BNDES) tenha investido cerca de 11,3 bilhões de dólares e combinado seus
recursos com os do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) em investimentos
para criar empregos no transporte público, na proteção ambiental, no turismo
e nas comunicações, o que não só teria gerado novas oportunidades de emprego
como também aumentado a eficiência e a capacidade de emprego do sistema
produtivo como um todo. O Ministério do Trabalho também está envolvido num
programa ambicioso para fornecer crédito a pequenas empresas de forma a
gerar mais emprego e renda. Mais de dois bilhões de dólares foram investidos
neste programa de 1995 a 1996. Foi projetado um sistema semelhante para
o setor rural.
Por fim, a administração Cardoso está ampliando o sistema de seguro-desemprego
do Brasil. Embora ainda muito limitado em termos da quantia e do tempo em
que esta é paga ao desempregado, o sistema ajudou cerca de 4,5 milhões de
pessoas que perderam o emprego em 1995, estimados em cerca de 60% do total
(os restantes 40% não solicitaram o benefício, provavelmente por ter encontrado
outro emprego sem muita demora).
Perspectivas
Os dias de outrora, em que os governos não se preocupavam com o dinheiro
que gastavam e as pessoas supunham que a pobreza e a miséria eram fatos
da vida, não vão voltar. A agenda social vem se ampliando, mas os recursos
são escassos e jamais chegarão ao nível exigido por tantos grupos de interesse.
Serão os problemas sociais de hoje conseqüência das recentes políticas econômicas
orientadas para o aumento da competitividade internacional e redução do
papel econômico do setor público? É tese central deste ensaio que não. Os
arranjos econômicos anteriores não produziram resultados sociais melhores
e levaram à estagnação econômica e à desorganização financeira. As condições
sociais do Brasil vêm melhorando, apesar do lento crescimento econômico,
e são hoje melhores que no passado. No entanto, estão longe de serem satisfatórias:
as melhoras têm sido lentas demais e os problemas do envelhecimento da população
e da decadência urbana trazem novos e dificílimos desafios.
A nova economia não pode ser culpada por esses problemas sociais, mas também
não pode ser responsabilizada por sua solução. O desenvolvimento econômico
sempre ajuda, mas a utilização crescente de tecnologia avançada, a concentração
de recursos em grandes corporações internacionais e em localizações geográficas
privilegiadas, a pressão impiedosa por custos mais baixos num contexto de
intensa competição internacional -- todos esses elementos conspiram contra
a melhoria da renda e das condições de vida dos pobres e não educados. Os
governos continuarão importantes, devendo fazer o melhor uso possível do
dinheiro dos impostos e dos poderes de regulamentação para fornecer educação,
saúde, segurança e proteção ambiental e para reduzir os efeitos predadores
da competição extrema de mercado; a sociedade terá de aprender a organizar-se
e cuidar de seus interesses.
De agora em diante, as funções reguladoras provavelmente prevalecerão sobre
o fornecimento direto de serviços, e a administração pública terá de reinventar-se.
O Brasil já teve algumas experiências que indicam a direção correta. No
decorrer de poucos anos, a privatização das telecomunicações deu a milhões
o acesso ao telefone e foram criados novos órgãos reguladores para supervisionar
o trabalho de empresas privadas em áreas como energia, telecomunicações
e produção e distribuição de combustíveis. Conceitos como apreciação, avaliação,
certificação, recuperação dos custos, descentralização, parceria, participação
dos cidadãos e capacitação e fortalecimento do poder da cidadania (“empoderamento”)
desconhecidos há alguns anos, estão entrando no vocabulário da administração
pública e dos movimentos sociais em todos os seus níveis e vêm aos poucos
se transformando em realidades.
A criação de novas práticas no fornecimento de serviços públicos e a maior
participação da sociedade civil na administração de suas próprias questões
já estão criando uma nova percepção das formas como a sociedade pode enfrentar
seus problemas, com resultados muito promissores. Contudo, é difícil suprimir
os antigos hábitos; continuarão a existir agendas conflitantes e os problema
sociais enfrentados pela população brasileira não desaparecerão em poucos
anos, mesmo na melhor das circunstâncias. No entanto, sempre há esperança
quando as coisas se movem na direção certa, e é possível argumentar que
é para lá que vão.
Notas
* Neste artigo o autor sempre se refere ao valor do dólar em
1997, quando correspondia a 1 real. (N. T.)
[1] Isso é verdade não só no Brasil como na América Latina como
um todo. “As evidências não sustentam a noção de que a grande desigualdade
da América Latina seja simplesmente a questão de algumas famílias ricas
possuírem parte desproporcional de cada país. (...) Boa parte da desigualdade
da região está associada a grandes diferenças salariais. (...) Grandes diferenças
salariais refletem, entre outros fatores, a distribuição desigual da quantidade
e da qualidade de escolaridade.” Banco Interamericano de Desenvolvimento,
relatório Facing up to Inequality in Latin America: Economic and Social
Progress in Latin America, 1998-1999 (Washington, D.C.: Banco Interamericano
de Desenvolvimento, 1998), 1.
[2] A menos que indicado de outra forma, todos os números são
da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), realizada pelo Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
[3] José Pastore e Nelson do Valle Silva, Mobilidade social
no Brasil (São Paulo: Makron Books, 2000), 47-59.
[4] Bernardo Sorj, “A reforma agrária em tempos de democracia
e globalização”, Novos Estudos CEBRAP 50 (março de 1998): 23-40.
[5] Segundo Sônia Rocha, especialista
em problemas da pobreza, “a pobreza no Nordeste rural é ainda típica das
sociedades tradicionais. O percentual de mulheres chefes de família é pequeno.
A maioria das pessoas trabalha na agricultura, assim o desemprego é irrelevante.
Grande parte (...) dos chefes de família são analfabetos ou têm menos de
quatro anos de escolaridade. A maioria dos pobres é autônoma e alguns -
mesmo entre os chefes de família - trabalham mais de quinze horas por semana
sem pagamento, o que está associado ao trabalho em pequenas propriedades
que gera apenas o necessário para a subsistência da família. O acesso a
serviços públicos básicos - educação, eletricidade, saneamento - é muito
inadequado, o que significa que o Estado é ausente enquanto fornecedor.”
Sônia Rocha, “Desenvolvimento sustentável e a meta de redução da pobreza”,
artigo preparado para a Conferência sobre Desenvolvimento Sustentável da
Academia Brasileira de Ciências, não publicado, 1999.
[6] Celso Furtado foi, provavelmente,
o primeiro a descrever este processo de reversão de uma economia moderna
voltada para as exportações a unidades rurais ineficientes, isoladas e fechadas
em si mesmas. Celso Furtado, “Concentração Econômica e Expansão Territorial”,
em Formação Econômica do Brasil, primeira edição brasileira, 1959.
[7] Segundo a descrição de Sônia Rocha, entre os pobres das grandes
cidades “as famílias são menores e o número de crianças mais baixo que no
Nordeste. Vínculos familiares mais fracos significam percentual mais elevado
de mulheres chefes de família, uma das principais características da pobreza
urbana em sociedades modernas. A taxa de analfabetismo é alta, mesmo entre
chefes de família, mas muito mais baixa que no Nordeste rural. A maioria
dos pobres trabalha no comércio e em serviços, ou melhor, nas atividades
de baixa produtividade/baixo salário destes setores. A taxa de desemprego
é alta, o que é típico de áreas urbanas modernizadas, onde os aspectos formais
do mercado de trabalho são intensificados. Muitos chefes de família trabalham
como empregados. O acesso aos serviços públicos é relativamente bom: a maioria
das crianças freqüenta a escola e há acesso quase universal a água e eletricidade.”
Rocha, “Desenvolvimento sustentável e a meta de redução da pobreza”.
[8] Sobre os inícios do estado do bem-estar
social do Brasil, ver Angela Maria de Castro Gomes, Burguesia e trabalho.
política e legislação social no Brasil, 1917-1937 (Rio de Janeiro: Editora
Campus, 1979). Sobre a reação dos industriais brasileiros à proteção social
dos trabalhadores, ver Warren Dean, The Industrialization of São Paulo,
1880-1945 (Austin, Texas: The University of Texas Press, 1969). Sobre
o sistema de seguro social, ver Amelia Cohn, Previdência social e processo
político no Brasil (São Paulo: Editora Moderna, 1980); para uma visão
geral, ver Phillipe C. Schmitter, Interest Conflict and Political Change
in Brazil (Stanford: Stanford University Press, 1971).
[9] Contudo, os governos autoritários foram importantes na criação
e expansão da agenda de democracia social brasileira. Assim, credita-se
ao regime de Getúlio Vargas na década de 30 a primeira legislação que estabeleceu
os contornos do estado brasileiro de bem-estar social, tirado da carta
del lavoro da Itália fascista. Nas décadas de 60 e 70 o governo militar
unificou os sistemas de previdência social do setor privado e criou aposentadorias
para a população rural, assim como as a primeira legislação significativa
para reduzir a concentração da propriedade da terra, o Estatuto da Terra.
[10] IPEA, Dimensionamento e acompanhamento do gasto social
federal _ exercício de 1994, versão preliminar (Rio de Janeiro: IPEA,
Diretoria de Política Social, dezembro de 1995).
[11] Estimativas do Banco Mundial indicam que 21% das despesas
públicas do Brasil em saúde, educação e moradia vão para setores no quintil
superior da distribuição de renda, com apenas 15,5% indo para o estrato
mais baixo (os números correspondentes do Chile são de 4% e 36,3%).
[12] Antônio Barros de Castro e Francisco Eduardo Pires de Souza,
A economia brasileira em ritmo de marcha forçada (Rio de Janeiro:
Paz e Terra, 1985).
[13] Isso ficou conhecido no Brasil como “teoria do bolo”, segundo
a qual o bolo tinha de crescer antes de chegar ao ponto de ser repartido
pelos convidados da festa. Para uma crítica, ver Ricardo Paes de Barros
e Rosane Mendonça, “O impacto do crescimento econômico e de reduções no
grau de desigualdade sobre a pobreza”, Novos Estudos CEBRAP 51 (julho
de 1998): 107-122.
[14] Os números do desemprego publicados pelo órgão estatístico
do estado de São Paulo (a Fundação SEADE) costumam ser três vezes mais altos
que os do IBGE, instituto federal de estatística, devido a diferenças conceituais
e metodológicas. No entanto, as tendências de ambos os índices são muito
semelhantes.
[15] Ricardo Paes de Barros demonstrou que o investimento direto
em educação básica é muito mais eficaz na redução da desigualdade social
e da pobreza do que o crescimento econômico por si só. Ricardo P. Barros
e Rosane Mendonça, O impacto do crescimento econômico e de reduções no
grau de desigualdade sobre a pobreza (Rio de Janeiro: IPEA/Dipes, Texto
para Discussão nº. 528, novembro de 1997).
[16] A mobilidade social entre descendentes de japoneses, por
exemplo, é muito maior do que em outros grupos de imigrantes ou de brasileiros
de qualquer “cor” ou raça, inclusive brancos ou de origem européia.
[17] Simon Schwartzman, “Fora de foco: diversidade e identidades
étnicas no Brasil”, Novos Estudos CEBRAP 55 (novembro de 1999): 83-96.
[18] Ver em Peter Fry, “Política, nacionalidade e os significados
de “raça” no Brasil”, neste número de Daedauls, uma extensa discussão.
Para uma visão geral, consultar também Thomas E. Skidmore, Black into
White; Race and Nationality in Brazilian Thought (Nova York: Oxford
University Press, 1974) e Carlos Hasenbalg, “Entre o mito e os fatos: racismo
e relações raciais no Brasil”, Dados 38 (2) (1995): 355-374.
[19] Ver uma extensa discussão em Manuela Carneiro da Cunha
e Mauro W. B. de Almeida, “Povos indígenas, povos tradicionais e conservação
na Amazônia”, neste número de Daedalus.
[20] Veja a respeito Anette Goldberg-Salinas, Joana Girard Ferreira
Nunes e Emmanuelle Nunes, “Feminismo contemporâneo no Brasil: estratégias
das mulheres nos movimentos e interesse dos homens no poder”, Sociedade
e Estado 12 (2) (julho-dezembro de 1997): 357‑380.
[21] Ricardo Paes Barros, Ana Flávia Machado e Rosanne Silva
Pinto Mendonça, A desigualdade da pobreza: estratégias ocupacionais e
diferenciais por gênero (Rio de Janeiro: IPEA, Texto para Discussão
nº 453, janeiro de 1997).
[22] Charles C. Mueller, “Environmental Problems Inherent to
a Development Style: Degradation and Poverty in Brazil”, Environment
and Urbanization 7 (2) (outubro de 1995): 67‑84.
[23] M. A. C. Fernandes et al., Dimensionamento e
acompanhamento do gasto social federal (Brasília: IPEA, Texto para Discussão
nº. 547, fevereiro de 1998).
[24] Os funcionários públicos civis pagam 12% de seu salário
para a previdência social mas o pagamentos dos benefícios é feito com recursos
gerais da União, em valores muito superiores ao arrecadado. No sistema do
Instituto Nacional de Seguro Social (INSS), ao contrário, existe a expectativa
de que a arrecadação seja suficiente para o pagamento dos benefícios, em
termos correntes.
[25] Para uma visão geral, consultar Kurt Weyland, “Social Movements
and the State: The Politics of Health Reform in Brazil”, World Development
23 (10) (outubro de 1995): 1699-1712. Ver também M. E. Lewis e A. C.
Médici, “The Challenge of Health Care Reform in Brazil: Balance and Trends”,
Technical Notes RE1-97-004, ed. Banco Interamericano de Desenvolvimento
(maio de 1997); Banco Mundial, Brazil -- The Organization, Delivery and
Financing of Health Care in Brazil: Agenda for the '90s (Washington,
D.C.: Banco Mundial, 30 de junho de 1994); José Luis A. C. Araújo Jr., “Attempts
to Decentralize in Recent Brazilian Health Policy: Issues and Problems,
1988-1994”, International Journal of Health Services 27 (1) (1997).
109-124; Amelia Cohn, “Health Policy and Economic Change in Brazil”, artigo
submetido à International Sociological Association (ISA), 1994; Nilson do
Rosário Costa, “Inovação política, distributivismo e crise: a política de
saúde nos anos 80 e 90”, Dados 39 (3) (1996): 479-511; e Vera Schattan
Coelho, “Interesses e instituições na política de saúde”, Revista Brasileira
de Ciências Sociais 13 (37) (junho de 1998): 115-128.
[26] Ver em Cláudio de Moura Castro, “Educação: atrasada, mas
tentando recuperar-se”, neste número de Daedalus, uma discussão extensa.
[27] A estimativa é de que, entre dezembro de 1997 e agosto
de 1998, o salário médio dos professores dos sistemas estadual e municipal
subiu em 13% devido às transferências relacionadas a esta lei. O maior aumento
aconteceu no Nordeste, onde o salário dos professores cresceu em cerca de
50%. Ministério da Educação do Brasil, Education for All - Evaluation
of the Year 2000 (Brasília: Ministério da Educação, Instituto Nacional
de Estudos Pedagógicos, 2000).
[28] Ver, para uma visão geral, Simon Schwartzman, O ensino
superior no Brasil _ 1998 (Brasília: Ministério da Educação, Instituto
Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais _ INEP, Textos para Discussão
6, 1999).
[29] No entanto, a interpretação desses valores de 7% ou 8%
de desemprego pode ser enganosa. O “desemprego aberto” refere-se a pessoas
sem fonte de renda que estão procurando emprego ativamente. Na ausência
de um seguro-desemprego significativo, os que perdem o emprego têm de encontrar
algum outro jeito de ganhar dinheiro, passando da categoria de “desempregados”
para a de “subempregados”, e aparecendo como ocupados nas estatísticas de
emprego.
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