Educação:
andando de lado Simon Schwartzman [1]
Publicado no O Estado de São Paulo,
3 de janeiro de 2005.
Perguntado sobre sua política para o setor, o Ministro da Educação teria
dito que estava tudo indo bem, com o governo cuidando dos principais problemas:
alfabetização de adultos, bolsa escola para o ensino básico, e política
de cotas para o ensino superior. A história pode ser apócrifa, e a agenda
do Ministério não se limita a isto. Mas não há dúvida que estes têm sido
os focos principais, e têm duas características comuns: são programas assistenciais,
impregnados de boas intenções; e deixam de lado as questões mais importantes..
O combate ao analfabetismo foi a grande bandeira do fracassado ministério
de Cristóvão Buarque, e agora tem menor destaque, mas os jingles publicitários
continuam na TV. Nos tempos de Paulo Freire, havia a idéia de que, através
das campanhas de combate ao analfabetismo, conduzidas pelos movimentos sociais,
seria possível, ao mesmo tempo, educar as pessoas e elevar seus níveis de
consciência revolucionária. Hoje, no Brasil, o analfabetismo extremo se
reduz às populações mais velhas das regiões rurais mais pobres, que, mesmo
quando freqüentam cursos de alfabetização, dificilmente incorporam os novos
conhecimentos em suas vidas, e esquecem rapidamente o que aprenderam. O
problema fundamental do analfabetismo são as crianças na escola que mal
aprendem a ler e a escrever, e permanecem semi-analfabetas pelo resto da
vida. Isto não se enfrenta com campanhas, mas com um trabalho sério e sistemático
de melhoria dos sistemas escolares, de formação de professores e da adoção
de pedagogias corretas de alfabetização, que o Ministério deveria liderar..
A bolsa-escola, incorporada ao bolsa-família, mistura política de renda
mínima com política educacional, e agora também com política de saúde e
alimentação. Como política de renda, seu efeito pode ser positivo, desde
que melhor focalizada. Como política educacional, contribui muito pouco.
A grande maioria dos beneficiários já está na escola, com ou sem bolsa.
O programa está focalizado em crianças até 15 anos de idade, mas é aí, justamente,
que começam a surgir os problemas de deserção escolar. Análises aprofundadas
dos resultados do SAEB mostram que, para crianças de famílias pobres e sem
educação, não basta estar na escola para aprender. Ao contrário do que os
defensores da bolsa acreditam, o que mais explica a ausência à escola não
é a necessidade de a criança trabalhar, mas a incapacidade das escolas em
proporcionar educação de qualidade e significativa para os jovens, e sobretudo
aos adolescentes de baixa renda. Se os recursos de bolsa-escola fossem canalizados
através das escolas, com programas adequados de melhoria e incorporação
de adolescentes, aí sim seus resultados poderiam ser importantes.
É mais difícil melhorar a escola do que lançar grandes campanhas, mas não
faltam idéias que poderiam ser utilizadas, se houver interesse. Existe um
excelente documento de 2003 da Comissão de Educação da Câmara dos Deputados,
“Alfabetização infantil – novos caminhos”, com propostas bem específicas,
que o Ministério da Educação não toma em conta. Em 2003 o próprio MEC tentou
implantar um sistema nacional de certificação de professores, do qual não
se fala mais.
Na área financeira, a principal proposta do governo é o novo Fundo Nacional
da Educação Básica, FUNDEB, que substituiria o FUNDEF, para a educação fundamental,
importante inovação do governo anterior. A proposta do Ministério
ainda não foi aprovada pela área financeira do governo, que deve estar preocupado
com a retirada dos recursos da DRU e com o que ela pode significar de aumento
de gastos, principalmente se combinada com os grandes aumentos também pleiteados
para a educação superior. Além disto, o FUNDEB pode levar à diluição dos
recursos da educação fundamental, onde estão concentrados os grandes estrangulamentos,
em benefício da expansão descontrolada da educação infantil e do ensino
médio de má qualidade.
O ensino superior parece ser, estranhamente, a grande prioridade. O governo
anunciou uma grande reforma, e no final de 2004 publicou sua proposta. Ela
incorpora, como era de se esperar, as cotas raciais e para alunos de escolas
públicas; acena para os sindicatos e associações docentes com a obrigatoriedade
de eleições diretas e governos colegiados, inclusive no setor privado; acrescenta
quase dois bilhões de reais ao ano para os orçamentos das universidades
federais, ao pretender transferir os custos das aposentadorias para o Tesouro
e reservar para elas 75% dos recursos constitucionais federais para a educação
superior; e concede autonomia de gestão financeira às universidades federais,
com a garantia de que elas nunca terão seus recursos reduzidos, nem um processo
de avaliação associado ao financiamento. Em relação ao setor privado, a
proposta nega a liberdade constitucional da educação privada, ao dizer que
a educação é uma “função política delegada”; coloca todo o setor privado
sob suspeita, ao insistir nos perigos da “mercantilização do ensino”; e
propõe limites estritos à presença de estrangeiros na educação superior.
Não há propostas sobre como capacitar as universidades para lidar com os
novos estudantes admitidos através de cotas; como consolidar a educação
tecnológica e o ensino profissional; sobre políticas para a pesquisa
e a pós-graduação; como estabelecer um relacionamento adequado entre
o Ministério da Educação e o setor privado; e como fazer com que as instituições
públicas usem melhor os recursos que recebem.
Os vai-e-vens do governo na área da avaliação em todos os níveis mereceriam
um capítulo à parte. No início, havia uma tendência a substituir todos os
testes quantitativos por medidas qualitativas. O Provão, que ia acabar,
ressuscitou com outro nome, um sistema de amostragem que pouco economiza,
e resultados que não se sabe se e como sairão; os antigos sistemas de auto-avaliação
das universidades, comprovadamente ineficazes, foram ressuscitados. O ENEM,
que ia ser extinto, permanece, mas deixa de ser voluntário e passa a ser
obrigatório, amarrando todo o ensino médio aos vestibulares das universidades.
Foi anunciado que o SAEB, que antes era um instrumento de diagnóstico por
amostragem, passaria a ser universal em 2004, com custos adicionais enormes,
metodologia indefinida, e nenhuma clareza sobre sua utilização. Nada aconteceu,
e o futuro do exame é desconhecido.
Com ou sem avaliações, a ênfase quase que exclusiva em políticas assistencialistas
e no aumento de recursos, quando o país já gasta, e muito mal, 5.5% do PIB
em educação, não sugere perspectivas muito alvissareiras para o setor.
[1]. Do Instituto de Estudos do Trabalho
e Sociedade, simon@iets.inf.br
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