A diferenciação do Ensino Superior no Brasil

Simon Schwartzman
com a colaboração de Rogério Carlos Gastaldo de Oliveira

Preparado para a Segunda reunião do "Projeto Regional de Estudos sobre Políticas de Educação Superior", Buenos Aires, Agosto, 1990 (1)


Sumário:

1. Diferenças reais, mas não reconhecidas

2. As diferenças regionais

3. A diferenciação das áreas de conhecimento

4. Público ou privado?

5. Universidades e não universidades

6. Conclusões

Notas



1. Diferenças reais, mas não reconhecidas

A legislação brasileira do ensino superior postula sua convergência futura em um modelo único, o da universidade do ensino, da pesquisa e da extensão, e as habilitações profissionais proporcionadas pelas escolas superiores do país se baseiam também na suposição de que um diploma de médico ou engenheiro do Rio Grande do Sul ou da Paraíba é sempre equivalente, na forma e no conteúdo, a um outro outorgado em São Paulo ou em Minas Gerais.

A realidade é bem distinta, mas a tendência dominante tem sido a de atribuir as diferenças existentes a deficiências do subdesenvolvimento do país, a serem superadas no futuro. A noção de que os sistemas de ensino superior de massa tendem inevitavelmente à pluralidade de formas e funções ainda não penetrou no Brasil de forma suficiente nem nos legisladores nem, muito menos, no público mais amplo, que tende a ver com suspeição qualquer forma de reconhecimento explícito de diferenciações sociais reais.

O objetivo deste trabalho é documentar, com algum detalhe, alguns aspectos da diferenciação que existe de fato no ensino superior do país, em função de suas regiões socioeconômicas, dos vários tipos de instituições de ensino superior, das áreas de conhecimento, e de alguns outros elementos de evidência disponíveis. As informações utilizadas são derivadas de levantamentos feitos pelo Serviço de Estatística da Educação e Cultura para o ano de 1988, e se restringem a algumas das características mais gerais do alunado.

As linhas mais aparentes de diferenciação que existem no ensino superior brasileiro são, por um lado, em função de quem mantém a instituição, e, por outro, se ela pertence a uma universidade, assim definida legalmente, ou a algum outro tipo de arranjo institucional. As tabelas 1 e 2 dão as distribuições de cursos e de alunos segundo estas duas variáveis:

Tabela 1 - Cursos superiores existentes, por tipo de estabelecimento e dependência administrativa
  Universidades Federações Faculdades Integradas Estab. Isolado Total
Federal 1010     50 1060
24.7
Estadual 386     214 600
14.0
Municipal 41   6 226 273
6.3
Particular 660 60 445 1202 23671
55.0
Total 2097
48.8
60
1.4
451
10.5
1692
39.3
4300
100%
1. Inclui "sem informação"

Tabela 2 - Alunos matriculados, por tipos de estabelecimento e dependência administrativa
  Universidades Federações Faculdades Integradas Estab. Isolado Total
Federal 302265     13366 317831
21.1
Estadual 129785     60951 190736
12.7
Municipal 17178   965 58641 76784
5.1
Particular 318812 21884 178895 398618 9182091
61.2
Total 770240
51.2
21884
1.5
179860
12.0
531576
35.4
1503560
100
1. Inclui "sem informação"

Estas tabelas mostram a nítida predominância do setor privado, com 61.2% dos alunos. A proporção de cursos e estudantes em universidades é de 48.8 e 51.2% respectivamente. Na medida em que os dados permitam, o sentido destas diferenças irá sendo aprofundado ao longo deste trabalho.

Estas diferenças refletem o fato de que o ensino público federal não se expandiu nos últimos anos, aumentando a descentralização do sistema, seja pelo fortalecimento dos sistemas estaduais, seja através do sistema particular. O sistema federal chegou mesmo a diminuir o número de pessoas matriculadas e diplomadas, particularmente nas universidades, apesar da pequena expansão havida em seu quadro docente. A tabela 3 dá conta destas alterações, e mostra também uma queda no número absoluto de conclusões de curso nestes cinco anos, de maneira mais acentuada entre as instituições municipais. Algumas destas alterações podem se explicar por mudanças no status legal de determinadas instituições. Existe uma tendência à estadualização das instituições municipais, como ocorreu por exemplo em Santa Catarina, assim como um movimento dos estabelecimentos isolados particulares em se reunir em universidades, para se livrar dos controles do Ministério da Educação quanto à abertura de novos cursos. Podem haver também incorreções nos dados produzidos pelo MEC, o que deve ser ainda verificado.
Tabela 3 - Evolução do número de instituições, docentes, matrículas e conclusões de curso, 1983-1998, por tipo de instituição e dependência administrativa.
  1983 1988 dif %
Universidades
Instituições Federal 35 35 0.0%
Estadual 10 15 50.0%
Municipal 2 2 0.0%
Particular 20 31 55.0%
Total 67 83 23.9%
Docentes Federal 40276 42029 4.4%
Estadual 12631 17713 40.2%
Municipal 1063 819 -23.0%
Particular 15086 19241 27.5%
Total 69056 79802 15.6%
Matrículas Federal 328044 304465 -7.2%
Estadual 98371 129785 31.9%
Municipal 17213 17178 -0.2%
Particular 244232 318812 30.5%
Total 687860 770240 12.0%
Conclusões Federal 40588 35747 -11.9%
Estadual 12469 16597 33.1%
Municipal 2948 2320 -21.3%
Particular 36609 44809 22.4%
Total 92614 99468 7.4%
Isoladas e Federações
Instituições Federal 25 19 -24.0%
Estadual 69 72 4.3%
Municipal 112 90 -19.6%
Particular 595 607 2.0%
Total 801 788 -1.6%
Docentes Federal 2698 2519 -6.6%
Estadual 3703 4090 10.5%
Municipal 4433 3290 -25.8%
Particular 33889 35782 5.6%
Total 44723 45681 2.1%
Matrículas Federal 12074 13366 10.7%
Estadual 48826 60951 24.8%
Municipal 72161 59606 -17.4%
Particular 618071 599397 -3.0%
Total 751132 733320 -2.4%
Conclusões Federal 2295 2284 -0.5%
Estadual 9380 8442 -10.0%
Municipal 13547 9610 -29.1%
Particular 126823 103036 -18.8%
Total 152045 123372 -18.9%
Totais
Instituições Federal 60 54 -10.0%
Estadual 79 87 10.1%
Municipal 114 92 -19.3%
Particular 615 638 3.7%
Total 868 871 0.3%
Docentes Federal 42974 44548 3.7%
Estadual 16334 21803 33.5%
Municipal 5496 4109 -25.2%
Particular 48975 55023 12.3%
Total 113779 125483 10.3%
Matrículas Federal 340118 317831 -6.6%
Estadual 147197 190736 29.6%
Municipal 89374 76784 -14.1%
Particular 862303 918209 6.5%
Total 1438992 1503560 4.5%
Conclusões Federal 42883 38026 -11.3%
Estadual 21849 25039 14.6%
Municipal 16495 11930 -27.7%
Particular 163432 147845 -9.5%
Total 244659 222840 -8.9%

2. As diferenças regionais

Os estados brasileiros costumam ser agrupados em cinco grandes regiões: a do Norte, cobrindo os estados da Amazônia; a do Nordeste, a região mais pobre do país; o Sudeste, que reune os estados mais populosos; o Sul, com uma grande presença de imigrantes de origem européia; e o Centro-Oeste, região de fronteira e de população rarefeita, mas onde tem grande peso a cidade de Brasília. É natural que a distribuição da matricula em instituições de nível superior corresponda às diferenças em população. Além disto, existem diferenças importantes na percentagem de população atendida pelo ensino superior entre as diversas regiões, relacionadas com a renda, como indica a tabela 4.


Tão significativa quanto diferenças em números absolutos é a distribuição das matrículas por tipo de instituição:


É exatamente nas regiões mais desenvolvidas no Sudeste, Sul Centro-Oeste (Brasília) que o ensino privado atinge seus maiores índices, enquanto que no Norte e no Nordeste predomina o ensino público. O Sul apresenta, ainda, uma proporção significativa de matrículas em instituições municipais, fenômeno que não existe no Norte e não adquire maiores proporções em outras regiões.

As diferenças em relação à dependência administrativa se refletem também em diferenças quanto ao tipo de instituição. Cerca de metade dos estudantes de nível superior brasileiro freqüentavam instituições não universitárias em 1988, concentradas principalmente na região Sudeste. No Nordeste, e em menor medida no Sul, ainda predominam as formas mais clássicas de organização universitária.


A gratuidade das instituições públicas, e o prestígio que freqüentemente se associa a elas, faz com que grande parte da demanda por educação se dirija ao setor público, que no entanto não consegue absorver senão parte desta procura, e forma um número muito menor de pessoas. 45% dos candidatos buscam instituições públicas gratuitas (tabela 7), mas apenas 28% dos que postulam conseguem entrar em uma universidade federal ou estadual (tabela 10) (as universidades municipais são pagas, e têm as taxas mais altas de admissão)(2). Uma vez admitido, o estudante tem uma chance em duas de concluir o curso, com uma ligeira vantagem para os que entraram nas universidades federais (tabela 11). Se esta é a sorte dos admitidos, a dos postulantes é inversa: menos de 8% dos que buscam ingressar em estabelecimentos federais ou estaduais conseguem diplomar-se por eles, contra o dobro para os que buscam o setor municipal ou privado (tabela 12). Este dado reflete o fato de que, se o ingresso nas instituições privadas é mais fácil, as taxas de abandono nestas instituições também são também mais altas, o que acaba gerando uma "perda" mais significativa do que a do setor público.












Qual o efeito do fator regional sobre a escolha das áreas de estudo? A tabela 13 mostra a distribuição das matrículas dos estudantes por área de conhecimento. Chama a atenção, desde logo, a grande concentração de matrículas nas áreas de humanidades e ciências sociais 57% do total que se dá de forma mais ou menos igual para todas regiões. E nota-se, também, que não há maiores diferenciações por região socioeconômica, ao contrário do que se poderia esperar.


Estas diferenças em matrículas refletem, em parte, a diferença de ofertas existentes nas diferentes regiões, como indicado na tabela 14.


Como explicar esta oferta, tão concentrada na área social e de humanidades? O primeiro passo é examinar a relação entre candidatos e vagas, conforme a tabela 15:


Há uma média de quatro candidatos por vaga para todo o país, variando de um mínimo de 2 para as áreas de letras e humanidades, até um máximo de 8 para a área de saude. Em termos regionais, existe uma carência mais acentuada de vagas nas regiões do Norte, Nordeste e Centro-Oeste do que nas demais. As diferenças da demanda por área de conhecimento em cada região podem ser melhor observadas se os dados acima forem normalizados pelo total de candidatos por vaga do país, conforme a tabela 16(3):


A demanda na Região Sudeste, e em menor grau no Sul e no Centro-Oeste, é muito mais diferenciada do que nas demais regiões, com uma preferência nítida pelas profissões da área de Saúde, e muito menores concentrações nas áreas de letras e de humanidades. No Nordeste, por outro lado, e de forma ainda mais acentuada no Norte, as preferências se distribuem de forma mais homogênea. A demanda por educação superior não se dá de forma abstrata, a partir das "vocações" profissionais dos candidatos, mas depende em grande parte da disponibilidade de vagas e de uma avaliação bastante realista que os candidatos fazem de suas probabilidades de efetivamente conseguir o tipo de educação que almejam. A tabela 16 sugere que existe, ainda, uma imagem das condições do mercado de trabalho, que varia de região para região, e explica, possivelmente, as diferenças observadas: o Sudeste e Sul parecem colocar um prêmio adicional para as profissões de cunho técnico como a medicina e a engenharia (mas não para as ciências, como as exatas e biológicas), enquanto que no Nordeste, e mais acentuadamente no Norte, o título universitário em si parece ser o mais importante.

A tabela 17 apresenta a percentagem média(4) de mulheres por homens entre os inscritos na primeira série dos cursos superiores de 1988, por região e área de conhecimento:


O aumento do número de mulheres no ensino superior é uma das características centrais do processo de expansão do último degrau da pirâmide educacional em todo o mundo. Em parte, ele corresponde ao aumento da igualdade de direitos sociais, oportunidades educacionais e ocupacionais entre homens e mulheres. Este aumento se deve em parte, também, à abertura do sistema educacional para novos grupos sociais pessoas mais velhas, pessoas de estratos sociais menos privilegiados cujas motivações e condições de acesso e aproveitamento dos recursos educacionais existentes não são os mesmos daqueles dos estudantes tradicionais. Os dados do Brasil revelam que as mulheres já constituem a maioria dos estudantes de nível superior do país; as taxas de feminização dos cursos não variam muito de região para região, mas as diferenças são extremamente expressivas em termos de áreas de conhecimento, com as letras e as humanidades concentrando os grandes contingentes femininos. Os coeficientes de variação mostram que existem grandes diferenças em graus de feminização nas áreas tecnológicas e das profissões sociais, que talvez expressem o fato de que a classificação por áreas adotada pelo Ministério da Educação reunam de fato cursos de características muito distintas(5). As variações dentro de cada região não mostram grandes diferenças.

A expansão do ensino superior também está vinculada ao crescimento das matrículas em cursos noturnos, cujo quadro atual pode ser visto na tabela 18.


Esta tabela confirma o padrão que já vinha sendo evidenciado pelas anteriores. O estudo noturno é um fenômeno das regiões mais desenvolvidas, particularmente do Sudeste; e sobretudo de determinadas áreas de conhecimento, concentrando-se nas ciências sociais, nas ciências humanas, nas letras e nas ciências exatas, em contraste com as ciências biológicas, as ciências da saúde, a engenharia e as ciências agrárias. Os coeficientes de variação não mostram grandes diferenças entre as regiões, mas evidenciam a grande heterogeneidade dentro de algumas áreas, tais como definidas aqui.

3. A diferenciação das áreas de conhecimento

Os dados anteriores já dão algumas informações sobre as diferenças entre as áreas de conhecimento, que podem ser resumidas na tabela abaixo:


Este quadro permite dividir as áreas de conhecimento em três grandes grupos, com características próprias: a área das ciências naturais e exatas, a área das profissões clássicas, e a área das ciências sociais, humanas e letras. Destas, as mais procuradas, em termos relativos, são as das profissões tradicionais, com cerca de 20% das vagas, em cursos predominantemente diurnos, com preponderância quase absoluta de homens nas engenharias, e a maioria de mulheres na área de saúde. As ciências naturais e exatas funcionam como segunda escolha para os que não conseguem entrar nas carreiras tradicionais. O setor de ciências biológicas é diminuto, e o de ciências exatas, ainda que relativamente maior, apresenta as taxas mais altas de abandono durante o curso (número de alunos que ingressam em relação aos que se formam).

Existe uma clara diferenciação entre as ciências sociais (cursos noturnos, predominantemente masculinos) e os de ciências sociais e humanidades (menos concentração em cursos noturnos, mais feminização). Os dados sobre ingressantes por diplomados mostram uma variação menor do que o que normalmente se suspeita, sugerindo que os estudantes, de uma maneira geral, equalizam suas probabilidades de se formar, a partir dos recursos e das oportunidades educacionais de que dispõem. Existe ainda uma diferença marcante entre as áreas de conhecimento quanto à existência ou não de licenciaturas para o exercício do magistério(6). Pela classificação feita pelo Ministério da Educação, a área de ciências sociais corresponde, na realidade, à das profissões sociais (economia, direito, administração), o que explica em parte sua baixa feminização. Esta tabela mostra também como as áreas de ciências exatas e biológicas se distinguem das de engenharia e das ciências da saúde. São as licenciaturas, somadas às profissões sociais, que reunem a grande massa de estudantes superiores brasileiros, o que ajuda a entender, sem dúvida, seu baixo grau de profissionalização.

4. Público ou privado?

A tabelas 20 e 21 apresentam as principais diferenças entre os cursos superiores quando classificados pela dependência administrativa, ou seja, se federais, estaduais, municipais ou particulares. As instituições de ensino superior municipais são um fenômeno principalmente do sul do país. Elas dependem freqüentemente de uma combinação de recursos públicos e privados, cobram anuidades de seus alunos, e muitas vezes buscam se estadualizar ou federalizar como forma de assegurar um financiamento mais permanente. A grande diferença em relação à dependência administrativa ocorre em relação aos cursos noturnos, que são uma indicação aproximada do nível socioeconômico dos estudantes. O sistema municipal é predominantemente noturno, o mesmo ocorrendo com o ensino privado, na proporção de dois para um; o ensino federal é fortemente diurno (na proporção de cinco para um), com os sistemas estaduais ocupando uma posição intermediária A tabela 21 mostra que existe uma certa especialização de áreas de conhecimento com as instituições federais e estaduais matriculando um número relativamente maior nas áreas de saúde e das engenharias. Mas, mesmo assim, as instituições federais e estaduais não chegam a cobrir 50% das matrículas nestas áreas (48% nas engenharias e 49% nas profissões ligadas à saúde(7)), e a forte predominância das ciências sociais e humanas em todos os setores contribui para explicar a pouca diferença de feminização entre eles.




5. Universidades e não universidades

Segundo a legislação brasileira, as Universidades são instituições de nível superior que atuam em todas as grandes áreas de conhecimento (ciências exatas, ciências da vida e ciências sociais e humanidades), e dedicadas ao ensino, à pesquisa e à extensão. Os "estabelecimentos isolados", por outra parte, são instituições dedicadas à formação profissional em uma ou poucas áreas do conhecimento. A Constituição de 1988 dá às Universidades (mas não aos estabelecimentos isolados) autonomia didática, administrativa e financeira, cuja verdadeira natureza e alcance ainda não estão claramente definidos. Esta autonomia implica, entre outras coisas, a liberdade de criar novos cursos superiores, independentemente de autorização federal, enquanto que estabelecimentos isolados dependem desta autorização, que atravessa ciclos de maior e menor liberalidade. Isto explica o movimento havido nos últimos anos para a criação de um grande número de universidades privadas, a partir da associação destes estabelecimentos. Esta tendência parece estar fazendo desaparecer as diferenças que ainda existem entre universidades e instituições não universitárias em relação ao seu público, conforme a tabela 22.




A grande diferença que esta tabela indica é a de que as universidades têm muito menor proporção de cursos com matrículas noturnas do que as demais instituições. As diferenças por área de conhecimento são semelhantes às anteriores, relativas ao tipo de dependência administrativa, mas menos acentuadas. É claro que devem existir outros tipos de diferença que não surgem nestes dados, como, por exemplo, em relação a atividades de pesquisa ou pós-graduação, custos, características dos professores, e assim por diante. De qualquer forma, as tabelas 22 e 23 sugerem que a área de conhecimento, a região geográfica, e quem controla de fato a instituição é muito mais significativo do que seu status universitário ou não.

6. Conclusões

Os pontos principais da análise das características gerais do alunado das instituições de ensino superior brasileiras podem ser resumidos na tabela 22, cujos valores são "F ratios" obtidos por análise de variança(8), e na tabela 23, que mostra a associação existente entre as diferentes classificações dos cursos superiores.




O principal efeito observado da região socioeconômica é sobre a dependência administrativa (se federal, estadual ou municipal), e, em segundo lugar, sobre o tipo de instituição - se universitária ou não universitária. Já vimos que as regiões menos desenvolvidas, onde o ensino superior não se massificou, ainda têm uma predominância de instituições federais, e universitárias. Existem também diferenças importantes quanto ao número de candidatos por vaga, muito maiores no Norte e Nordeste do que no restante do país. Em outras palavras, o ensino superior se tornou mais acessível no centro-sul, e para isto adquiriu novas formas. Estas novas instituições tendem a se especializar em determinadas áreas de conhecimento, mas, principalmente, em determinados tipos de aluno. Alguns tipos de instituição têm mais alunos matriculados do que outras, em cursos diurnos ou noturnos, e, mais especialmente, um perfil de cursos mais definido, predominantemente noturno, ou predominante diurno.

Mas o que mais chama a atenção neste quadro sintético são as diferenças profundas que ocorrem em função das diferentes áreas de conhecimento dos cursos superiores, e que parecem independer do tipo de instituição, da região e da dependência administrativa em que eles ocorrem. As diferentes áreas de conhecimento estão relacionadas com diferenças em feminização, matrículas noturnas e, em menor grau, com as demais variáveis que estamos utilizando neste estudo. Elas certamente se relacionam, também, com a qualidade da educação que as pessoas recebem, e com as perspectivas profissionais para o futuro. Escolher uma carreira, no Brasil de hoje, tem pouco a ver com "vocações" e simples preferências pessoais, e muitíssimo com as condições pessoais e sociais que condicionam esta escolha. Nenhuma política governamental sobre o ensino superior brasileiro pode ser conduzida sem tomar em conta as implicações deste fato.


Notas:

1. Agradecemos a Elisa Wolynec pelas críticas e sugestões.

2. Estes dados comparam números para o mesmo ano de 1988, e a rigor não permitem conclusões de ordem temporal, a não ser se assumirmos, como parece ser efetivamente o caso, que estas dimensões tenham se mantido estáveis nos últimos anos. Deve-se observar também que a mesma pessoa pode ser candidatar a vários cursos no mesmo ano, o que significa que o número de candidaturas é superior ao de candidatos, ainda que não se saiba em que proporção.

3. Esta tabela foi construída dividindo o valor de cada cela da tabela 15 pelo total do país, 4.1.

4. Trata-se de uma média entre percentagens, que indica o grau de feminização dos cursos, e não a percentagem de mulheres no total dos cursos de cada área ou região.

5. Uma tipologia derivada das características empíricas dos cursos, tais como feminização, matrículas noturnas, formados por ingressantes, etc. está sendo elaborada pelo NUPES.

6. As licenciaturas são títulos que habilitam para o magistério de primeiro e segundo grau, e os cursos que oferecem esta habilitação normalmente também oferecem o título de bacharel. Os dados sobre licenciaturas devem ser entendidos como "estudantes matriculados em cursos que oferecem licenciaturas", e não como estudantes que de fato estejam trabalhando para a obtenção deste grau.

7. A área das "engenharias" inclui desde as diversas especializações em engenharia propriamente dita até uma grande variedade de cursos de tecnologia e mecânica; a área da "saúde" inclui deste a medicina e odontologia até cursos técnicos em educação física, fisioterapia e nutrição. Devem haver diferenças profundas entre setores em relação ao ensino destes diferentes tipos de curso, o que não pode ser verificado neste nível de agregação.

8. Os "F ratios" indicam a proporção em que a variança existente em determinada variável é função de diferenças entre grupos, em relação às varianças dentro dos grupos. A última coluna da tabela indica em que medida as quatro variáveis independentes que estamos utilizando nesta análise explicam as variáveis dependentes.

 


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