Crescimento e Diversificação do Ensino Superior: a Próxima Década

Simon Schwartzman

Texto preparado para a abertura do Seminário sobre Situação e Perspectivas do Ensino Superior no Brasil, Universidade de São Paulo, 5-7/4/1989.

A educação superior se expandiu enormemente em todo o mundo nas últimas décadas, e o Brasil não foi exceção. Entre o início dos anos 60 e o final dos anos 70 o número de estudantes universitários passou de cerca de algumas centenas de milhares a um milhão e meio, com aumentos correspondentes no número de instituições e professores. Esta expansão coincidiu, como sabemos, com a reforma universitária de 1968, que pretendeu implantar no Brasil o modelo organizacional e institucional das "research universities" norteamericanas. O resultado, como sabemos, foi a intensificação da estratificação entre as instituições de ensino superior no país, assim como dentro das instituições: de um lado, os cursos mais prestigiados das universidades públicas, atraindo os melhores estudantes, desenvolvendo pesquisa e pós-graduação, e conseguindo verbas de agências de financiamento dentro e fora do país; do outro, as faculdades e carreiras menos prestigiadas, localizadas quase sempre em escolas particulares e isoladas, atraindo estudantes menos qualificados, sem pesquisa, sem instalações adequadas e sem recursos. Em parte, esta polarização se deu na forma do contraste entre instituições públicas e privadas; mas existem suficientes exceções, assim como variações dentro de cada instituição, para sugerir que esta polarização não é absoluta, e pode mesmo se inverter, com o sistema privado atendendo à demanda mais qualificada, e o público se massificando progressivamente, como já ocorre em muitos outros países.

Em contraste, a década de 80 foi de estagnação, e não sabemos com clareza por quê. Vários fatores contribuiram. Houve uma política deliberada, por parte do governo, de limitar as autorizações para novos cursos. Houve sem dúvida saturação no mercado de trabalho para muitas profissões, desestimulando a demanda. A crise econômica certamente contribuiu para reduzir as matrículas de estudantes no setor privado, e possivelmente também no setor público. Finalmente, o crescimento da demanda esteve ligado a uma grande expansão de alunos de novo tipo (mulheres, pessoas mais velhas e já profissionalizadas), que pode já ter atingido uma certa saturação.

Existem, no entanto, indicadores que sugerem que esta expansão da demanda, a não ser que seja reprimida, continuará a crescer. O número de candidatos por vagas nos exames vestibulares tem se mantido alto, indicando uma demanda educacional não satisfeita. Comparado com vários outros países latinoamericanos, e principalmente com europeus, a percentagem de jovens brasileiros em instituições de ensino superior é ainda muito baixa, e deverá certamente se expandir com a progressiva universalização do ensino secundário. A crescente desvalorização dos diplomas universitários no mercado de trabalho, que parece ser um fato incontestável, não parece que funcione como um inibidor suficiente para reduzir a demanda por educação, mas pode ter como resultado aumentar ainda mais a estratificação do sistema educacional: por um lado, carreiras altamente prestigiadas e bem pagas, extremamente disputadas nas universidades e cursos de elite; por outro, uma massa cada vez maior de pessoas oriundas de grupos sociais que até há pouco nem chegavam perto das universidades, e que vislumbram agora, pela primeira vez, a chance de um título universitário, que valerá sempre mais do que não tê-lo, mesmo que represente pouco em termos de capacitação efetiva.

É claro que estes dois grupos se aproximam do ensino superior com características, demandas, recursos e possibilidades totalmente distintos, e requerem, por isto, atenção diferenciada. Manter com rigor as exigências de qualificação acadêmica para o ingresso às universidades, exigir dedicação e aproveitamento integral por parte dos estudantes, levar às últimas conseqüências, afinal, as intenções da reforma de 1968, poderia significar uma elitização extrema de nosso ensino superior, pela exclusão da maior parte dos que hoje batem às suas portas. Relaxar os critérios de seleção, abandonar as exigências acadêmicas, abrir as portas para atender à demanda massificada, poderá significar destruir o que existe de melhor em nossas universidades. Fingir que o problema não existe, como tem sido feito até agora, e insistir no mito do "modelo único" da universidade brasileira, só poderá ter como conseqüência intensificar ainda mais a estratificação que hoje existe, tornando difícil e na realidade ilegítima tanto o esforço de melhoria da qualidade quanto as tentativas de responder, de maneira adequada, às demandas menos qualificadas da crescente maioria.

Uma política educacional para o ensino superior brasileiro para a próxima década não pode deixar de tomar em conta esta estrutura da demanda, mas é claro que tampouco pode tratar, simplesmente, de responder a ela. Deve ser possível distinguir aquela demanda cujo atendimento redunda em benefícios sociais, e que por isto deve ser estimulada e atendida, daquela que só redunda em benefícios privados, e que por isto deve ser deixada à sua sorte; deve ser possível identificar potencialidades de demanda que ainda não se explicitaram, mas que resultarão das mudanças sociais e tecnológicas que possamos prever para os próximos anos; deve ser possível, finalmente, identificar a demanda pura e simples por credenciais educacionais, que produz efeitos negativos, e que por isto necessitaria ser contida e desestimulada.

O debate brasileiro sobre o ensino superior nos últimos anos tem deixado de lado estas questões, e parece que já não é sem tempo de recolocá-las no lugar central que elas devem, necessariamente, ocupar. O trabalho que começamos hoje, neste seminário de instalação do Núcleo de Pesquisas sobre Ensino Superior da Universidade de São Paulo, tem como uma das principais preocupações avaliar a pertinência desta preocupação, que será sem dúvida um dos temas principais a nos ocupar ao longo de 1989, o último ano desta "década perdida". <