POR UMA NOVA POLÍTICA PARA O ENSINO SUPERIOR NO BRASIL, relatório final da "Comissão Nacional de Avaliação do Ensino Superior", Brasília, Ministério da Educação, 1985.

"Uma política para a educação superior?", editorial de O Estado de São Paulo, 2 de fevereiro de 1986.

É com real constrangimento que nos decidimos, finalmente, a dedicar um editorial ao trabalho da Comissão Nacional de Reformulação do Ensino Superior, intitulado "Uma Nova Política para a educação superior brasileira". Aliás, acreditamos que foi também constrangidamente que os membros da heterogênea comissão criada pelo Ministro da Educação - pelo menos aqueles que já tiveram ocasião de meditar sobre os problemas de nosso ensino superior - assinaram o documento que, estamos certos, não pode traduzir a opinião de vários deles. Assim, por exemplo, reportando-nos a diversos pareceres redigidos na qualidade de membros do Conselho Federal de Educação pelo Conselheiro Caio Tácito, presidente da Comissão Nacional, duvidamos que ele esteja, efetivamente, de acordo com o mencionado documento, por exemplo, quando este trata da autonomia universitária, concebida como uma verdadeira soberania, como se o excesso de normas e regulamentos hoje existente devesse ser substituído, praticamente, pela ausência de qualquer norma.

Não podemos, da mesma forma, acreditar que o relator do trabalho, Simon Schwartzman, autor de diversos ensaios e livros meditados sobre problemas universitários, acredite naquilo que escreveu -ou que simplesmente "relatou". Custa-nos, igualmente, admitir, para dar mais um exemplo, que o Professor Ubiratan Borges de Macedo esteja, realmente, de acordo com o que assinou, o mesmo podendo ainda ser dito de mais dois ou três membros ilustres da Comissão - e isso independentemente das posições políticas ou doutrinárias que os caracterizam. Neste sentido, parece-nos que o único membro da Comissão a marcar uma posição firme e definida (referimo-nos, é claro, àqueles cujo nome tem um peso reconhecido nos meios universitários) foi Dom Lourenço de Almeida Prado, que fez questão de registrar seu voto em separado, não tergiversando na demonstração de sua discordância em relação a pontos centrais do texto. Há, igualmente, outros votos em separado, mas referentes a questões que dizem respeito a interesses do que a uma concepção geral da universidade e do ensino superior.Quem tiver o trabalho de ler atentamente o documento não poderá deixar de dar inteira razão ao Professor José Carlos de Almeida Azevedo, ex-reitor da Universidade de Brasília, no extenso artigo que publicamos em nossa edição de 23 do mês passado, sob o título O Novo e o Velho, no qual mostra, ainda que sumariamente, os truísmos, as banalidades, as contradições, a concatenação insuficiente e os silêncios, principalmente os silêncios, que caracterizam o texto.

Um leitor atento acabará com a impressão de que os membros da Comissão, pelo menos os que nela devem ter desempenhado um papel central, não conseguiram chegar a resultados convergentes de fato, o que o documento revela claramente ao ladear questões doutrinárias que permitiriam fundamentar um texto bem estruturado e sólido. Mas, nesse caso, não seria mais razoável que cada um apresentasse, sinteticamente, a sua visão do problema (como fez Dom Lourenço), desistindo de chegar a este frouxo e decepcionante resultado?

De concreto, temos uma proposta inviável (a única a que já nos referimos, em comentário anterior), em transformar radicalmente o Conselho Federal de Educação, entregando-o, de fato, aos representantes do ensino superior. Temos uma elástica concepção de autonomia, a que fizemos menção há pouco, e uma evidente preocupação com a institucionalização da "democratite universitária", como se a universidade fosse, antes de tudo, um órgão político e não uma instituição de ensino e pesquisa, onde o essencial é a busca, a criação e a transmissão do conhecimento, e não a disputa pelo poder. Temos, a proposta de um verdadeiro retrocesso na própria concepção da universidade, definida entre nós pela primeira vez adequadamente, em texto legal, pela Lei n 5.540. O documento quer acabar "com a equivalência equivocada entre universidade e universalidade". O que levou, aliás, o Prof. José Carlos de Almeida Azevedo, naquele artigo, a perguntar "Equivocada por que?" Será que se pretende voltar a falar de "universidade do trabalho", "universidade da música", "universidade técnica" e coisas semelhantes, antes que a reforma universitária de 1968, em um de seus aspectos mais positivos, desse ao conceito sua verdadeira significação histórica e sua real dimensão pedagógica? Feitas estas observações genéricas, afirmamos que não é nossa intenção entrar no exame das minudências do documento, pois que estas interessam muito pouco em face do que, em meio a contradições, truísmos e silêncios, se pode perceber de orientação geral (na medida em que há alguma) neste texto que não deve ter satisfeito sequer os que o assinaram, queremos crer que para chegar, depois de seis meses, a algum resultado comum que justificasse as suas diversas reuniões.

Um resultado positivo, entretanto, parece ter sido colhido pelo Ministro da Educação, enquanto se preparava o documento tratou-se de pensar, ao que parece com convicção, nos problemas mais críticos da educação brasileira referentes ao ensino fundamental, reformulando conceitos e instituições (caso do Mobral), enquanto as atenções de nossa "inteligência universitária" estavam voltadas para aquele nível de ensino que, além das manipulações ideológicas ou políticas, efetivamente a comove: o superior, que, afinal, é o que a alimenta.

O que esperamos é que o texto em questão seja visto apenas como uma sugestão entre outras (e das menos felizes) durante os trabalhos da Constituinte e depois dela, quando, em função da nova Constituição, se tiver de adaptar ou reformular a lei de diretrizes e bases da educação nacional. Até lá, antes de tudo, o que é preciso é que aquelas universidades que são mais do que uma fachada pedagógica (e não são muitas) tentem melhorar a qualidade de seu ensino e da pesquisa que realizam. E que generalizem o lema do novo reitor da Universidade de São Paulo - "reerguer a USP" - e cuidem de "reerguer a universidade brasileira" ou de, na maioria absoluta dos casos, simplesmente erguê-la. <