O FUNDO NACIONAL
DE DESENVOLVIMENTO CIENTÍFICO E TECNOLÓGICO Simon
Schwartzman
Texto preparado como introdução a publicação da Financiadora
de Estudos e Projetos - FINEP sobre o Fundo Nacional de Desenvolvimento
Científico e Tecnológico, 1977.
O presente relatório descreve, em suas linhas mestras, as atividades do
Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, desde sua criação
em 1969. Sua instalação e seu desenvolvimento posterior revelam o desenvolvimento
e consolidação da ideia de que ciência e tecnologia são componentes essenciais
para o desenvolvimento nacional, e que merecem por conseguinte uma atenção
especial por parte do Governo. Esta consciência torna-se ainda mais explícita
com a elaboração dos Planos Nacionais de Desenvolvimento Científico e Tecnológico,
que vão, pouco a pouco, dando os contornos de uma política nacional integrada
de ciência e tecnologia. O FNDCT ê o principal instrumento financeiro do
PBDCT, atuando em todo o espectro de atividades de pesquisa científica e
desenvolvimento tecnológico, da formação de recursos humanos à pesquisa
básica, aplicada e de desenvolvimento. A pesquisa tecnológica abrange a
pesquisa nuclear, atividades espaciais, recursos do mar, energia elétrica,
comunicações, transporte, tecnologia industrial, alimentação, nutrição e
saúde. O FNDCT tem proporcionado recursos para a formação de recursos humanos
e adaptação científica e tecnológica para todas as áreas de conhecimento,
nas Universidades e Institutos de Pesquisa; para a criação de uma infra-estrutura
de apoio e informação técnica para a pesquisa; e, finalmente, para o desenvolvimento
tecnológico da empresa nacional,
Esta amplitude de áreas de atuação reflete a convicção profunda de que o
desenvolvimento científico e tecnológico de uma nação não pode ser parcial
e desequilibrado; que ele deve incluir a pesquisa básica e a pesquisa aplicada;
deve contar com a Universidade, com Institutos de Pesquisa independentes
e como setor empresarial; e que deve cobrir desde as fronteiras da pesquisa
tecnológica, de fontes alternativas de energia até as fronteiras da pesquisa
biológica e social sobre alimentação, nutrição, saúde e bem estar social.
Nem sempre foi assim. No Brasil, as escolas superiores e Universidades foram,
tradicionalmente, centros de formação profissional - em engenharia, medicina,
direito - sem maior interesse pela pesquisa científica. Esta surge e cresce,
timidamente, em institutos criados com finalidades práticas e utilitárias
- em centros de combate a epidemias, como Manguinhos; em institutos agronômicos,
como o de Campinas e o Jardim Botânico; nas comissões geográficas, geológicas
e mineralógicas; e em serviços de meteorologia, sob o qual floresceu o Observatório
Nacional. Só nas décadas de 20 e 30 surgiriam os primeiros centros de tecnologia
no país - o Instituto de Pesquisas Tecnológicas de São Paulo e o instituto
Nacional de Tecnologia, do Rio de Janeiro. É também a partir dos anos 30
que a ciência ingressa, pela primeira vez, na Universidade - no Instituto
de Biofísica da Universidade do Brasil e, principalmente, pela criação da
Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo.
Em quase todas estas instituições, a pesquisa científica e tecnológica é
atividade isolada, difícil, e incompreendida. Ela ocupa espaço, custa e
não promete resultados. Ela resiste, por natureza, à inércia da burocracia,
do imediatismo; ou a eles sucumbe. Por isto, a história pregressa da ciência
e tecnologia brasileiras é uma história de glórias e crises, progresso e
estagnação.
A necessidade de uma política nacional. de ciência e tecnologia só se torna
evidente a partir dos anos 50. A guerra mostrara a importância crescente
da ciência para o mundo moderno, e o Conselho Nacional de Pesquisas é estabelecido
com o objetivo precípuo de dar à ciência o apoio e o estímulo que ela necessitava.
O Conselho Nacional de Pesquisas da inicio a uma atuação em duas frentes,
igualmente indispensáveis. Uma, o apoio individual e direto ao cientista
de qualidade, que tem assim condições de levar à frente seu trabalho pioneiro
independentemente das condições mais limitadas de seu meio. Depois, o apoio
a programas de pesquisa integrados, de interesse nacional.
O desenvolvimento econômico acelerado a partir da segunda guerra mundial,
o crescimento dos grandes centros urbanos, a criação de sistemas complexos
de comunicação e transportes unificando o país, foram exigindo cada vez
mais a presença de uma capacidade tecnológica e de pesquisas que, ou era
importada, com os custos decorrentes da dependência tecnológica, ou deixava
de existir, levando a dificuldades de todo tipo. Esta situação serviu de
estímulo ao desenvolvimento contínuo da capacidade de pesquisa nacional,
e ao esforço de capacitar a empresa nacional para a utilização desta capacidade.
É assim que o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico cria, nos anos
60, o Fundo de Apoio à Tecnologia - FUNTEC - , como mecanismo financeiro
de apoio à pesquisa tecnológica na Empresa, que depois se estende a cursos
de pós-graduação universitários na área tecnológica.
É a experiência do FUNTEC que dá origem, finalmente, ao FNDCT. A FINEP,
como Secretaria Executivas do Fundo, e o Conselho Nacional de Desenvolvimento
Científico e Tecnológico, como principal agência de política governamental
na área, completam o quadro institucional dos instrumentos de política científica
e tecnológica do Governo Federal. hoje disponíveis.
A experiência destes anos permite ir dando à Ciência e Tecnologia o lugar
que lhe cabe em um programa de desenvolvimento nacional. Em primeiro lugar,
ciência e tecnologia exigem o desenvolvimento de recursos humanos e da capacidade
de pesquisa científica de alto nível no país, dentro e fora da Universidade.
A existência de um Programa Nacional de Pós-Graduação contribui, decisivamente,
para este propósito, Mas a Pós-Graduação tem objetivos referidos à formação
de professores e a formação profissional de alto nível que não coincidem,
necessariamente, com o desenvolvimento da pesquisa básica, fazendo necessária
a presença de agências preocupadas especificamente com este propósito.
A necessidade de um tratamento específico e diferenciado para o desenvolvimento
de recursos humanos e capacidade de pesquisa fica mais clara quando atentamos
para o fato de que o Brasil, como país em desenvolvimento, não pode se contentar
com uma ciência e uma tecnologia de segunda classe, que consiste geralmente
na cópia ou adaptação de formas e procedimentos já em vias de obsolescência
nos centros industriais mais adiantados, Só a formação científica e técnica
em nível mais alto permite, efetivamente, criar novas alternativas tecnológicas,
escolher entre as diversas possibilidades existentes internacionalmente,
e queimar etapas. É esta característica essencialmente inovadora da ciência
básica que faz com que ela não tenha muitas vezes uma demanda imediata de
serviços fora do próprio meio acadêmico, que deve ser estimulado como tal.
Em segundo lugar, ciência e tecnologia, para serem efetivas, implicam a
realização de projetos de relevância social e econômica que possam trazer
resultados a curto prazo ao país, e, ao mesmo tempo, estimular a imaginação
e a criatividade de seus cientistas e técnicos. Em terceiro lugar, elas
exigem a educação e o fortalecimento dos principais agentes de utilização
das modernas tecnologias, as empresas públicas e privadas do país. Na medida
em que estes objetivos forem sendo atingidos, vai sendo possível combinar
os instrumentos de política científica e tecnológica com os de política
econômica, sem os quais nem um nem outro podem obter resultados realmente
duradouros.
Finalmente, a experiência do FNDCT permite dar valor à existência de um
instrumento ágil, flexível. e rápido na condução de uma política nacional
de ciência e tecnologia que ele tem sido. Ciência e tecnologia são atividades
onde a qualidade é insubstituível, e as modificações de prioridades, linhas
de ação, e ênfase são contínuas. Tradicionalmente, a ciência brasileira
tem sofrido tanto com a descontinuidade de recursos quanto com a manutenção
de fluxos institucionalizados de renda que independem de resultados efetivamente
conseguidos. O Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico,
em suas múltiplas formas de atuação, tem buscado sempre combinar a garantia
de uma expectativa contínua de apoio financeiro para as atividades de pesquisa
de alto nível com a exigência de padrões de qualidade como condição de sua
participação. A consolidação de uma política nacional de ciência e tecnologia
exige a manutenção e a ampliação da disponibilidade de recursos financeiros
e administrativos com estas características, combinados com o aperfeiçoamento
de mecanismos cada vez mais eficientes de avaliação e decisão para a alocação
destes recursos. Estes mecanismos devem combinar, normalmente, o sistema
de peer review, em que projetos técnicos e científicos são avaliados
por especialistas da própria comunidade técnico-científica; a participação
de representantes de órgãos, agências e setores sociais diretamente interessados
na área de pesquisa em questão; e a presença de uma equipe técnica de alto
nível capaz de explicitar critérios de avaliação e facilitar a participação
dos demais mecanismos de decisão, em função da política governamental mais
geral.
É esta a forma e o sentido mais gerais da ação de fomento à ciência e tecnologia,
descritos mas páginas que se seguem.
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