FORMAÇÃO DA COMUNIDADE CIENTIFICA NO BRASIL, Simon Schwartzman, Nacional/ Finep, 482 pp. 148,00

"Cientistas no Brasil", comentário de Francisco Iglésias, Jornal do Brasil, 19 de maio de 1979.

O livro resultou de um projeto da Finep, com vistas à História Social das Ciências no Brasil. Este volume é dirigido por Simon Schwartzman, autor do plano geral, encarregado das pesquisas do maior número de partes, coordenador dos colaboradores e responsável pela redação final. Entre os colaboradores distinguem-se Antônio Paim, Carla Costa, Márcia Bandeira de Melo Nunes, Maria Clara Mariani, Nadja Volia Xavier e Souza, Ricardo Guedes Ferreira Pinto e Tjerk Guus Franken, incumbidos sobretudo da coleta de material e da realização de entrevistas que constituem a fonte básica do texto. O plano é feliz, inteligente, bem conduzido. Não se trata de uma historia da ciência no Brasil, mas da formação da comunidade cientifica: escolheram-se algumas ciências - talvez as básicas - e mostra-se como se formou uma comunidade cientifica, com suas conquistas e limitações. Seria possível lembrar outros campos de conhecimento, mas o certo é que os escolhidos são de rico significado. Omitiram-se as ciências sociais pois aí o quadro ficaria demasiado amplo, no mínimo com a duplicação do volume.

Obra em grande parte pioneira, ela pode ter desdobramento, pelo próprio Autor, por outro ou outros. Seu mérito é a perspectiva global, com um panorama da ciência ao longo do processo brasileiro, como se vê com o estudo da herança intelectual e cultural do século XVIII, a tradição portuguesa, ou a ciência e a educação superior no século XIX. A ciência não é vista isoladamente, mas como parte do conjunto nacional, retrato do desenvolvimento, seja como sua projeção, seja como agente configurador da realidade. As conquistas ou frustrações representam o país, em seus elementos positivos ou negativos. Se a análise é sobretudo histórica, tem ainda muito de sociológica ou política, o que só a valoriza.

Em 10 capítulos, oito tratam do século XX, quando se faz o mais significativo. Para exprimir o quadro, o Autor não apenas leu quanto se produziu sobre o assunto - embora a bibliografia especializada seja pequena, já se escreveu algo sobre a matéria, em livros ou artigos de revistas e jornais - como realizou pesquisa com grande número de entrevistas com figuras de ação de relevo no panorama científico, pelas investigações ou criações que fizeram ou pelo incentivo a que outros fizessem. Importa conhecer a história das instituições mais marcantes na formação profissional ou cientifica. Dezenas de inquéritos foram gravados, colhendo o testemunho dos principais protagonistas do processo. O livro adquire assim caráter de vivacidade, devendo ser lido com interesse e até fascínio pelos que desejam conhecer o que foi esse desenvolvimento. É uma história comovente e rica de aspectos, com a criação de escolas ou instituições de pesquisa, com o realce dos nomes realizadores de obra mais notável. O assunto é tão rico que pode fornecer uma das chaves para o entendimento não só da história intelectual, mas da história econômica e política.

O Autor não apresenta um conjunto de historias de ciências -como fez Fernando de Azevedo em As Ciências no Brasil (1955), em trabalho meritório muito usado aqui - mas tenta e consegue mostrar a formação de uma comunidade científica. A tarefa é mais difícil, sem dúvida. Pode-se dizer que o objetivo foi alcançado, embora pudesse ser ainda enriquecido, como virá a ser com desdobramentos desta obra. O Autor não se atém à informação seca, não faz um relato ou narrativa, mas debate, comenta, critica. O livro é escrito por alguém engajado no processo que examina. E' impossível no curto espaço de uma resenha discutir quanto suas proposições provocam. Assinale-se apenas que gostaríamos de encontrar explicitação maior nos dois primeiros capítulos, de natureza eminentemente histórica. São lúcidos e dão o principal, mas já há na historiografia portuguesa análises com perspectivas mais abrangentes e ricas. Para citar um só exemplo, lembrem-se as colocações sobre o problema da cultura da metrópole, seu apogeu e declínio, nos livros de Antônio Sérgio, notadamente em dois ou três ensaios que lançam muita luz sobre o assunto e não são aproveitados.

O projeto foi audacioso e inteligentemente elaborado e cumprido. Espera-se que a série de Estudos em Ciência e Tecnologia, promovida pela Finep e Editora Nacional, tenha prosseguimento. Seus dois primeiros títulos - o de José Murilo de Carvalho sobre A Escola de Minas de Ouro Preto, e este, de Simon Schwartzman, são duas realizações de categoria. Há mais a ser feito, com a história de dezenas de instituições e de setores científicos, na linha das obras citadas. O gênero tem enorme importância na história intelectual ou na história do Brasil.

Valorizam o livro a boa apresentação, os índices e a "Cronologia da ciência brasileira", elaborada por Tjerk Guus Franken. Alguns pequenos enganos no texto ou nos apêndices podem ter fácil reparo na segunda edição. <