
ESTADO NOVO:
UM AUTO-RETRATO, organização de Simon Schwartzman. Editora Universidade
de Brasília. 1983. 620 páginas, Cr$ 2 mil 500.
Antônio Paim, "Patrimonialismo e Modernização,
comentário publicado no Jornal do Brasil, 11 de junho de 1983, Caderno
B, p. 11
COM
a publicação deste livro, Simon Schwartzman presta mais um inestimável serviço
à compreensão de nosso passado histórico-cultural, ofuscada pela massa de simplificações
dos que se supõem marxistas mas não passam na verdade de caudatários de nossa
tradição cientificista. Schwartzman é autor de criativa aplicação do conceito
weberiano de patrimonialismo à realidade política brasileira e de uma proposta
inovadora da Universidade.
O volume ora entregue ao público corresponde à sistematização dos textos
coordenados por Gustavo Capanema e que deveriam ter aparecido em 1945, nas
comemorações dos 15 anos do Governo Vargas. Escritos em épocas e por autores
diversos tiveram que ser compatibilízados de sorte a fornecer uma visão
coerente. O trabalho pode ser considerado como bem-sucedido. Fornece um
amplo retrato do Estado Novo, em que pese a ausência de espirito crítico.
Mas este teria que se exercer numa esfera da organização política da sociedade,
em relação à qual havia sido criada uma dicotomia e, a partir desta, efetivada
uma opção clara. A dicotomia era falsa: ou a liberdade política ou o progresso
material. Contudo, foi nesta base que se chegou à formulação de um projeto
modernizador que se revelou capaz de manter a elite mobilizada por um largo
período.
Simon Schwartzman adverte para o fato de ter sido na década de trinta que
veio a assumir contornos nítidos a hipótese de que a racionalidade administrativa
está fadada a chocar-se com a irracionalidade da política. A conclusão não
foi certamente tirada da experiência dos países onde o sistema representativo
veio a consolidar-se mas simplesmente postulada pelas variantes do autoritarismo
doutrinário então em voga. A história política brasileira apresenta a singularidade
- fundamentada pelo próprio Schwartzman em seus principais livros anteriores
- de que a sociedade não está constituída em torno de interesses sólidos
e diversificados, capazes de sobrepor-se ao Estado. Ao contrário, a nossa
circunstância é a do Estado mais forte que a sociedade, estudada por Wittfogel,
aprofundando a hipótese sugerida por Max Weber. Nesse contexto, a tese comteana
de que o Governo se havia tornado uma questão de competência, graças aos
progressos da ciência, veio dar novo alento ao patrimonialismo tradicional.
O Estado Novo é sem dúvida a primeira grande experiência bem sucedida de
exercício do poder segundo os parâmetros do patrimonialismo modernizador.
O livro Estado Novo, um autoretrato, embora não
represente obra neutra e imparcial, como indica Schwartzman, evidencia a
capacidade empreendedora daquele grupo que Ricardo Velez Rodriguez denomino
de "terceira geração castilhista". Impressionam tanto o volume de realizações
como a amplitude e a coerência interna do projeto modernizador. Mais importante
é reconhecer, como diz acertadamente Schwartzman, "quanto o Brasil de hoje
ainda vive dentro das concepções e estruturas governamentais e institucionais
estabelecidas naqueles quinze anos cruciais da historia do pais".
A compreensão dessa continuidade é que irá capacitar-nos ao cumprimento
do desiderato de Tobías Barreto ao escrever: "O único meio de salvar e engrandecer
o Brasil é tratar de colocá-lo em condições de poder tirar de si mesmo,
quero dizer, do seio de sua história a direção que lhe convém". O que há
de sólido e consistente nesta quase um século de República é o autoritarismo.
Vargas e o Estado Novo deram-lhe nova dimensão, retomada pela Revolução
de 1964 diante do fracasso da experiência liberal pós-45. Tudo indica que
agora estamos de novo correndo o risco de contrapor projeto modernizador
e sistema representativo. Só que enquanto o primeiro se formulou de forma
coerente e acabada, a concepção e a prática do segundo reduzem-no sempre
a simples simulacro.
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