América Latina: Universidades em Transição

Simon Schwartzman

Publicado em castelhano como América Latina: Universidades en Transición. Washington, Organización de los Estados Americanos, Colección INTERAMER, nº 6, 1996


Capítulo 4: A Pós-Graduação e a Pesquisa

Orientadas para a formação das profissões liberais, as universidades latinoamericanas custaram a incluir a pesquisa científica e a organização sistemática do ensino de pós-graduação entre suas atividades principais. Tradicionalmente, a pesquisa universitária se limitava praticamente às Faculdades de Medicina, nas áreas associadas ao ensino médico e aos hospitais universitários, e a algumas poucas instituições na área de agronomia ou engenharia, de orientação aplicada. No início do século, a Universidade de Buenos Aires já havia implantado alguns centros importantes de pesquisa, entre os quais se destacava o Instituto de Fisiologia da Escola de Medicina, sob a liderança de Bernard Houssay, Prêmio Nobel de Medicina em 1947.(1) Um número restrito de professores trabalhavam em institutos de pesquisa governamentais, ou independentes, e eventualmente recrutavam estudantes para seus trabalhos. A inexistência de equipamentos e instalações nas universidades, e a própria natureza dos contratos de trabalho, em tempo parcial, não abriam espaço para a pesquisa científica no interior das universidades. O Instituto Oswaldo Cruz, no Rio de Janeiro, é um exemplo conhecido. Ainda que seus pesquisadores pudessem ensinar na Faculdade de Medicina, era no Instituto que faziam suas pesquisas, e formavam seus sucessores nas práticas do laboratório e do trabalho de campo.

O ensino de pós-graduação, como atividade organizada, é uma inovação típica do sistema universitário norte-americano, e em muitos sentidos incongruente com sistemas universitários organizados em termos de carreiras profissionais, como é o caso da América Latina e da maioria dos países europeus. Nos Estados Unidos, a pós-graduação se sucede ao "college", e é uma carreira de pesquisa alternativa às profissões liberais como a medicina e o direito, que outorgam títulos de nível similar. Na tradição da Europa continental e da América Latina, a educação colegial se esgota no segundo grau, e a pós-graduação, quando existe, é usualmente vista como uma especialização adicional ao curso universitário. O desenvolvimento da capacidade de pesquisa, que nos Estados Unidos é a própria razão de ser da pós-graduação, tende a ser tratado na América Latina sobretudo como uma exigência pedagógica destes novos cursos, responsável pela demora na obtenção dos títulos e pelas altas taxas de abandono que tendem a predominar.

Até a década de 60, a pós-graduação praticamente não existia na América Latina, e os poucos títulos de doutorado dados pelas principais universidades eram outorgados conforme a tradição européia, mediante teses preparadas individualmente e apresentadas a uma banca de professores. Na Universidade de São Paulo, que deu seus primeiros doutorados nos anos 40, este exame era um primeiro passo na carreira de professor, ao qual se seguia o exame de livre-docência, e finalmente o exame para professor titular, ou catedrático.

A introdução de cursos regulares de pós-graduação foi uma importação direta dos Estados Unidos, que acabou sendo adaptada ao contexto latinoamericano com novas características e funções. Uma motivação importante nesta importação foi o empenho de centenas de jovens professores e pesquisadores que haviam ido para o exterior para completar seus estudos a partir dos anos 50, e não encontravam lugar adequado para desenvolver suas atividades quando regressavam a seus países de origem. Esta geração de jovens doutores deu início a um novo fenômeno no ensino superior da região, que foi o professor de tempo integral, dedicado em princípio ao trabalho de pesquisa, mas que não encontrava na prática nem condições materiais nem demanda pelos seus trabalhos, que iam além das necessidades curriculares dos cursos em que ensinavam. Para estes professores pesquisadores, faltava à universidade latinoamericana um espaço adequado para a pesquisa científica, e cursos de pós-graduação deveriam ser criados como o lugar natural para o recrutamento de novos pesquisadores e o desenvolvimento de seus trabalhos.

Até então, este espaço só tinha existido fora do ambiente universitário, ou em algumas poucas instituições universitárias que haviam desenvolvido alguns nichos para a atividade da pesquisa(2). A partir dos anos 60, principalmente, intensificaram-se os movimentos para transformar as universidades e torná-las mais compatíveis com os tempos modernos. Para esta geração de pesquisadores, o principal obstáculo à modernização da universidade latinoamericana era o poder das oligarquias formadas pelos professores das carreiras tradicionais, sobretudo de medicina, direito e engenharia, que, ainda que muitas vezes ilustres em suas profissões, dedicavam pouco tempo à universidade, e não tinham sensibilidade para o trabalho nas disciplinas científicas, como a biologia, as ciências sociais ou a física. Esta crítica à universidade latinoamericana retomava, muitas vezes, o tom e a inspiração do movimento de reforma do início do século, e encontrava eco entre os estudantes, que também acusavam as universidades e seus professores de serem elitistas, conservadoras, atrasadas e sem preocupação com os problemas e a realidade local. Esta visão era também compartida por técnicos governamentais e de agências de cooperação internacional, que acreditavam no poder transformador da educação e da pesquisa, e não tinham dúvidas quanto à superioridade e universalidade do modelo acadêmico norte-americano(3). Como sumariza Hebe Vessuri,
"The aim was to from a "scientific-technical infrastructure, assuming, often implicitly, that on reaching a critical mass there would be an automatic reinforcement of local technology, specially for exploiting the opportunities for development of raw materials and other domestic resources. All of this would increase both production and productivity. The stage for public science and technology was set in the 1950s, and its most vocal advocates were leading figures from the academic scientific community. The national elites in academic science, generally with the technical-ideological help of international agencies, managed to convey to several Latin American governments and social leaders the view that there was a linear, one-way flow of ideas from fundamental research through development to commercial or operational application. For many years, nobody contradicted this model of the genesis of technological innovation, a model that was also of political benefit to academic scientists in their claim for public support(4)
Esta coincidência nas visões de estudantes, pesquisadores, tecnocratas e experts internacionais duraria uns poucos anos, mas deixaria marcas profundas em todo o ensino superior latinoamericano. O poder das antigas oligarquias profissionais foi reduzido, em parte para abrir espaço para a pesquisa, mas também para permitir a massificação das universidades. O regime de tempo integral para professores se expandiu e generalizou, ainda que os pesquisadores permanecessem como uma minoria ante a massa de professores contratados para ensinar nos cursos regulares de graduação. E os financiamentos governamentais e internacionais continuaram ao longo da década de 80, ainda que os tecnocratas e experts internacionais começassem a se dar conta que o modelo da research university americana, como nos próprios Estados Unidos, não teria como se generalizar para os sistemas universitários como um todo, ficando restrito a uns poucos institutos e departamentos.

Os anos 60 e 70 presenciaram a progressiva introdução do modelo norte-americano de organização universitária na América Latina, que incluía a construção de campi freqüentemente fora dos centros urbanos, a contratação de professores em tempo integral, e o início de implantação dos cursos regulares de pós-graduação. O Banco Interamericano de Desenvolvimento, sozinho, foi responsável por empréstimos de mais de 1.200 milhões de dólares para centenas de universidades latinoamericanas em quase todos os países desde os anos 60, orientados para a construção de prédios, aquisição de equipamentos, etc. A reforma universitária brasileira de 1968 incorporou explicitamente a noção de que a pesquisa e a pós-graduação deveriam ser o centro da geração de conhecimentos e formação de professores para todo o ensino superior, e que a pesquisa deveria ser o critério último de avaliação do desempenho de cada professor, e do sistema universitário como um todo.

O modo de inserção dos cursos de pós-graduação nos sistemas universitários da região dependeu, sobretudo, da maior ou menor integração que eles conseguiram ter com as universidades pre-existentes, e do montante de recursos internacionais que foi possível conseguir para esta atividade. Uma pesquisa recente no Brasil, Chile e México entre professores universitários mostra uma importância relativamente reduzida da pós-graduação na atividade dos professores, apesar de a pesquisa ter sobre-representado as instituições de maior densidade acadêmica em cada país, como indica o quadro 1:

Quadro 1: responsabilidades de ensino dos professores universitários Brasil Chile México
Ensina somente em cursos de graduação 60,3% 58,2% 78,2%
Ensina em ambos 30,1 37,1 14,9
Ensina somente em cursos de pós-graduação 2 2,6 4,1
Não ensina 4,6 2 2,8
Total 980 1025 996
Fonte: Dados do International Comparative Survey on the Academic Profession, Carnegie Foundation for the Advancement of Teaching, 1993.

A Argentina talvez seja, dentre os cinco países, o que mais resistiu a esta inovação. Isto se explica, certamente, pelo fracasso da tentativa de implantar a pesquisa na Universidade de Buenos Aires nos anos 60, a partir da intervenção militar de 1966, que só foi interrompida em 1984. Em um amplo panorama do ensino superior na Argentina elaborado recentemente, o único que é dito a respeito da pós-graduação é que
Graduate training is a relatively neglected area in all universities, including the major ones, as is also research. Requirements vary regarding the number and type of courses to be taken, but the major one is always a doctoral thesis. In recent years MA programs, as well as a number of short-term graduate courses leading to graduate certificates, have grown in both private and public universities. However, they have little formal recognition in the market(5).
Nos países em que foi implantada, a pós-graduação evoluiu segundo duas linhas independentes, as vezes superpostas, mas em muitos casos conflitantes. De um lado, ela desenvolveu e consolidou as atividades de pesquisa e formação especializada que já existiam em algumas das principais universidades da região, como a Universidade de Buenos Aires, a Universidade de São Paulo e a Universidade do Chile. Por outro, ela levou à criação de novos programas voltados sobretudo ao treinamento de professores para os sistemas de educação superior em expansão, e para a outorga de credenciais necessárias para a promoção dentro das carreiras do setor público. Em um terceiro desenvolvimento, os cursos de pós-graduação desempenharam uma função compensatória para a má qualidade dos cursos de graduação, e um filtro adicional de seleção dos formados para as melhores posições no mercado de trabalho.

No Chile a vinculação com a pesquisa ficou claramente marcada, e por isto mesmo a pós-graduação não cresceu demasiado:
In 1979 there were 74 graduate programs, and by 1984 there were 160 in 11 universities, including 23 doctoral programs. In spite of these efforts there is still no systematic support for developing doctoral training in Chile. This style of graduate school is tailored to a future academic career. It is not organized, either in purpose or design, to provide high level labor for a range of professional or occupational settings.(6)
A segunda alternativa é a que predomina na Colômbia, e tem também forte presença no México e no Brasil:
El sistema de postgrados [En Colombia] cuenta con serias deficiencias.: a pesar de mostrar una de las dinámicas más altas, y de su peso elevado dentro del conjunto del sistema, en ellos han predominado las especializaciones, y no se cuenta prácticamente con programas de doctorado. Una renovación endógena del sistema de educación superior tendría que basarse entonces, fundamentalmente, en las maestrías. Pero la gran mayoría de éstas consiste en programas de clases magistrales o en seminarios que se limitan a remediar las deficiencias de la formación de pregrado, sin formar verdaderamente al personal académico en las disciplinas investigativas, ni producir investigaciones relevantes. Sin en las dos últimas décadas se puede constatar la elevación en el nivel académico de los docentes, no es posible entonces establecer qué efectos tenga ello en el sistema, ni qué tanto de esta formación sea puro credencialismo, fomentado por los ascensos en el escalafón docente que produce el titulo de postgrado. El esfuerzo principal llevado a cabo en la última década para fortalecer los postgrados fue un proyecto financiado por el BID y orientado a 38 programas (maestrías principalmente) de 9 universidades estatales. Aunque el proyecto repercutió de manera inmediata en la consolidación de los aparatos de investigación de las universidades participantes (dotación de infraestructura, recursos bibliográficos y de información, pasantías, profesores visitantes), su productividad en términos de graduados fue muy baja: se estima que en 9 años (1984-92) se produjeron 610 egresados, lo que en promedio significa 67 por año (menos de dos egresados anuales por programa). Si a estos 38 programas, ya consolidados, se añaden no más de 10 de las universidades privadas de mayor prestigio, tendríamos la totalidad de la infraestructura de postgrado con que, realmente, cuenta el sistema de educación para su renovación y fortalecimiento.(7)
Além das funções de pesquisa e de treinamento de professores, a pós-graduação latinoamericana funciona também como um fator adicional de especialização e diferenciação em carreiras que haviam se massificado, inflacionando o valor do diploma e esvaziando o conteúdo dos cursos. Pouco vale no Brasil, por exemplo, um diploma universitário de administração ou economia, principalmente se obtido em uma universidade de pouco prestígio. O valor de mercado dos títulos de pós-graduação nestas áreas, no entanto, é bastante alto, e existe grande disputa para ingressar nos programas de pós-graduação nestes campos. Quando esta função de diferenciação e especialização predomina, o contraste entre os requerimentos acadêmicos de pesquisa e os interesses dos alunos, e muitas vezes dos próprios professores, torna-se evidente. O exemplo clássico é a superposição e confusão que existe entre a residência médica e a pós-graduação em medicina. Outro exemplo é a psicologia, onde os cursos de pós-graduação importaram os conteúdos norte-americanos, orientados para a pesquisa experimental e acadêmica, que não dão continuidade à orientação aplicada e clínica dos cursos de graduação que se massificaram. Só nas áreas mais claramente identificadas com disciplinas científicas, e não com profissões (como por exemplo na física, matemática, antropologia, ciência política) é que os cursos de pós-graduação adquiriram um perfil acadêmico e científico mais definido. O México talvez seja o principal exemplo do predomínio deste aspecto de especialização e complementação dos cursos profissionais:
Entre 1970 (el primer año en que se registró el dato) y 1990, la población estudiantil nacional en el posgrado pasó de 4.000 a casi 42.000 personas, es decir que en la actualiad hay un estudiante de posgrado para cada 26 estudiantes de licenciatura. El 36% está inscrito en el nivel de especialidad, el 72% en el de maestría y sólo el 3% en programas de doctorado. Estas cifras hablan de un sistema de posgrado que cumple mayoritariamente las funciones de continuación de estudios de licenciatura y de reeducación de adultos en el ejercicio profesional; solo marginalmente existe el doctorado donde se desarrrolla el conocimiento nuevo y se forman especialistas de alto nivel. (...) El 61% de los estudiantes del nivel están inscritos en el área administrativa y en el área de la salud, es decir en programas que generalmente son especialidades de reentrenamiento profesional. Las áreas tecnológicas abarcan 13%, las ciencias sociales el 8%, las humandades el 8% y las ciencias naturales el 8% de las matrículas.(8)
No Brasil, a pós-graduação se desenvolveu desde o início a partir das duas vertentes iniciais, a de formação de professores e a de formação de pesquisadores, e até hoje o Ministério da Educação e o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico conduzem programas paralelos e nem sempre bem coordenados de apoio à pós-graduação. Sem atentar para esta diferenciação fundamental, a reforma universitária de 1968 adotou de forma generalizada o princípio humboldtiano da indissolubilidade do ensino e da pesquisa, que deveria colocar a pós-graduação e a pesquisa no centro de todo o sistema. A legislação brasileira acabou com o antigo sistema de cátedras, e desta maneira com o poder dos antigos professores, agora substituídos pela estrutura colegiada dos departamentos, organizados por disciplinas acadêmicas; permitiu a criação de institutos de pesquisa especializados; generalizou o sistema de contratação de professores em regime de tempo integral; e passou a associar as promoções na carreira universitária à posse de títulos de pós-graduação. Além disto, foi criado um sistema de avaliação dos cursos de pós-graduação baseado, sobretudo, na titulação de seus professores e em sua produção acadêmica.

Esta reforma coincidiu com a intensificação da expansão pela demanda por ensino superior, que foi atendida em grande parte pela criação de centenas de instituições privadas, mas também pela expansão do ensino público, com a contratação de um grande número de professores para os cursos básicos, inicialmente a título precário, e sem maiores requisitos de qualificação. Estes novos professores se constituíram em uma das principais fontes de demanda por cursos de pós-graduação, que eram feitos normalmente com a permissão e o pagamento dos salários por parte de suas instituições, além de bolsas de estudo, e garantiam uma promoção funcional mais adiante. Além desta demanda crescente, a implantação da pós-graduação no Brasil foi estimulada pelo afluxo de recursos para a área de ciência e tecnologia, que se intensificou da década de 70, entrando em redução a partir dos anos 80. O resultado de todos estes fatores foi uma extraordinária expansão dos cursos de pós-graduação, sobretudo em nível de mestrado.

Uma das características mais importantes do sistema brasileiro foi a relativa autonomia dos cursos de pós-graduação em relação às estruturas universitárias pre-existentes. O sistema de incentivos associados aos cursos de pós-graduação, combinado com a baixa tradição acadêmica do ensino superior brasileiro, corria o risco de estimular as universidades a criarem cursos de pós-graduação de má qualidade, que distribuíssem títulos sem maior valor acadêmico, mas aceitos pelas burocracias universitárias em benefício de seus detentores. Para reduzir este risco, foram estabelecidos critérios mínimos para a constituição de cursos de pós-graduação (fundamentalmente pela exigência de titulação dos professores) e todo o sistema de pós-graduação universitária foi colocado sob a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior do Ministério da Educação (CAPES), uma unidade com tradição de qualidade. A CAPES desenvolveu um sistema regular de avaliação por pares pioneiro na América Latina, que atribui conceitos de "A" a "D" aos cursos de pós-graduação e distribui bolsas de estudo para os estudantes conforme critérios de desempenho e qualidade dos cursos. O Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico também desenvolveu um sistema próprio de bolsas de estudo e apoio a projetos de pesquisa de estudantes, que também podem se valer, no Estado de São Paulo, de apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP). A grande maioria dos cursos de pós-graduação, e a quase totalidade dos cursos de doutorado, estão em universidades públicas, e não somente são gratuitos, como que os estudantes podem contar, nos programas avaliados com "A" ou "B", com bolsas de estudo de vários anos de duração. Este sistema é considerado, geralmente, como bem sucedido, ainda que algumas dificuldades sejam evidentes.

Estas dificuldades aparecem no número desproporcionalmente alto de programas de mestrado, e a grande concentração dos doutorados nas universidades do Estado de São Paulo, que expressam a dualidade indicada anteriormente. Na maioria dos países, o mestrado é um curso de curta duração, introdutório ao doutorado; nos Estados Unidos, os mestrados são em geral cursos profissionalizantes, ou de especialização para pessoas que não se orientam para carreiras acadêmicas. No Brasil, os mestrados se transformaram em semi-doutorados para as universidades que não tinham massa crítica suficiente para terem seus cursos de doutorado aprovados. A conseqüência foi que os mestrados se transformaram em cursos extremamente prolongados, cada título de mestre levando aproximadamente 4.7 anos para ser obtido, em comparação com 5.5 anos para o doutorado. As taxas de evasão são extremamente elevadas, com cerca de 10% dos alunos matriculados em cada nível se formando a cada ano, em um sistema que já estabilizou seu crescimento(9). Muitos dos cursos de doutorado requerem o título de mestrado para seus estudantes, o que significa que a pós-graduação completa pode durar facilmente dez ou mais anos além do término do curso superior. Como a legislação brasileira permite que professoras de ensino superior se aposentem após 25 anos de trabalho, e os professores homens com 30 anos, em muitos casos os cursos de pós-graduação funcionam como uma alternativa cômoda ao trabalho universitário, que ao final se reverte em uma aposentadoria generosa.

Um outro problema com a pós-graduação brasileira é a aparente inflação dos critérios de avaliação dos cursos. Hoje, a seleção dos membros das comissões de pares de avaliação é feita mediante um complexo processo de indicações por parte dos próprios cursos, e o número de programas com conceitos "A" e "B" é de cerca de 2/3 do total. A suposição é que os cursos "A" sejam equivalentes aos melhores das universidades norte-americanas e da Europa Ocidental, mas não há, de fato, como aferir esta equivalência.

A autonomia dos cursos de pós-graduação em relação aos cursos profissionais regulares pode ter um efeito negativo, que é a dificuldade em fazer com que a competência dos professores e alunos de pós-graduação se reverta em benefício dos alunos do nível anterior. No México e Chile, a pós-graduação tende a se vincular às estruturas universitárias pré-existentes; no Brasil, os cursos de pós-graduação universitários são dados pelos departamentos acadêmicos, com graus diferentes de vinculação aos níveis anteriores de ensino. Enquanto que em algumas universidades os professores de pós-graduação devem ensinar em todos os níveis, em outras os programas de pós-graduação funcionam à margem do sistema mais amplo. Existem ainda muitos casos em que a pós-graduação se instala em institutos autônomos fora das universidades, preservando desta maneira sua autonomia e flexibilidade, mas contribuindo pouco para o ensino de graduação. Este é o caso, por exemplo, de muitos institutos de ciências sociais, que se constituíram fora das universidades nos anos 70, buscando escapar do clima de repressão política que as atingia naqueles anos.(10)

O que ocorreu com a pesquisa universitária não é muito distinto do que ocorreu com a pós-graduação. A pesquisa prosperou junto aos programas de pós-graduação que deram continuidade a tradições de pesquisa pre-existentes, e em algumas instituições e programas criados especialmente para abrir espaço para as atividades de pesquisa de novos grupos; e se frustrou onde a pós-graduação serviu principalmente para conceder títulos e justificar a contratação de professores em regime de tempo integral. Apesar dos desenvolvimentos havidos nas duas últimas décadas, sobretudo no Brasil, a pesquisa científica na região não conseguiu sair de uma posição marginal no contexto da pesquisa internacional (quadro 2):
Quadro 2: Desempenho da pesquisa científica no Brasil, na América Latina e em Israel: artigos, citações, contribuidores e influenciadores de linhas de pesquisa, produto nacional bruto e população - cerca de 1986 (percentagens).
  Artigos Citações Contribuidores Influenciadores Produto Nacional Bruto População
Brasil 0,3 0,2 0 0 1,7 2,8
Outros países da América Latina 0,8 0,4 0,1 0,3 3 5,3
Israel 1 0,9 2 0,6 0,2 0,1
América do Norte 40,9 54,8 49 45,9 31,3 5,4
Europa Ocidental 30,8 30,8 35,2 33,9 22,7 7,2
Resto do mundo 26,1 13 13,7 19,3 41,2 79,2
Fonte: Shott, 1995. Dados sobre "contribuidores" e "influenciadores" são de pesquisa realizada pelo autor. Dados de publicações são originários do Institute for Scientific Information.

Parte das razões desta situação aparece com clareza nos resultados da pesquisa internacional comparada sobre a profissão acadêmica, cujos dados principais, relativos à atividade de pesquisa dos professores, estão contidos no quadro abaixo. Nos três países, 35% dos professores entrevistados declararam ter mais interesse em pesquisa do que no ensino, e um número maior ainda declarou estarem envolvidos em algum projeto de pesquisa quando a pergunta foi feita. Apesar disto, informações mais detalhadas sobre a natureza do trabalho de pesquisa mostram que na maioria dos casos não se pode falar de pesquisa científica no sentido próprio do termo. O perfil do Brasil é muito parecido com o do México, enquanto que o do Chile se destaca de forma mais positiva. Nos três países, no entanto, cerca da metade dos pesquisadores receberam menos de 5 mil dólares para seus trabalhos, e trabalham sozinhos. Muitos passam anos sem publicar nada, e somente a metade publica um ou mais artigos por ano (quadro 3).

Quadro 3: atividades de pesquisa dos professores universitários do Brasil, Chile e México Brasil Chile México
Interessado sobretudo em ensino 20,0% 17.9% 22,0%
Mais interessado em ensino 42 48,8 43,3
Mais interessado em pesquisa 35,5 28,3 31,3
Interessado sobretudo em pesquisa 2,5 5 3,5
Total 960 1022 984
Envolvido em algum projeto de pesquisa 58,9% 62,7% 42,%
Entre os envolvidos em pesquisa, quantos receberam algum apoio financeiro 44,7% 76,5% 43,6%
Receberam menos de 5 mil dólares ao ano 44,3% 44,1% 55,0%
Receberam de 5 a 25 mil dólares ao ano 30,8% 24,9% 30,0%
Receberam mais de 25 mil dólares ao ano 24,9% 31,0% 15,0%
Estão trabalhando individualmente 54,0% 28,2% 53,2%
Publicaram mais de 3 artigos científicos nos últimos 3 anos 49,2% 67,2% 52,7%
Não publicaram artigos científicos nos últimos 3 anos 20,4% 5,2% 12,2%
Fonte: International Comparative Survey on the Academic Profession

Analisando os resultados do México, os autores constatam que existe "una tendencia fuerte, que abarca a la midad de los académicos que entrevistamos, a asumir una función específica, la investigación, como parte de su desempeño como integrantes del espacio laboral que estudiamos. Así lo conciben, le dedican tiempo, buscan algo con ello con relativa independéncia de los modelos institucionales en que están adscritos." Mas, observam os autores, "buena parte de lo que se anuncia como actividad de investigación, lejos de acercarse de los procesos de producción de conocimiento nuevo en estricto sentido, es indicador de un esfuerzo de muchos académicos por enriquecer su actividad académica; en efecto, desde un punto de vista sensato, muchas de estas actividades quedarían mejor clasificadas como estudio"(11)

A situação no Brasil não é muito distinta. A pesquisa científica conseguiu se estabelecer com mais força em algumas das principais universidades mais tradicionais, assim como em algumas instituições universitárias criadas com uma forte preocupação e interesse nas atividades de pesquisa: a Universidade de São Paulo, a Universidade do Rio de Janeiro, a Universidade de Campinas, a Escola Paulista de Medicina, a Universidade Federal de São Carlos. Resumindo a situação no início da década de 80, que não se alterou de maneira significativa desde então, Cláudio de Moura Castro assinala que
A idéia de uma universidade de pesquisa, tão decantada nos últimos tempos, na verdade, vingou de maneira muito seletiva. Apesar do grande número de professores de tempo integral, a produção das pós-graduações de muitas universidades é ínfima. Em algumas, isto se explicaria pelo pouco tempo de existência dos cursos; em outras, porém, os cursos de pós-graduação já completaram dez anos e continuam sem publicar. É muito importante registrar o peso do estado de São Paulo na ciência brasileira, de onde se originam 47% das publicações. (...) De fato, as regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste (excluindo Brasília) produzem apenas 9,5% da ciência brasileira, o que equivale a dizer que quase toda a atividade científica está concentrada no Centro-Sul.(12)
Pesquisa e Sociedade

Ainda que a maior parte da pesquisa na América Latina se situe no interior ou próxima das instituições universitárias, o principal argumento dos cientistas em defesa de seu trabalho não tem sido tanto o seu impacto no sistema educacional, e nem mesmo sua contribuição e presença na ciência internacional, mas sobretudo sua importância para o desenvolvimento econômico e social de cada país. Se, para garantir sua qualidade e eficiência, a pesquisa precisa se concentrar em algumas poucas instituições; se, para poder se dedicar a seu trabalho, o professor-pesquisador precisa se livrar das obrigações de dar aulas para alunos de graduação, então que seja assim. Esta não é uma aberração peculiar à América Latina. Em toda parte, a atividade científica e tecnológica tende a se concentrar, e existem tensões e contradições inevitáveis entre as exigências de uma carreira de pesquisador bem sucedida e a dispersão do tempo e da atenção dos pesquisadores em atividades de ensino de natureza mais geral. Existem sempre pressões para a distribuição mais equitativa de recursos de pesquisa entre regiões, instituições e departamentos dentro de cada universidade, assim como para a maior dedicação dos professores aos alunos de graduação. Quando estas pressões conseguem prevalecer com muita força, a atividade de pesquisa perde seu estímulo, sua motivação, e não progride.

Se o impacto da pesquisa sobre o ensino e a ciência internacional não é muito alto, pelo menos seus efeitos sobre a sociedade deveriam ser mais significativos. Não é, no entanto, o que ocorre. Não só os sistemas de pesquisa da região não avançaram como se esperava, como inclusive mostram sinais de decadência e estagnação:
It may be said that, despite real advances, Latin American R&D systems have not kept pace with international developments and continue to be inefficient. There is research capability, but it excels only in more or less isolated enclaves. Conditions are such that, in more than a few cases, the very weight of the often low-quality, obsolete, and bureaucratized institutional research infrastructure acts as a powerful obstacle to change. Latin American universities are mostly politicized and controlled by self-serving interest groups. National research systems are handicapped in their ability to create the scientific and technological profiles required by the production systems undergoing deep transformation during the current technological revolution in the industrialized countries(13).
Em contraste com este panorama em geral pessimista, existem exemplos de desenvolvimentos promissores, assim como de projetos tecnológicos ambiciosos que pareciam bem sucedidos em um primeiro momento, mas não tiveram continuidade. A pesquisa agropecuária talvez seja a área que teve maior impacto econômico, que se reflete em aumentos significativos da produtividade agrícola em vários países da região. Em geral, estas pesquisas tiveram seu impacto na produção altamente capitalizada de "commodities" para os mercados de exportação, e muito menos para o pequeno produtor e em produtos orientados para os mercados internos de cada país. A pesquisa agropecuária tendeu a ficar restrita a umas poucas instituições organizadas segundo o modelo dos "land-grant colleges" americanos, e em institutos de pesquisa que se organizaram de forma independente dos sistemas de pesquisa científica nacionais, como foi o caso da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária, no Brasil, subordinada ao Ministério da Agricultura. Este formato pode ter ajudado a pesquisa agropecuária a se preservar as incertezas dos sistemas universitários e das políticas de ciência e tecnologia nacionais, mas podem ter tido, como contrapartida, o isolamento e a dificuldade de incorporar os avanços mais recentes em áreas que requeiram uma formação acadêmica mais intensa.

Exemplos de projetos ambiciosos mas, em última análise, frustrados, foram a política de informática e a política nuclear. Em um trabalho conhecido, E. Adler contrastou as experiências do Brasil e da Argentina nestes dois campos, e concluiu pelo sucesso da Argentina em implantar uma política nuclear autônoma, em contraste com o Brasil, e pelo sucesso brasileiro em desenvolver uma indústria de computadores própria, em contraste com a Argentina. A explicação, diz Adler, estaria nos grupos sociais e nas lideranças que estes diferentes projetos conseguiram ou não ter, e no trabalho de "guerrilhas institucionais" que estes grupos e lideranças conseguiam desenvolver em defesa de seus projetos. Na Argentina, o programa nuclear conseguiu se firmar e se proteger da instabilidade política do país através de uma aliança entre líderes civis e setores militares que não conseguiram se articular da mesma maneira no Brasil. Em contrapartida, uma aliança deste tipo ocorreu no Brasil na área de informática, permitindo que o país pudesse articular uma política própria para o setor, que a Argentina não logrou(14). Na perspectiva dos anos 90, no entanto, nenhum dos dois projetos se mostraram efetivamente bem sucedidos. Nem o Brasil conseguiu criar uma indústria nacional autônoma de micro-computadores, nem a Argentina avançou em seu projeto de autonomia nuclear. Nos dois casos, o poder e a influência das "guerrilhas" tecnocráticas não foram suficientes para implantar modelos de desenvolvimento tecnológico autônomo, em um ambiente de globalização progressiva da economia e dos conhecimentos.

Menos espetaculares, mas possivelmente mais promissores, tem sido as tentativas mais recentes de vincular a pesquisa universitária com a atividade produtiva, sobretudo no setor industrial, através das faculdades e programas de engenharia, onde o trânsito entre o setor acadêmico e o mundo empresarial tende a ocorrer com facilidade. As modalidades deste relacionamento são muitas, e vão desde uma simples consultoria de professores, feita individualmente, até programas colaborativos inter-institucionais de longo prazo, passando por projetos de menor complexidade e duração, para atividades que vão desde o teste de produtos até o desenvolvimento de processos, formação e treinamento de recursos humanos, etc.

Alguns estudos recentes têm chamado a atenção para as principais características deste relacionamento(15). Do ponto de vista interno às universidades, a característica mais marcante tem sido a relativa "clandestinidade" deste tipo de trabalho. Em muitos setores universitários o relacionamento com o setor privado, e sobretudo a obtenção de rendimentos através deste relacionamento, tende a ser visto como uma violação do caráter público do ensino superior, e uma violação do princípio da isonomia salarial que deveria existir para todos os professores. Projetos colaborativos são muitas vezes percebidos também como um uso inapropriado de recursos públicos para atender a interesses privados de alguns professores e seus associados do mundo empresarial.

Estas objeções de ordem ideológicas são menos comuns hoje do que no passado, ainda que os problemas do eventual mal uso de recursos públicos na satisfação de interesses privados não tenham desaparecido. Mas a atitude prevalecente nos últimos anos tem sido ver este relacionamento com algo positivo, pelo que pode gerar de benefícios para a economia do país, e é também uma necessidade que se impõe, dada a escassez de recursos públicos para a pesquisa. Apesar desta aceitação, no entanto, poucas universidades estão de fato capacitadas para empreender um relacionamento adequado com o setor privado. As culturas organizacionais são distintas, os tempos e prioridades são diferentes, e muitas tentativas de aproximação terminam com recriminações recíprocas, as universidades sendo acusadas de lentas, ineficientes e pouco práticas, e as indústrias de imediatistas e sem disposição para os investimentos e a espera inevitáveis nos trabalhos de pesquisa mais significativos. No Brasil, os departamentos e institutos universitários que conseguem estabelecer uma relação de confiança mais duradoura com o setor produtivo tem a buscar formas administrar estas atividades conjuntas através de arranjos administrativos pouco formalizados que não envolvem as autoridades universitárias superiores, e nem sequer são conhecidos por outros setores das instituições.

Algumas universidades, no entanto, têm feito investimentos sistemáticos neste tipo de atividade colaborativa. A Universidade de Campinas mantem uma Companhia de Desenvolvimento Tecnológico orientada para administrar este relacionamento, e o mesmo ocorre no programa de pós-graduação em engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro, COPPE, com uma firma especializada que é a COPPETEC. Na Universidade de São Paulo, a Faculdade de Economia e Administração mantem duas instituições autônomas para administrar suas atividades de convênio de assistência técnica, a Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas e a Fundação Instituto de Administração, além de unidades similares associadas à Escola Politécnica. A Faculdade de Medicina da USP administra o maior complexo médico hospitalar da América Latina, formado pelo Hospital das Clínicas e pelo Instituto do Coração, através de fundações independentes administradas por seus professores. Em várias instituições, como na Universidade de Brasília e nas Faculdades Federais de Engenharia do Rio de Janeiro, Santa Catarina, São Carlos, Itajubá e outras, existem programas de "incubadeiras" para novas firmas formadas em associações com o setor privado, e esforços de criação de "parques tecnológicos" ao seu redor, estimulados pela presença de técnicos competentes nas universidades e disposição para atividades cooperativas.

No Brasil, os principais parceiros para estas relações com a universidade têm sido as empresas estatais. A Universidade de Campinas tem uma longa relação com o sistema Telebrás, de telecomunicações, e a COPPE, no Rio de Janeiro, tem uma longa associação com a estatal do Petróleo, PETROBRÁS, para o desenvolvimento de tecnologias de exploração em águas profundas. Tanto a Escola Politécnica da USP quanto o Centro Tecnológico da Universidade Católica do Rio de Janeiro foram beneficiadas pela participação no programa de informática do governo brasileiro a partir dos anos 70, com financiamentos da Marinha e, mais tarde, da Financiadora de Estudos e Projetos. Estes acordos de longo prazo são muito confortáveis para as universidades, porque asseguram uma fonte de ingresso estável e de longo prazo, e não estão sujeitas a avaliações imediatistas de custo-benefício dos investimentos. Na medida em que avança o processo de privatização das grandes empresas estatais, no entanto, ou quando, mesmo permanecendo públicas, elas experimentam uma necessidade de concentrar e justificar melhor seus investimentos, estes acordos tendem a ser interrompidos ou diminuídos. O relacionamento das universidades com o setor privado é mais difícil e menos rentável, e o aprendizado é penoso. No entanto, é razoável supor que ele deve aumentar cada vez mais. Para as empresas, na medida em que a qualidade do produto e a eficiência dos processos forem aumentando de importância, pelo ambiente mais competitivo em que atuam, o acesso aos quadros técnicos das universidades vai se tornar um recurso estratégico da maior importância. Para as universidades, também, estas parcerias são uma forma de obter recursos em período de escassez, e de recuperar sua imagem de instituições relevantes para o desenvolvimento econômico e social de seus países.

A conclusão a extrair das experiências mal sucedidas e das dificuldades dos novos caminhos não é que a pesquisa científica e tecnológica na América Latina deveria ser posta de lado. Apesar de sua visão crítica, Hebe Vessuri conclui seu panorama da pesquisa latinoamericana com uma nota positiva: "the ability to devise imaginative solutions to what appear as insoluble problems, to create, adapt, and use significant technological systems, and to choose and control the areas of technological dependence must be insured. The best option for Latin America continues to be the one put forward by Simón Rodriguez, Simón Bolivar's teacher, over 150 years ago: 'o inventamos o erramos'."(16). Mas o projeto de Simón Rodriguez tem que ser mais especificado, para que os erros feitos nos últimos 40 anos em nome da capacidade de inventar não se perpetuem. O Banco Mundial, que tem desenvolvido projetos importantes na área de ciência e tecnologia na região, mantem uma atitude otimista a respeito de sua importância, ainda que sem as ambições grandiosas do passado. Segundo um estudo recente,
While most fundamental discoveries about the nature of the universe will continue to emanate from the industrialized countries, support of a critical mass of scientific infrastructure in the developing world is essential do enable these countries to select, incorporate and adapt technology from abroad, to improve existing technology, and, in some cases, to develop new technology meeting local as well as international needs. This requires high quality graduate training as well as laboratory research programs(17)
Posição semelhante em favor da importância da pesquisa científica, mas também de sua reformulação e adaptação à realidade contemporânea, consta de recente "policy paper" para o setor de ciência e tecnologia no Brasil, cujas propostas, no entanto, ainda não penetraram os níveis decisórios mais altos do governo:
Ciência e tecnologia são mais importantes do que nunca, se o Brasil pretende elevar o padrão de vida da população, consolidar uma economia moderna e participar com plenitude em um mundo cada vez mais globalizado. A economia precisa se modernizar e se ajustar a um ambiente internacionalmente competitivo. A educação precisa ser ampliada e aprimorada em todos os níveis. À medida em que a economia crescer e novas tecnologias forem introduzidas, novos desafios irão emergir na produção e no uso de energia, no controle do meio ambiente, na saúde pública e na administração de grandes conglomerados urbanos. Mudanças também vão ocorrer na composição da força de trabalho. Uma forte capacitação nacional será necessária para que o país possa participar, em condições de igualdade, das negociações internacionais que podem ter conseqüências econômicas e sociais importantes para o Brasil.
A nova política deve evitar tanto os excessos do laissez-faire quanto os do planejamento centralizado. Uma política liberal convencional de desenvolvimento científico e tecnológico não produzirá capacitação na escala e qualidade necessárias. Projetos tecnológicos de grande porte, altamente sofisticados e concentrados não terão condições de gerar impactos suficientemente amplos no sistema educacional e industrial. Tentativas de planejar e coordenar centralizadamente todos os campos da ciência e tecnologia correm o risco de expandir burocracias ineficientes e sufocar a iniciativa e criatividade dos pesquisadores.(18)

O caminho recomendado - sem dúvida difícil, por introduzir novas práticas e contrariar interesses estabelecidos de grupos de pesquisadores e de funcionários do Estado - é o de tornar os vínculos entre a pesquisa científica e tecnológica e o sistema educacional, por um lado, e o sistema produtivo, por outro, muito mais explícitos e institucionalizados; abandonar a política de "substituição de importações" na área científica, que leva à sustentação de grupos de pesquisa de qualidade duvidosa; e desenvolver políticas tecnológicas orientadas sobretudo para a capacitação da base do sistema produtivo, e não para ambiciosos projetos de viabiliade duvidosa e custos desconhecidos, como tem sido o padrão até aqui.

Notas

1. Schwartzman, 1986, p. 24; Halperin Donghi, 1962.

2. Schwartzman, 1991b.

3. Sobre a perspectiva dos experts, ver por exemplo Schwartzman, 1993c.

4. Vessuri, 1990, p. 1544.

5. Balán, 1992a, p.25.

6. Shiefelbein, 1992. Os dados são de Brunner, 1986.

7. Lúcio, 1993, p. 15.

8. Kent, 1993a, p.356-357.

9. Durham e Gusso, 1991, quadros 1 e 8. Se os cursos tardam em média 5 anos, eles deveriam graduar 20% do total da matrícula anualmente, para que o aproveitamento fosse total. Como o número de graduados é próximo de 10%, isto significa que 50% dos estudantes jamais obtêm seus títulos.

10. Brunner e Barrios, 1922.

11. Gil, 1994, p. 145.

12. Castro, 1986, p. 207.

13. Vessuri, 1990, p. 1543.

14. Adler, 1987.

15. Veja a respeito, para a Argentina, Fanelli, 1993; para o Brasil, Frischtak, 1993; Castro, 1993.

16. Vessuri, 1990, p. 1551.

17. Wolff, 1991, p. 1.

18. Schwartzman, 1995.