América Latina: Universidades em Transição

Simon Schwartzman

Publicado em castelhano como América Latina: Universidades en Transición. Washington, Organización de los Estados Americanos, Colección INTERAMER, nº 6, 1996


Capítulo 5: Financiamento

A América Latina gasta pouco em educação, e não gasta bem. Resumindo um amplo estudo comparado sobre gastos em educação em todo o mundo, o autor conclui que a América Latina investe menos por estudantes em todos os níveis do que quase todas as outras regiões do mundo, e que a distância entre a América Latina e o resto do mundo está crescendo. Em relação ao ensino superior, o artigo nota também que "Latin America spends a higher percentage of public education funds for tertiary education than other regions, to the detriment of other levels of education. While this reflects the greater effort made in Latin America to expand educational opportunity at the tertiary level, it also suggests inequitable use of public funds, since students at this level have a higher capacity to contribute to the cost of their education than students at lower levels of education(1).

As informações disponíveis sobre o financiamento público do ensino superior estão resumidas no quadro abaixo, e mostram uma situação similar entre os países em relação aos dispêndios globais (exceto para a Argentina, cujo dado não é comparável) mas uma grande variedade de situações em relação ao ensino superior. Argentina, Chile e México tiveram uma importante redução nos gastos públicos em educação superior entre 1980 e 1990, enquanto que Brasil e Colômbia tiveram grandes aumentos. O gasto "per capita" no Brasil é várias vezes superior ao dos demais países (quadro 2).

Quadro 2: Gastos públicos com educação superior na América Latina, 5 países.
  Gasto público em educação como % do PNB % dos gastos correntes em educação superior taxa de gastos públicos em educação superior, 1990 (1980=100) gasto público total educação superior (milhões de dólares) gasto por aluno em instituições públicas de ensino superior
Argentina(a) 1,5 46,7 79 844,42 920
Brasil(b) 3,9 25,6 214 3146 8712
Chile 3 21,6 59 216,62 1480
Colômbia 2,9 18,5 129 185,85 961
México 4,1 16,7 83 1028,7 1155
(a) só inclui os gastos centralizados do Ministério da Cultura e Educação, dedicados predominantemente às universidades nacionais (b) a taxa da coluna 3 se refere ao ano de 1986 Fonte: Brunner, 1994

De maneira geral, os dados não confirmam a idéia de que os orçamentos de ensino superior na região tenham diminuído na década de 80. As reduções dos gastos públicos do Chile e Argentina se explicam pela crise econômica que afetou a estes países na década de 80, combinada com a existência de governos militares que impuseram restrições às políticas anteriores de expansão do setor público, que haviam levado a taxas de escolarização muito superiores às dos demais países da região. No México, a crise econômica de 1982 levou a uma redução inicial dos gastos públicos, mas de curta duração. Como nota Kent, "entre 1989 y 1993, el financiamiento global para el nivel superior, incluyendo las escuelas normales, pasó de US$840 milliones a US$1,914 millones. El gasto para 1993 representa 50% más que lo gastado por la federación en 1980, uno de los últimos años del período de crecimiento interrumpido por la crisis de la deuda externa de 1982(2). No Brasil há um aumento sistemático dos gastos ao longo da década, exceto entre 1982 e 1984, com um pico de gastos em 1989, caindo drasticamente depois.

O que mais chama a atenção no gráfico sobre das universidades federais brasileiras são as grandes oscilações, e a grande parcela dos dispêndios que é dedicada ao pagamento de pessoal, deixando constante, através dos anos, os gastos de custeio das atividades correntes e dos investimentos de capital.

A regra geral para todos os países tem sido que a pressão por gastos com salários se exerce de forma contínua sobre o sistema público, causada tanto pela incorporação de novos professores quanto pelas melhorias salariais que vão sendo negociadas e introduzidas progressivamente nos sistemas. Este processo de aumento não tem relação direta com o aumento da demanda ou do desempenho dos sistemas de ensino superior - as universidades federais brasileiras não aumentaram seu número de estudantes nem melhoraram seu desempenho de forma visível durante este período. A primeira reação dos governos a estas pressões por aumento de custo de pessoal é a redução ou o congelamento dos gastos de custeio e investimento; a segunda são as grandes reduções salariais, obtidas geralmente pela não correção de salários em períodos de inflação intensa, como ocorreu no Brasil a partir de 1989; e, nos casos mais extremos, o fechamento de instituições e a demissão de professores, como ocorreu nos períodos mais repressivos do Chile e da Argentina.

Uma parte importante da discussão sobre o financiamento do ensino superior na América Latina consiste, precisamente, em como sair desta situação de movimentos espasmódicos de aumento e contração de gastos, e aumentar a eficiência e a eqüidade no uso dos recursos públicos. As propostas e iniciativas tomadas pelos diferentes países podem ser agrupadas em três grandes categorias: transferir parte substancial dos cursos para o setor privado; melhorar o desempenho no uso dos recursos públicos, através de processos de avaliação e acompanhamento de resultados, e distribuição de subsídios por mecanismos de mercado; e diferenciar os sistemas de ensino superior, de forma a reduzir seus custos.

O setor privado tem sido, tradicionalmente, um parceiro importante do setor público no atendimento das demandas por educação superior, mas na maioria dos países este financiamento é pequeno, e existem restrições políticas e legais ao financiamento da educação privada pelo setor público. Segundo um estudo realizado para o Banco Mundial, 75% do financiamento do ensino superior brasileiro vem do setor público e é destinado a instituições públicas(3), apesar de que 65% dos estudantes estejam matriculados em instituições privadas. Este dado contrasta com a Venezuela, onde 89% do financiamento vem do setor público, e com o Chile, onde a participação direta do setor público é somente de 30%. Além destes recursos diretos, no entanto, estima-se que outros 34% do financiamento do ensino superior chileno venha do setor público, na forma de dotações e transferências orçamentárias especiais(4). Na Colombia, o setor privado se financia com matrículas e taxas cobradas aos estudantes e pela venda de outros serviços (hospitalares, de consultorias e ensino) à comunidade. Enquanto instituições sem fins lucrativos, podem receber doações do governo e outras organizações nacionais e estrangeiras. Uma análise realizada em 1990 sobre a composição do orçamento das universidades públicas revelou que cerca de 10.5% de seus recursos provem de taxas cobradas, 4% de créditos e saldos não gastos em anos anteriores, e 85.5% do governo federal. Há, além disto, uma participação pequena de recursos estaduais e municipais no orçamento das universidade locais(5). No México, a contribuição do setor privado não chega a 20%, mas a capacidade das universidades públicas de gerarem recursos por conta própria tem crescido e se situa hoje em torno de 15-20% de seus orçamentos.

Em alguns países, como a Argentina, ainda se discute sobre a própria legitimidade da existência de um setor privado no ensino superior. O argumento, que ainda ecoa a discussão ideológica francesa de décadas atrás, é que só o setor público pode proporcionar uma educação realmente democrática, universalista e laica, enquanto que a educação superior privada seria elitista, orientada para os interesses particulares de seus estudantes e professores, e confessional. Mas esta é uma questão superada pelos fatos. Nos últimos tem sido colocada, sobretudo pelo Banco Mundial e outras agências internacionais, a questão inversa, ou seja, da legitimidade do subsídio público à educação superior em todas as suas formas. O argumento é que o ensino básico é muito mais rentável socialmente, e por isto deveria ter a preferência dos investimentos governamentais, em época de escassez orçamentária; e que o financiamento público ao ensino superior é um subsídio dos setores mais pobres aos mais ricos da sociedade, fato comprovado pela alta proporção de filhos de famílias ricas e bem educadas entre os estudantes universitários.

Uma maneira de reduzir os gastos públicos com a educação superior é pela cobrança de anuidades e taxas escolares aos alunos. A tradição latinoamericana tem sido de a garantir o ensino público gratuito, e até hoje no Brasil as universidades públicas estão proibidas pela Constituição de 1988 a cobrar anuidades. Na Argentina, legislação recente autoriza as universidades a cobrarem, mas isto depende da iniciativa de cada instituição, e não foi colocado em prática pela Universidade de Buenos Aires. O Chile, de todos os países da região, foi o que mais avançou no sentido de envolver o setor privado no financiamento do ensino superior. A cobrança de anuidades nas universidades públicas, instituída pelo governo militar, foi mantida posteriormente pelos governos democráticos, e não encontra oposição significativa.

Os dois principais argumentos contra a cobrança das anuidades nas universidades públicas são de que isto tornaria a educação superior ainda mais elitista e discriminatória do que já é, e que o volume de recursos que poderiam ser obtidos desta maneira não seriam significativos. O primeiro argumento é fácil de responder: não há dificuldade, em princípio, em associar sistemas de cobrança de anuidades a sistemas de subsídio e financiamento a estudantes com menos recursos. Um sistema de crédito educativo em que o pagamento da dívida estivesse associado aos rendimentos futuros poderia desempenhar muito bem esta função.

A questão do montante de recursos é mais significativa. Apesar de que, de fato, uma proporção importante dos estudantes das universidades venham de famílias com mais recursos, muitos mais vêm de famílias de classe média e baixa, e mesmo nos estratos médios e altos não se pode sempre presumir que a renda da família seja transferível para filhos adultos e emancipados. Uma mensalidade escolar de 100 a 200 dólares, que é o que custa uma escola secundária para filhos de classe média, talvez seja o limite do que poderia ser cobrado para cerca de 50% dos estudantes universitários na região; os demais deveriam ser subsidiados, ou financiados a longo prazo. Um pagamento de 200 dólares mensais feito por 50% dos estudantes significaria uma contribuição anual per capita de 1.200 dólares, que é aproximadamente 1/6 do custo por estudante nas universidades federais brasileiras, e próximo do custo médio dos estudantes nos demais países. A grande diferença de custos por estudante entre o Brasil e outros países se explica, em parte, pelos diferentes critérios de cálculo(6), mas também pela existência de sistemas de matrícula aberta na Argentina e México, que inflacionam o número de "estudantes" que efetivamente estudam, e por outro lado, pelo peso dos salários dos professores universitários, que no caso da Argentina tem se mantido extremamente baixo. A existência de trabalhos de pesquisa, instalações de melhor qualidade, professores bem pagos e de tempo integral e laboratórios e bibliotecas minimamente equipadas requer um custo por estudante da magnitude de 5 mil dólares anuais, que é o custo médio per-capita das universidades públicas do Estado de São Paulo.

Esta análise é suficiente para concluir que não seria possível financiar uma educação superior com um mínimo de qualidade, na América Latina, com recursos provenientes das taxas pagas pelos estudantes. Na realidade, isto não é possível em nenhuma parte do mundo, e todos os países que têm sistemas de educação superior minimamente estruturados utilizam recursos públicos para mantê-los. Por outra parte, a contribuição financeira gerada pelas taxas escolares não seria nada desprezível, e poderia ter alguns efeitos secundários positivos, como por exemplo o de afastar das universidades estudantes que não têm disposição de fazer um mínimo de investimento pessoal em seus estudos. Na medida em que a contribuição privada aumentar, os recursos públicos poderiam ser direcionados para áreas de interesse social mais definido, como a da pesquisa e a formação em algumas profissões onde existam carências claramente identificadas.

O tema da transferência de recursos públicos para o setor privado é também carregado ideologicamente. Para os críticos, seria uma forma de distribuição perversa de renda, da sociedade para grupos privados. Este argumento não faz muito sentido em países onde a maioria dos cursos privados são de pouca qualidade, e atendem a estudantes de renda mais baixa. Neste caso, a crítica se dirige aos donos ou dirigentes das instituições privadas - elas não passariam de pontos de venda de educação de má qualidade, feita por comerciantes sem verdadeira preocupação com as questões educacionais, e que por isto não só não deveriam receber subsídios públicos, mas inclusive proibidos de funcionar. Estas críticas ao setor privado encontra grande aceitação quase todos os países da região. No Brasil, por exemplo, a legislação não permite que as instituições educacionais tenham o objetivo de dar lucro, e a lei não permite que elas sejam subsidiadas.

Os argumentos a favor do financiamento público ao setor privado se baseiam no questionamento do Estado e de suas instituições de efetivamente representarem o conjunto de interesses da sociedade. A Igreja Católica sempre considerou que seu trabalho educacional é de interesse de toda a sociedade, e por isto sempre reivindicou o recebimento de recursos públicos para suas instituições. Existem instituições privadas orientadas para o lucro, e outras de natureza claramente filantrópica; existem as que dão educação de alta qualidade, para estudantes de elite, e as que atendem estudantes pobres, que pagam pouco, e recebem educação precária. Diferenças profundas de qualidade e conteúdo existem também no setor público, e é muito difícil defender a idéia de que o produto educacional proporcionado pelas instituições públicas seja mais "público" (e por isto mesmo mais credor de financiamento governamental) do que o proporcionado pelo setor privado. No Chile, a distinção histórica entre os setores públicos e privados foi substituída pela distinção entre instituições "con aporte fiscal" - instituições tradicionais e de melhor qualidade, como a Universidade do Chile e a Universidade Católica - e instituições "sin aporte fiscal", que são as demais, e que deveriam buscar seus recursos no mercado educacional.

Mais recentemente, a defesa da transferência de recursos públicos para o setor privado tem sido feita em nome da maior eficiência dos mecanismos de mercado para o uso mais adequado dos recursos disponíveis, e a obtenção dos produtos educacionais desejados. É o raciocínio liberal conhecido: livres de pressões competitivas, as instituições públicas seriam inerentemente ineficientes, e a idéia de que o Estado teria condições de identificar objetivos e se organizar de forma adequada para conseguí-los seria também ilusória. Em um mercado educacional competitivo, as instituições se esforçariam para oferecer o melhor produto, e as prioridades seriam estabelecidas pela agregação dos interesses e preferências individuais dos estudantes. Como em situação puramente de mercado aumentariam as desigualdades sociais, haveria a necessidade de recursos públicos, mas, tanto quanto possível, eles deveriam ser dados na forma de "vales educacionais" (vouchers) que as pessoas receberiam e utiizariam para comprar sua educação aonde preferissem.

Nenhum país da região se aproximou tanto deste modelo quanto o Chile, a partir da reforma educacional de 1980. Antes da reforma, toda a educação era pública, e mesmo a tradicional Universidade Católica do Chile era mantida com subsídios governamentais. Depois da reforma, os pagamentos dos estudantes chegaram a cerca de 30% dos gastos com educação superior, e uma política liberal de autorização para a criação de instituições privadas expandiu rapidamente o sistema, colocando mais de 50% dos estudantes nestas novas instituições. O sistema de financiamento direto mudou drasticamente, passando de orçamentos negociados anualmente, ou aprovados incrementalmente, a fórmulas baseadas em números de estudantes, e suas qualificações acadêmicas.(7) Atualmente, a cobrança de matrículas pelas instituições públicas já paga cerca de 32% dos salários dos professores, e foi acompanhada da introdução de crédito educativo para aqueles alunos que comprovem incapacidade financeira. Paralelamente, introduziu-se um mecanismo competitivo de financiamento público das instituições públicas. A contribuição orçamentária direta, baseada em valores históricos, vem sendo gradualmente substituída por financiamentos indiretos que variam de acordo com a capacidade que a instituições demonstrem de atrair os melhores colocados no exame nacional de ingresso aos estudos de terceiro grau. Em 1990, este mecanismo foi ampliado a todo o sistema de educação superior chileno, e cogita-se também da ampliação do crédito educativo para alunos do setor privado. O sistema de financiamento chileno também inclui isenções fiscais a doações feitas por pessoas físicas e jurídicas às instituições de ensino superior, e mecanismos competitivos para o financiamento de pesquisa científica. O sistema se tornou altamente diferenciado, com instituições de diferentes tipos e funções; as universidades ganharam autonomia para gerir seus próprios orçamentos, e foi criado um mecanismo de avaliação do ensino privado, por procedimentos de revisão por pares. O total de gastos com o financiamento do sistema de ensino superior do Chile em 1990 foi de US$ 464.8 milhões, sendo que as contribuições públicas (diretas, indiretas e fundos competitivos de pesquisa) responderam por apenas 30.2%; as matrículas por 34.2%; a venda de serviços, rendimentos de aplicações financeiras, venda de ativos, transferências do setor privado e público e endividamento, por outros 34.2%. Doações de filantropia privada responderam pelos 1.4% restantes. As oito universidades tradicionais, que em 1970 tinham o Estado arcando com 90.6% de seus orçamentos, em 1990 tinham desta fonte apenas 40.9%. O quadro 3 mostra a evolução do sistema de financiamento do ensino superior chileno até os dias atuais:

Quadro 3: Chile: Evolução da contribuição financeira público ao ensino superior por mecanismo de transferência (milhões de pesos)
  1980 1984 1988 1990
Financiamento público Direto 67873 39850 28239 22668
Financiamento Público Indireto - 6389 5318 7326
Crédito Fiscal Universitário - 15427 10570 6386
FONDECYT (Ciência e Tecnologia) - 286 2013 3774
Fundo de Desenvolvimento Institucional - - 2813 -
Total 67873 61953 48952 40136
Total projetado 67873 88234 101809 101809
Fonte: Cox, 1993, p. 315.

Apesar da profundidade destas transformações, a educação superior chilena não passou totalmente para um financiamento de mercado, e não parece estar se movendo nesta direção. Umas razões para isto é que a liberalização do sistema privado não levou a uma competição por qualidade, mas, ao contrário, permitiu que proliferassem escolas superiores vendendo serviços educacionais de qualidade extremamente duvidosa. Seria possível argumentar, ainda em defesa deste sistema, que estas escolas competiam por preço, e, se seus produtos eram comprados, eles teriam de qualquer forma algum valor para os estudantes. Não há razão, no entanto, para supor que o mercado educacional dispense os controles de qualidade que existem, por exemplo, no mercado de alimentos ou de veículos, onde os consumidores são protegidos de vendedores inescrupulosos de mercadorias deterioradas ou inseguras. Além desta questão de qualidade, mínima, é necessário criar um mercado que valorize a qualidade, o que pode ser obtido por dois mecanismos. Primeiro, um sistema de informação adequado, que diga claramente ao consumidor que produto ele está comprando. E, segundo, um sistema adequado de estímulos para que a emulação por qualidade se torne importante para as instituições. A introdução de um sistema nacional de avaliação do ensino privado, com poderes de autorizar ou retirar a autorização de funcionamento de determinados estabelecimentos, e a criação de incentivos públicos à qualidade extensivos ao setor privado foram mecanismos criados para garantir um mínimo de segurança aos consumidores, e estimular a competição também pela qualidade, e não somente pelo preço. A outra restrição à plena introdução do mercado no sistema educacional chileno foi a resistência das universidades tradicionais, que não concordam em se submeter a sistemas de avaliação externos (e que por isto, até agora, se limitam ao setor privado), e ainda conseguem reter parte dos financiamentos orçamentários globais. Isto é justificado em termos do prestígio, da competência acumulada e das tradições de autonomia destas instituições, que se veriam ameaçadas se seus recursos passassem a depender totalmente de sistemas competitivos externos. Mas a combinação entre formas tradicionais de financiamento e as inovações introduzidas desde os anos 80 fazem do sistema chileno o mais ágil e eficiente, no uso de seus recursos, de toda a América Latina, sem deixar de ser um dos melhores.

Outros países tem procurado, de maneira mais tímida, incluir algumas das inovações adotadas pelo Chile. No México, o sistema de repasses automáticos de recursos para o setor público (universidades e institutos de tecnologia) vem sendo alterado, e já se conjuga com novos mecanismos de financiamento. Foi criado um sistema de concessão de recursos adicionais vinculado à auto-avaliação institucional e ao encaminhamento de projetos inovadores que o governo submete ao julgamento de mérito por comissões de pares ad hoc. Na prática, questiona-se o uso da auto-avaliação institucional como critério para a concessão verbas complementares, uma vez que as autoridades universitárias raramente envolvem a comunidade acadêmica nesse processo, e as autoridades governamentais vêm declarando que não usam esses resultados nas suas decisões sobre financiamento. Além disso, nem as auto-avaliações institucionais, nem os resultados do julgamento de mérito dos projetos encaminhados são tornados públicos, o que enfraquece o impacto de ambas modalidades de avaliação. Entretanto, há outras duas formas de avaliação - a avaliação individual de professores e pesquisadores pelos departamentos acadêmicos, e a dos programas de pós-graduação pelo Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia - que estão servindo como referência para a distribuição de dotações individuais e para a elaboração de rankings de excelência que qualificam os melhores programas de pós-graduação para receberem financiamento à pesquisa, bolsas e outras formas de assistência financeira governamental.

Apesar de suas limitações, as inovações introduzidas no México já mostram seus primeiros resultados. O Estado passivo e benevolente, que se limitava a repassar recursos para universidades autônomas mas estagnadas, cedeu lugar a um Estado ativo que vem gerenciando o setor público através de financiamentos indutivos e de recomendações específicas para com as políticas das instituições de ensino superior. No interior das universidades, o corporativismo docente e discente começa a ceder lugar ao fortalecimento da comunidade acadêmica e de reitores e administradores universitários imbuídos de espírito gerencial e modernizador. Discute-se os benefícios ou malefícios do maior intervencionismo governamental, especialmente pela pouca transparência de alguns dos novos processos e bases de relacionamento recém introduzidos,(8) mas percebe-se também mudanças importantes de mentalidade e de gestão interna, orientadas para eficiência e para o aproveitamento das novas oportunidades abertas pela nova política governamental. Hoje as instituições públicas já cobram matrículas, administram exames para o ingresso e conseguem suprir cerca de 10-15% de seus orçamentos com fontes não-governamentais.

No Brasil, o sistema federal tem sido financiado de forma tradicional, com orçamentos que consistem, na prática, dos recursos necessários para o pagamento dos salários dos professores, mais um adicional reduzido para atividades de custeio. Como os salários dos professores são definidos pelo governo federal em negociações com os sindicatos dos professores e funcionários administrativos, e como os professores e funcionários são estáveis em suas funções, não há flexibilidade para que as universidades ajustem seus orçamentos a projetos ou planos institucionais, e o governo tampouco tem tido oportunidade de utilizar o processo orçamentário como mecanismo de indução de determinados comportamentos e políticas de qualidade.

Este sistema extremamente rígido tem sido, na prática, flexibilizado por uma série de mecanismos mais ou menos informais, que acabaram se incorporando à cultura administrativa das universidades públicas brasileiras. Primeiro, todo o financiamento da pesquisa se faz com recursos externos ao dos orçamentos regulares, e geralmente deixam de ser contabilizados nos orçamentos das universidades. Os recursos para a pesquisa podem ir deste bolsas e dotações individuais, dadas pelo Conselho Nacional de Pesquisas ou pelas fundações estaduais de pesquisas diretamente aos professores pesquisadores, até projetos de maior porte, financiados pelo governo federal ou por empresas estatais e privadas que contratam projetos e serviços com as universidades. Para gerir estes recursos com liberdade, muitas universidades criaram, ou permitiram que fossem criadas fundações de direito privado controladas por seus professores, que recebem os recursos externos, compram equipamentos, pagam suplementações salariais aos professores, contratam pesquisadores e auxiliares técnicos e administrativos por tempo limitado, e assim por diante. O controle exercido pelas universidade sobre estas fundações é muito variado. Em alguns casos, elas são totalmente controladas pelas autoridades universitárias, e funcionam simplesmente como uma modalidade administrativa mais flexível de gerenciamento de recursos. Em outros, elas são controladas por departamentos, faculdades ou mesmo grupos de professores no interior das universidades, e suas atividades não têm muita transparência. Este mecanismo tem sido criticado como uma porta para a corrupção no uso de recursos públicos, o que pode, de fato, ocorrer. Mas ele funciona, sobretudo, como uma maneira de estimular a que as universidades compitam por recursos externos e os administrem com eficiência. O resultado tem sido a criação de muitos departamentos e institutos universitários competentes, bem equipados e bem financiados, que convivem com outros departamentos e institutos que dependem totalmente dos orçamentos regulares, e que por isto não conseguem manter as condições materiais mínimas de trabalho. Estas diferenças são um elemento adicional de tensão no interior das universidades, e fonte de críticas a esta forma de flexibilização. Um segundo elemento de flexibilização, típico do período inflacionário, foram as manipulações financeiras feitas pelas administrações universitárias com os recursos orçamentários. Ainda que tecnicamente ilegais, estas manipulações eram toleradas, e iam desde investimentos no mercado financeiro de disponibilidades de caixa até procedimentos contábeis que se beneficiavam das grandes diferenças que a inflação introduzia entre o valor real e o valor nominal de créditos e débitos que as universidades pudessem ter para com o governo.

Uma inovação importante foi a autonomia orçamentária dada pelo governo do Estado de São Paulo às universidades estaduais a partir de 1989. As três universidades estaduais passaram a ter direito a uma percentagem fixa de 11% da principal renda tributária do Estado, o Imposto sobe Circulação de Mercadorias (ICMS), com liberdade par adminstrá-los com autonomia. A divisão destes recursos entre as três instituições foi estabelecida politicamente, e, em termos per capita, ela beneficia a Universidade de Campinas, e prejudica a Universidade Estadual Júlio de Mesquita, UNESP. A autonomia não impediu que os salários dos professores continuassem a ser negociados em conjunto para as três universidades, exceto que, agora, a negociação se faz com os reitores, e não mais com o governo do Estado; e o regime jurídico dos professores e funcionários continuou sendo o de funcionários do Estado. Para as universidades, o sistema trouxe grande estabilidade orçamentária, afetada somente pelas oscilações da economia, que podem se refletir mês a mês nos recursos disponíveis. Estas oscilações, no passado recente, levaram as universidades a contrair empréstimos nos bancos estatais, prática que não é mais permitida atualmente. A principal crítica que se faz este sistema é que ele retira do governo do Estado qualquer capacidade de utilizar o processo orçamentário como forma de indução de políticas para o ensino superior, e não dá às universidades incentivos para racionalizar o uso de seus recursos. Além disto, este sistema tem sido criticado por dar um financiamento público extremamente generoso a um número pequeno de instituições, que atendem a menos de 10% dos estudantes superiores do Estado. Outros estados têm seguido este modelo, inclusive o do Rio de Janeiro, que destina 5% de seus impostos para a Universidade do Estado do Rio de Janeiro, ainda que, ao contrário de São Paulo, estes repasses não tenham se efetivado de forma regular.

Finalmente, ainda no Brasil, na gestão José Goldemberg no Ministério da Educação deu-se início à elaboração de um projeto de desenvolver uma matriz de indicadores de desempenho e a se vincular uma parte do financiamento público à performance das universidades federais, medida por esta matriz de custos e resultados. O sistema chegou a distribuir recursos adicionais em 1991 e 1992 para as universidades federais que apresentaram melhor desempenho segundo os indicadores definidos, mas o novo sistema não chegou a ser institucionalizado e foi interrompido, estando sendo retomado novamente no governo Fernando Henrique Cardoso. A principal limitação a este sistema é a rigidez do quadro de pessoal das universidades, que torna impossível qualquer projeto mais ambicioso de reassignação de recursos. Mas a simples existência de indicadores comparados sobre o desempenho as instituições de ensino já representará um avanço importante, e servirá de base para futuros desenvolvimentos.



Notas

1. Reimers, 1994.

2. Kent, 1994, p. 9.

3. A legislação brasileira proibe o financiamento público de instituições de ensino superior privadas, exceto para as de caráter "comunitário", ou para atividades de pesquisa. O sistema de crédito educativo, que tem funcionado de forma intermitente, também transfere fundos públicos para o setor privado; o montante destas transferências, no entanto, não é claro.

4. Wolff e Albrecht, p. 2-3.

5. Álvares e Álvares, 1992.

6. Gaetani e Schwartzman mostram que, conforme se considere a taxa de câmbio para as conversões, e se incorpore ou não custos fixos de monta como a manutenção de hospitais, o valor per capita para as universidades brasileiras pode variar em cerca de 50%. Gaetani e Schwartzman, 1991.

7. Wolff e Albert, 1992, p. 14.

8. Além do sigilo que cerca a auto-avaliação institucional e a aprovação dos projetos institucionais, critica-se a pouca transparência que também cerca as prestações de contas dos gastos feitos pelas autoridades universitárias, que tampouco vêm a público.