América Latina: Universidades em Transição

Simon Schwartzman

Publicado em castelhano como América Latina: Universidades en Transición. Washington, Organización de los Estados Americanos, Colección INTERAMER, nº 6, 1996


Capítulo 7: Reforma e Racionalização

As propostas que vêm de fora.

Oitenta anos depois do Movimento de Córdoba, o tema da reforma da universidade latinoamericana continua atual. A principal diferença entre agora e o ocorrido antes talvez seja que, no passado, a reforma da universidade era uma reivindicação que vinha de dentro, de alunos e de certos segmentos mais ativos e de educação mais moderna dentre os professores, que viam na universidade um elemento a mais de um regime político e social injusto e ineficiente a ser transformado. A reforma da universidade seria sobretudo uma batalha política, que marcaria o início de uma transformação que atingiria, eventualmente, toda a sociedade O quadro, hoje, é totalmente distinto. A bandeira da reforma universitária passou para as mãos de governos, dirigentes universitários, administradores, técnicos de agências financiamento, instituições internacionais e grupos relativamente reduzidos de professores e pesquisadores que já não podem contar com a força dos movimentos coletivos para apoiarem suas idéias e projetos. Para os setores sociais que hoje dependem das universidades para viver - professores, funcionários, proprietários de escolas privadas, alunos - a situação atual está longe de ser satisfatória, mas as tentativas de reforma e racionalização que vêm de fora e de cima são percebidas sobretudo como ameaças ao já conquistado.

As pressões por mudanças partem da constatação de que a educação superior custa muito, usa mal os recursos que recebe, produz resultados pouco satisfatórios, e é socialmente injusta. As citações abaixo, representativas de instituições oficiais, caracterizam bem a situação:

México:
Muy pocos mexicanos están satisfechos con el quehacer actual de las instituciones de educación superior. La mayoría exige mejoramiento de calidad y ampliación en la cobertura. Los reclamos vienen desde dentro y desde fuera del sector educativo y lo único que varia son las formas de expresarlos (...) Es necesario que las universidades y demás instituciones de educación superior atiendan e entiendan lo quie los otros setores de la sociedad esperan de ella(1)
Chile:
En la actualidad, nuestro sistema de educación superior crece inorgánicamente, sin mayor coordinación entre sus parte ni con el resto de la sociedad. (...). Es necesario porveer a la educación superior con los estímulos necesarios para el surgimiento de un clima emprendedor y de innovación que vuelva a las intituciones más sensibles a las demandas de su medio, leevándolas a interactuar más activamente con la comunidad local y regional, con el sector productivo, con el Estado y con la comunidad científica latinoamericana e internacional(2)
Colômbia:
"Permanecer en una actitud conformista e inercial significa quedarse atrás, entrar en franco deterioro (...). En la actualidad se pide a la universidad mayor calidad cientifica, ético-social y política, acorde con la marcha de los tiempos, de suerte que los objetivos que se tracen, la administración de sus recursos, sus actuaciones, pero sobre todo que sus "productos" (llámense nuevos conocimientos, profesionales egresados o servicios a la comunidad) sean socialmente productivos y eficientes(3)
Banco Mundial:
In most developing countries, higher education has been the fastest growing segment of the education system during the past twenty years, with enrollments increasing on average 6.2 percent per year in low - and lower-middle-income countries and 7.3 percent per year in upper-middle-income countries. This rapid increase has been driven by a high level of subsidization and in such cases, guaranteed government employment of graduates. While there are exceptions, the quality of teaching and research has declined sharply (...). In many countries, internal efficiency is very low and graduate unemployment continues to rise. Serious inequities in access and resource allocation (specially by socioeconomic origin and gender also persist in many settings(4)
A reação dos meios universitários a estas propostas tem sido, no melhor dos casos, pouco entusiasmadas, e em muitos casos totalmente hostil. Faltam dados comparáveis para funcionários e estudantes, mas, para os professores, o quadro 1, extraído dos dados da pesquisa da Carnegie Foundation, permite uma idéia bastante clara sobre como percebem como eles percebem sua situação(5). Eles estão satisfeitos com o trabalho que realizam no dia a dia, e estão seguros nos seus empregos Não gostam dos salários que recebem, e gostariam de ver mais envolvimento de professores e estudantes na administração universitária. São críticos da administração universitária, e das tentativas do governo em definir políticas ou interferir nas atividades internas das universidades. Existem diferenças entre os três países, mas não de grande monta. Em geral, os brasileiros estão mais satisfeitos com os salários e com as condições de aposentadoria, mas vêm menos perspectivas de melhoria; os mexicanos estão mais satisfeitos com as atividades que realizam diretamente, e os chilenos são mais críticos quanto às administrações universitárias e ao papel do governo. Todos acham que os professores deveriam se envolver mais na universidade, mas os mexicanos, e sobretudo os chilenos, mostram menos entusiasmo pelo papel que os estudantes possam desempenhar. Em conjunto, é uma atitude defensiva: o emprego é bom, o trabalho quotidiano é bom, o que atrapalha são as interferências externas, e os salários que poderiam ser melhores. Nada de revoluções mais profundas.

Quadro 1: Avaliações de professores universitários sobre suas condições de trabalho (1: avaliação positiva, de acordo; 4: avaliação negativa, em desacordo).
  Brasil Chile México
Avaliações sobre as condições financeiras e de promoção. Satisfação quanto a:
a segurança no emprego 154 146 159
perspectivas de promoção 230 228 206
condições de aposentadoria 283 360 323
salário que recebe 319 361 338
perspectivas de melhorar o salário 350 348 313
Avaliações sobre a atividade profissional: satisfação quanto a:
os cursos que ensina 142 129 130
o relacionamento com colegas 154 141 144
a oportunidades de levar à frente idéias próprias 184 170 160
a atmosfera intelectual de trabalho 239 270 254
Avaliação da administração universitária: concorda que:
os professores deveriam se envolver mais 168 150 152
estudantes deveriam ter participação mais ativa 168 210 177
a administração apóia a liberdade acadêmica 173 179 187
as autoridades universitárias exercem liderança competente 184 215 212
é informado do que ocorre na instituição 193 204 210
a administração muitas vezes é autocrática 199 167 177
a instituição é bem administrada 212 227 192
Atitudes em relação ao governo: pensa que
o governo deve definir as políticas educacionais 198 188 219
existe interferência demais dos governos nas universidades 201 229 172

A busca da racionalização

Um componente importante destas propostas de reforma é a idéia de que as universidades deveriam racionalizar o uso de seus recursos financeiros, técnicos e humanos, de forma a utilizá-los com mais competência e eficiência. É freqüente a afirmação de que as universidades não têm tradição gerencial, e que se beneficiariam muito de um treinamento que fosse dado a seus administradores para que possam fazer uso dos instrumentos modernos da administração. Esta idéia encontra apoio em muitas reitorias, e também em instituições internacionais interessadas em prover este tipo de serviços(6). O fato, no entanto, é que as universidades latinoamericanas geralmente têm , em seu interior, cursos de administração bem sucedidos, que treinam os executivos do setor privado com bastante competência. Se as técnicas gerenciais mais modernas não são utilizadas na administração universitária, isto se deve, sem dúvida, a outros motivos, que não o seu simples desconhecimento.

Uma segunda linha de argumentação é que a ineficiência não resulta do desconhecimento das técnicas gerenciais modernas, mas pelo fato de as principais universidades da região serem públicas. Se elas pudessem ser privatizadas, e administradas conforme os requerimentos da racionalidade de mercado, a eficiência gerencial ocorreria de forma natural. O fato, no entanto, é que muitas das melhores universidades da região são públicas, e o ensino privado, em muitos países, se caracteriza precisamente pela falta de qualidade e competência. É sempre possível argumentar que a qualidade que existe nas universidades públicas é obtida a custos excessivos, e que existe uma lógica econômica irrefutável na estratégia de muitas instituições privadas de fornecerem educação de baixa qualidade a preços igualmente baixos. Mas isto coloca a questão dos fins a que as universidades devem servir, sem os quais a questão da racionalidade perde todo seu sentido. Instituições universitárias são multi-funcionais, e não podem ser medidas e comparadas de acordo com critérios uniformes, como são os preços ou a produtividade no setor empresarial. Além disto, a distinção entre eficiência e eficácia não pode ser esquecida: fábricas de diplomas são eficientes em fazer com que os estudantes passem rapidamente pelas formalidades necessárias para obterem seus títulos, mas não muito eficazes em proporcionar educação e treinamento adequados.

Uma abordagem adequada do tema da racionalização deve levar em conta tanto a busca do uso mais eficiente possível dos recursos disponíveis, quanto a produção de um conjunto de produtos não comensuráveis que a sociedade necessita, na quantidade e qualidade adequadas. Estes produtos vão da educação geral à educação profissional especializada, da pesquisa científica à prestação de serviços, da educação de massas à educação das elites. da transmissão do conhecimento convencional à geração de novos conhecimentos, da valorização da tradição e da cultura ao pensamento crítico e inovador.

É inevitável que, quando o tema da racionalização sai dos gabinetes dos especialistas e entra no debate público, as idéias tendam a se simplificar. A primeira vítima desta simplificação é a complexidade, que leva a ignorar o caráter múltiplo e pluri-funcional da educação superior, com o privilegiamento de um aspecto ou dimensão sobre os demais. É possível acompanhar as principais tentativas de reforma ou racionalização das universidades latinoamericanas a partir de três visões unilaterais deste tipo: a do relacionamento entre ensino e pesquisa, que se refere ao conteúdo da atividade educativa; a da oposição entre sistemas públicos e sistemas privados, o papel do Estado e dos mercados, que se refere aos mecanismos de controle do sistema educacional; e a questão da autonomia e descentralização, que se refere ao gerenciamento dos sistemas.

A reforma do ensino superior brasileiro em 1968 foi certamente o projeto mais ambicioso já havido na região de submeter todo um sistema de ensino superior a uma dimensão única de qualidade e desempenho, o da pesquisa. Para os idealizadores da reforma, a atividade de pesquisa era a alma da universidade, que precisaria ser liberada e fortalecida pela eliminação do antigo sistema de cátedras, pela criação de departamentos acadêmicos e institutos de pesquisa, pelo fim das barreiras institucionais entre as antigas faculdades, e pela reunião de professores e estudantes em campus interdisciplinares integrados. Na perspectiva de hoje, é claro que os reformadores menosprezaram a capacidade de resistência das faculdades tradicionais aos novos formatos, e sobretudo não souberam prever a pressão pela educação superior de massas que começava a ganhar velocidade justamente naqueles anos. Desde então, a educação superior brasileira se afastou cada vez mais da suposta racionalidade implícita no modelo da universidade da pesquisa, que permaneceu, no entanto, como o único modelo legítimo ao qual todas as instituições deveriam emular.

O Chile passou por duas tentativas de racionalização desde que os militares assumiram o poder em 1973. No início, os militares colocaram as universidades sob intervenção, tratando de organizá-las segundo a rígida racionalidade das estruturas hierárquicas de comando. Existem muitas razões pelas quais esta tentativa fracassou, a começar pela falta de legitimidade do governo militar e de seus agentes sentados nas cadeiras dos reitores. Menos óbvio é o fato de que, mesmo em condições mais favoráveis, as universidades são instituições complexas demais para serem administradas por mecanismos de controle vertical. A reforma de 1980 partiu para o extremo oposto, e tratou de colocar todo o sistema universitário sob mecanismos de regulação de mercado. Na prática, o Chile adotou um modelo misto, que combinava um financiamento básico direto para as universidades mais tradicionais, e o mercado pleno para as demais instituições A crença nos mecanismos de mercado fez com que as autoridades chilenas se despreocupassem a respeito da organização interna das instituições. O ensino superior foi dividido em três setores (universidades plenas, institutos profissionais e centros de treinamento). e a desregulação deveria levar a uma diferenciação cada vez maior.

Na perspectiva de hoje, existe um claro consenso, no Chile, de que uma certa dose de competição de mercado é importante e necessária para a educação superior, na cobrança de mensalidades, na disputa por estudantes de qualidade, na busca de contratos de pesquisa com o setor privado, na disputa de recursos competitivos do setor público, e de outras formas; mas que estes mecanismos, por si mesmos, são insuficientes. Alguém deve se preocupar em definir objetivos de longo prazo, estabelecer critérios de qualidade e desempenho, garantir que os produtos educacionais vendidos no mercado tenham um mínimo de qualidade, e que o país continue a produzir os bens públicos que o mercado não compraria, como a pesquisa básica e as atividades culturais mais complexas. O lugar para a definição e acompanhamento destes objetivos não é nem o dos mecanismos de comando nem os da competição de mercado, mas um lugar intermediário, onde os interesses e as demandas da sociedade e do sistema universitário confluam. Este é, em termos muito gerais, o sentido das reformas introduzidas pelos governos democráticos chilenos a partir de 1990, pela criação do Conselho Superior de Educação e a criação de vários mecanismos para assegurar a transparência e a competitividade o ensino superior naquele país(7)

A legislação brasileira de 1968 e a reforma chilena de 1980 têm em comum o fato de terem sido introduzidas de cima para baixo, por governos autoritários; e a tentativa de introduzir conceitos e procedimentos que eram novos para a experiência latinoamericana, a centralidade da pesquisa, no caso brasileiro, e do mercado, no caso chileno. Nos dois casos, estes conceitos perderam sua condição de respostas únicas para a racionalização da educação superior nos respectivos países, mas sobreviveram aos regimes militares que os introduziram, e continuam importantes.

A terceira dimensão, a da autonomia, é na superfície uma volta aos ideais da reforma de Córdoba. Na realidade, existem dois conceitos de autonomia totalmente opostos, e em disputa. Na visão tradicional, defendida hoje pelas associações de docentes, sindicatos e muitas autoridades universitárias, as universidades deveriam ser autônomas para escolher seus dirigentes, definir o conteúdo de seus cursos, estabelecer critérios para a seleção, aprovação e titulação dos estudantes, e contratar professores. Aos governos caberia pagar as contas, e no máximo, exercer um papel de controlar o ingresso de novos atores neste sistema. A organização sindical de professores e funcionários retirou das universidades públicas, e em muitos casos também das privadas, a liberdade de definir carreiras e fixar salários, que ficaram sob responsabilidade governamental, exercida freqüentemente em negociação com os sindicatos. Os resultados mais imediatos desta autonomia, quando conseguida, são a garantia das condições de emprego de professores e funcionários (estabilidade, salários equiparados, facilidades de promoção, aposentadorias) e livrar as universidades de pressões imediatas por resultados, que exigiria a revisão de currículos, programas e práticas pedagógicas, com eventual deslocamento de pessoal. Seria injusto dizer que os defensores deste tipo de autonomia não estão interessados na racionalidade, eficiência e qualidade do trabalho universitário. Eles alegam que as universidades não podem funcionar sem pagar salários adequados e garantir a estabilidade dos seus servidores, e que esta é a base sobre a qual todo o resto - bom ensino, pesquisa de qualidade, administração competente - deve ser construído.

Nas tentativas de reorganização do ensino superior brasileiro nos anos 90, o tema renasce com toda a força:
Em primeiro lugar, é necessário liberar as universidades de suas amarras burocráticas, concedendo-lhes plena autonomia para a gestão de seus recursos, para o estabelecimento de carreiras docentes e administrativas, e para a determinação do nível salarial de seu pessoal. É preciso que elas sejam liberadas, para que possamos exigir delas melhor desempenho. Em segundo lugar, é preciso estabelecer um novo sistema de financiamento no qual os recursos não sejam determinados basicamente pelo número de professores e funcionários que uma universidade conseguiu acumular, mas pelo número de alunos que admite e que forma, pelo desenvolvimento de atividades de pesquisa, e pelos serviços que presta(8)
A chave desta nova proposta, em contraste com o conceito tradicional de autonomia universitária na tradição de Córdoba, é a associação entre autonomia e cobrança de resultados. A nova proposta de autonomia pretende inverter esta situação. A autonomia deixa de ser um valor em si, e passa a ser um mecanismo para a obtenção de outros fins. As universidades devem assumir plena responsabilidade pelas decisões internas de ordem acadêmica, administrativa e financeira; e o governo deve recuperar a capacidade de avaliar resultados e distribuir recursos conforme o desempenho. Em um sistema destes, mesmo que os recursos continuem sendo totalmente públicos, passa a existir um mecanismo de mercado em que as universidades devem competir pelos seus orçamentos em função do desempenho. Se isto é combinado com restrições orçamentárias e estímulos à busca de recursos próprios, o mercado se torna ainda mais importante como elemento de regulação.

Existem dois conceitos de "mercado" aqui, que têm muitas coisas em comum , mas também grandes diferenças. O primeiro é o mais usual, da compra e venda de produtos em uma situação de livre concorrência. Foi este conceito que a segunda reforma do governo militar chileno tentou introduzir, eliminando todas as formas de regulação, e deixando que as instituições de ensino jogassem sua sorte na livre competição. Naqueles anos, segundo alguns comentadores, era mais fácil abrir uma faculdade no Chile do que um café em uma esquina, que estava sujeito pelo menos a algumas regras de higiene e saúde pública. Como o setor privado, sozinho, não dá conta de manter o ensino superior, e muito menos de garantir os produtos de maior custo e baixa rentabilidade de curto prazo, coloca-se a questão de recriar os mecanismos de competitividade no uso destes recursos. Uma proposta neste sentido é o sistema de "vauchers" educacionais, ou, no caso do ensino superior, da universalização dos créditos educativos. Nestes sistemas, os recursos públicos seriam carreados diretamente para os estudantes, na forma de subsídios ou empréstimos, e as instituições de ensino teriam que entrar na disputa por alunos, extraindo daí seu financiamento.

A proposta de universalização dos "vauchers" e empréstimos é bastante radical, e tem como fundamento uma profunda descrença na capacidade que possa existir, no setor público, de definir ganhadores e perdedores por critérios estabelecidos a priori, e não, como ocorre na competição do mercado aberto, pelo próprio resultado da concorrência. Apesar da simplicidade e elegância lógica da proposta de "vauchers", ela não vem encontrando muita aprovação, porque ela requereria que as sociedades renunciassem, de vez, a qualquer tentativa de explicitar o que pretende fazer e aonde pretende chegar com seus sistemas educacionais(9). A palavra chave, aqui, é "avaliação", que supõe a existência de critérios de desempenho e grupos de pessoas ou instituições encarregados de estabelecer estes critérios, aplicá-los a cada caso, e distribuir recompensas, punições ou recomendações de mudança a cada um.

A introdução de sistemas de avaliação, que começa a tomar corpo em toda a região, traz de volta para o cenário do ensino superior dois atores que haviam ficado em segundo plano, os professores pesquisadores e os ex-alunos, organizados em suas corporações profissionais. Para os pesquisadores, as universidades deveriam ser controladas por sistemas de "peer review", da mesma maneira em que são controladas as agências de financiamento de pesquisa acadêmica. No Brasil, a idéia de que o sistema de avaliação da CAPES, desenvolvido para a pós-graduação, deva ser levado às universidades como um todo, é um tema recorrente. Na concepção dos pesquisadores, é a comunidade científica, e não as universidades enquanto tais, que deveriam ser o sujeito da autonomia. Os ex-alunos, organizados nas associações profissionais, vêm a questão da avaliação universitária sobretudo pela ótica do controle dos mecanismos de ingresso em suas profissões. A autonomia, para eles, tampouco deveria residir nas universidades, mas corporações profissionais, que se apresentam com guardiãs das antigas tradições de autonomia e auto-regulação. Racionalizar a educação superior, nesta perspectiva, é sobretudo eliminar os cursos de qualidade duvidosa, reduzir a inflação de profissionais mal formados, e garantir que a sociedade seja atendida por um número reduzido mas competente de bons profissionais, que trabalhem com independência e sejam remunerados de forma adequada por sua dedicação. Estas duas redefinições de autonomia, cada qual à sua maneira, compartem a noção de que as instituições universitárias não são um sujeito legítimo de auto-regulação, e neste sentido compartem com aqueles que, de fora, vêm as universidades como um setor da atividade pública ou privada como outro qualquer, e por isto mesmo sujeito aos mesmos mecanismos de controle e prestação de contas que todos os demais.

Esta breve discussão ajuda a colocar a problemática da universidade latinoamericana neste fim do século em uma perspectiva adequada. Longe de ser uma simples questão técnica, ou um confronto de ideologias opostas, os temas da reforma, racionalização, autonomia e avaliação estão no centro das disputas e dos interesses em conflito que coexistem hoje no ensino superior da região. Aos atores mencionados até aqui, e que participam destas disputas - professores, funcionários, estudantes, governos - haveria que acrescentar pelo menos mais uns dois ou três - as famílias que enviam seus filhos às universidades, as instituições e pessoas que contratam os serviços dos formados, os contribuintes que pagam a conta da educação superior pública. Até aqui, eles têm ficado à margem, dos debates e conflitos, usando, simplesmente, o que o sistema oferece, e pagando a conta. Na medida em que a importância e o custo da educação aumente, as vozes destes atores começarão a ser mais ouvidas, e a arena onde as questões do ensino superior na América Latina são decididas poderá se alterar radicalmente.



Notas

1. Gago, 1989, citado por Brunner, 1995, p. 32.

2. Lagos, 1990. citado por Brunner, 1995, p. 32.

3. Palacios, 1990, citado por Brunner, 1995, p. 32.

4. World Bank, 1994, p. 16.

5. Estas comparações globais entre países são apenas indicativas, porque as amostras não são estritamente comparáveis, Além disto, como a pesquisa sobre-representou os professores das instituições de melhor qualidade, com atividades de pesquisa mais bem estabelecidas, as atitudes que eles revelam não refletem necessariamente o que pensam os professores das demais instituições; elas correspondem, sobretudo, aos professores das principais universidades públicas dos países.

6. O Projeto Columbus, iniciativa do Conselho de Reitores das Universidades Européias, tem isto como um de seus principais objetivos. A Organização Interamericana de Universidades, sediada no Canadá, também vem trabalhando neste sentido, promovendo cursos e eventos sobre administração universitária.

7. Para um sumário das reformas introduzidas no Chile a partir dos anos 90, ver Brunner, 1995, p. 47-50.

8. Eunice R. Durham, "As Finanças das Universidades" O Estado de São Paulo 22 de fevereiro de 1992, citada por Brunner, 1995, p. 32.

9. O recente estudo do Banco Mundial sobre o ensino superior não dá destaque a esta alternativa, enfatizando, ao contrário, a necessidade de combinar a autonomia com mecanismos de acompanhamento e avaliação. Segundo o estudo, "greater institutional autonomy is the key to the successful reform of public higher education, specially reform aimed at resource diversification and more efficient use of resources. Recent experience shows that autonomous institutions are more responsive to incentives for quality improvements and efficiency gains. (...) In Chile, Thaliand, and Viet Nam, in order to redistribute the costs of higher education, the government has transferred many powers and responsibilities affecting costs to institutions, while establishing policy structures to guide the development of the system from a greater distance" World Bank, 1994, p. 63.