Brasil: Oportunidade e Crise no Ensino Superior(1)

Simon Schwartzman

Publicado originalmente em inglês como "Brazil: Opportunity and Crisis in Higher Education", Higher Education17, 1, 1988.

Sumário

1. Uma crise de identidade.

2. As origens: um modelo napoleônico?

3. A Reforma de 1968 - desejos e realidades

4. A Comissão Presidencial de 1985

5. Ausências e presenças

6. Temas e não-temas.

7. Posta em Prática.

8. Depois da tormenta.

Notas


Brasil: Oportunidade e Crise no Ensino Superior

1. Uma crise de identidade.

Em muitos sentidos, pareceria que o ensino superior no Brasil poderia escapar da síndrome de massificação, politização, burocratização e má qualidade que afeta a maioria das instituições universitárias latinoamericanas. O ensino superior brasileiro é muito diferenciado, com dois importantes sistemas públicos (o federal e o paulista) e um amplo e diversificado setor privado. A reforma universitária de 1968 aboliu o antigo sistema de cátedra, que emperra o funcionamento das universidades na maioria dos países latinos, e abriu espaço para a criação de programas de pós-graduação, pesquisa científica e para a contratação de professores em regime de tempo integral. A reforma de 1968, conjugada com a preocupação de certos setores governamentais com as questões de desenvolvimento científico e tecnológico, permitiu que o Brasil desenvolvesse o maior sistema de pós-graduação e pesquisa científica entre os países do terceiro mundo. Ainda que a participação política tenha estado sempre presente em nossas universidades, ela normalmente não conduz a polarizações partidárias radicais e insuperáveis. E até hoje tem sido possível evitar os problemas da admissão em massa de estudantes sem um mínimo de qualificação, o que tem permitido a manutenção e mesmo melhoria da qualidade do ensino em muitas instituições e cursos.

Isto não significa, naturalmente que o ensino superior no Brasil não tenha problemas, dramatizados pela explosão das matrículas entre 1965 e 1980 -- de 150 mil a um milhão e meio de estudantes em quinze anos. Esta expansão acompanhou uma tendência internacional de ampliação progressiva do acesso ao ensino superior, e coincidiu, no Brasil, com um regime militar que sempre desconfiou e muitas vezes agiu contra estudantes, professores e cientistas. Reformular o ensino superior foi um dos compromissos inscritos no discurso inaugural da Presidência da Nova República que Tancredo Neves nunca chegou a ler, mas que foi lido e assumido por seu sucessor, José Sarney. Para este fim o governo instalou, com toda a solenidade, uma Comissão Nacional que deveria apontar os caminhos do futuro. Rever como trabalhou esta Comissão, e o destino de trabalho, é uma excelente porta para o entendimento mais aprofundado de nosso ensino superior, e, porque não, da própria natureza do primeiro governo da Nova República.

Administrar um sistema destas proporções, em um país com recursos limitados, já é em si mesmo uma tarefa difícil. A crise que o ensino superior brasileiro enfrenta na década de oitenta, entretanto, vai muito além de uma questão administrativa, ou da ausência de recursos; é uma crise de valores, idéias e objetivos, que repercute sobre os problemas administrativos e financeiros que são, geralmente, os mais visíveis.

A crise do ensino superior brasileiro tem uma relação direta com as respostas possíveis que uma sociedade dá a uma questão básica: para que, afinal, servem as instituições de ensino superior? Não se trata de simples retórica. Em cada sociedade, existem grupos distintos que entendem esta questão de maneira diferente, e tratam de adequar a realidade a seus interesses e objetivos específicos. Mapear estes diferentes grupos, e seus objetivos, é a única maneira que temos de ir além de uma indagação meramente especulativa a respeito do que a universidade deveria, idealmente, ser, e passarmos a um entendimento real de suas condições e possibilidades.

Tradicionalmente, universidades eram vistas como centros de formação para as profissões liberais, ou "superiores". É uma noção que data das primeiras universidades européias, e permaneceu quase imutável nos países nos quais a noção germânica e anglo-saxã de "universidade de pesquisa" não chegou a penetrar. Segundo esta visão, o conhecimento seria basicamente produzido e utilizado fora das paredes das universidades. Os professores deveriam ser, acima de tudo, profissionais competentes em seus campos de trabalho -- médicos, advogados -- e sua tarefa principal consistiria em dar aos estudantes acesso aos conhecimentos básicos e aos rituais de iniciação de suas respectivas profissões.

Um pouco mais moderna é a visão de que as universidades devem ser um instrumento para a introdução e difusão dos conhecimentos e profissões novas -- basicamente a engenharia, a administração e a medicina de base científica e experimental. Agora a universidade não se limita, simplesmente, a retransmitir e reproduzir os conhecimentos existentes, mas deve produzir novas competências, e, desta forma, abrir espaço na sociedade para novas elites, alterando, desta forma, a ordem social anterior. As universidades tradicionais sempre resistiram a esta passagem, e por isto mesmo terminaram sendo pressionadas para mudar, seja por governos desejosos de quadro com as novas competências, seja por novos grupos sociais interessados em abrir espaços através de novos conhecimentos, e da legitimação e prestígio que as universidades proporcionam. Em muitos países, como na Alemanha ou Inglaterra, a engenharia jamais chegou a penetrar nas universidades, ficando restrita a escolas técnicas isoladas, sem jamais atingir o prestígio e o reconhecimento social típico dos países de influência francesa.

A idéia da universidade como centro de pesquisa científica, atribuída inicialmente à universidade alemã idealizada por Humboldt, é uma inovação bastante radical. Agora, as universidades não são vistas simplesmente como um lugar onde o conhecimento é transmitido, mas como o lugar em que ele deve ser também produzido. Uma das conseqüências mais importantes é que as universidades deixam de ser uma atividade secundária -- ainda que prestigiosa -- para seus professores, e passam a se constituir em sua ocupação principal, senão exclusiva.

É fácil perceber como estes três papéis não correspondem somente a "visões" diferentes do que as universidades são, ou devem ser, mas a grupos sociais distintos -- profissionais, estudantes, professores, pesquisadores -- cada qual tratando de ajustá-las a seus respectivos interesses e motivações. Estes três papéis sempre coexistiram em todas as instituições de ensino superior, mas em proporções diferentes, e freqüentemente conflitando entre si. Em um extremo, as universidades estritamente orientadas para o ensino profissional são relativamente secundárias para todos -- os professores que só vão lá dar algumas aulas, os alunos que as freqüentam por alguns anos e depois se profissionalizam -- exceto para um pequeno grupo de funcionários que cuidam de sua administração. As universidades mais modernas, no entanto, funcionam como fontes de prestígio para seus professores -- novas elites confrontando as antigas -- e de mobilidade social para seus estudantes. Na medida em que estes novos papéis são enfatizados, o sistema de ensino superior se expande, e grupos sociais cada vez maiores passam a ser interessar por ele -- quanto custa, quem pode entrar, e, acima de tudo, o que ele pode produzir, e para quem. O estágio final deste desenvolvimento é a aspiração generalizada ao ensino universitário, um fenômeno cada vez mais intenso dos últimos 20 anos, que fez com que o ensino superior se expandisse com muito mais velocidade do que os demais níveis mesmo em sociedades como a brasileira, onde a educação básica e secundária ainda é tão precária. Assim por exemplo, enquanto o ensino básico no Brasil se expandia a uma taxa de 3.6% ao ano entre 1970 e 1980 (contra um crescimento populacional de 2.5%), o ensino superior cresceu no mesmo período a uma taxa de 11.6%. É um processo que deverá continuar, se consideramos que o ensino superior brasileiro só cobre cerca de 10% da população em idade escolarizável, contra mais de 20% na Argentina, e mais de 50% nos Estados Unidos e muitos países europeus. A palavra "universidade", e os conceitos a ela associados, não são mais suficientes. Agora falamos de "educação superior", ou "educação pós-secundária", como um todo do qual as universidades são somente uma parte menor.

O que manteve a palavra "universidade" constante através de todas estas transformações foi a suposição de que estas instituições são governadas por uma hierarquia de conhecimento, e por isto são autônomas e auto-reguladas, ainda que de formas muito diferentes e com vários tipos de limitação. É possível afirmarmos que as sociedades que conseguiram expandir seus sistemas de ensino superior sem comprometer totalmente este princípio não tiveram grandes crises que confrontar, além dos naturais problemas de crescimento e diferenciação de papéis. Em outras sociedades, no entanto, o desenvolvimento das instituições universitárias foi demasiado lento, ou suas estruturas demasiado rígidas, o que levou seja à sua marginalização em relação às mudanças que ocorriam no resto da sociedade, seja à sua total descaracterização. A crise do ensino superior brasileiro é que nele coexistem -- como camadas justapostas em formações geológicas, ou nos bolos de noiva -- os três tipos de universidade indicados acima: a tradicional, a profissional moderna e a de pesquisa; e elas, em seu conjunto, parecem não saber como processar as demandas e pressões que recebem de todos os lados.  

2. As origens: um modelo napoleônico?

Dizem que as universidades brasileiras foram copiadas da França. A verdade, no entanto, é que no Brasil nunca se entendeu com clareza, nem se pretendeu imitar de forma explícita, a dualidade que é o aspecto mais saliente do ensino superior francês, ou seja, um conjunto de "grandes écoles" altamente elitizadas, e orientadas para a formação de quadros de alto nível -- as escolas Politécnica, de Minas, de Pontes e Estradas, Normal e de Administração Pública, entre outras -- e as universidades propriamente ditas, abertas para o grande público(2).

O que copiamos, certamente, foi a centralização administrativa e a burocratização. As primeiras escolas profissionais, criadas com D. João VI, eram controladas em todos seus detalhes pelo governo central, que regulava, em lei, os currículos, o conteúdo dos programas, os horários, as taxas que os estudantes deveriam pagar e tudo o mais. A nomeação de professores, como não poderia deixar de ser, era controlada pelo governo, e não pelas escolas.

A primeira universidade data de 1920, e reunia as escolas profissionais do Rio de Janeiro sob uma reitoria unificada, cujo propósito principal, segundo dizem, era dar ao Rei Alberto da Bélgica, que visitava o Brasil, o título de doutor honoris causa. A criação de universidades no Brasil foi regulada em 1931 por legislação proposta por Francisco Campos, cuja principal inovação foi a criação de faculdades de educação ou filosofia, ciências e letras, que deveriam funcionar como formadoras de professores para o ensino secundário e, eventualmente, centros de pesquisa científica. A contradição entre estas duas tarefas -- a formação de professores de nível médio, em grande quantidade e bem equipados de instrumentos pedagógicos, e a formação de um número muito mais restrito de pesquisadores de alto nível para carreiras científicas -- nunca chegou a se resolver satisfatoriamente. A Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo, por razões que lhe são próprias, foi a que mais se dedicou à segunda função, enquanto que as demais, em sua quase totalidade, se restringiram à primeira. A criação das novas faculdades de filosofia, e a união das antigas escolas profissionais em universidades, não alterou a antiga predominância das escolas profissionais clássicas sobre o ensino superior do país, que continuaram a atrair, por isto, os estudantes mais qualificados.

Em 1937 a Universidade do Rio de Janeiro mudou seu nome para "Universidade do Brasil", com a idéia de que ela se transformaria em uma Universidade Nacional, modelo e padrão a ser adotado pelas demais instituições de ensino superior do país(3). Ela não deveria ser, no entanto, uma instituição autônoma. Ao Ministério da Educação caberia a tarefa de propor legislação definindo o conteúdo de seus cursos, os títulos que poderia outorgar, os procedimentos que deveria seguir em todas as esferas de ação. Um Conselho Nacional de Educação, formado por personalidades ilustres, deveria supervisionar todo o sistema educacional do país. Além da universidade nacional, a legislação proposta pelo Ministro Gustavo Capanema permitia a existência ou criação de universidades estaduais e privadas; caberia ao Conselho Nacional, ajudado por um corpo crescente de inspetores e delegacias regionais, velar para que o modelo nacional fosse obedecido por todos. A Universidade do Brasil não manteria por muito tempo seu papel de modelo, passando a ser, tão somente, uma dentre outras de uma ampla rede de universidades federais. A noção de que todas as instituições universitárias deveriam obedecer ao mesmo formato, no entanto, a ser fiscalizado e controlado pelo governo federal, permaneceu.

O sistema universitário implantado no Estado Novo começou a se expandir aceleradamente nos anos do após guerra, e chegou a seus limites nos anos 60, quando foi profundamente transformado pela reforma universitária de 1968(4). Antes da reforma de 1968, o sistema federal havia absorvido a maioria das universidades estaduais que começaram a se constituir nos anos 30, exceto a de São Paulo; uma rede de universidades católicas já havia se constituído; e havia também um grande número de instituições isoladas de ensino, algumas públicas, mas a maioria privadas. As universidades eram nominalmente autônomas, enquanto que os estabelecimentos isolados deveriam ser supervisionados pelo Conselho Federal de Educação (o antigo Conselho Nacional). De fato, no entanto, as universidades estavam presas aos currículos fixados pela legislação para os cursos profissionalizantes, seus orçamentos eram controlados pelo Ministério da Educação, e seus professores tinham as obrigações e privilégios e inamovibilidade do funcionalismo público. O sistema de cátedra garantia aos professores das universidades públicas estabilidade no emprego e liberdade de ensino, e as congregações de catedráticos decidiam, em cada faculdade, todos os assuntos que não colidiam com as normas e a legislação federais. As congregações também preparavam as listas tríplices para a escolha dos diretores, e designavam os membros dos conselhos universitários que faziam as listas dos candidatos a reitor. Nesse sistema, as reitorias tinham um papel quase simbólico, e o poder universitário era compartido, mesmo que desigualmente, entre as congregações de catedráticos e os órgãos ministeriais.

Em 1968 haviam cerca de 280 mil estudantes neste sistema, menos de 5% da população entre 20 e 24 anos. (A título de contraste, haviam naquele ano 800 mil alunos no ciclo colegial, e cerca de 14 milhões de estudantes matriculados até a oitava série do primeiro grau, a maioria dos quais concentrada nos primeiros quatro anos de ensino primário). Cinqüenta e cinco por cento dos estudantes de nível superior estavam em instituições públicas e gratuitas, a maioria delas organizadas em universidades; os demais estavam matriculados em estabelecimentos privados, muitos deles isolados e sem status universitário. Haviam 2,4 candidatos por vaga, com taxas muito maiores para as carreiras mais tradicionais e prestigiosas das universidades públicas, situadas no centro-sul.  

3. A Reforma de 1968 -- desejos e realidades.

No sistema antigo, a obtenção de uma educação voltada para a pesquisa e para a carreira universitária só se dava de forma fortuita - uma bolsa de estudos concedida por uma fundação estrangeira, um contato fortuito com um professor excepcional, a vivência de uma experiência rara e isolada junto a determinado departamento ou laboratório. Ainda que poucos, os "jovens turcos" formados nestas condições fixaram uma liderança ativa no ataque à universidade tradicional, e na busca de um modelo mais condizente com os dias de hoje. Suas palavras de ordem era o fim do sistema de cátedra, a criação do regime de tempo integral, a implantação de programas permanentes de ensino e pesquisa nas universidades, e a abertura de seus portões para outros grupos sociais que pudessem, esperava-se, romper com o estancamento e acomodação de nossas escolas superiores tradicionais. Muitos destes professores acreditavam que, assim transformada, a universidade brasileira poderia se constituir em um centro verdadeiro de reflexão e conhecimento sobre os problemas econômicos e sociais do país, e seus professores mais qualificados teriam, assim, um papel político à altura dos conhecimentos científicos que vinham até então acumulando.

Era na reivindicação de um papel político mais significativo que o ativismo dos "jovens turcos" se encontrava com o movimento estudantil. A politização dos estudantes é, sabidamente, um fenômeno antigo na América Latina, e nunca esteve relacionada necessariamente com demandas pela melhoria do ensino universitário, já que sua orientação foi sempre muito mais política do que propriamente acadêmica ou educacional. Sem pretender dar aqui uma explicação abrangente da politização estudantil da década de 50 e 60, é fácil perceber que ela se relaciona com a expansão havida no sistema universitário naqueles anos, e com o choque entre as aspirações crescentes de novas camadas que entravam nas universidades e as possibilidades ocupacionais de prestígio e reconhecimento público que um diploma universitário aparentemente prometia. A existência de uma ideologia de modernização e racionalização do ensino superior do país deu por algum tempo conteúdo e direção às críticas que os estudantes dirigiam a suas instituições: seu elitismo, seu imobilismo, o conservadorismo político e intelectual da maioria de seus professores. Se uma universidade renovada desse um lugar mais significativo a seus professores, os alunos dele também se beneficiariam.

Todos sabemos que o resultado das pressões contra a universidade tradicional brasileira não foi a instituição com que tantos sonhavam. Muito tem sido dito sobre as vicissitudes políticas que afetaram nosso ensino superior a partir da reforma de 1968. Nem todos percebem, no entanto, a natureza das transformações pelas quais ela passou. Vale a pena resumí-las, a partir dos grandes ideais dos anos anteriores.

Do ponto de vista formal, a Reforma Universitária consagrou em lei muitas das reivindicações dos professores mais ativos e do movimento estudantil do período pré-64. A odiada cátedra foi abolida, e substituída pelo sistema colegiado de departamentos. A criação de institutos centrais, reunindo disciplinas que antes se repetiam por várias faculdades e cursos, foi feita com objetivo de reduzir a duplicação de esforços, e aumentar a eficiência das universidades. Foi introduzido o ciclo básico, como forma de dar aos estudantes uma formação geral antes da especialização profissional, compensando desta maneira as limitações do ensino secundário. Finalmente, a legislação consagrou a indissolubilidade do ensino, pesquisa e extensão, e estabeleceu o ideal de que todo o ensino superior do país se organizasse em universidades, e não simplesmente em escolas isoladas.

A noção conspirativa de que a reforma de 1968 não teria passado de uma manobra do governo militar para, com o auxílio americano, freiar a mobilização estudantil e universitária, não resiste à análise. Houve, de fato, uma Comissão Militar dirigida pelo general Meira Mattos, criada pela preocupação do governo com os movimentos estudantís, e que teve como resultado apressar os trabalhos da comissão que elaborou a reforma, e influenciou, também, a expansão das matrículas nos anos subseqüentes. O regime militar não tinha, no entanto, nenhuma idéia formada a respeito de o que fazer com o ensino superior(5), e a reforma incorporou uma boa parte dos projetos reformistas que haviam se iniciado com a Universidade de Brasília, e tido continuidade na Universidade de Minas Gerais durante a gestão de Aluísio Pimenta. Os problemas decorrentes da legislação de 1968 não se relacionam com a repressao do início dos anos 70 (que viria com ou sem a reforma) e nem com a adoção de alguns formatos oriundos das universidades americanas, hoje difundidos em todo o mundo. A principal dificuldade foi que a reforma, ao tratar de implantar no país um modelo considerado ideal, não tomou em consideração a realidade do sistema educacional do país daqueles anos, e, principalmente, não conseguiu prever as tendências de crescimento explosivo do ensino superior nos anos que se seguiriam.

No antigo sistema, o poder universitário residia basicamente nas congregações, e as melhores dentre as escolas profissionais mais tradicionais haviam construído, ao longo dos anos, tradições de trabalho que garantiam certos padrões de desempenho. Ao propor a dissolução das antigas faculdades e sua substituição por departamentos e institutos centrais, a reforma de 1968 terminou, em muitos casos, por destruir instituições ou programas já constituídos, antes que os novos formatos pudessem adquirir consistência. Na realidade, as escolas mais fortes e mais tradicionais foram capazes de resistir à mudança, criando o sistema departamental e de institutos em seu interior, e por isto, muitas vezes, foram as únicas que conseguiram manter ou melhorar sua qualidade nos anos 70(6).

Duas outras inovações, o ciclo básico e o sistema de crédito, tampouco funcionaram. Depois de 1968 os alunos continuaram a ser selecionados nos vestibulares para os cursos profissionais, e para eles o ciclo básico era visto como perda de tempo. A unificação das cadeiras básicas, não somente de cursos distintos, mas principalmente de estudantes com motivações e características díspares, jamais funcionou a contento, e contribuiu ainda mais para o esvaziamento do ciclo básico. O sistema de crédito colidiu com a rigidês dos currículos legalmente estabelecidos para as carreiras, e com a falta de recursos das universidades para oferecer, de fato, um leque de alternativas de estudo para que os estudantes pudessem escolher. Tanto uma quanto a outra inovação se tornaram, nos melhores casos, uma nova maneira de fazer as mesmas coisas de sempre; e, quase sempre, pesadelos administrativos e burocráticos.

A reforma permitiu generalizar o sistema de contratação de professores em regime "full-time", que só existia em poucas instituições de elite, como algumas faculdades de medicina ou no Instituto Tecnológico da Aeronáutica em São José dos Campos. Até então, os salários de professores universitários eram baixos, e jamais poderiam competir com as rendas provenientes das atividades profissionais. Na medida em que as universidades se expandiram e novos cursos foram criados, surgiu uma nova categoria de professores, os de tempo integral. Em parte, eles foram contratados para ensinar nos novos cursos de pós-graduação, e a idéia é que todos deveriam ter seu doutorado, ou estar prestes a obtê-lo, e se dedicar com igual denodo ao ensino e à pesquisa. Na realidade, eles vieram, também, para ensinar no ciclo básico, para constituir os novos departamentos e institutos, para cobrir as lacunas geradas pela ampliação do número de vagas, ou, simplesmente, na busca de alternativa de trabalho em relação a um mercado profissional saturado, ou restrito. Os cursos de pós-graduação nunca conseguiram formar professores capacitados na mesma velocidade com que as universidades preenchiam seus cargos. Em poucos anos, o professorado do ensico superior público brasileiro passou de tempo parcial a predominantemente de tempo integral, sem, necessariamente, mudar seu perfil do ponto de vista de qualificação acadêmica.

A expansão da pós-graduação se deveu em parte à legislação de 1968, e em parte, também, à entrada de instituições de planejamento econômico na área da política científica e tecnológica, que começou com a criação do Fundo da Tecnologia do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (FUNTEC) em meados da década de 60, levou à criação da FINEP alguns anos depois, e culminou com a incorporaçao do antigo CNPq à Secretaria de Planejamento da Presidência da República em meados dos anos 70. A quantidade de dinheiro subitamente disponível para o financiamento da pesquisa científica e da pós graduação rapidamente superou a capacidade que havia no país para absorvê-lo com competência. As novas instituições criadas para a aplicação destes recursos (principalmente a FINEP, e, de forma mais limitada, a Secretaria de Tecnologia Industrial e outros fundos setoriais de alguns ministérios e para-estatais) conseguiam funcionar de forma rápida, flexível e moderna, livres das restrições burocráticas e orçamentárias típicas do serviço público, assim como do emaranhado burocrático e lentidão decisória das instituições universitárias. Estas novas agências buscavam, inicialmente, financiar a pesquisa tecnológica nas empresas públicas ou privadas, proporcionando-lhes recursos a longo prazo e estimulando serviços de consultoria técnica especializada. Ficou logo claro, no entanto, que a maioria das pessoas mais competentes estavam no setor universitário, que havia ainda um grande trabalho de formação de pessoal de alto nível a ser realizado, e os recursos começaram a ser canalizados para o sistema educacional.

A estratégia adotada pelas novas agências era a de identificar grupos de pesquisa ou pessoas que lhes pareciam competentes ou promissores, e proporcionar-lhes recursos da forma mais direta possível, contornando, se necessário, os procedimentos usuais relativos a contratos de trabalho, concorrências, e aprovações de projetos por conselhos ou departamentos universitários. Para os pesquisadores, criou-se assim um mercado que parecia sensível a suas qualificações, competências e aspirações. Para as universidades, isto significou que haviam agora mais recursos, mas que eles fluiriam totalmente fora de seu controle. Departamentos e institutos de pesquisa bem instalados e equipados, com todo apoio secretarial e bons salários, começaram a surgir ao lado de outros que continuavam com as dificuldades de sempre, os primeiros orientados para a pesquisa e a pós-graduação, e os últimos mais ligados aos antigos cursos de graduação. Desta forma, introduziu-se no interior das universidades um novo tipo de estratificação, que se somou às que já haviam entre diferentes carreiras e diferentes regiões do país, assim como entre o ensino público e o privado.

As autoridades educacionais, enquanto isto, tinham seus próprios planos para a pós-graduação e a melhoria do nível do professorado universitário, que era basicamente a de atender às demandas de titulação do professorado universitário, e não, necessariamente, as necessidades da pesquisa ou da tecnologia. Segundo a legislação de 1968, professores só poderiam ser contratados ou promovidos se tivessem os títulos de pós-graduação correspondentes, e, para isto, cursos de pós-graduação deveriam ser criados nas universidades. Enquanto que as agências ciência e tecnologia financiavam, principalmente, as ciências básicas e as engenharias, o Ministério da Educação estimulava a pós-graduação nas áreas em que existem mais professores, que são as de ciências sociais e as humanidades. O controle de qualidade deveria ser feito pelo vetusto Conselho Federal de Educação; na prática, porém, a CAPES tomou a dianteira na criação de um sistema efetivo de avaliação da pós-graduação e da pesquisa universitária, que passou a ser utilizado pelas demais agências financiadoras, e, finalmente, pelo próprio C.F.E.

O resultado destes dois impulsos foi notável em termos de quantidades. Em 1970 haviam 57 programas de doutoramento em todo o Brasil; em 1980 haviam mais de 300, e 800 dando títulos de mestrado. Cerca de 90% destes cursos estavam em universidades públicas, e eles produziam cerca de 5 mil formados por ano nos dois níveis(7). A qualidade, naturalmente, era mais problemática. Pressionadas pela demanda por títulos de graduação, e pela exigência de professores graduados, pós-graduação e pesquisa para o recebimento de verbas e complementações salariais, as universidades se valeram da autonomia acadêmica para expandir seus programas de pós-graduação muitas vezes sem possuir condições reais para isto. As avaliações da CAPES sugerem que apenas um quarto dos programas criados estariam dentro de padrões adequados. Surgiu, assim, um outro tipo de estratificação 0* ensino superior brasileiro, agora entre os programas de pós-graduação, em termos destas avaliações. E, dada a correlação alta que existe entre qualidade, enquanto avaliada pela CAPES, e localização no centro-sul, esta polaridade freqüentemente se traduz em termos de uma contradição de tipo regional.

A maior dificuldade da reforma de 1968, no entanto, foi que ela não previu a grande expansão que ocorreria no ensino superior brasileiro nos anos seguintes. A expansão do ensino superior nos últimos 20 anos foi um fenômeno praticamente universal, que impediu qualquer tentativa de fazê-lo refluir aos limitados muros das universidades tradicionais, ou das universidades de elite. Em 1960, menos de 2% das pessoas entre 20 e 24 anos no Brasil estavam matriculadas no ensino superior; em 1970 este número havia aumentado para 5,2%, e em 1975 já alcançava a 11%, cerca de metade da proporção encontrada naquele ano na média dos países europeus, que era de 20,4%. Esta expansão não foi, somente, quantitativa, mas implicou na entrada de novos públicos no sistema: as mulheres, que de minoria passaram se constituir na metade ou mais do alunado; pessoas mais velhas , já profissionalizadas, que passaram a buscar no ensino superior uma nova oportunidade, ou a possibilidade de uma promoção; e pessoas de níveis sociais mais baixos, que vinte ou trinta anos antes jamais teriam colocado uma carreira universitária como perspectiva possível de vida. Outros países se adaptaram a esta pressão pela criação de sistemas paralelos ou alternativos de ensino superior, que atendessem da melhor forma possível aos novos públicos sem destruir suas melhores universidades. O Brasil, que havia reiterado em 1968 a idéia do modelo único consagrada por Capanema 30 anos antes, forçou, em um primeiro momento, a duplicação generalizada das vagas das universidades públicas, sem melhor avaliação de sua efetiva capacidade de absorver adequadamente os novos alunos; e, principalmente, afrouxou os critérios de autorização para o funcionamento de novas instituições privadas. Em nenhum momento tratou-se de ver que novas demandas eram estas, e se elas não precisariam de um atendimento especial (como são as universidades abertas, ou os institutos superiores de tecnologia, ou os "community colleges" americanos); o fato de que o ensino superior começou a se afastar, cada vez mais, do modelo idealizado da reforma de 1968, jamais chegou a ser tomado efetivamente em conta nas decisões governamentais, a não ser na tentativa, já no final dos anos 70, de fechar de súbito a porteira para a criação de novas instituições de ensino superior, com a mesma improvisação e falta de critérios que presidiram sua abertura na década anterior.

Assim, o ensino superior brasileiro em meados da década de 80 estava mais longe do que nunca dos ideais de 1968, ou dos que presidiram a criação da Universidade de Brasília e a reforma da Universidade de Minas Gerais, e se dividia, essencialmente, em três grandes estratos (quadros 1 e 2):

a) uma pequena elite de cerca de 14 mil professores com doutorado ou títulos equivalentes(8) (o "alto clero") e cerca de 40 mil estudantes matriculados nos programas de mestrado e doutorado nas melhores universidades do país, geralmente localizadas no centro-sul. Os salários dos professores são de razoáveis a bons, existem possibilidades de complementação, existe dinheiro para pesquisas, viagens e instalações razoáveis, apesar das condições terem piorado, em geral, nos anos 80. Os estudantes não só não pagam, como recebem bolsas de estudo que equivalem ou superam os salários iniciais das respectivas profissões.

b) cerca de 45 mil professores, em sua maioria de tempo integral, nas universidades públicas, sem mestrado ou doutorado, ensinando a uma massa de aproximadamente 450 mil estudantes matriculados no sistema federal, paulista e em várias outras universidades estaduais. Estes professores constituem o "baixo clero" do sistema educacional superior do país, e tendem a ser fortemente organizados e mobilizáveis na defesa de seus interesses profissionais. Uma boa parte deles eram antigos colaboradores efetivados em seus cargos, e agora inamovíveis, sem jamais terem prestado concurso ou completado cursos de pós-graduação. A quase totalidade ensina nos cursos de graduação, onde a qualidade é muito variável. Os estudantes não pagam, têm algumas vantagens especiais como restaurantes baratos, mas quase não existem laboratórios e boas bibliotecas, nem alojamentos para os estudantes que desejem morar junto às universidades(9). Dada a seletividade dos exames vestibulares, os alunos deste setor tendem a ser recrutados nas camadas sociais mais ricas, que podem pagar os cursos da educação secundária em estabelecimentos privados de melhor qualidade.

c) cerca de 60 mil professores atendendo a quase um milhão de estudantes no setor privado. A maioria destes professores não tem formação acadêmica além da graduação, e trabalha em regime de tempo parcial, freqüentemente em mais de um lugar. Alguns são professores de tempo integral do sistema público, e dão aulas no setor privado, onde os cursos geralmente são noturnos, como forma de obter alguma renda adicional. Os professores do sistema privado são pouco organizados, e não conseguem reproduzir as fortes associações docentes que existem no setor público. Seus salários tendem a ser baixos, e não existe garantia de emprego nem padrões de carreira. O ensino nestas instituições é pago, menos do que seria necessário para manter um ensino de qualidade, mas freqüentemente acima do que seria razoável para seus estudantes, de origem social menos favorecida, geralmente, do que os do setor público. As instalações do setor privado são geralmente de má qualidade, e recursos técnicos e de laboratório são quase inexistentes. A necessidade de atrair alunos pagantes leva muitas instituições particulares a se adaptar ao que percebem ser as demandas do mercado, adaptações que vão desde a organização de cursos da moda ou de mercado de trabalho aparentemente atraente (processamento de dados, turismo, comunicações, relações públicas, etc.) até aos formatos de "fins de semana" e outros que não colidam com os empregos dos alunos.

Quadro 1. Instituições Brasileiras de Ensino Superior, 1983.
  Tipo de Instituição
  Universidades e Federações * Estabelecimentos Isolados
  unidades matrículas Unidades matrículas
Regime jurídico:        
Federal 35 328.044 25 12.074
Estadual** 10 98.371 69 48.826
Municipal  3 22.245 111 67.129
Privado 20 244.232 539 416.695
(Federações) (56)  (201.376)    
Total 124   644  
*Federações são escolas privadas controladas pela mesma instituição mantenedora, mas sem status universitário. Para o Ministério da Educação, cada escola é considerada como um "estabelecimento de ensino superior" distinto.  **Haviam 46.643 estudantes em três universidades estaduais paulistas; o segundo maior sistema estadual é o do Paraná, com 20.568 estudantes em três universidades; e depois Rio de Janeiro e Ceará. 

Quadro 2. Estratificação do Sistema de Ensino Superior Brasileiro.
  Pós-Graduação Setor Público Setor Privado
Número de professores 14 mil 45 mil 60 mil
número de estudantes 40 mil 450 mil 950 mil
Qualificação docente doutorado e mestrado graduação e mestrado graduação
Salários bons a excelentes bons ruins
Regime de trabalho tempo integral tempo integral e parcial tempo parcial
custo dos estudos bolsa de estudos gratuito pago
localização Centro sul centro-sul e nordeste centro-sul (periferia)

Quadro 3. Diferenciação Geográfica da Educação Superior no Brasil. 
  % no estado de São Paulo % no resto do país
matrículas em cursos de pós-graduação 43.5 56.5
Professores com doutoramento  42.9 57.1
matrículas no setor privado 42.5 57.5
matrículas no setor público 38.2 61.8
matrículas em áreas técnicas e biológicas 33.2 68.6
% da matrícula total (1983) 31.4 68.6
matrículas em universidades 19.9 80.1
professores de tempo integral sem titulação 17.5 82.5
matrículas em estabelecimentos federais 1.2 98.8
Fonte: calculado do Serviço de Estatística da Educação e Cultura, Sinopse Estatística da Educação Superior 1981/1982/1983. Brasília, Ministério da Educação, 1985. 

Quadro 4. Distribuição Geográfica da Produção Científica no Brasil.
  no Estado de São Paulo em todos os demais estados  Total
artigos publicados em revistas internacionais (1982) 45.5% 54.5% 1,970
artigos listados no Current Contents,1973-1978 59,7% 40,3% 3,296 
Fonte: calculado de Cláudio M. Castro, há Produção Científica no Brasil?", in S. Schwartzman e C. M. Castro, editores, Pesquisa Universitária em Questão, São Paulo, Unicamp/Icone/CNPq, 1986, p. 204-205.

A estes estratos deve-se acrescentar as grandes diferenças regionais, que contrastam o centro-sul, e mais particularmente São Paulo, com o resto do país (quadro 3). Com 30% de todos os estudantes universitários do país, o Estado de São Paulo é onde o sistema federal penetra menos, onde o sistema estadual é mais dominante, e onde o sistema privado é também o mais desenvolvido. Este quadro contrasta fortemente com o do Nordeste brasileiro, onde mais de 70% dos estudantes estão matriculados em estabelecimentos federais. Apesar das desigualdades internas da educação superior paulista, este estado é, de longe, onde se realiza a pesquisa científica de maior significação no país (quadro 4).  

4. A Comissão Presidencial de 1985.

Como tem sido típico da Nova República, a Comissão Presidencial estabelecida pelo governo José Sarney para avaliar e fazer sugestões para a reformulação do ensino superior visava, sobretudo, um objetivo político, e não partia de nenhuma consideração substantiva mais séria a respeito dos problemas que afligiam o ensino superior do país. Nos anos anteriores, as associações docentes haviam mostrado sua força, e sua capacidade de paralisar as universidades na defesa de suas reivindicações; os estudantes tinham uma história de militância política, e a expectativa era que ela ressurgiria com a abertura política que passou a vigorar; as escolas particulares, assim como a Igreja, exerciam forte pressão na busca de subsídios; o número de candidatos por vaga no ensino superior havia atingido um máximo histórico de cinco por um, com concentrações extremamente altas em algumas instituições e áreas de conhecimento; o congelamento que havia sido imposto alguns anos antes a criação de novas faculdades estava se tornando insustentável, apesar dos sinais óbvios de que o desemprego, ou sub-emprego, de diplomados também aumentava. Tudo isto se agravava pelas restrições orçamentárias que acompanharam a crise econômica dos primeiros anos da década de 80, depois de um longo período de expansão. Finalmente, havia a noção generalizada de que a qualidade média do ensino superior havia caído a níveis muito baixos, tanto no setor público quanto no privado.

Poucos discordariam desta lista de males, ou com a noção de que, de alguma forma, estes problemas tinham a ver com os vinte anos anteriores de regime militar. Nenhum político deixaria de notar que haviam cerca de duas milhões de pessoas envolvidas de uma ou outra forma com o ensino superior, cujas atitudes influenciariam suas imagens públicas, assim como a imagem do próprio governo. Os trabalhos da Comissão demonstraram, no entanto, que havia muito pouco consenso a respeito do que havia realmente ocorrido com o ensino superior no país naqueles anos, e menos ainda quanto a possíveis soluções e encaminhamentos.

O primeiro problema surgiu na própria constituição da Comissão Presidencial. Como se cria uma comissão deste tipo, para que ela tenha um mínimo de chances de chegar a bons resultados? A resposta seria relativamente fácil se o governo, ou o partido político majoritário, tivessem uma idéia clara e articulada dos problemas do ensino superior, e uma visão definida, ainda que em termos muito gerais, dos objetivos a atingir. A maneira pela qual a Nova República foi formada excluía esta possibilidade . Haveria ainda uma segunda alternativa, que seria a de identificar um grupo de pessoas de prestígio intelectual e acadêmico indiscutíveis, que pudesse assumir a responsabilidade de chegar a um consenso e sugerir uma linha de ação, que o governo depois endossaria. O exemplo francês, com a comissão estabelecida por Laurent Schwartz, era bem conhecido(10), e poderia ter sido adotado. Era, porém, uma solução politicamente difícil, dada a multiplicidade dos grupos de interesse envolvidos com o ensino superior, e sua falta absoluta de consenso.

A solução final foi formar uma comissão ampla, de 25 membros(11), que pudesse fazer com que todos os grupos se sentissem, de alguma forma, representados: o Conselho Federal de Educação, as associações de docentes, os estudantes, os operários, os administradores universitários, os católicos conservadores e os liberais, os protestantes, os cientistas, os comunistas, os militares, os médicos, os advogados, os economistas, os cientistas sociais, as professoras, as universidades federais, as estaduais, as particulares. Pessoas que pudessem representar ao mesmo tempo mais de um setor foram especialmente buscadas. Não havia representação formal de grupos de interesse ou de determinados setores na Comissão, já que todos seus membros foram designados individualmente; mas os vínculos eram óbvios, e normalmente reconhecidos. O notável é que uma comissão constituída desta maneira pudesse, contra todas as expectativas, chegar a um conjunto minimamente coerente de propostas e sugestões ao cabo de seis meses.

5. Ausências e presenças

Os trabalhos da Comissão mostraram quão pouco setores externos ao ensino superior realmente se interessam, ou têm condições de articular suas demandas em relação a ele. Os representantes do empresariado e do setor sindical participaram pouco das discussões e, mais significativamente, nunca trouxeram para o interior da Comissão demandas articuladas provenientes de suas bases. Seus pontos de vista expressavam, sem dúvida, algumas noções e valores difusos que existem nos respectivos setores: entre os empresários, a idéia que as universidades públicas são mal administradas, e necessitariam de uma administração de tipo empresarial; entre os sindicalistas,a noção de que o ensino superior é elitista, e deveria dar mais condições de acesso a setores sociais menos privilegiados. Mas ficou bastante óbvio que nem o setor sindical nem o setor empresarial jamais dedicaram demasiado tempo e interesse aos problemas do ensino superior. A Comissão revelou, também, a impossibilidade de traduzir estas questões em termos estritamente partidários, ou ideológicos: ser um comunista, um neo-marxista ou um liberal não tinha uma implicação definida em termos de como as questões educacionais seriam vistas ou discutidas.

O grupo de interesse mais ativo durante todo o processo, dentro e fora da comissão, foi sem dúvida o das associações de docentes, lideradas de Associação Nacional de Docentes do Ensino Superior (ANDES). A associação questionou desde o início a legitimidade da Comissão, e tratou de elaborar seu próprio projeto de reforma do ensino superior do país. Sua posição pode ser resumida como um mixto de radicalismo político e conservadorismo educacional e institucional. Politicamente, pressionava pela autonomia total das universidades para a eleição de seus dirigentes, com a participação de docentes, estudantes funcionários; por outro lado, se opunha a qualquer sugestão que pudesse levar à avaliação externa do desempenho administrativo e acadêmico das universidades públicas, ou à transferência efetiva de responsabilidades do plano federal para o das universidades; se opunha, também, ao reconhecimento das diferenças existentes entre as instituições de ensino superior, e a qualquer forma de subsídio público ao ensino privado. O problema da democratização do governo universitário era visto como prioritário; o da democratização do acesso não chegava a provocar muito interesse. A preocupação das organizações docentes não era somente, e talvez mesmo nem principalmente, com as recomendações que pudessem sair da Comissão; o que buscavam era, acima de tudo, firmar o princípio de que a política educacional deveria ser decidida nas bases, que, neste caso, equivaliam às assembléias de professores e às campanhas eleitorais nas universidades de onde as associações tiravam sua força. Em contraste com os jovens professores reunidos nas associações de docentes, os representantes do professorado mais tradicional, das carreiras mais clássicas, tiveram uma participação muito mais discreta, mas manifestaram sua força através, principalmente, da influência que exercem junto ao Conselho Federal de Educação.

Membros da administração universitária, principalmente no setor público, mostraram-se também articulados. Realistas, não crêem em grandes reformas, mas têm conhecimentos bastante precisos sobre a legislação e as práticas administrativas e orçamentárias vigentes; sabem bastante bem que ítens de legislação precisam ser alterados para lhes dar mais liberdade de ação ou maiores benefícios, muitas vezes, na busca de benefícios a curto prazo a serem extraídos do governo (aposentadoria, estabilidade no emprego, facilidades de promoção) se colocam em fácil aliança com as associações de docentes.

Um terceiro grupo de interesse que se expressou com intensidade, ainda que nem sempre de forma coerente, é o do ensino privado. Na realidade, trata-se de um setor muito diferenciado em si mesmo -- universidades de elite e de fins de semana, católicos conservadores e liberais, protestantes, instituições efetivamente comunitárias e empresas comerciais mal disfarçadas. Sua demanda comum é o subsídio governamental, e seu principal argumento é a ineficiência das universidades públicas. Quase não existem, no setor privado, associações docentes, movimentos estudantís organizados ou administradores profissionalizados. O setor privado, na maioria das vezes, é representado diretamente pelos donos das escolas, que muitas vezes conseguem o apoio e a influência de políticos importantes para conseguir os auxílios que buscam.

Os estudantes se revelaram, neste processo, menos articulados e politicamente mobilizados do que se esperava. Suas demandas tendiam a se reduzir a uma lista de reivindicações de curto prazo e interesse imediato -- restaurantes baratos, alojamento, cursos noturnos, gratuidade do ensino, facilidades para atividades esportivas, e assim por diante. No mais, se limitavam a apoiar as reivindicações políticas das associações de docentes. Para os que acompanharam os movimentos estudantís dos anos 60, era um contraste marcante.

O setor mais acadêmico -- aqueles relacionados com os novos programas de pesquisa e pós-graduação e que, supostamente, representariam o ideal da universidade de pesquisa tentado pela legislação de 1968 -- eram de fato os que tinham condições de apresentar as sugestões mais articuladas e coerentes a respeito dos problemas do ensino superior e de vias possíveis para seu encaminhamento. Sua capacidade de organização e mobilização na defesa de seus pontos de vista, no entanto, era muito limitada. O resultado final do trabalho da Comissão refletiu, em certo sentido, esta situação: o setor mais acadêmico foi capaz de colocar a maioria de suas idéias no documento final, mas não teve como fazer com que elas fossem levadas à prática.

6. Temas e não-temas.

O relatório final da Comissão foi um documento de 140 páginas entitulado Uma Nova Política para a Educação Superior Brasileira, e dividido em quatro partes. A primeira, "Por uma nova política para a educação superior brasileira, apresenta de forma sistemática os pontos de vista que prevaleceram na comissão; a segunda foi uma lista de "recomendações" oriundas de diferentes grupos de trabalho e votadas pela Comissão; a terceira era uma proposta "medidas de emergência" relativas, principalmente, à situação salarial dos professores e aos orçamentos das universidades; a quarta, finalmente, era constituída por algumas declarações de voto em separado(12).

O sentido principal das recomendações pode ser resumido em dois pontos: diferenciação institucional e autonomia efetiva com responsabilidade e avaliação. A primeira recomendação significava que o governo deveria abandonar a suposição da reforma de 1968, de que todo o ensino superior brasileiro evoluiria no sentido do modelo da universidade de pesquisa, e reconhecesse a necessidade de aceitar a pluralidade de objetivos, formatos e arranjos institucionais. A segunda propunha que o ensino superior brasileiro deveria assumir responsabilidades cada vez maiores na gestão de seus recursos e no estabelecimento de suas políticas de pessoal, ensino, pesquisa e administração financeira; mas que esta autonomia deveria vir acompanhada de um sistema cada vez mais aperfeiçoado e competente de avaliação inter-pares e acompanhamento. Em outras palavras, deveria haver uma passagem da tradição de controles formais a priori, e pela via burocrática, a um sistema de avaliação substantiva, a posteriori e conduzido pela própria comunidade universitária. Esta avaliação não deveria se limitar ao desempenho acadêmico, mas, para instituições operando com recursos públicos, deveria tratar também da efetividade na utilização destes recursos. Para as instituições isoladas ou pequenas, sem status universitário, a Comissão sugeriu que eles ficassem sob a supervisão acadêmica de universidades vizinhas, ou de conselhos de acreditação e supervisão a ser estabelecidos para este fim.

A Comissão reafirmou o papel do Estado como o principal provedor de recursos para o ensino superior, mas recomendou também que o Estado prestasse apoio financeiro a instituições privadas de qualidade reconhecida. Os problemas de eqüidade de acesso à educação superior deveriam ser atendidos basicamente pela melhoria e facilidade de acesso ao ensino básico e secundário; pela criação de formas não convencionais de ensino pós-secundário e educação continuada, incluindo modelos de universidade aberta; e pela implantação de bolsas de estudo de manutenção para estudantes qualificados mas sem recursos. Houve uma recomendação explícita de não reduzir os padrões de admissão para as universidades públicas, assim como contra uma política de aumento indiscriminado de vagas.

Em relação à pesquisa, a Comissão recomendou que houvesse um fundo de pesquisas do próprio Ministério da Educação, a ser administrado pela CAPES e distribuído de forma competitiva para todo o país, de tal maneira que os recursos de pesquisa não se diluíssem nos orçamentos das universidades. A Comissão recomendou ainda que a CAPES mantivesse um sistema de bolsas de pesquisa semelhante ao do CNPq, que pudesse suplementar os salários dos professores efetivamente engajados em pesquisa.

Estas medidas não poderiam ser concretizadas mediante simples mudanças de legislação., mas requeriam algumas mudanças institucionais significativas, a começar por uma reformulação profunda do Conselho Federal de Educação, que deveria se transformar em uma instituição verdadeiramente representativa dos ideais universitários do país, e que pudesse assumir a responsabilidade pelos processos avaliativos. A CAPES deveria ter suas funções ampliadas e consolidadas; e o Ministério da Educação deveria se transformar, de uma agência para o controle burocrático e orçamentário das universidades, em um núcleo de apoio, promoção e estímulo à criação de mecanismos de avaliação e a inovações pedagógicas e educacionais.

Em um país como o Brasil, seria de se esperar que os temas relacionados ao acesso, eqüidade, qualidade da educação, pesquisa, e ao uso adequado dos recursos públicos, ocupassem o centro das atenções nas discussões sobre o ensino superior. A maior parte dos debates, no entanto, giraram ao redor de temas completamente diferentes.

Os dois pontos que geraram mais discussão foram o da gestão universitária e o da diferenciação. Eleições diretas e participação paritária de professores, alunos e funcionários em órgãos acadêmicos em todos os níveis já vinham sendo postos em prática em muitas universidades, e isto era defendido por representantes de docentes e estudantes como a própria essência da democratização universitária. Por outro lado, haviam os que insistiam que as universidades públicas tinham uma função social a cumprir, e que sua autonomia deveria estar condicionada ao desempenho adequado desta função; e que, por isto, ela deveria ser combinada com a avaliação externa, com determinadas formas de supervisão governamental, e com até mesmo com a possibilidade de intervenção(13).

A questão da diferenciação polarizou a discussão de forma diametralmente oposta. Os mesmos setores que reivindicavam plena autonomia para a eleição das autoridades universitárias eram os que mais se opunham a que as instituições pudessem ter a liberdade de escolher os objetivos que lhes parecessem mais adequados, e escolhessem os meios para implementá-los. Mais especificamente, eles não admitiam que algumas instituições pudessem optar por se dedicar mais à pesquisa, ou mais ao ensino, de forma global ou em determinados setores; e que elas pudessem estabelecer seus próprios mecanismos contratação, promoção e remuneração de pessoal. O argumento era que, uma vez que a diferenciação fosse admitida em princípio, ela levaria inevitavelmente à discriminação. A uniformidade formal -- e seus corolários inevitáveis, o controle centralizado e a contrafação -- deveriam, por isto, prevalecer, ainda que em combinação com total autonomia política; um aparente paradoxo que só faz sentido se entendermos que a autonomia que se buscava não visava, de fato, inovar.

Quadro 5. Matrícula por pessoal docente e não docente em diversos tipos de instituição de ensino superior, 1982.
Instituições Total de docentes % em tempo integral matrículas por docente TI/Eq* matrícula por não docente TI/Eq não docente por docente (TI/Eq)
Todas as Instituições:
Federais 43.866 66.2 9,0 4,9 1,87
Estaduais 16.565 44,2 12,1 8,3 1,45
Municipais  6.015 13.5 28.2 40.7 0,69
Privadas 49.664 6,5 32,6 37,1 0,88
Universidades:
Federais 41.310 66,8 9,2 5,0 1,85
Estaduais 12.921 52.1 9.9 6.2 1.59
Municipais  1.044 25,1 17,0 26,7 0,97
Privadas 15.717 8,3 29,7 28,9 0,97
*Tempo integral equivalente a 40 horas de trabalho semanal. Fonte: Baseado no Relatório da Subcomissão de Financiamento do Ensino Superior, tabelas 12 e 13. Dados extraídos de MEC/SG/SEINF/SEEC apud "Retrato do Brasil, 1970-1990", Ministério da Educação e Cultura.

Também controverso foi o tema do financiamento, e particularmente o do financiamento público ao ensino privado. O quadro 5, com dados produzidos a pedido da Comissão (mas retirados do relatório final pela pressão de membros ligados às universidades federais), demonstra com clareza que as instituições públicas são muito mais caras e burocratizadas do que as privadas, ainda que muitas vezes por boas razões. Segundo o anexo do documento preparado pela subcomissão, "a baixa relação aluno/professor no ensino superior federal é atribuível em parte ao peso relativo da esfera federal [e também estadual] das áreas de saúde, tecnologia, agronomia, pós-graduação e pesquisa; em parte à infraestrutura de serviços para professores, alunos e funcionários existentes nas instituições públicas de ensino; mas também parece haver um excesso de horas docentes contratadas que não são utilizadas nem na pesquisa nem na prestação de serviços". Esta interpretação, em si mesma, não é controversa; o que se discute é se este tipo de dados devem ou não serem discutidos à luz do dia ou, ao contrário, mantidos em sigilo, para não dar argumentos aos defensores do ensino privado.

A noção de que os estudantes, ou suas famílias, deveriam arcar com os custos de seus estudos nunca chegou a ser discutida seriamente na Comissão. Foi bastante claro, desde o início, que os custos de um ensino superior de qualidade em um país como o Brasil jamais poderiam ser cobertos com recursos extraídos diretamente dos estudantes, e a cobrança indiscriminada de anuidades aumentaria ainda mais as discriminações ao acesso ao ensino superior que já existem. A partir destas considerações, os representantes do setor privado concluem que o Estado deve subsidiar suas instituições; enquanto que outros argumentam que, se o Estado deve subsidiar, então estas instituições devem tornar-se efetivamente públicas.

A introdução de algum nível de recuperação de custos teria efeitos benéficos, no entanto, mesmo sem resolver a questão do financiamento global do ensino superior. Do ponto de vista da administração universitária, ela criaria uma fonte adicional de recursos significativa; do ponto de vista dos alunos, ela os tornaria mais seletivos e responsáveis em suas decisões de fazer uso dos serviços públicos educacionais; mais particularmente, ela ajudaria a reduzir os altíssimos níveis de ocupação de vagas por estudantes que não cursam matérias, ou só o fazem minimamente. Do ponto de vista da sociedade, seria uma medida justa, dadas as origens sociais da maioria dos estudantes das instituições públicas. Um sistema de cobrança de anuidades deveria, sem dúvida, proteger de forma adequada os estudantes que não pudessem, efetivamente, pagar. Apesar destes argumentos, a Comissão considerou que os custos políticos de uma proposta deste tipo eram muito maiores do que seus eventuais benefícios.

Em retrospecto, chama a atenção o pouco que a Comissão teve que responder a demandas e pressões externas ao próprio meio do ensino superior, dentro ou fora do governo. Enquanto as discussões sobre autonomia, avaliação externa e diferenciação consumiam quase todas as energias, questões relativas à eficiência no uso dos recursos públicos, à igualdade de oportunidades de acesso, à natureza corporativa da legislação profissional e educacional, e às necessidades efetivas da sociedade mais ampla de serviços educacionais, de pesquisa e de extensão, jamais foram discutidas com maior profundidade, ainda que muitas delas constem do relatório final.

Os problemas de democratização do acesso estão intimamente relacionados com o que ocorre com o ensino básico e secundário, o que depende muito, por sua vez, da maneira pela qual os professores de nível básico e médio são recrutados e formados. No sistema ainda vigente, supõe-se que os professores da pré-escola até o quarto grau sejam formados em nível secundário. Eram as antigas escolas normais, que no passado funcionavam como um caminho buscado por moças de classe média que jamais aspirariam a uma carreira universitária, mas hoje recrutam principalmente aqueles que não tem como pagar uma escola secundária de melhor nível que os prepare para o ensino superior. Professores a partir do 5 grau, assim como aqueles envolvidos em tarefas de administração escolar e de orientação pedagógica e educacional, devem ter nível superior. Dados os baixos salários e o pouco prestígio do ensino como profissão, os cursos de pedagogia e as licenciaturas tendem a funcionar como segundas ou terceiras opções para estudantes que não conseguem entrar em carreiras mais prestigiosas e bem pagas, ou para professores de primeiro grau que querem subir profissionalmente, e que terminam, quando mais qualificados, por deixar as salas de aula. A maioria dos professores e técnicos em educação de primeiro grau do setor público obtém seus diplomas em estabelecimentos privados, de qualidade presumivelmente mais baixa do que as faculdades de filosofia e educação do setor público. Esta situação repercute dramaticamente na qualidade do ensino básico, e só poderia ser revertida por modificações profundas nos níveis salariais no reconhecimento público e social da função pedagógica, e também pela revalorização dos cursos de formação de professores nas universidades públicas. Estes problemas foram identificados por alguns membros da Comissão, mas não haviam muitas recomendações práticas que pudessem ser feitas a este respeito dentro de suas atribuições.

A educação superior no Brasil é também condicionada pela tradição corporativista que coloca um sério limite à autonomia que as universidades poderiam exercer. Todas as atividades profissionais, da medicina ao jornalismo, da engenharia à estatística, tendem a ser regulamentadas por lei, e supervisionadas por um conselho profissional, entidades de direito público supervisionadas pelo governo federal. A regulamentação significa que os cursos seguidos pelos diplomados nas respectivas profissões devem ter currículos equivalentes; que os detentores dos diplomas têm o monopólio do exercício de certas atividades; e, em muitos casos, que existe um salário mínimo legal para a profissão.

A necessidade de diplomas válidos nacionalmente leva aos currículos mínimos, que, em princípio, deveriam deixar ampla margem para inovações, acréscimos e aperfeiçoamentos por parte de cada instituição. Na prática, freqüentemente os currículos mínimos se ampliam ao extremo, por pressão dos grupos profissionais, para incorporar o máximo de atribuições legais nas respectivas profissões; e mesmo quando isto não ocorre, a existência de currículos legalmente definidos tende a inibir a capacidade de iniciativa e criatividade das instituições em relação ao que deveriam ensinar, reforçando um padrão de dependência e falta de iniciativa que vai geralmente muito além das restrições da própria legislação.

A conseqüência mais séria deste sistema, no entanto, é o credencialismo que gera. Tanto quanto possível, busca-se criar um mercado de trabalho obrigatório para os profissionais (advogados em todas as cortes de justiça, farmacêuticos em todas as farmácias, estatísticos -- ou sociólogos? -- em todas as instituições de pesquisa, economistas ou contadores em todas as empresas). Enquanto o mercado agüenta, os privilégios profissionais são mantidos; quando o setor privado começa a buscar subterfúgios para fugir a estas obrigações, o setor público persiste. Na maioria dos casos, a presunção de uma correspondência efetiva entre a função e a competência atribuída legalmente pelo diploma não é real, ou só o é muito parcialmente. No limite, a excessiva regulamentação leva à inflação de diplomas inúteis e ao desemprego de seus portadores. Quando isto ocorre, as primeiras vítimas são, naturalmente, as pessoas formadas pelas instituições menos qualificadas e nas profissões de menor prestígio -- exatamente aqueles que lutam mais bravamente pela manutenção de seus privilégios profissionais.

A Comissão teve o mérito de chamar a atenção para as conseqüências negativas desta tradição corporativista, mas não chegou a propor medidas necessárias para alterá-la: o fim do controle, regulamentação e supervisão governamental das profissões; a eliminação de currículos definidos em lei; a criação de mecanismos de acreditação para cursos e diplomados; e a abertura da possibilidade de criação de associações profissionais voluntárias e competitivas. Medidas como estas gerariam, sem dúvida, forte reação por parte de muitos setores ligados às corporações profissionais.

A Comissão tampouco tratou de basear suas recomendações em análises oriundas das teorias de capital humano, que estiveram tão em voga há somente alguns anos atrás. Estas teorias supõem que seja possível dimensionar o ensino superior de um país a suas necessidades atuais e projetadas de profissionais de alto nível. Uma das razões pela qual este caminho não foi tentado é que muitos de seus membros tinham uma noção bastante clara das limitações desta abordagem(14); uma outra razão, certamente, foi fato de a teoria do capital humano ter sido, no passado, utilizada para justificar as políticas concentradoras de renda do regime militar brasileiro(15). Mais importante, no entanto, parece ter sido o fato de que as tentativas de submeter o ensino superior à lógica das teorias do capital humano vêm, geralmente, de setores externos ao sistema de ensino -- governos, agências de financiamento, setores empresariais. No caso, no entanto, estas influências não se fizeram presentes.  

7. Posta em Prática.

Os trabalhos da Comissão foram seguidos atentamente pela imprensa, e seus membros solicitados a dizer, a cada momento, o que se poderia ou não se esperar de seu trabalho. Quando o documento final veio a público, em novembro de 1985, ficou óbvio que o consenso relativo e provisório que permitiu que a Comissão, ao contrário de tantas outras, concluísse seus trabalhos, não seria reproduzido no mundo real. O documento recebeu elogios, mas também atraiu críticas intensas de muitos lados, e o Ministério da Educação não ousou se comprometer com nenhuma de suas recomendações. A decisão oficial foi considerar o documento como um "subsídio" para futuras discussões, e, desta forma, postergar qualquer medida mais efetiva.

A oposição ao documento veio tanto da "esquerda" quanto da "direita". De um lado, o texto foi criticado como elitista, por sua insistência na diferenciação institucional, e como autoritário, por não endossar as eleições diretas e paritárias para os cargos de direção universitária. O tratamento especial e diferenciado para a pesquisa universitária, a instituição da avaliação externa, eram outras propostas consideradas elitistas e discriminatórias. A proposta de autonomia financeira das universidades era também vista como perigosa, tornando as universidades presa fácil das multinacionais, e levando o governo a reduzir seu compromisso financeiro com o ensino público e gratuito para todos.

De outro lado, a oposição veio do Conselho Federal de Educação, de alguns setores ligados à burocracia mais tradicional do Ministério da Educação, e de algumas outras fontes. O Conselho se ressentiu, naturalmente, da proposta de alterar em profundidade suas funções e sua composição; e a idéia de substituir o poder de alocação de recursos da burocracia governamental pela autonomia financeira e a avaliação inter-pares não provocou entusiasmo entre os setores da administração pública acostumados a manter as universidades sob seu controle. As propostas de diferenciação institucional também provocaram críticas dos que, ainda presos aos postulados da reforma de 1968, só viam nelas uma concessão à queda de qualidade do ensino superior dos últimos anos, que deveria, isto sim, ser recuperada. Uma série de artigos e editoriais do jornal O Estado de São Paulo criticou a Comissão por ter cedido às pressões das associações de docentes. Segundo este jornal, as propostas de avaliação inter-pares e de maior autonomia somente aumentariam a politização e a perda de qualidade do ensino no país, que estaria precisando de mais, e não menos, controle e centralização.

Havia, finalmente, uma oposição de cunho regional, e outra, institucional; setores ligados às universidades públicas nos estados mais pobres, principalmente do Nordeste, temiam que a ênfase em questões de qualidade e desempenho levaria a uma concentração ainda maior de recursos no centro-sul; e o setor privado não se satisfez com as qualificações que a Comissão sugeriu para o apoio governamental ao ensino privado.

Nem tudo, certamente, foram críticas. O documento foi geralmente bem recebido entre aqueles que, nas universidades, mais poderiam se beneficiar de níveis mais altos de autonomia, responsabilidade e da introdução de procedimentos avaliativos -- na maioria dos casos, o "alto clero". Alguns setores no Ministério da Educação também entenderam que o documento apontava no sentido correto, e começaram a trabalhar no sentido de por em prática algumas de suas recomendações. Um grupo de trabalho foi constituído para este fim -- o Grupo Executivo da Reforma da Educação Superior, GERES -- com a tarefa de dar continuidade às consultas com a comunidade universitária elaborar projetos de legislação a serem encaminhados para a aprovação do Congresso Nacional(16). Ao mesmo tempo, o tema da avaliação entrou na retórica do Ministério da Educação, ainda que sem maiores conseqüências práticas.

As propostas do GERES vieram à luz em meados de 1986, quando a campanha eleitoral daquele ano já se anunciava, e o Ministro da Educação que havia dado início ao processo de discussão, Marco Maciel, já havia se transferido para outras funções. O GERES preparou, além de um documento geral, dois projetos de lei, o primeiro reformulando profundamente a composição e as funções do Conselho Federal de Educação, e o segundo dando uma nova estrutura organizacional ao sistema de universidades federais, incorporando várias das medidas de decentralização, autonomia e responsabilidade que haviam sido recomendadas pela Comissão. O projeto propunha, ainda, mecanismos para a escolha de autoridades universitárias que combinavam a participação da comunidade com o princípio da participação do poder executivo neste processo.

O Ministro da Educação decidiu engavetar o primeiro projeto, que jamais veio à luz, e anunciar que o outro seria encaminhado ao Congresso para aprovação. O anúncio provocou a imediata mobilização das associações de docentes e de estudantes, com ameaças de greve e demonstrações de rua. Diante disto o governo preferiu não enviar o projeto ao Congresso, colocando assim, na prática, uma pá de cal sobre a reformulação do ensino superior brasileiro, anunciada com fanfarras um ano antes(17).

8. Depois da tormenta.

Teria todo o esforço, todos os debates, todas as discussões, um exercício inútil? Terá o Brasil perdido sua última chance? Em certo sentido, sim. Ainda que a Comissão tivesse tido o cuidado de não propor um modelo alternativo ao de 1968 para as instituições de ensino do país, colocando sua ênfase, ao contrário, na pluralidade de formatos e na implantação progressiva de novos mecanismos, suas propostas, e as do GERES, não deixaram de ser percebidas como profundamente inovadoras e, neste sentido, radicais. Mas o Brasil comparte hoje com vários países latinos -- França, México, Espanha, e possivelmente Itália - a experiência concreta de que os grupos de interesse vinculados ao seu sistema de ensino superior são muito mais fortes, politicamente, do que o empenho de seus governos em melhorar, efetivamente, o desempenho deste setor. Transformações e melhorias podem, eventualmente, ser feitas na margem, de forma incremental, abrindo novos espaços, criando novas fontes de recursos e incentivos, e assim por diante; mas os custos de mudar o sistema parecem ser demasiado altos(18).

O efeito mais tangível dos trabalhos da Comissão foi que ela ajudou a explicitar as contradições e tensões que existem dentro do ensino superior brasileiro, e tornou legítimas as opiniões dos muitos que até então permaneciam inibidos ante a pressão avassaladora das assembléias classistas. Ela ajudou a questionar uma série de supostos que até há pouco ninguém discutia -- como a natureza corporativa das profissões, a uniformidade curricular dos cursos, a necessidade de um órgão como o Conselho Federal de Educação, ou a indissolubilidade do ensino e da pesquisa. Agora já é permissível -- ainda que um pouco suspeito, requerendo, por isto, certa dose de coragem -- pensar de forma diferente. Na medida em que, no futuro, a realidade continue a evidenciar as limitações do sistema ora existente, é possível que muitas das propostas da Comissão e do GERES voltem a ser examinadas, ainda que sob outras roupagens.

Em última análise, somente uma minoria dentro do ensino superior brasileiro -- aqueles acadêmica e profissionalmente mais qualificados, que se sentem sem condições de trabalhar o melhor que podem, e não se sentem reconhecidos por seu desempenho -- têm interesse real na melhoria do sistema. Estas pessoas, no entanto, têm outras alternativas profissionais, que vão desde a possibilidade de obter subsídios diretos para suas pesquisas até o trabalho bem remunerado no setor privado. Por isto mesmo, elas preferem em geral não se envolver e se desgastar com os problemas políticos e os movimentos reivindicatórios dos demais. Os cientistas estão acostumados a ficar longe das autoridades universitárias e do Ministério da Educação, e buscar seu prestígio, reconhecimento e recursos em outras partes. O Ministério de Ciência e Tecnologia, desde o início, excluiu as universidades de sua área de atribuições, e ajuda a reforçar esta tendência.

Os únicos grupos completamente trancados dentro do sistema público de ensino superior são os professores menos qualificados, que formam a grande maioria. Suas qualificações profissionais não são suficientes para que possam optar com liberdade pelo trabalho no setor privado, e sua capacidade de obter recursos de forma independente, para projetos de pesquisa próprios, são bastante reduzidas. Além disto, uma parte significativa destes professores trabalha em instituições localizadas em regiões onde as oportunidades de emprego em posições de classe média são bastante reduzidas(19). Enquanto que a massa dos professores depende quase que exclusivamente de sua capacidade reivindicatória, e de seu poder de mobilizar os estudantes, funcionários e políticos influentes em suas campanhas, aqueles melhor qualificados, nas universidades de mais prestígio localizadas nos grandes centros, têm um leque muito mais amplo de alternativas.

Para o governo, a melhor maneira de lidar com um sistema educacional obviamente ineficiente, mas com grande capacidade de mobilização política, é tratar de manter seus gastos ao mínimo, fazer concessões quando preciso, e abrir outras alternativas para atender a necessidades que considera mais prementes. O Brasil já tem uma longa experiência de criar instituições educacionais e de pesquisa fora do contexto universitário, e longe do Ministério da Educação; e é provável que continue a fazê-lo no futuro. Para o empresariado, a solução sempre tem sido, desde os anos 30, a manutenção de um sistema paralelo de formação técnica de nível médio (o SENAI e o SENAC, que formam cerca de um milhão de pessoas por ano) e a contratação de engenheiros formados pelas melhores escolas para funções mais complexas e, principalmente, de gerência. As empresas brasileiras, como é sabido, fazem muito pouca pesquisa tecnológica, e as multinacionais, por razões óbvias, preferem manter seus laboratórios nos Estados Unidos ou Europa. Algumas das grandes estatais brasileiras que sentem a necessidade da pesquisa tecnológica tendem a criar seus centros de pesquisa, assim como a formar seu próprio pessoal especializado.

Todo este cenário aponta para a progressiva "latinoamericanização" do ensino superior público brasileiro, com a alienação de seus setores mais competentes, e politização (ou, mais precisamente, corporativização) progressiva de todas suas atividades. A continuar esta tendência, o setor privado, que até aqui tem absorvido as demandas por educação e diplomas dos setores sociais menos privilegiados, tenderá a passar este fardo para o setor público, e começar a atrair para si os estudantes mais qualificados e com condições de pagar uma educação de melhor qualidade. Na medida em que esta transição se der, o ensino privado terá condições de conquistar duas de suas principais reivindicações: o direito de cobrar mais, e o acesso cada vez maior a subsídios governamentais. Um sistema deste tipo será talvez capaz de dar ao país uma pequena elite científica e profissional, mas não poderá sustentar um sistema minimamente competente de ensino superior de massas.

No Brasil como em qualquer outra parte, o ensino superior desempenha muitas outras funções além da simples geração e transmissão de conhecimentos. É uma fonte de emprego para os educados, tanto mais importante quanto faltem outras alternativas; provê um lugar onde os jovens podem permanecer enquanto esperam seu lugar em um mercado de trabalho saturado; dá às pessoas um sentimento de prestígio e auto-estima; e emite credenciais que, no melhor dos casos, permite a obtenção de empregos seguros e salários garantidos; e, no pior, permite aos diplomados deslocar de seus empregos daqueles que ficaram mais abaixo na ladeira educacional. Nenhuma destas funções depende muito da qualidade da educação recebida, ou da eficiência com que as instituições de ensino são administradas; e várias delas, na realidade, sofreriam se o sistema de ensino superior se tornasse mais competente, menos burocratizado, e mais competitivo.

Podem haver, no entanto, outras tendências. Restrições orçamentárias, as necessidades do ensino básico, e a mobilização política de outros setores -- sindicatos, associações de empresários, grupos profissionais -- podem colocar limites na capacidade de o governo continuar a financiar um sistema de ensino superior ineficiente; e isto poderia, por sua vez, fazer com que o desempenho passasse a ser um valor importante no meio universitário, como forma de assegurar sua legitimidade e seu direito aos recursos públicos. Mudanças no mercado de trabalho podem reduzir o prêmio que hoje ainda existe para a posse de diplomas, e com isto reduzir a demanda pela educação meramente formal; elas podem também levar a uma progressiva valorização do conhecimento e da competência enquanto tais, e assim pressionar o sistema educacional nesta direção.

Mais importante do que tudo, no entanto, é o fato de que, independente do que faça o governo federal, o ensino superior brasileiro talvez já seja demasiadamente complexo e diferenciado para poder voltar atrás, produzindo, incessamentemente, inovações tópicas e incrementais nos lugares mais inesperados. Diferentes formas de avaliação do ensino de graduação começarão inevitavelmente a ser implantadas, dando ao governo, e à sociedade, informações que não somente não existiam mas que, até recentemente, nem eram consideradas necessárias. Sistemas competentes de educação continuada e à distância poderão ser criados, reduzindo assim a pressão que as universidades públicas recebem hoje para ampliar suas vagas e reduzir seus padrões de recrutamento. Instituições privadas, estaduais, comunitárias, religiosas, orientadas para o ensino, a formação técnica, a pesquisa ou a prestação de serviços, continuarão a surgir e a lutar por seus espaços; e, salvo uma crise econômica irrecuperável, recursos continuaram a fluir de fontes diferentes, e muitas vezes contraditórias. É nesta complexidade crescente, antes que de qualquer projeto de reforma, por melhor concebido que seja, que reside a esperança de manter o ensino brasileiro com partes vivas e criativas, apesar das marcas já evidentes de esclerose precoce. 


Notas  

1. Publicado originalmente como "Brazil: Opportunity and Crisis in Higher Education", Higher Education17, 1, 1988.

2. Na realidade, exemplos como o do Instituto Rio Branco e o Instituto Tecnológico da Aeronáutica mostram que instituições de elite e à margem do sistema universitário não são completamente desconhecidas no Brasil. Elas são acima de tudo, no entanto, exceções que confirmam a regra.

3. Veja, a respeito da Reforma Francisco Campos e da fundação da Universidade de São Paulo, S. Schwartzman, Formação da Comunidade Científica no Brasil, São Paulo, Cia. Editora Nacional, e Rio de Janeiro, FINEP, 1979, capítulos 6 e 7; e, para o projeto da Universidade do Brasil, S. Schwartzman, Helena Maria Bomeny e Vanda Ribeiro Costa, Tempos de Capanema . Rio de Janeiro, Editora Paz e Terra, e São Paulo, Editora da Universidade de São Paulo, 1984, capítulo 7.

4. Para um panorama da evolução do ensino superior do Brasil nestes anos e sua situação atual, ver o número especial de Ciência e Cultura sobre "Universidade Brasileira: Organização e Problemas" (suplemento ao vol. 37, 7, Julho de 1985; para uma perspectiva comparada, cf. Daniel C. Levy, Higher Education and the State in Latin America -- Private Challenge to Public Dominance, Chicago, University of Chicago Press, 1986.

5. Esta conclusão se baseia em extensa pesquisa realizada por Pedro Lincoln Leão de Mattos, para sua tese de doutoramento na Universidade de Essex, Inglaterra.

6. Um exemplo claro foi o da Faculdade de Ciências Econômicas da Universidade Federal de Minas Gerais. Seu curso de sociologia e política foi praticamente destruído ao ser integrado com o antigo curso de ciências sociais da Faculdade de Filosofia. O curso de economia, no entanto, permaneceu sem muitas mudanças, e sobreviveu.

7. Erno I. Paulinyi e outros, Indicadores Básicos de Ciência e Tecnologia. Brasília, Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, 1986.

8. Destes, só uma minoria obteve sua titulação através de programas de doutoramento ou mestrado, e estão efetivamente engajados em pesquisa científica de algum tipo que implique na produção e publicação regular de trabalhos especializados.

9. Graças a financiamentos recebidos do Banco Interamericano de Desenvolvimento, a maioria das universidades federais construiu seu campi nos arredores dos centros urbanos, hoje decadentes por falta de manutenção. Residências universitárias na maioria dos casos não foram construídas, diz-se que por receio de concentrações estudantís. Por isto, não foi possível generalizar no Brasil o costume de os estudantes saírem de suas casas para viver junto às universidades. O acesso aos campi tornou-se difícil, e as universidades terminaram por se isolar dos contextos urbanos a que deveriam servir.

10. O livro de Laurent Schwartz, Para Salvar a Universidade, havia sido publicado no Brasil em 1984,em uma co-edição da editora T. A. Queiroz com a Universidade de São Paulo, um ano depois de sua publicação em Paris.

11. Caio Tácito, presidente; Simon Schwartzman, relator; José Eduardo Faria, secretário executivo; Amílcar Tupiassu, Bolívar Lamounier, Carlos Nelson Coutinho, Clementino Fraga Filho, Dom Lourenço de Almeida Prado, Edmar Lisboa Bacha, Eduardo de Lamônica Freire, Fernando Jorge Lessa Sarmento, Francisco Javier Alfaya, Guiomar Namo de Mello, Haroldo Tavares, Jair Pereira dos Santos, Jorge Gerdau Johanpeter, José Leite Lopes, José Arthur Giannotti, Luís Eduardo Wanderley, Marly Moysés Silva Araújo, Paulo da Silveira Rosas, Roberto Cardoso de Oliveira, Romeu Ritter dos Reis, Ubiratan Borges de Macedo.

12. O texto do relatório foi difundido pelo Ministério da Educação sob o título de Uma Nova Política para a Educação Superior Brasileira - Comissão Nacional de Reformulação da Educação Superior - Relatório Final, e reproduzido em fac-símile pela Imprensa Universitária da Universidade Federal do Ceará, assim como pelo Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas, dentro de sua série de "Ciência e Sociedade".

13. Veja, a respeito do tema da autonomia, os artigos reunidos pelo Conselho de Reitores das Universidades Brasileiras, "Autonomia da universidade brasileira: vicissitudes e perspectivas", número especial de Estudos e Debates, 3, 1980 (2a. edição, 1987).

14. Veja por exemplo O. Fulton, A. Gordon e G. Williams, Higher Education and Manpower Planning: A Comparative Study of Planned and Market Economies, Genebra, International Labour Office, 1982.

15. Veja C. Langoni, Distribuição de Renda e Desenvolvimento Econômico do Brasil. Rio de Janeiro, Ed. Expressão e Cultura, 1973.

16. O GERES foi constituído por Antônio Octávio Cintra e Getúlio Carvalho, secretários gerais adjuntos do Ministério da Educação; Sérgio Costa Ribeiro, coordenador do Programa de Avaliação da Reforma Universitária (PARU); Edson Machado de Souza, diretor da Capes; e Paulo Elpídio Menezes Neto, Secretário de Educação Superior.

17. A documentação produzida pelo GERES, os documentos produzidos respeito por uma série de entidades, e os debates havidos a respeito, foram reunidos pelo Conselho de Reitores em "Reforma Universitária - Propostas e Controvérsias", Estudos e Debates 13, Janeiro, 1987.

18. O fracasso europeu em suas tentativas de mudar em profundidade seus sistemas de ensino superior é analisado em L. Cerych e P. Sabatier, Great Expectations and Mixed Performance - The Implementation of Higher Education Reforms in Europe, Trentham Books, European Institute of Education and Social Policy. 1986.

19. O valor real dos salários dos professores das universidades públicas variam enormemente, é claro, com a inflação. O relatório da subcomissão de financiamento da Comissão Nacional assinalava em 1985 que "os salários vigentes podem ser impeditivos para atrair professores efetivamente em tempo integral, não para recompensar aqueles que apenas dão aulas e não fazem pesquisa ou prestam serviços. O pagamento de 40 horas para que se cumpra apenas a carga de aulas usual implica uma remuneração acima dos preços de mercado. Dados de 1984 do IBGE (PNAD) indicam que os professores de ensino superior que trabalham 40 horas ou mais por semana na ocupação principal percebem rendimentos mensais que são, em média, ligeiramente superiores aos dos outros profissionais de nível superior (13,9 salários mínimos contra 12,3). Esta situação tornou-se ainda mais favorável com os reajustes de meados de 1987. <