O futuro da pesquisa

Antonio Paim

O Conselho de Pesquisa da Suécia desenvolveu, entre 1990 e 1993, um projeto destinado a identificar quais as principais modificações que devem ocorrer na pesquisa científica, tecnológica e de humanidades em face das transformações pelas quais vem passando a sociedade no Ocidente. O projeto contou com a colaboração da Universidade da Califórnia (Estados Unidos). Subseqüentemente envolveram-se diversas instituições (entre outras as Universidades de Sussex, Inglaterra; de Viena, Áustria e de Quebec, Canadá). Os resultados constam do livro The New Production of Knowledge. The Dinamics of Science and Research in Contemporary Societes, 1994/1995, de que apareceu edição comercial em 1996 (London, Sage Publications). Apesar de ter contado com a colaboração de um brasileiro (Simon Schwartzman) e de sua alta significação, os responsáveis pela formulação da chamada "política científica" não produziram nenhuma demonstração de que dele tivessem tomado conhecimento. Essa demonstração de auto-suficiência resulta da estrutura corporativista de que veio a revestir-se o setor e certamente vai nos custar muito caro. A breve indicação de suas principais conclusões servirá para evidenciar como estamos distante da realidade.

A primeira advertência consiste em que a pesquisa passará a depender cada vez mais das exigências do mercado e vão definir-se no contexto da aplicação. Não se trata simplesmente de considerações de ordem comercial, mas sobretudo do fato de que o conhecimento se difundiu pela sociedade, diversificando-se extremamente as demandas e expectativas. Lembro a propósito desta primeira conclusão que Peter Drucker, o renomado teórico da administração, define-a diretamente como 'sociedade do conhecimento'.

As pesquisas terão como principal característica o que denominam de "transdisciplinariedade". O emprego do novo termo pretende indicar que não abrange apenas diversas disciplinas (interdisciplinariedade). Estando voltadas para a sociedade, tanto em termos de aplicação como de definição, são sobretudo dinâmicas, podendo englobar sucessivamente novos atores.

Deve-se esperar a ampliação do número potencial de locais onde o conhecimento pode ser criado. "Não apenas universidades e colégios, mas institutos não universitários, centros de pesquisa, agências governamentais, laboratórios industriais, ‘think-tanks’ e consultorias, em franca interação."

As pesquisas estarão sujeitas ao controle social. O estudo destaca que continuarão surgindo novos grupos de interesses desejosos de fazer-se representar nos órgãos decisórios da "política científica", pela crescente ingerência que a técnica e a ciência têm na vida de cada um. Aos interessados no meio ambiente agregam-se os que se preocupam com a biotecnologia e seus reflexos na medicina; os que desejam influir nos meios de comunicação, notadamente em termos de privacidade e respeito a determinada escala de valores; e os que querem opinar sobre aborto e planejamento familiar. A expectativa é de ampliação sucessiva dessa lista. O livro aborda especificamente cada um dos grandes campos de pesquisa (científica, tecnológica e de humanidades) com observações de grande pertinência. Não sendo esta a oportunidade para referi-las, quero ater-me apenas aos aspectos gerais antes enumerados.

Verifica-se que a pesquisa caminha no sentido crescente da transparência e do amplo envolvimento da sociedade, sem embargo de que os especialistas continuam como o elo inicial da cadeia. No caso brasileiro, o quadro é diametralmente oposto. Grupos fechados que a ninguém prestam contas têm domínio absoluto das instituições. O caso da pesquisa filosófica patrocinada pela Capes, que tive ocasião de referir anteriormente, é bem um exemplo do desperdício de recursos públicos, tratando-se no fundo de uma duplicação desnecessária desde que o CNPq faz a mesma coisa, ambas consumindo a parcela fundamental das verbas com os próprios funcionários. Balanço patrocinado pela PUC do Rio Grande do Sul concluiu que todo o conjunto de publicações filosóficas é devido apenas a 10% dos professores, que muito provavelmente não contam com quaisquer estímulos, pois as bolsas e outras franquias distribuem-se cartorialmente. À luz das conclusões do estudo patrocinado pela Suécia, parece essencial promover-se o arejamento dessa área.

Antonio Paim é filósofo, professor e escritor.

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