Anunciada
com tanta fanfarra por Tarso Genro em 2004, a versão final do projeto
de reforma do ensino superior brasileiro terminou como um parto da
montanha: não enfrentou nenhum dos problemas importantes do ensino
superior. O lado bom foi haver recuado de várias propostas audaciosas e
equivocadas, mas não todas. É ainda um projeto ruim.
Os países
emergentes (Coréia do Sul, Cingapura, Malásia, Taiwan, Chile e outros),
bem como a Europa (Processo de Bolonha), estão discutindo e
implementando reformas de ensino superior. Todas elas têm em comum
quatro linhas mestras: internacionalização, diversificação, eficiência
e co-financiamento. Em vez de estimular a criação de universidades de
classe e presença internacional, o projeto acena com o fantasma de que
"o investimento feito pela sociedade brasileira seja adquirido e
desnacionalizado pelo capital estrangeiro descompromissado". Em vez de
lidar seriamente com as questões de diferenciação, o projeto insiste no
velha mantra da "indissociabilidade do ensino, pesquisa extensão" e
confirma a mesma tipologia de instituições hoje existentes, sem
considerar a necessidade de novos perfis. Deserção elevada, inadequação
dos currículos, pesquisa inútil, nada disso preocupa. Pior, a nova
sistemática de avaliação parece inviável. Num projeto de reforma que
ambiciona "refundar o ensino superior do País", esperaríamos soluções
para tornar as instituições mais eficientes e eficazes. Como o ensino
superior produz benefícios privados importantes para os que se graduam,
o setor público não pode e não precisa continuar arcando sozinho com
seus custos. No entanto, sobrevive o princípio da gratuidade do ensino
superior público.
O governo desistiu da introdução compulsória de
cotas raciais (que, no entanto, tramita como projeto de lei em separado
no Congresso) e incluiu exigência de que sejam dedicados recursos ao
apoio financeiro a estudantes mais pobres. Contudo, o aumento
indiferenciado de cursos noturnos e a "inclusão de grupos sociais e
étnico-raciais sub-representados na educação superior" (artigo 36)
requereriam a adequação dos programas de ensino. Sem isso pode cair
seriamente o nível dos cursos e aumentar o abandono e a repetência. É
imperiosa a diferenciação institucional e acadêmica, para atender a
estudantes com perfis educacionais também diferenciados.
O
governo continua tratando o setor privado como vilão, e não como o
parceiro que, bem ou mal, proporciona educação superior a 70% dos
estudantes do País. O projeto define as universidades federais como
entidades dotadas de personalidade jurídica própria, mas não dá o mesmo
status às instituições privadas, cujos atos jurídicos deverão ser
executados por intermédio suas mantenedoras (artigo 7). Isto torna
inócuo o artigo 25, que torna obrigatória a existência de colegiados
nas universidades e nos centros universitários privados, com a
participação máxima de 20% de representantes da mantenedora nos
colegiados.
Pela exposição de motivos, o projeto de lei "não cria
novas despesas, já que traz apenas uma alteração na prioridade no gasto
público..." Isso não é verdade. Pelo o artigo 43, @ 1, item 4, gastos
com inativos e pensionistas serão transferidos para os recursos gerais
da União (cerca de R$ 3 bilhões/ano). Pelo projeto, 75% dos recursos do
MEC serão vinculados ao ensino superior, quando a proporção atual seria
de cerca de 70%. Isso reduzirá o peso relativo dos gastos federais com
a educação fundamental. O objetivo seria garantir a autonomia
institucional das universidades. O simples aumento de gastos, porém,
não garante a autonomia, pois esta depende de um poder efetivo das
instituições de administrar seus próprios recursos.
A autonomia
das universidades públicas permanece cerceada, pois o governo abandonou
a idéia de dotar as universidades de um orçamento global e plurianual.
Ademais, não concede a autoridade de alterar o seu quadro de pessoal. O
artigo 11 requer que as universidades implantem planos próprios de
carreira, mas o artigo 50 institui um plano de carreira nacional para
todas as universidades federais, sem tocar na questão do regime
jurídico das contratações. Com isso as universidades não ganharão a
liberdade para estabelecer políticas de pessoal próprias, nem de
alterar a situação de professores de desempenho inadequado, ou
desnecessários para seus objetivos principais.
Pelo projeto, a
partir de agora, nas instituições federais, "os recursos serão
distribuídos conforme indicadores de desempenho e qualidade". Não é
verdade, pois esta avaliação só será exercida "no que exceder as
despesas obrigatórias" (que não foram definidas). Supomos serem os
gastos de pessoal e de custeio. Ou seja, as instituições continuarão
sem liberdade para administrar o grosso de seus recursos - prevalecendo
o critério dos custos históricos, sem nenhum critério efetivo de
avaliação de necessidades ou desempenho.
Sabiamente, o projeto
recua na eleição direta dos reitores, sem especificação do peso
relativo dos diferentes segmentos da universidade. No entanto, o reitor
não poderá ser recrutado de outra instituição e tem de ser um professor
de carreira. Isso subtrai um elemento de inovação institucional, que é
a capacidade de buscar novas lideranças, com novas perspectivas e
orientações.
Finalmente, fica proibida a criação de novas
universidades, que só poderão ser estabelecidas depois de funcionarem
pelo menos cinco anos como faculdade e centro universitário. Por outro
lado, as universidades públicas podem ser criadas por lei. Dois pesos e
duas medidas. Mais uma restrição arbitrária ao setor privado.
A
reforma proposta pelo Ministério da Educação terminou no parto da
montanha. Nasceu um camundongo com pouco apetite de reforma.