A Educação no Brasil em uma perspectiva de transformação

Simon Schwartzman, Eunice Ribeiro Durham e José Goldemberg
Universidade de São Paulo

Trabalho realizado para o Projeto sobre Educação na América Latina do Diálogo Interamericano. São Paulo, Junho de 1993


Eunice Durham


Índice

Resumo

1 - Introdução

2 - Características gerais do sistema e situação atual
2.1 - Características gerais do sistema
2.2 - Situação atual
3 - A organização do sistema e os recursos disponíveis
3.1 - A divisão de responsabilidades
3.2 - Os gastos públicos com educação
3.3 - A atuação do governo federal
3.4 - Os estados e municípios
3.5 - O ensino privado
4 - Os problemas gerais
4.1 - o analfabetismo
4.2 - O funcionamento do sistema: baixa qualidade, repetência, ineficiência e iniqüidade
4.3 - Problemas organizacionais: a burocracia e a instabilidade administrativa
5 - Os problemas dos diferentes níveis de ensino
5.1 - Educação pré-escolar
5.2 - Primeiro grau
5.3 - O ensino médio
5.4 - Ensino técnico
5.5 - O ensino superior
5.6 - A pós-graduação
6 - Políticas governamentais
6.1 - Políticas para o ensino básico e pré-escolar
6.1.1 - Estados e Municípios
Rio de Janeiro
Minas Gerais
São Paulo
6.1.2 - Governo Federal
6.1.3 - Conclusões
6.2 - Ensino Médio
6.3 - Ensino superior e pós-graduação
7 - Uma perspectiva de transformação

Referências Bibliográficas

Notas



Resumo
Apesar de ter expandido seu sistema educacional em todos os níveis, o Brasil encontra grandes dificuldades em melhorar sua qualidade e eficiência. As necessidades da educação brasileira não são muito distintas das do país como um todo: desenvolver a competência, o uso eficiente do recursos públicos, e a criação de mecanismos efetivos para corrigir os problemas de iniqüidade econômica e social. A falta de uma população educada e competente é um freio para o crescimento econômico, e a limitação de recursos não é o único fator que afeta a capacidade de resolver os problemas educacionais.  O estudo examina a educação brasileira em todos os seus níveis, as políticas educacionais recentes, e sugere alguns ítens de uma agenda de transformação: o fim do uso predatório recursos da educação; a descentralização radical dos sistemas educativos, levada ao nível dos estabelecimentos educacionais; e o fortalecimento do papel de integração e coordenação dos governos centrais e regionais.  Já existe hoje consenso entre os especialistas e em parcelas significativas das elites sobre a importância estratégica da educação no mundo atual. Falta, no entanto, que este consenso adquira maior amplitude, de modo a fundamentar ações governamentais cada vez mais decididas e bem direcionadas, com a prioridade que educação exige.




A Educação no Brasil em uma perspectiva de transformação(1)

1 - Introdução

A educação brasileira passou por grandes transformações nas últimas décadas, que tiveram como resultado uma ampliação significativa do número de pessoas que têm acesso a escolas, assim como do nível médio de escolarização da população. No entanto, estas transformações não têm sido suficientes para colocar o país no patamar educacional necessário, tanto do ponto de vista da eqüidade, isto é, da igualdade de oportunidades que a educação deve proporcionar a todos os cidadãos, quanto da competitividade e desempenho, ou seja, da capacidade que o país tem, em seu conjunto, de participar de forma efetiva das novas modalidades de produção e trabalho deste fim de século, altamente dependentes da educação e da capacidade tecnológica e de pesquisa. Este trabalho tem por objetivo apresentar, em grandes linhas, as características do sistema educacional brasileiro, identificar os principais problemas de eqüidade, qualidade e eficiência em cada um de seus níveis, analisar as principais transformações que vêm ocorrendo, e caracterizar a agenda emergente de discussão sobre os temas educacionais.

2 - Características gerais do sistema e situação atual

2.1 - Características gerais do sistema.

O sistema educacional brasileiro compreende os seguintes níveis: O primeiro grau é obrigatório, e a legislação atribui ao poder público a responsabilidade pela oferta de ensino de forma a atender toda a demanda. A legislação estabelece também que o poder público deve prover creches e pré-escolas para a população que delas necessite, assim como ampliar progressivamente o acesso ao ensino de segundo grau nas escolas públicas, com o objetivo de universalizar o tendimento. Finalmente, deve ainda o poder público manter universidades e outros estabelecimentos de ensino superior com o objetivo não só de fornecer formação de alto nível, como também de promover a pesquisa. Por injunção constitucional, todo o ensino público, inclusive o de nível superior, é inteiramente gratuito, e a legislação ainda prevê o amparo aos estudantes pobres através do fornecimento de merenda escolar, material didático, transporte e serviços de saúde. A responsabilidade do poder público para com a educação inclui também a oferta de ensino aos jovens e adultos que não tiveram acesso ao ensino regular na idade adequada, assim como o atendimento especial a crianças excepcionais. Em geral, a legislação existente tende a apontar metas e objetivos ideais, mais do que a retratar a situação real.

2.2 - Situação atual

As principais informações quantitativas sobre a educação brasileira estão resumidas no quadro 1. Da população global brasileira de 5 anos de idade e mais, 24% não sabiam ler e escrever em 1990. A comparação entre gerações mostra, entretanto, uma evolução favorável deste índice educacional na últimas décadas: de 44% de analfabetos na população mais velha para apenas 14% para os jovens, uma redução de 30%. Além disto, ao contrário de muitos outros países, a situação educacional de homens e mulheres é praticamente idêntica. Existem grandes diferenças, no entanto, entre os dados globais e aqueles relativos à área rural, de uma parte, e à região Nordeste, a mais pobre, de outra, nas quais se concentram os problemas educacionais mais graves. No Nordeste o analfabetismo ainda atinge 33% da população jovem, com uma evolução entre gerações de apenas 23%.

Quadro 1. Brasil, dados de educação: População de 5 anos e mais
  Brasil Mulheres Rural Nordeste
Alfabetização (1990): Sabem ler e escrever
(5 anos ou mais) 0,76  0,77  0,58  0,57 
10 a 14 anos 0,86  0,89  0,70  0,67 
60 e mais 0,56  0,53  0,32  0,44 
Nível de escolarização obtida (anos)
Total 1,00  1,00  0,99  1,00 
um ou mais 0,82  0,82  0,65  0,65 
dois ou mais 0,77  0,77  0,57  0,57 
três ou mais 0,68  0,70  0,46  0,48 
quatro ou mais 0,59  0,60  0,34  0,39 
cinco ou mais 0,41  0,42  0,17  0,28 
seis ou mais 0,33  0,34  0,11  0,22 
sete ou mais 0,29  0,30  0,09  0,19 
oito ou mais 0,25  0,26  0,07  0,16 
nove ou mais 0,18  0,19  0,04  0,12 
doze ou mais 0,06  0,06  0,01  0,03 
total (milhares) 113629  58373  28011  31614 
Fonte: Anuário Estatístico, 1992.

Os dados mostram que 82% da população brasileira de mais de 5 anos de idade tem um ou mais anos de escolarização (série alcançada), mas somente 41% foi além dos quatro primeiros anos de educação básica, que correspondem ao antigo curso primário. 18% completaram o curso básico de 8 anos, e somente 0,6% concluíram a educação secundária(2). Em todos estes índices, o contraste com os dados referentes à região rural e ao Nordeste é marcante: somente 17% da população rural foi além dos 4 anos de escolaridade, somente 4% além dos 8 anos, e somente 1% terminaram a educação secundária. Os dados para o Nordeste como um todo são um pouco melhores, mas não demasiado: 28% 12% e 3%, respectivamente.

Em síntese, ainda que os dados globais sobre a escolarização da população nos apresentem um quadro bastante negativo, eles refletem em parte a condição de uma população adulta que não teve acesso à escola 30 ou quarenta anos atrás, condição esta que vem se transformando ao longo do tempo. Hoje, o acesso à escola praticamente se universalizou, exceto nas regiões mais pobres do Nordeste, e o número de anos de escolarização vem crescendo, o que significa uma perspectiva de melhora substancial nestes indicadores para as próximas décadas. Apesar disto, os dados certamente indicam que a educação brasileira padece de problemas graves, que estão ainda longe de terem sido equacionados. Isto não será feito sem uma ação mais enérgica e mais eficiente das diferentes instâncias do poder público responsáveis pela educação.

3 - A organização do sistema e os recursos disponíveis

3.1 - A divisão de responsabilidades

A responsabilidade pela educação no Brasil se divide entre os governos federal, estadual e municipal, e existe uma grande presença do setor privado. O quadro 2 dá a distribuição das matrículas pelos diversos setores. O governo federal se ocupa, fundamentalmente, com o ensino superior, embora exerça uma função redistributiva de recursos para os demais níveis; os governos estaduais se encarregam do ensino público de primeiro e segundo graus; os municípios também se encarregam do ensino de primeiro grau, e participam de maneira significativa do ensino pré-escolar; o setor privado predomina no ensino superior e tem participação significativa no segundo grau, com presença relativamente menor na educação básica de primeiro grau.

Quadro 2: matriculas em diversos níveis, por dependência administrativa (percentagens)
  Público Federal Estadual Municipal Privado Total
Pré Escolar(1) 66,01 0,85 25,50 39,66 39,99 3.353.000
1º grau 87,51 0,51 57,17 29,82 12,49 27.557.492
2º grau 69,62 2,81 62,41 4,40 30,38 3.477.859
3º grau 38,70 20,46 12,93 5,32 61,30 1.564.953
Estimativa para 1989


3.2 - Os gastos públicos com educação

Em relação aos recursos disponíveis, não é verdade que se gaste muito pouco com educação no Brasil. A Constituição Federal determina que, da receita de impostos, a União aplique pelo menos 18% em educação e os estados e municípios não menos de 25%. De modo geral, esta determinação tem sido respeitada e é inclusive responsável pelo aumento dos recursos para a educação que ocorreu a partir de 1989(3). Em 1990 o montante atingiu a quase 20 bilhões de dólares. Em termos de percentuais do Produto Interno Bruto, o valor mais baixo nos anos recentes ocorreu em 1988, quando mal ultrapassou 3%. Após a vigência da nova Constituição, ele subiu substancialmente, atingindo, em 1990, a 4,21% do PIB, o que demonstra claramente a importância da vinculação constitucional dos percentuais da receita de impostos para a educação como instrumento para aumentar os investimentos públicos nesta área. O Brasil é um dos países com maior percentual de despesas públicas em educação (17,7% em 1988), o que significa que a prioridade da educação como política governamental está firmemente inserida nos orçamentos. Mas não só o PIB é relativamente modesto, como as receitas de impostos o são mais ainda. Acresce a este fator negativo o fato de o PIB ter se mantido aproximadamente constante na década 1980/1990, apesar de a população escolar crescer aproximadamente 2% ao ano, agravando portanto os problemas das escolas públicas de primeiro e segundo graus.

Quadro 3. Dispêndios em Educação em 1990
  Bilhões de dólares Percentagem
União 5.2 26.1
Estados 9.0 45.2
Municípios 5.7 28.6
Total 19.9 100%
Fonte: Goldemberg, 1993, p. 15. Dados do MEC-SAG-CPS, 1992.

No que diz respeito à contribuição relativa da União, dos estados e dos municípios, a situação é retratada no quadro 3. Do total de recursos, 26.1% são oriundos do governo federal, 45.2% dos estados e 28.6% dos municípios(4). Esta distribuição diferencial das contribuições financeiras reflete a importância, para o sistema educacional, da atuação das diversas instâncias do poder público em termos do ensino básico, que é o que consome a maioria dos recursos. São os estados os principais responsáveis por este nível de ensino, e são eles que investem quase a metade dos recursos, enquanto que o governo federal tem a participação menor. No entanto, os recursos estaduais, e principalmente os municipais, estão altamente dispersos, enquanto que os federais estão concentrados em uma única instância decisória, e têm, por isto mesmo, um peso muito grande no sistema.

3.3 - A atuação do governo federal

O governo federal brasileiro, através do Ministério da Educação, é diretamente responsável pela administração direta de uma rede de universidades e instituições de ensino superior, que consome a maior parte dos recursos oriundos dos 18% da receita de impostos destinados à educação. Além disso, mantém também uma pequena rede de escolas técnicas de segundo grau. Uma parcela pequena desses recursos é dispensada em programas destinados ao apoio ao primeiro e segundo graus. O quadro 4 resume as informações disponíveis sobre os gastos do Ministério da Educação.
Além da administração direta de sua rede de estabelecimentos de ensino superior, o Ministério da Educação é responsável por um programa nacional de apoio à pós-graduação, administrado pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), que avalia os cursos de pós-graduação e dá bolsas de estudo para o país e para o exterior, e pelo Programa de Crédito Educativo, que, no seu apogeu, funcionou como uma forma indireta mas bastante significativa de subsídios ao ensino superior privado.

Quadro 4: Ministério da Educação, Orçamento Executado em 1990 (em US$ milhões)
  Recursos do Tesouro Recursos de outras fontes (%) Total Geral (%)
Pessoal Custeio Capital Total (%)
Instituições Federais de Ensino Superior 2.928 217 166 78,40   53.00
CAPES 1 131   3,13   2.11
Escolas Técnicas Federais 205 20 6 5,47   3.70
Demais órgãos 245 151 153 13,0   8.79
Fundo de Assistênca ao Estudante (FAE)         30,43 9,86
Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE)         23,72 7,68
Salário Educação (repassado aos Estados)         45,85 14,86
Total (em milhões de US$) 3.379 519 325 4.223 2.204 6.427
Fonte: Goldemberg, 1993. Dados do MEC/SAG/CPS.

O governo federal tem uma atuação bem mais modesta no que se refere ao ensino médio. Mais recentemente, o Ministério da Educação começou a organizar uma pequena rede de escolas técnicas, que inclui hoje 19 estabelecimentos técnicos e 37 agro-técnicos de segundo grau. Cerca de 100 mil alunos são atendidos nesta rede, por um total de 10 mil professores, e a um custo per capita de US$ 2.300,00 ao ano. A qualidade destes cursos tende a ser superior à do ensino médio convencional, e o ensino é gratuito. Por isto, estas escolas técnicas atraem estudantes interessados em se preparar para as carreiras universitárias, e com isto o objetivo do sistema se desvirtua.

Por causa do custo, é difícil contemplar uma ampliação desta iniciativa. O ensino superior consome a maior parte dos recursos orçamentários do MEC, e não há, para o ensino técnico, fundos adicionais, como é o caso do Fundo Nacional Para o Desenvolvimento da Educação - FNDE, analisado abaixo, para o primeiro grau. Por outro lado, o tamanho reduzido da rede impede que ela desempenhe um papel significativo na formação de mão de obra para o conjunto do mercado de trabalho brasileiro. Os 100 mil alunos das escolas federais representam muito pouco quando comparados aos do Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI) que atendeu em 1989, nas 270 unidades de ensino que mantém, cerca de 1 milhão e 200 mil jovens, isto é, 12 vezes mais. O SENAC, por outro lado, com 332 unidades escolares em 1604 municípios matriculou, no mesmo ano, 1 milhão e 240 mil alunos, utilizando apenas 8.237 professores, instrutores e agentes de formação profissional.

A legislação brasileira atribui aos estados a responsabilidade pela educação técnica e profissional, e, mesmo se houvessem recursos disponíveis, seria difícil esperar que o governo federal se encarregasse da administração de um sistema nacional deste tipo, que requer, sobretudo, uma vinculação estreita com o setor empresarial junto ao qual a atividade educativa se desenvolve.

O Governo Federal não é diretamente responsável pelo sistema público de primeiro grau, e a maior parte dos recursos do Tesouro alocados ao Ministério da Educação é destinada à educação superior. No entanto, o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação/ FNDE, coloca à disposição do Ministério da Educação recursos adicionais vultosos e de aplicação flexível, que são destinados exclusivamente à educação básica, e redistribuídos para os estados. Além disso, a Fundação de Amparo ao Estudante (FAE), operando basicamente com recursos do FINSOCIAL, financia programas de distribuição da merenda escolar e dos livros didáticos. Considerando estas outras fontes, a contribuição do governo federal para o ensino básico se revela bem mais importante, conforme se pode ver no quadro 4.

Quadro 4: Ministério da Educação, Orçamento Executado em 1990 (em US$ milhões)
  Recursos do Tesouro Recursos de outras fontes (%) Total Geral (%)
Pessoal Custeio Capital Total (%)
Instituições Federais de Ensino Superior 2.928 217 166 78,40   53.00
CAPES 1 131   3,13   2.11
Escolas Técnicas Federais 205 20 6 5,47   3.70
Demais órgãos 245 151 153 13,0   8.79
Fundo de Assistênca ao Estudante (FAE)         30,43 9,86
Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE)         23,72 7,68
Salário Educação (repassado aos Estados)         45,85 14,86
Total (em milhões de US$) 3.379 519 325 4.223 2.204 6.427
Fonte: Goldemberg, 1993. Dados do MEC/SAG/CPS.

Além das funções executivas do Ministério da Educação, o governo federal atua através do Conselho Federal de Educação, órgão formado por pessoas indicadas pela Presidência da República com a missão de supervisionar e regulamentar todo o ensino do país em seus diversos níveis. No que diz respeito ao primeiro e segundo graus, o instrumento fundamental do Conselho é o estabelecimento do currículo mínimo, que deveria garantir uma base uniforme na formação escolar em todo o território nacional. No ensino superior, além do currículo mínimo, o Conselho conta com o poder do credenciamento das instituições e o do reconhecimento dos cursos. No caso de instituições de ensino que não são universidades, o Conselho controla inclusive o número de vagas.

3.4 - Os estados e municípios

Cada um dos governos estaduais possui sua própria secretaria de educação, que contrata os professores e demais funcionários da rede pública de primeiro e segundo graus, e administra os recursos provenientes dos orçamentos do Estado e dos repasses do governo federal. Os estados possuem ainda seus próprios Conselhos Estaduais de Educação, que desempenham algumas atividades normativas residuais. Nos estados, o sistema escolar está organizado geralmente em distritos educacionais, que funcionam como níveis hierárquicos intermediários entre as escolas e as secretarias de educação. Nos principais Estados brasileiros, como São Paulo e Minas Gerais, os funcionários vinculados às secretarias da educação chegam a centenas de milhares, o que torna estas instituições as maiores e mais complexas burocracias do sistema público brasileiro. Os municípios dotados de mais recursos, como os das capitais dos principais estados, tendem a administrar suas próprias redes de ensino básico, com suas próprias secretarias municipais de educação, e as vezes seus próprios conselhos.

Apenas dois estados mantém sistemas bastante amplos de ensino superior, São Paulo e Paraná. Em São Paulo, que tem o sistema de ensino superior mais desenvolvido do país, as universidades são vinculadas formalmente à Secretaria de Ciência e Tecnologia, mas possuem bastante autonomia administrativa e financeira. Em outros estados as universidades locais dependem diretamente dos respectivos governos.

Apesar das deficiências do ensino básico, muitos municípios, especialmente no sul e no sudeste, fundaram universidades ou outras instituições de ensino superior. Ao contrário dos demais estabelecimentos públicos, estas instituições municipais não são gratuitas, subsistindo quase que exclusivamente através da cobrança de anuidades.

A enorme heterogeneidade do país, em termos de condições econômicas, sócio-políticas e culturais, reflete-se na correspondente heterogeneidade dos diferentes sistemas estaduais e municipais, tanto em termos de extensão quanto de qualidade. A região mais rica, o Sudeste, apresenta um atendimento mais amplo e de melhor qualidade do que o Nordeste pobre. Mas não se trata somente de uma questão econômica. No sudeste, mas mais especificamente no sul do país, a influência cultural de uma colonização de origem européia mais recente, com preponderância de pequenos produtores, é tão importante quanto a própria disponibilidade de recursos para a manutenção de um sistema de melhor qualidade.

3.5 - O ensino privado

O ensino superior privado funciona sob a supervisão do Conselho Federal de Educação, enquanto que o ensino básico e médio são da responsabilidade dos conselhos estaduais. Na prática, o papel do Conselho Federal em relação ao ensino superior privado tem se limitado ao processamento burocrático de pedidos de criação de novos estabelecimentos, e a movimentos espasmódicos no sentido de tentar frear a expansão do ensino naquelas áreas que mais afetam as profissões estabelecidas. O controle dos conselhos estaduais sobre as escolas privadas de primeiro e segundo graus é também formal e burocrático. No passado, uma parte significativa do ensino privado em todos os níveis era proporcionada por instituições de cunho religioso, que sempre buscaram ser reconhecidas como de natureza comunitária, e por isto merecedoras de apoio governamental. Ainda que as escolas de orientação religiosa (assim como as vinculadas a colônias de imigrantes) tenham permanecido através do tempo, a expansão recente do ensino privado de primeiro e segundo graus se deve sobretudo à perda de qualidade do ensino público, fazendo surgir um espaço para uma oferta empresarial de educação diferenciada para os filhos das classes médias e altas. No nível superior, ao contrário, a expansão relativamente pequena do setor público, controlada pelos exames de ingresso e pela manutenção de padrões de seletividade relativamente altos em muitas instituições, permitiu que o sistema privado se expandisse para atender sobretudo à uma clientela cujas condições educacionais
prévias não permitiam o acesso às universidades públicas.

4 - Os problemas gerais

O objetivo desta seção é assinalar os problemas mais gerais e graves da educação brasileira. Considerando que a questão do acesso à escola está em grande parte resolvida, examinaremos os problemas referentes ao analfabetismo na população adulta, a evasão, a repetência e os problemas organizacionais. Na seção seguinte examinaremos com mais detalhe os diferentes níveis de ensino.

4.1 - o analfabetismo e o acesso à escola

O analfabetismo absoluto, ainda existente sobretudo nas camadas mais pobres da zona rural e entre pessoas mais velhas, costuma ser tomado como um dos principais sintomas da iniqüidade do sistema educacional brasileiro, e tem sido, por isto, objeto de tentativas sucessivas de erradicação. Algumas destas tentativas foram feitas por movimentos de educação popular, muitas vezes associados com a Igreja Católica, e que procuravam transmitir as habilidades educacionais básicas combinadas com elementos de "conscientização" política e social. Também os governos - como no caso do Movimento Brasileiro de Alfabetização, MOBRAL - tentaram resolver a questão do analfabetismo absoluto por campanhas nacionais baseadas no envolvimento comunitário, por cima ou à margem dos sistemas educacionais formais.

Estas tentativas de contornar a educação formal se devem, em parte, à preocupação com as limitações do ensino convencional, de ordem material, ideológica ou pedagógica, principalmente no que se refere a pessoas mais pobres, que não tiveram acesso ou não conseguiram aprender nas escolas convencionais. Mas também, no caso do governo federal, à busca de um espaço próprio de atuação, já que as redes educacionais estão nas mãos dos estados e municípios. De uma forma ou outra, os resultados destes movimentos e campanhas de alfabetização não parecem ter sido muito significativos (ainda que, aqui como em outros aspectos, faltem dados). O número de adultos que conseguem se alfabetizar é pequeno, e não há nenhuma informação sobre quanto logram utilizar efetivamente o que aprenderam, nem com que velocidade revertem ao analfabetismo anterior.

O grande mérito das campanhas educacionais talvez resida menos nos números absolutos de seu sucesso do que na capacidade que têm tido de mostrar como existem alternativas para o conteúdo das relações de aprendizagem típicas da educação formal, e os efeitos importantes que esta alternativas podem proporcionar(5). O analfabetismo absoluto é parte de um síndrome social e econômico mais amplo que inclui a pobreza e a marginalidade social, que não poderia ser revertido com a simples utilização de novas técnicas pedagógicas ou motivacionais. Isto não significa que não haja lugar para a educação continuada, e para o oferecimento de novas oportunidades educacionais para os que não puderam concluir seus estudos, ou permaneceram funcionalmente iletrados após anos de escolaridade. Mas estas atividades embora importantes, não podem se desenvolver às custas dos investimentos básicos na educação formal, da qual depende a médio e longo prazo a erradicação definitiva do analfabetismo. É o que mostra a figura 1, que associa as taxas de analfabetismo e de escolarização através do tempo.



4.2 - O funcionamento do sistema: baixa qualidade, repetência, ineficiência e iniqüidade

Se os dados mostram uma evolução importante em termos quantitativos, os aspectos qualitativos, referidos ao funcionamento do sistema educacional, são bastante graves. O seu sintoma mais grave são as grandes taxas de repetência na educação básica, que tendem a ser superior a 50% para os alunos de primeira série de primeiro grau. O estudante brasileiro permanece em média 8,5 anos nas escolas, mas só consegue chegar até a sexta série de escolarização. Comparado com a repetência, o problema da evasão escolar precoce é relativamente menor, atingindo a somente 2.3% dos alunos de primeiro ano, mas alcançando marcas mais significativas na medida em que os fracassos educacionais se acumulam, chegando a 32% ao final da quarta série(6). Em 1988, 35% da população entre 15 e 39 anos de idade haviam completado a oitava série, outros 10% completariam depois dos 15 anos de idade, e 55% jamais completaria. Embora tenha havido uma significativa melhoria em relação a 1982, quanto os índices eram respectivamente 28%, 7% e 65%, a baixa taxa de conclusão e as altas taxas de repetência refletem problemas básicos de qualidade, eficiência e eqüidade.

Em relação à qualidade, não existem no Brasil estudos sistemáticos e regulares de acompanhamento sobre o que os alunos que completam os diferentes níveis educacionais efetivamente aprendem. Mas trabalhos isolados sugerem que os resultados obtidos são muito mais problemáticos do que aqueles sugeridos pelos altos índices de repetência. Pesquisa detalhada feita pela Fundação Carlos Chagas em 39 cidades mostra a existência de sérios problemas relacionados com a alfabetização, entendimento adequado da língua portuguesa e capacidade de redação, encontrados até a sétima série; e deficiências no uso de conceitos aritméticos básicos, relacionados a frações, equações de primeiro grau e noções elementares de geometria(7). Explicações correntes sobre os problemas de qualidade incluem as condições sócio-econômicas dos estudantes, a ausência de equipamentos e materiais educacionais adequados, a má-formação dos professores e a inadequação dos currículos. Todos estes problemas têm sido atacados de uma forma ou de outra através do tempo, mas de forma pouco sistemática, e sem nenhuma avaliação regular de resultados.

Tampouco existem avaliações sobre a eficiência do ensino básico no uso dos recursos públicos, exceto no que se refere aos índices de evasão, repetência e ocupação dos prédios escolares. Em geral, no entanto, sabe-se que uma parte significativa dos orçamentos educacionais são gastos com a administração das secretarias estaduais e dos conselhos estaduais de educação, que muitos professores se dedicam a atividades burocráticas e administrativas, e que a manutenção física dos prédios escolares freqüentemente deixa a desejar. A pouca evidência sugere que, não somente os recursos são escassos, mas eles são geralmente mal utilizados. Existem problemas conhecidos com a distribuição dos recursos não-orçamentários do Ministério da Educação, e avaliações mais detalhadas sobre os custos do ensino superior mostram índices preocupantes de custo por aluno e aluno por professor.

Finalmente, está a questão da eqüidade. Os índices de desigualdade de renda no Brasal estão entre os mais altos do mundo, e estas diferenças se refletem também na área educacional. A universalização do acesso à escola não garante a igualdade das oportunidades educacionais, que variam conforme o nível de renda, a região em que a pessoa vive, e sua origem étnica e social. O analfabetismo entre a população de 10 a 14 anos é residual nas famílias cuba renda familiar per-capita é superior a 2 salários mínimos, mesmo nas regiões mais pobres; mas, para a população de renda familiar inferior a meio salário mínimo, o percentual de analfabetos é de 30%, chegando a 43% entre as famílias mais pobres da região nordestina(8). Estimativas baseadas na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios de 1988 sugerem que, entre os jovens de 7 a 14 anos, somente 5.3% não teriam acesso à educação, mas 70% deles estão concentrados no Nordeste rural brasileiro(9).

4.3 - Problemas organizacionais: a burocracia e a instabilidade administrativa.

Ao longo dos anos e em função da nossa própria tradição burocrática, os instrumentos normativos assumiram uma importância desmesurada, em detrimento de outros, mais ágeis e mais eficazes. Criou-se, tanto a nível federal como estadual, um sistema extremamente detalhado de regras e, concomitantemente, uma grande burocracia cuja função primordial é verificar o cumprimento das normas. Os defeitos de um sistema deste tipo são múltiplos. De um lado, privilegia uma forma de atuação do Estado que consiste em verificar a observância dos aspectos legais e formais, em detrimento de uma avaliação dos problemas e do desempenho do sistema de ensino, da proposta de soluções inovadoras, da coordenação de esforços. De outro, torna todo o sistema extremamente rígido, pela multiplicação e crescente detalhamento das normas. Em um sistema como este, que multiplica normas universais, é impossível uma adequação de soluções às peculiaridades regionais, locais e mesmo de cada bairro e de cada escola. Estes dois problemas ficam muito claros na questão dos currículos mínimos, que tendem a uma ampliação constante a ponto de não deixar margem para a flexibilidade necessária, que é assegurada em princípio. Finalmente, a multiplicação de controles burocráticos estimula uma excessiva concentração de recursos e pessoal nos órgãos de administração e fiscalização, em detrimento daqueles que exercem as atividades-fim(10).

Os problemas organizacionais são agravados pela instabilidade administrativa. No Ministério da Educação, o tempo médio de permanência dos ministros tem sido de nove meses. No nível estadual e municipal, a instabilidade talvez seja menor, mas, na prática brasileira, a eleição de novos governadores e prefeitos tende a levar ao poder partidos que estavam na oposição, o que promove o abandono de iniciativas anteriores. Por isto, todo o sistema se ressente da ausência de medidas de mais longo alcance, que possam trazer correções cumulativas.

5 - Os problemas dos diferentes níveis de ensino

5.1 - Educação pré-escolar

A educação pré-escolar no Brasil é um fenômeno relativamente recente, que está sem dúvida associado à grande participação das mulheres na força de trabalho, assim como a seu acesso a oportunidades educacionais(11). Dados os níveis extremamente baixos dos salários, o trabalho feminino se torna praticamente indispensável para a renda familiar fato ao qual se acrescenta o grande número de famílias de um só cônjuge, normalmente a mulher, principalmente nos setores de pior condição social. Para estas mulheres, a possibilidade de poder deixar seus filhos algumas horas por dia em um ambiente educacional protegido é um recurso de importância inestimável. Os dados sobre quem financia a educação pré-escolar - os municípios, no atendimento às comunidades locais, e o setor privado, no atendimento às classes médias - parecem confirmar esta interpretação sobre a função da educação pré-escolar.

Menos claro é o significado da educação pré-escolar em termos propriamente educacionais. A interpretação corrente é que a educação pré-escolar prepararia as crianças para a alfabetização e o ensino de primeiro grau, reduzindo as taxas alarmantes de repetência da primeira série. No entanto, existem sérias dúvidas sobre os custos emocionais e intelectuais de uma separação prematura entre mães e filhos. Tudo depende das condições do lar em que a criança habita, e das condições da escola que ela frequenta. Um sistema de educação pré-escolar bem conduzido pode compensar situações familiares pouco favoráveis, enquanto que escolas e creches de má qualidade, que funcionam sobretudo como depósitos de crianças, podem prejudicar o envolvimento das mães com a vida intelectual e emocional e seus filhos, com sérias conseqüências para seu desenvolvimento ulterior. As poucas evidências disponíveis parecem sugerir que a educação pré-escolar não tem tido um impacto significativo na redução da repetência escolar de primeiro grau, e a faixa etária de muitos dos alunos presentes - 7 anos, inclusive - sugere que o pré-escolar pode estar funcionando como uma forma disfarçada de retenção para estudantes que não conseguem progredir na aquisição dos conteúdos culturais que a escola exige.

Estas considerações sugerem que a universalização da educação pré-escolar talvez não deva ser uma meta explícita para a educação pública brasileira, cujos problemas financeiros e administrativos mais cruciais se manifestam no nível da educação básica. Seria importante, neste contexto, distinguir com clareza as necessidades de cuidados infantis para os filhos de mães que trabalham das necessidades educacionais propriamente ditas, ainda que estas duas coisas não possam ser totalmente separadas.

5.2 - Primeiro grau
 
Os problemas de eqüidade e qualidade relativos ao ensino básico no Brasil são bastante conhecidos(12). Apesar da ampliação da oferta de escolas públicas, ainda existem problemas de acesso nas regiões rurais e nos estados e municípios mais pobres. Como o ensino básico depende dos governos estaduais e municipais, o volume de recursos destinados às escolas varia em função do nível de renda de cada região. Os dados do quadro 5 mostram que o Brasil gasta, em média, 80 dólares por estudante de primeiro grau, com variações que vão de US$ 26.40 nas escolas municipais na zona rural do Nordeste, a US$ 228.50 nas escolas municipais urbanas do Sudeste. Nas regiões sudoeste e centro-oeste, os gastos per-capita com alunos na zona rural são maiores do que com os das zonas urbanas, o que se explica, provavelmente, pela pouca densidade das redes rurais.

Quadro 5: Custo de aluno/ano no Brasil (custos diretos, em US$), Escolas Públicas de Primeiro Grau
  Região
Total Norte Nordeste Centro-Oeste Sul Sudeste
Rede Estadual
Urbano 111,40 78,60  70,80  80,20  152,90  183,40 
Rural 163,3 56,40  56,00  112,80  135,60  201,80 
Rede Municipal 
Urbano 96,8 38,00  49,30  56,80  105,10  228,50 
Rural 46,9 34,30  26,40  37,90  109,40  146,90 
Fonte: Antônio Carlos da R. Xavier e Emílio S. Marques, Custo Direto de Funcionamento das Escolas de Primeiro Grau, Brasília, SEB/MEC, 1987.  Publicado em Brasil, Ministério da Educação, A Educação no Brasil na Década de 80, MEC/SAG/CPS/SIG, 1990.

Quadro 6: Educação, posição social e cor: matrículas em escolas particulares em relação ao total de matrículas, por educação dos pais e cor.
Educação dos pais (anos de estudo) Total Branco Preto Pardo (N)
menos de 1 3,38  3,65  2,62  3,34  5.470.153 
um e dois 4,93  4,66  3,30  5,28  3.268.871 
três e quatro 7,49  6,78  7,81  8,55  6.637.127 
cinco a oito 17,41  17,53  13,61  17,04  3.636.701 
nove ou mais 52,12  54,81  29,69  47,72  3.350.549 
Total   11.771.387  1.132.041  9.404.075  22.363.401 
Exclusive os dados da área rural da região Nordeste, chefes de família com anos de estudo não determinados e sem declaração, e de raça amarela ou sem declaração de raça.   Fonte: IBGE, Participação Político-Social 1988 (PNAD 1988), vol. 2, p.2.

Além das diferenças de recursos, existem importantes diferenças quanto à competência das administrações estaduais e municipais, e quanto à qualidade do pool de professores e técnicos que trabalham nas escolas públicas. A estas diferenças de recursos e competência das administrações educacionais acrescenta-se uma outra, de tipo social e econômico. Dentro de um mesmo distrito ou região educacional, as escolas que atendem às populações de baixa renda tendem a ser piores do que as que atendem às classes médias. Escolas com estudantes mais pobres e geralmente mais velhos, instaladas em áreas e bairros deteriorados, tendem a ter mais problemas de disciplina e desempenho, e por isto são preteridas pelos melhores professores e administradores, que buscam trabalhar em estabelecimentos de classe média, onde as dificuldades são menores, e os resultados mais visíveis. As dificuldades de aprendizado de um grande número de estudantes nas séries iniciais leva à criação de diferentes formas de "classes especiais", que terminam por funcionar como depósitos de alunos que recebem, desde cedo, o rótulo de ineducáveis. Escolas localizadas em regiões mais ricas conseguem muitas vezes o apoio da comunidade local e a participação mais ativa de pais em suas atividades quotidianas, o que é mais difícil nas áreas mais pobres. Para as classes médias e altas, existe ainda o recurso de enviar seus filhos para escolas particulares, ainda que, nos últimos anos, com a crise econômica, esta alternativa pareça estar se reduzindo para a classe média. O quadro 6 indica que existem diferenças importantes de acesso à educação privada em função da posição sócio-econômica (expressa pelos anos de estudo do pai) e da cor (raça), o que coloca a população negra e parda em situação de nítida desvantagem. Chama a atenção, neste quadro, as grandes variações que persistem no acesso ao ensino privado em função da cor, para as posições sócio-econômicas mais altas. Um estudo detalhado dos dados de 1982 conclui afirmando que "a proporção de pretos e pardos que não têm acesso nenhum à escola é três vezes maior do que a dos brancos. Estas desigualdades não podem ser explicadas nem por fatores regionais, nem pelas circunstâncias socioeconômicas das famílias(13)

A baixa eficiência da educação brasileira de primeiro grau, que se expressa nas altas taxas de repetência e baixo aprendizado, está claramente relacionada ao pouco volume de recursos disponíveis para as escolas, principalmente nas regiões mais pobres (quadro 5). Além disto, existem problemas com a eficiência no uso destes recursos. Os dados do quadro 5 se referem, somente, aos custos diretos nas escolas (pessoal docente e não docente, material de consumo e permanente e outras despesas), e não inclui os custos da própria administração estadual ou municipal, os custos indiretos, que em São Paulo, o estado mais rico, são da ordem de 7% do custo ano dos alunos, mas no Piauí, um dos mais pobres, chega a 59%(14). Esta diferença parece indicar que os custos da burocracia indireta tendem a ser rígidos, decrescendo em termos proporcionais se o volume total de recursos aumenta. Mas pode estar indicando também que, nas regiões mais pobres, os empregos e demais benefícios proporcionados pelas burocracias estaduais são mais importantes para as elites locais do que a qualidade de suas escolas.

5.3 - O ensino médio

O ensino médio no Brasil tem recebido pouca atenção, comparado com a educação básica, por um lado, e a superior, por outro. A proporção de alunos da respectiva faixa etária em escolas secundárias é de 16%, cifra extremamente baixa em termos relativos(15). Mas, estranhamente, para cerca de 900 mil alunos formados pelo ensino básico em 1990, haviam 1.730 na primeira série do segundo grau. Em parte, esta diferença se explica pela existência no Brasil de um programa de ensino supletivo, que permite que estudantes ingressem diretamente no ensino médio através de exames especiais, sem necessidade de concluir o ensino básico. Mas a razão principal é que, da mesma maneira que no ensino básico, existe uma grande retenção no primeiro ano do segundo grau.

Além disto$ existe um problema de ineficiência do sistema que vem se agravando progressivamente. Em 1973, a cada 100 alunos matriculados na primeira série correspondiam 74 conclusões três anos depois. A taxa de conclusão vem baixando consistentemente através dos afos para atingir apenas 48 alunos, menos da metade, no grupo que, estando matriculado na primeira série em 1983, deveria terminar o curso em 1986. O que parece ter ocorrido é que a expansão das matrículas implicou uma diversificação da clientela, à qual a organização tradicional dos cursos não consegue atender. A diversificação da clientela pode ser comprovada pelo fato de que 50% das matrículas no ensino médio são no período noturno. Isto quer dizer que a expansão verificada se deve, em grande parte, à absorção de jovens que trabalham e que anteriormente estavam excluídos desse grau de ensino, o que é, em si, positivo. Mas, considerando inclusive esta nova clientela, a questão do conteúdo do ensino médio nunca encontrou um equacionamento satisfatório. Existe uma forte suspeita de que a qualidade das escolas públicas não é boa, mas não há nenhuma evidência de que o setor privado seja muito melhor, com exceção de um pequeno número de escolas de elite, parte das quais religiosas ou bilíngües, que contam com subsídios e orientação pedagógica de professores de outros países.

A educação secundária no Brasil sempre foi vista, conforme a tradição européia, como orientada para a formação intelectual, humanística e filosófica, ou para o embasamento científico para as carreiras profissionais de cunho universitário; por isto mesmo era restrita a um pequeno número de filhos das classes médias e altas(16). As reformas educacionais ocorridas na década de 30 buscaram implantar, ao lado da formação secundária de cunho propedêutico e acadêmico, outras modalidades de ensino médio a partir do 5 ano de escolaridade, voltadas para a formação profissional para a indústria, o comércio, a agricultura e a educação. Destas, a experiência mais bem sucedida foi o antigo curso normal que conseguiu, através de várias gerações, formar um corpo de professores primários bastante adequado às necessidades do ensino básico, e que também funcionava como uma espécie de finishing school para jovens filhas das classes médias. O antigo curso normal conseguiu, efetivamente, integrar (e não simplesmente justapor) a formação profissional a uma boa formação geral e nisso residiu, certamente, muito do seu sucesso.

O sucesso dessa experiência não se deveu apenas ao seu conteúdo pedagógico. Não havia ainda a aspiração generalizada às universidades, principalmente entre as mulheres, o que facilitava o recrutamento de jovens professores professoras. O prestígio e os salários razoáveis dos professores permitiam o recrutamento de candidatos com um bom desempenho escolar anterior. A própria restrição do acesso à escola fundamental, naquela época, excluía a parcela mais pobre da população, que exigiria uma adaptação cultural maior ao ambiente escolar, tornando a tarefa do professor mais fácil e a pedagogia existente menos problemática. Nenhuma dessas condições existe hoje. O desprestígio da profissão de professor, associado aos baixos salários, faz com que o recrutamento passasse a se dar exatamente entre a população mais pobre e de menor aproveitamento escolar. O resultado disso é revelado pelas pesquisas sobre desempenho escolar de nível médio realizadas pela Fundação Carlos Chagas, as quais demonstram que o pior desempenho ocorre justamente nos cursos de formação do magistério(17).

O outro setor de ensino médio que se expandiu consideravelmente foi o vinculado ao setor de serviços, através da expansão as escolas técnicas de comércio (do 5 ao 8 ano, correspondente ao antigo ginásio), que conduziam aos cursos de contabilidade de nível secundário mais avançado. Normalmente privadas, estas escolas funcionaram como uma alternativa para os setores de classe média baixa que buscavam ingresso no setor terciário das cidades em expansão, sem aspirar às carreiras universitárias mais prestigiosas. Várias destas escolas se transformaram, mais tarde, em faculdades de economia e administração, buscando um espaço próprio no ambiente universitário.

A expansão gradual do sistema do sistema de educação básica levou ao crescimento da demanda por educação secundária, ao mesmo tempo em que a expansão do sistema universitário, principalmente a partir dos anos 70, promoveu a seu esvaziamento como lugar de formação profissional e intelectual, e dificultou o recrutamento de seus professores. O resultado deste duplo processo foi que a educação secundária de melhor qualidade se transformou, sobretudo, em um canal de preparação e acesso para as carreiras de nível superior, enquanto que o conjunto do sistema se limitava cada vez mais a uma atividade ritual de certificação e distribuição de credenciais educativas. As dificuldades de acesso às carreiras universitárias mais prestigiosas, principalmente no setor público, quando combinadas com o esvaziamento do conteúdo educacional das escolas secundárias, levou a níveis extremamente altos de ineficiência o ensino de segundo grau, que nem forma, nem garante acesso à universidade, e nem profissionaliza.

5.4 - Ensino técnico

A consciência dos problemas da educação média tem levado a diversas iniciativas no sentido de expandir e fortalecer a educação técnica e profissional. O ensino industrial de segundo grau foi objeto, ainda na década de 30, de uma disputa entre o Ministério da Educação e os representantes da indústria, que terminaram por desenvolver um sistema próprio de formação profissional que atendeu, de maneira satisfatória, às necessidades do setor, permitindo que o setor público se restringisse à criação e manutenção de um número diminuto de estabelecimentos de ensino técnico. O ensino agrícola de nível médio não chegou a se desenvolver, da mesma maneira em que não progrediram os projetos de criar um sistema educacional feminino, voltando para o ensino das virtudes domésticas e das "prendas do lar"(18).

A partir de 1971, a legislação brasileira obrigou as escolas secundárias a oferecer aos estudantes uma habilitação profissional, mas a forma ritualista e burocrática em que este preceito foi obedecido levou a que a exigência fosse abandonada em 1982(19). Além das escolas técnicas federais mencionadas anteriormente, apenas o Estado de São Paulo possui um sistema próprio de ensino industrial. Trata-se do Centro Estadual de Educação Tecnológica Paula Souza, um complexo de ensino técnico de segundo grau e profissionalizante pós-secundário e ligado à Universidade do Estado de São Paulo, com 13 escolas técnicas e quatro Faculdades de Tecnologia. Aqui novamente, a escala da iniciativa está longe do que seria adequado para as necessidades do sistema industrial do Estado.

5.5 - O ensino superior

A questão da eqüidade no ensino superior é diferente da dos demais níveis educacionais, já que nenhum país tem a universalização do ensino superior como objetivo, e as ampliações recentes de matrícula havida em muitos países - e sobretudo os Estados Unidos - têm sido feitas pela diversificação dos sistemas de ensino superior em uma pluralidade de institutos, escolas de formação profissional e "colleges", dentro dos quais as universidades em sentido estrito são uma minoria.

O Brasil, neste sentido, pretende ser mais democrático, já que todos os cursos de nível pós-secundário são igualmente considerados "universitários". No entanto, o fato de que somente 10% da faixa etária consegue entrar em algum tipo de estabelecimento de ensino superior mostra o caráter restrito deste sistema. A existência de um conjunto de universidades públicas e gratuitas, que selecionam seus alunos pelo mérito, seria um outro aspecto democrático. No entanto, a chance que tem um estudante de ser aprovado nos exames de seleção dos cursos mais prestigiosos das universidades públicas depende, primeiro, de que ele tenha conseguido terminar com sucesso o curso de segundo grau; e segundo, que ele tenha feito este curso escolas de qualidade pelo menos razoável, que tendem a ser privadas e caras. Os que não conseguem ingresso nas universidades públicas terminam por ingressar em instituições privadas, onde os cursos podem ser altos, e a qualidade do ensino nem sempre é adequada. Uma indicação do caráter seletivo da educação pública brasileira pode ser vista no quadro 7, que mostra que 36.7% dos formados pela Universidade de São Paulo, em uma amostra obtida em 1991, tinham pais com educação elevada, que é um indicador de alto nível socioeconômico. O quadro mostra ainda que existe uma forte estratificação social entre as diversas carreiras da Universidade, que se correlaciona com a dificuldade de ingresso em cada tipo de curso. Em outras universidades públicas a elitização da clientela é aparentemente menor, mas, mesmo assim, a iniqüidade persiste.

A esta iniqüidade nas chances de acesso se acrescentam as iniquidades de tipo econômico. O custo de um aluno em uma universidade pública brasileira oscila entre 4 e 8 mil dólares ao ano, conforme seja feito o cálculo, o que deve ser comparado com os cerca de US$ 150.00 para os alunos do curso básico (incluindo custos diretos e indiretos(20)). Estes custos têm crescido sistematicamente através dos anos, sobretudo pelo aumento do número de professores em regime de dedicação exclusiva nas universidades federais, que não foi acompanhado, no entanto, por um aumento correspondente de produtividade em termos de alunos formados ou pesquisas produzidas(21). Como o ensino é gratuito, os estudantes de nível sócio-econômico mais alto recebem na prática um subsídio da população mais ampla e mais pobre para seus estudos. A inexistência de sistemas adequados de bolsas de estudo e de crédito educativo para os que necessitam impede que estudantes que tenham que trabalhar possam cumprir de forma adequada as exigências dos cursos de melhor qualidade, mesmo quando tenham condições de passar pelos exames de seleção. Finalmente, deve-se observar que o sistema público não chega a absorver 40% dos estudantes, proporção esta que se reduz ainda mais nos estados mais ricos do centro-sul. Em São Paulo, as três universidades do Estado absorvem cerca de 10% dos recursos tributários do Estado, mas atendem a somente cerca de 12% dos estudantes de nível superior.

Quadro 7: Educação dos pais dos formados em diversas carreiras pela Universidade de São Paulo, 1980-1990 (percentagens).
  Superior Secundária Básica ou menos
Engenharia da Produção 65.2 21.2 13.6
Engenharia Elétrica 50.9 40.5 8.7
Ciências Sociais 37.5 39.4 23.1
Física 35.0 41.7 23.3
Pedagogia 31.8 46.7 21.5
Geografia 18.5 37.9 43.5
Enfermagem 17.6 42.6 39.7
TOTAL  36.7 39.7 23.6
Fonte: NUPES, Pesquisa sobre "a trajetória profissional dos alunos da USP" (n=907), 1991.

Por causa dos grandes diferenciais de renda, a educação superior tende a ser extremamente eficaz como instrumento de mobilidade social e incremento de renda. Como indica o quadro 7, a maioria dos formados pela Universidade de São Paulo provem de famílias com educação básica ou média, e passaram, assim, por um nítido processo de mobilidade ascendente; o quadro 8 mostra como a percentagem de pessoas ganhando mais do 10 salários mínimos sobe dramaticamente com os níveis mais altos de educação. Apesar de que a diferentes carreiras universitárias tenham níveis de prestígio social e rendimentos bastante diferenciados, elas também recebem estudantes com aspirações e origens sociais distintas, e por isto o nível relativo de mobilidade social tende a ser alto em todos os casos. Isto explica a grande demanda por ingresso nas universidades públicas, e a persistência das matrículas nas universidades privadas, mesmo as de menor qualidade, em uma situação de prolongada estagnação econômica como a que existe desde o início dos anos 80. E mesmo aqueles que não conseguem trabalhar em suas áreas profissionais específicas tendem a ocupar posições no mercado de trabalho antes ocupadas por pessoas com menor nível educacional.
 
Quadro 8 - Diferenciais de renda mensal por anos de estudo (percentagens, grupos selecionados)
  Grupos de renda
até 1 salário mínimo 3 a 5 salários mínimos mais de 10 salários mínimos
Menos de um ano de estudo 45,48% 6,29% 0,49%
3 a 4 anos de estudo 26,21% 15,99% 3,19%
5 a 8 anos de estudo 21,01% 18,34% 4,50%
9 a 11 anos de estudo 10,75% 23,11% 13,15%
12 anos e mais 1,87% 14,9% 44,84%
Fonte: Calculado de Fundação IBGE, Anuário Estatístico do Brasil, 1992, p. 291.

Algumas qualificações importantes, no entanto, devem ser feitas a este quadro. A estagnação econômica, as transformações no mercado de trabalho, e a própria expansão do sistema educacional na década de 70 tornaram os benefícios privados da educação superior mais incertos. O profissional liberal e independente de antes cedeu lugar ao funcionário de grandes empresas de saúde, de engenharia, de advocacia, ou da burocracia do Estado. Carreiras sem perfil profissional bem definido (como as de ciências, tanto naturais como sociais) apresentam taxas extremamente elevadas de evasão. Comparados com os possíveis benefícios, os custos do ensino privado de má qualidade começam a ser percebidos por muitos como injustificável. O resultado destas tendências foi que o ensino superior brasileiro atingiu o atual nível de aproximadamente 1.500 mil matrículas no início dos anos 80, e tem continuado neste patamar desde então, apesar do aumento populacional.

Se a eficácia privada do ensino superior permanece alta, a questão de sua eficácia pública e social é mais problemática. Em termos amplos, uma população com níveis mais altos de educação universitária é mais desejável para a sociedade como um todo do que uma população menos educada. Em muitos casos, entretanto, a educação funciona predominantemente como um mecanismo de acesso a credenciais que garantem posições privilegiadas que protegem a renda de algumas camadas da população e garantem benefícios individuais, mas não redundam necessariamente em benefício coletivo. Existe no Brasil uma extensa e complexa legislação garantindo privilégios aos detentores de diversos tipos de credenciais educacionais, e uma grande parte da atividade educacional que ocorre desde a escola secundária até o término dos cursos universitários tem muito mais a ver com os rituais de credenciamento do que com a obtenção efetiva de habilidades e conhecimentos. Em parte, esta legislação procura garantir reservas do mercado de trabalho no setor privado para os detentores de determinados diplomas, como é o caso dos jornalistas e farmacêuticos; mas a principal fonte de empregos e promoções garantidos por credenciais escolares é o setor público. Em um momento em que o país necessita se capacitar para participar de uma economia internacional extremamente competitiva, caberia examinar se o atual organização corporativa do ensino e das profissões de nível superior é a mais adequada para este fim.

As universidades públicas brasileiras concentram a maior parte da capacidade de pesquisa científica tecnológica do país, e os cursos profissionais de melhor qualidade em praticamente todas as áreas. No sistema federal, mais de 50% dos docentes possuem titulação de mestre ou doutor; no sistema estadual paulista, este índice ultrapassa 70%. Estas qualidades, no entanto, são mal distribuídas, e não devem ocultar o fato de que o ensino superior público brasileiro é, em termos gerais, extremamente ineficiente quanto ao uso de seus recursos. Esta situação é especialmente grave no sistema de universidades federais, e tem sido revertida em parte no sistema paulista, que ainda está longe, no entanto, de apresentar o nível de eficiência que seria desejável(22).

Na ausência de procedimentos sistemáticos e regulares de avaliação, é impossível dizer com segurança se o ensino superior brasileiro atual é melhor ou pior do que no passado, do que outros sistemas da região, ou em uma ou outra área de conhecimento. Existem duas informações, no entanto, que servem como indicação aproximada de qualidade, que são a titulação dos professores universitários, e o seu desempenho do ponto de vista da produtividade acadêmica. No sistema federal, 61.6% dos professores estão nos níveis mais altos da carreira, mas somente 18.4% do total possuem um título de doutorado. Apesar disto, a grande maioria dos professores trabalha em regime de dedicação exclusiva, o que supõe um trabalho permanente de pesquisa e publicações acadêmicas, como indica o quadro 9. A conseqüência é que o número de trabalhos científicos produzidos pelos professores universitários tende a ser, em média, muito baixo, e concentrado em poucas instituições e departamentos.

Os aspectos negativos se explicam pelo fato de que o ensino superior brasileiro se expandiu com grande rapidez em um período extremamente curto, ao longo dos anos 70, a partir de uma base acadêmica e profissional precária, e se cristalizou como um segmento rígido do serviço público, em grande parte imune a incentivos de desempenho. A grande maioria dos professores, principalmente no sistema federal, são estáveis, independentemente de terem dado provas de desempenho intelectual e acadêmico satisfatório. Esta estabilidade impede que pessoas menos competentes sejam afastadas, que haja competição e mobilidade entre instituições, e torna praticamente impossível reformas institucionais mais profundas, que impliquem na redução, fechamento ou ampliação de determinados departamentos. Os salários dos professores são fixados de forma conjunta para todo o sistema, e não podem ser decididos no contexto das universidades, e muito menos em negociação direta com o professor. As regras de promoção funcional nem sempre respondem a critérios efetivos de desempenho, e promoções e acréscimos salariais, mesmo por atividades temporárias, são normalmente irreversíveis(23).

O status jurídico das universidades públicas não gera estímulos para a melhoria do desempenho por parte das instituições. Não há recompensa para a redução de custos, já que não é possível utiliza, digamos, recursos poupados em pessoal para gastar em equipamento; e como os orçamentos anuais tendem a se basear em custos históricos, qualquer redução de gastos em um período dado pode levar a recursos menores no período seguinte. Além disto, como qualquer racionalização implica conflitos de interesse no interior das instituições, é sempre mais conveniente pressionar o governo federal por recursos adicionais, ou criticá-lo se os recursos não chegam, do que tratar de resolver os problemas internos às instituições.

Quadro 9. Percentagem de professores com contratos de tempo integral e estabilidade, por tipo de instituição e titulação acadêmica
  USP Universidades estaduais fora de São Paulo Universidades Federais Instituições Privadas Total
Graduação 30,8% 60,9% 95,2% 16,0% 47,2%
Especialização 40,0% 77,5% 97,1% 24,3% 63,4%
Mestrado  32,0% 82,4% 95,8% 26,9% 70,4%
Doutorado 64,3% 62,5% 93,6% 29,4% 71,8%
Professor adjunto ou titular 85,5% 100% 96,3% 50,0% 82,9%
Total 59,1% 74,5% 95,5% 24,0% 65,5%
(N) (149) (106) (396) (287) (938)
Fonte: Schwartzman, S., 1993.

Um fator que pode contrabalançar a rigidez burocrática das universidades públicas é a existência de um forte corpo acadêmico no seu interior, cuja carreira profissional dependa de avaliações de comunidades externas, e que por isto teria um forte interesse e comprometimento com a melhoria das condições internas de suas instituições. Ainda que este corpo acadêmico exista em certa medida, ele é reduzido, e incapaz de resistir às pressões de ordem burocrática, sindical e muitas vezes político-partidária que emanam da maioria dos funcionários-professores.

5.6 - A pós-graduação

Quadro 10 - Alunos Vinculados a Programas de Pós-Graduação por Região, 1989.
  mestrado doutorado
Regiões: N % N %
Norte 371 1.14 61 0,66
Nordeste 3.236 9,95 125 1,37
Sudeste 23.794 73,23 9.379 91,95
Sul 4.195 12,92 488 5,35
Centro-Oeste 895 2,75 59 0,64
Total 32.492 100% 9.112 100%
Fonte: Durham, 1993, p. 12; dados originários do MEC/CAPES.

O ensino da pós-graduação no Brasil antecede, como atividade regular, ao dos demais países da América Latina, e abrange cerca de mil cursos, envolvendo aproximadamente quarenta mil estudantes em programas de mestrado e doutorado (quadro 10). A qualidade deste conjunto é sistematicamente acompanhada por comissões de pares escolhidos pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) do Ministério da Educação em consulta com a comunidade, que atribuem conceitos de "A" a "D" para os diversos cursos, e fazem críticas e recomendações. As avaliações da CAPES, publicadas periodicamente, servem de base para a distribuição de bolsas de estudo para os diversos programas, e são também utilizadas como referência por outras instituições. É difícil interpretar o que significam estes conceitos em termos de qualidade, inclusive porque tem havido uma tendência histórica ao aumento do número de conceitos "A", o que pode significar, não apenas uma melhoria do nível geral dos cursos, que parece ter efetivamente ocorrido, como talvez uma redução progressiva dos critérios de exigência das comissões de pares, principalmente nas áreas sem maior tradição científica, como nas chamadas "profissões sociais". Em geral, no entanto, supõe-se que os cursos "A" tenham um nível equivalente ao das boas universidades na Europa e Estados Unidos, o que tem justificado, inclusive, uma política de limitar a concessão de bolsas para estudos no exterior a nível de mestrado para os campos em que já existam pós-graduações bem constituídas no país.

Os alunos de pós-graduação têm características e proveniências diversas: profissionais nas áreas mais técnicas que buscam aperfeiçoamento e especialização, como na engenharia e medicina; pessoas interessadas em se dedicar a carreiras acadêmicas, como na física e na biologia; professores universitários das diversas áreas, que buscam aumentar seus conhecimentos e melhorar sua titulação; e alunos provenientes de cursos de graduação pouco definidos profissionalmente, e que dependem de uma qualificação mais avançada para se colocar no mercado de trabalho, como a economia e a administração.

Os cursos regulares de mestrado e doutorado estão concentrados nas universidades públicas e são gratuitos; além disto, uma parte significativa dos alunos, recebe uma bolsa de estudos. As bolsas promovem a eqüidade no sistema, já que, quando são escassas, tendem a ser distribuídas por critérios de necessidade. As admissões aos programas de pós-graduação obedecem normalmente a critérios de mérito, entre os quais conta o desempenho nos cursos de graduação, e para algumas áreas (como economia e administração) existem exames de seleção nacionais. Ainda que as bolsas representem um subsídio público adicional a pessoas já beneficiadas anteriormente pelo ensino público de graduação, sua justificação social é muito mais clara, entre outras razões pelo fato de que, neste nível, o aumento da especialização e da competência não parece ter a mesma correlação com a renda do que nos níveis anteriores.

As medidas usuais de eficiência dos programas de pós-graduação são o número de pessoas formadas, em relação aos ingressantes, e o tempo necessário para a obtenção dos títulos. Nestes dois aspectos, os dados não são muito favoráveis. Apesar de as bolsas terem duração limitada (dois anos e meio para o mestrado, e quatro para o doutorado), o tempo para a obtenção dos graus acadêmicos é excessivamente longo, e a percentagem de estudantes de pós-graduação que terminam suas teses é pequena. Em média, 4 anos e 9 meses se passam entre o início dos estudos a obtenção do título de mestre, e 5 anos e meio para a obtenção do doutorado. Como geralmente se exige o mestrado para o ingresso no doutorado, a obtenção dos dois títulos requer em média 10 anos de estudos após o curso de graduação. Não é de se admirar que poucos terminem esta maratona(24). Em geral, os doutorados são obtidos em idade relativamente avançada, próximo dos quarenta anos.

Existem algumas explicações para estas ineficiências. Ao contrário de outros países, os mestrados brasileiros surgiram como os cursos de pós-graduação mais altos que a maioria das instituições poderiam oferecer, pelo seu número reduzido de doutores, e não como uma etapa em uma carreira acadêmica mais ampla, ou como uma preparação intensiva de curto prazo; e por isto tenderam a se transformar em cursos longos, de dois a três anos de duração, aos quais se acrescentam outros anos para a elaboração de teses. Na medida em que os departamentos se qualificavam para oferecer doutoramentos, a tendência era de fazer destes um programa adicional ao de mestrado. Em alguns casos esta tendência tem sido revertida, mas a redução do tempo e dos requerimentos formais dos mestrados tende a ser percebida como um rebaixamento dos cursos, encontrando por isso resistências, que se localizam principalmente em instituições sem condições para desenvolver programas de doutoramento próprios. Uma outra explicação para a ineficiência da pós-graduação é que ela tende a obedecer, de maneira geral, ao formato acadêmico, com a realização de pesquisas experimentais e defesa de tese, o que não é adequado para as áreas onde a pós-graduação tem uma função de preparação profissional complementar. O resultado é que muitos estudantes, embora se beneficiem de uma formação acadêmica mais avançada e completem os créditos exigidos, deixam de apresentar suas teses e monografias, o que se reflete nas altas taxas de abandono. Finalmente, o principal mercado de trabalho para os pós-graduados é o sistema universitário e os centros de pesquisa, ambos estagnados desde o início da década de 80. Sem perspectivas profissionais claras, os alunos de pós-graduação não têm estímulos para terminar seus cursos em pouco tempo, e podem se valer da condição de estudante, e do apoio de bolsas de estudo, para postergar o momento de sua entrada no mercado de trabalho.

6 - Políticas governamentais

O período iniciado com a democratização em 1985 foi fértil em mobilizações pela educação em vários níveis, assim como tentativas de formulação de políticas educacionais pelo governo federal e em muitos estados. No início, houve uma tendência a atribuir a maioria dos males da educação às políticas restritivas do regime militar, o que tinha como corolário a expectativa de que haveriam grandes melhorias com o aumento da participação de professores e alunos na formulação e gestão das instituições, e uma atitude governamental mais favorável à educação. Hoje, há uma consciência crescente de que os problemas são mais complexos, e é possível que um certo consenso esteja se formando a respeito do que deve e não se pode fazer.

6.1 - Políticas para o ensino básico e pré-escolar

6.1.1 - Estados e Municípios

Dado o carácter descentralizado da educação básica e média, é nos estados e municípios que podemos encontrar as iniciativas mais significativas de reforma educacional, algumas fracassadas, outras mais promissoras. Após o regime militar, organizaram-se tentativas de reforma que partiam de ampla consulta e de mobilização dos professores da rede pública, que de alguma maneira buscavam reverter os problemas educacionais existentes os quais, eram nessa época, em grande parte atribuídos ao período autoritário que se encerrava. Esta seção apresenta uma síntese de iniciativas tomadas no Rio de Janeiro, Minas Gerais e São Paulo(25). Estes três estados não esgotam as experiências inovadoras que têm ocorrido mais recentemente, de forma descentralizada, em todo o país. O Estado do Paraná desenvolveu um processo de municipalização considerado muito bem sucedido. Existem experiências municipais muito interessantes, como por exemplo em Contagem, Minas Gerais, e Maringá, no Paraná, que ainda esperam um registro e uma avaliação mais sistemática(26).

Rio de Janeiro

A mais visível destas iniciativas talvez tenha sido o projeto dos Centros Integrados de Educação Popular, os CIEPS, iniciado pelo governo Leonel Brizola no Rio de Janeiro a partir de 1984, idéia mais tarde retomada pelo governo Fernando Collor.

A análise da experiência do Rio de Janeiro é difícil pela ausência de dados sobre resultados, pela intensa politização que sempre cercou o projeto, que se transformou na principal bandeira política do governador, e pela resistência que encontrou entre os professores da rede pública do Estado. A idéia principal era criar um número significativo de escolas de educação básica de qualidade para a população mais pobre, que pudessem reter os estudantes oito horas por dia, proporcionando educação, esportes, assistência médica, alimentos e atividades culturais variadas, em instituições colocadas fora da rede educacional regular. Estas escolas deveriam obedecer a um projeto arquitetônico uniforme, cuja principal característica era sua grande visibilidade ao longo dos principais pontos de passagem de todo o Estado.

Independentemente de suas intenções, o projeto recebeu muito mais críticas do que apoios. Um dos problemas que os CIEPS procuravam resolver, o da falta de escolas, era na realidade um falso problema, já que a rede educacional do Estado é suficiente para atender sua população. Escolas de qualidade poderiam resolver um problema muito mais grave, que é o do fracasso escolar. No entanto, os CIEPS não tiveram um programa pedagógico dirigido para este problema. Os documentos que existem expressam a adesão aos princípios da educação liberal do movimento escolanovista, orientados para o desenvolvimento da livre expressão de sentimentos e emoções, a atividade grupal e a criatividade. A alfabetização deveria ser baseada na linguagem efetivamente falada pelos estudantes, e não na "norma culta". Estas orientações constam de documentos elaborados pelo governo do Estado(27), mas não existem evidências sobre sua efetiva aplicação. O número de CIEPS construídos foi muito menor do que o planejado inicialmente, e mesmo na melhor das hipóteses seus resultados não afetariam significativamente o estado como um todo(28). Existem críticas sobre os custos dos prédios, a qualidade de sua arquitetura, sua localização, o sentido de um período letivo de oito horas, e assim por diante. Tudo indica que o projeto arquitetônico tinha primazia sobre o pedagógico, sobretudo pela ausência de equipes técnicas de qualidade envolvidas no projeto, não só pela carência de quadros da Secretaria de Educação do Estado, mas também pela dificuldade que sempre houve em envolver educadores mais qualificados em um projeto educacional onde a motivação política sempre predominou.

Minas Gerais

O Estado de Minas Gerais desenvolveu, durante o governo de Tancredo Neves em 1982-1984, um projeto ambicioso de reforma educacional, baseado na mobilização de professores, técnicos e das comunidades locais, que culminou em um grande Congresso Mineiro de Educação(29). O programa desenvolvido pela secretaria da educação buscava, entre outras coisas: fortalecer os colegiados existentes nas escolas, reduzindo as influências político-partidárias na designação de professores e diretores; mudanças de tipo pedagógico, incluindo a implantação do ciclo básico de alfabetização de dois anos; a ampliação da educação pré-escolar; e a revitalização dos cursos de formação de professores (escolas normais). De uma maneira geral, buscava-se revalorizar a educação pública, a partir da percepção de que ela havia se deteriorado em benefício da expansão da educação privada, por influência do governo militar.

Os dados existentes mostram uma grande expansão da educação pré-escolar e da rede de escolas estaduais no período, em detrimento das escolas municipais de primeiro grau. O número de alunos matriculados não se alterou, nem no primeiro nem no segundo graus. Não existem efeitos mensuráveis sobre resultados pedagógicos. O Secretário de Educação, no entanto, foi eleito deputado federal com expressiva votação, e foi o responsável pela elaboração de um projeto de lei para a educação brasileira em discussão no Congresso (Lei de Diretrizes e Bases da Educação). A partir de 1987, o Governador Newton Cardoso se dedicou a desmontar a estrutura montada pelo governo anterior, transferindo escolas para os municípios, cortando recursos e demitindo professores da rede estadual.

Um novo projeto educacional teve início em Minas Gerais a partir de 1990, centrado no fortalecimento da autonomia e capacidade de iniciativa da escola, como a base do sistema educacional. As prioridades deste projeto são, pela ordem, a autonomia da escola, o fortalecimento da direção da escola através da eleição da diretora (entre candidatos previamente qualificados) e do colegiado, o programa de aperfeiçoamento e capacitação de professores e funcionários, a criação de um procedimento regular de avaliação de resultados, e a integração da atuação estadual com os municípios(30). Embora ainda não existam avaliações dos resultados deste projeto, ele tem sido objeto de muito interesse em todo o país, na medida que propõe uma profunda transformação nas tradições burocráticas e clientelísticas da Secretaria de Educação, criando um verdadeiro mercado de competência dentro do sistema educacional, e fazendo dos diretores de escola líderes comunitários fortemente envolvidos com a obtenção de resultados pedagógicos de qualidade.

São Paulo

Tal como em Minas Gerais, os projetos educacionais em São Paulo desenvolvidos a partir do governo Franco Montoro (1982-1986) tinham por base o envolvimento e a mobilização da comunidade, e mais especialmente da comunidade educacional. Do ponto de vista administrativo, criaram-se conselhos de escola, buscando descentralizar o sistema, e foi estabelecido um sistema de incentivos para os professores, baseado na qualificação e no exercício efetivo do magistério. Do ponto de vista pedagógico, a grande experiência foi a introdução do ciclo básico, unificando as duas primeiras séries do primeiro grau. Além disto, foi estabelecido um Programa de Formação Integral da Criança (PROFIC), que tinha por objetivo implantar a escola de tempo integral no Estado de forma gradual, que encontrou grande resistência entre os professores. Com algumas correções de rumo, os projetos implantados no início da década de 80 tiveram continuidade no governo Orestes Quércia, exceto na cidade de São Paulo, onde as iniciativas de racionalização e aumento de participação desenvolvidas pelo governo Mário Covas foram interrompidas na gestão Jânio Quadros. Na administração Fleury Filho o estado se voltou para um ambicioso programa de criação de escolas padrão, com professores de dedicação plena, cinco horas de aula diárias e recursos financeiros, didáticos e pedagógicos adequados, que tem se estendido progressivamente para todo o Estado. Tal como em Minas Gerais, este programa procura dar autonomia administrativa e financeira aos conselhos escolares, e começa a contemplar a implantação de um sistema regular de acompanhamento de resultados. Segundo alguns observadores, ele padece da falta de um projeto pedagógico que preencha efetivamente o tempo adicional dos alunos nas escolas, e sofre com a rigidez burocrática da secretaria de educação, assim como da resistência e oposição da corporação de professores do Estado.
 
6.1.2 - Governo Federal

Embora não administre diretamente a educação básica, o governo federal tem tido papel importante neste nível pela redistribuição de recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento Educacional - FNDE(31). O FNDE foi criado como fonte adicional ao financiamento do ensino: é uma contribuição patronal (2,5% da folha de pagamento das empresas) destinada ao financiamento do ensino de primeiro grau, suplementando os recursos públicos orçamentários regulares. Esta contribuição chama-se de salário-educação e constitui um fundo que tem recursos consideráveis: cerca de 1,5 bilhões de dólares por ano 1/3 dos quais constitui a quota federal, (cerca de 500 milhões de dólares) e é utilizado pelo Ministério da Educação, que pode repassá-lo a municípios, estados e até a entidades privadas, devidamente credenciadas. Nos estados mais pobres, a quota federal é muito superior à estadual, e portanto decisiva para a manutenção e melhoria do ensino fundamental. O Ministério da Educação tem, assim, um instrumento potencialmente poderoso para focalizar os recursos aonde eles são mais necessários.

É com estes recursos, tanto da quota estadual quanto da Federal, que se constroem e reformam escolas, se compra equipamento escolar e se treinam os professores. É com os recursos do FNDE que se constroem por ano cerca de 10 mil salas de aula, o que corresponde ao crescimento necessário para absorver o aumento anual da população escolar brasileira (cerca de 2% ao ano) e corrigir as distorções na distribuição das escolas e do número de salas de aula que decorrem da movimentação da população. O problema fundamental com a distribuição dos recursos do FNDE é que a demanda por recursos é muito superior (cerca de 2 a 3 vezes) à sua disponibilidade. Além disto, a própria flexibilidade na aplicação dos recursos do Fundo, assim como o seu volume, tornam-no alvo de pressões clientelistas. Deputados e políticos em geral tentam direcionar a aplicação dos recursos de acordo com os seus interesses, seja obtendo do Ministro da Educação boa acolhida para suas propostas, seja incluindo no orçamento da União emendas para beneficiar determinados municípios. Muitas vezes os recursos são orientados para municípios e estados de aliados do Governo, que não são necessariamente os que apresentam maiores "déficits" de escolarização. A racionalização no uso destes recursos buscada pela gestão Goldemberg visava, primeiro, atender aos municípios mais pobres; segundo, direcionar recursos para a formação de professores; terceiro, associar a liberação dos recursos do FNDE ao aumento dos salários dos professores por parte dos estados e municípios.

Os programas de merenda escolar e do livro didático são os outros dois instrumentos importantes utilizados pelo governo federal em sua atuação em relação ao ensino básico. Nos dois casos, trata-se de distribuir um grande volume de produtos para todo o país, a partir de estruturas centralizadas responsáveis pela compra das mercadorias e sua distribuição nacional. Estes programas têm sofrido grande instabilidade, pela precariedade de sua fonte de recursos (o FINSOCIAL teve seus recursos diminuídos no início da década de 90 por uma série de questionamentos jurídicos), e sempre sofreram problemas de ineficiência administrativa e de vulnerabilidade à política de patronagem e corrupção associados a grandes programas distributivos. A tendência recente, em relação à merenda escolar, tem sido a de descentralizar o programa, transferindo os recursos diretamente às escolas. Em relação ao livro didático, o programa sofre de gigantismo (220 milhões de livros foram distribuídos entre 1986 e 1991), excesso de títulos (3.500 em 1992), nenhum sistema de avaliação de qualidade, e do marketing agressivo de algumas editoras interessadas em obter grandes contratos de distribuição.

O governo Collor instituiu um programa de Centros Integrados de Atendimento à Criança (CIACS), que era muito semelhante, em intenção, ao do Estado do Rio de Janeiro, e estava sujeito às mesmas críticas, inclusive a do potencial de corrupção e clientelismo político implícito em um projeto de construir 5 mil escolas em todo o país a um custo de dois milhões de dólares por unidade, sem que o governo federal dispusesse de meios financeiros e humanos para operá-las. Na gestão Goldemberg no Ministério da Educação houve um esforço no sentido de alterar o projeto inicial, reduzindo seus custos, buscando associações com as secretarias de educação e outros setores da comunidade, e abrindo a possibilidade de utilizar o programa como mecanismo para melhorar a infraestrutura das redes educacionais dos estados. O fim do governo Collor não significou o fim do projeto dos CIACS. Para não perder os investimentos já realizados, da ordem de um bilhão de dólares, o Ministro Maurílio Hingel decidiu dar continuidade ao programa em outros termos, inclusive pela alteração de sua sigla (CAICS, Centros de Atenção Integral à Criança), com gastos previstos de 3 bilhões de dólares para o período 1993-1995(32)

Em junho de 1993 o Ministério da Educação divulgou o Plano Decenal de Educação Para Todos, elaborado em cumprimento das resoluções da Conferência de Educação Para Todos de Jomtien, Tailândia, de 1990. e formalmente apresentado à V Reunião do Comitê Regional Intergovernamental do Projeto Principal de Educação na Região da América Latina e do Caribe da UNESCO em Santiago de Chile no mesmo mês. A declaração foi precedida de um "compromisso nacional de educação para todos", assinado por representantes do Ministério, das secretarias de educação estaduais e municipais e de associações profissionais de vários tipos. O plano incorpora os objetivos gerais da Declaração de Jomtien, retomando e ampliando iniciativas anteriores. A lista das medidas propostas inclui: o programa nacional de atenção integral à criança e ao adolescente, (os CAICS); o Projeto Nordeste de educação, realizado com o apoio do Banco Mundial; a criação de um sistema nacional de avaliação básica; um programa de capacitação de professores, dirigentes e especialistas; um programa de apoio a inovações pedagógicas e educacionais; uma estratégia de equalização no financiamento de educação; a descentralização dos programas de assistência ao estudante; um programa de assistência e agilização do sistema de financiamento; e participação no Pacto pela Infância, que busca desenvolver o atendimento estudantil nas áreas de educação, saúde e combate à violência(33). Em seu conjunto, o plano marca a aceitação formal, pelo governo federal brasileiro, das teses e estratégias que vêm sendo formuladas nos foros internacionais mais significativos na área da melhoria da educação básica. Ainda que sua implementação efetiva dependa de recursos econômicos, institucionais, técnicos e políticos ainda incertos, sua importância estratégica deve ser enfatizada.

6.1.3 - Conclusões

O quadro 11 revela que as reformas estaduais tiveram como principal resultado o crescimento extraordinário de um novo setor educacional, o da educação pré-escolar, enquanto que a educação de primeiro e segundo graus cresceu pouco ou até mesmo regrediu, como no caso de Minas Gerais. Este padrão foi observado em todo o país, como mostra o quadro 12. Os dados disponíveis sugerem que a principal inovação pedagógica, que foi a introdução do ciclo básico para os dois primeiros anos do primeiro grau, falhou em seu principal objetivo, que era o de reduzir as altas taxas de repetência no início da vida escolar; os alunos que eram reprovados antes ao final de um ano passaram a ser reprovados ao final de dois. Do ponto de vista administrativo e institucional, a principal meta em alguns dos estados foi reduzir o poder centralizador e burocrático das secretarias de educação, e devolvê-lo à comunidade. Este projeto encontrou, naturalmente, resistência por parte das administrações, que em muitos casos restabeleceram seu poder mais tarde. Mas elas serviram também para mostrar que este processo de descentralização pode significar, simplesmente, a transferência de poderes para os municípios, de uma parte, ou para as associações e sindicatos de professores, por outra, e que de nenhum dos dois é possível esperar, necessariamente, um envolvimento com reformas que signifiquem uma transformação mais profunda das práticas educacionais. Prefeituras podem ser tão ou mais clientelísticas e burocráticas, quanto os governos estaduais; e professores, freqüentemente frustrados por baixos salários e pouco reconhecimento, tendem a resistir à implantação de sistemas de avaliação, assim como a projetos experimentais e inovadores que introduzam diferenciações nos sistemas educacionais. A existência destes problemas nas tentativas de descentralização não significa, no entanto, que a educação possa ser conduzida de forma centralizada ou burocrática, ou a partir de grandes projetos de impacto político e alta visibilidade, em busca de dividendos eleitorais de curto prazo.

Quadro 11. Evolução de alguns sistemas estaduais de educação, 1983-1987 (taxas de crescimento do número de alunos no período).
  Educação Pré-escolar primeiro grau segundo grau
São Paulo 32,6 12,5 12,8
Minas Gerais 86,0 0,3 0,2
Rio de Janeiro 23,0 -9,5 3,6
Paraná 48,8 4,0 9,1

Quadro 12: Índices de Expansão da Educação Brasileira, 1980-1989 (1980=100).
Ano pré-escola primário (1-8) secundário superior
1980  100,00  100,00  100,00  100,00 
1981  115,58  99,44  100,04  100,65 
1982  139,78  104,40  101,95  102,18 
1983  156,10  108,66  104,43  104,43 
1984  185,84  109,70  104,68  101,60 
1985  189,06  109,61  106,99  99,27 
1986  230,94  112,21  112,31  102,98 
1987  246,89  113,76  113,73  106,75 
1988  255,36  118,69  118,48  109,15 
1989  264,42  122,31  122,06  110,24 
Fonte: Ministério da Educação, A Educação no Brasil na Década de 80.

Em relação ao governo federal, a experiência confirma que a legislação foi sábia ao restringir o papel do Ministério da Educação nas questões da educação básica. Todas as ações centralizadas do governo federal padecem dos mesmos problemas de gigantismo, patronagem política, ineficiência no uso de recursos, e possibilidades de corrupção. Parece claro que o governo federal deveria concentrar seus esforços no desenvolvimento de sistemas adequados de avaliação e acompanhamento do ensino básico no país, na redistribuição de recursos por critérios estritamente técnicos, baseados em diferenciais de renda e projetos pedagógicos de qualidade, e no apoio direto a regiões de carência extrema, que não tenham condições de gerar e administrar minimamente seus próprios recursos.

6.2 - Ensino Médio

O ensino médio, que para efeito desta análise pode incluir também os quatro últimos anos do ensino básico (o antigo ginásio) é a parte mais negligenciada de todo o ensino brasileiro, tanto do ponto de vista de políticas quanto, inclusive, de reflexões e discussões sobre seus problemas e necessidades(34). Quase toda a atenção no ensino básico se concentra nos problemas de acesso, repetência nos primeiros anos e aquisição das habilidades básicas de escrita, leitura e aritmética. No outro extremo, existe a preocupação sobre se os cursos secundários estão formando pessoas em quantidade e níveis adequados para as universidades, assim sobre a falta de cursos de formação técnica e profissional.

Talvez a única questão de política educacional que tenha sido discutida com mais veemência, em relação ao ensino médio, é a do eventual papel deformador que as demandas do sistema universitário exercem sobre ele. De fato, a maioria dos cursos secundários se organiza em função dos procedimentos de seleção para as universidades, e a generalização das provas de múltipla escolha, ocorrida nos anos 70, foi interpretada por muitos como responsável por dificultar a formação mais qualitativa e complexa nas escolas secundárias. A solução encontrada foi a de reintroduzir as provas de redação nos exames vestibulares, na esperança de que, com isto, o ensino da língua nas escolas secundárias melhorasse. Não há nenhuma evidência, no entanto, de que esta relação de causalidade exista. A probabilidade de um estudante ingressar na Universidade depende, sobretudo, da qualidade de sua escola secundária, independentemente do sistema de vestibular adotado, e os estudantes melhores formados são também os que têm mais facilidade no domínio da língua.

O problema mais grave da educação secundária brasileira, depois das questões de acesso, é o da inadequação de seu currículo à realidade contemporânea, e à própria vida dos estudantes. Esta inadequação, quando combinada com professores mal formados e pouco estimulados, transforma o ensino em um ritual burocrático e vazio de conteúdo, que poucos têm interesse e motivação em seguir. O fato de que não existam no Brasil discussões e propostas mais aprofundadas relativas ao currículo da educação secundária é em sí um problema sério, e de difícil solução. O normal seria esperar que estas discussões e propostas surgissem das faculdades, secretarias estaduais e Ministério da Educação, e sua ausência é um indicador grave da falta de pessoas e instituições envolvidas de forma permanente e profissional com a problemática educacional. As únicas exceções são alguns grupos dedicados ao ensino da ciência, amparados pela CAPES e contando com o apoio do PADCT(35), que existem em alguns departamentos universitários, e que desenvolvem um trabalho de criação de livros e materiais pedagógicos. Apesar da contribuição positiva destes esforços, eles não chegam a substituir a necessidade de tratar da questão do currículo da educação secundária como um todo, considerando-se, inclusive, a necessidade de ampliar as oportunidades de formação profissional neste nível.

Não existem soluções simples para este problema, que depende da situação profissional dos professores, da qualidade da educação recebida pelos estudantes nos anos anteriores, dos recursos físicos e pedagógicos de que as escolas dispõem. Além disto, no entanto, é necessário desenvolver um contexto intelectual e acadêmico onde as questões educacionais possam ser vistas e discutidas com a profundidade e o alcance necessários. Esta é uma tarefa para as Universidades, mas que não pode ficar restrita às faculdades de educação, que refletem em grande parte as dificuldades do sistema educativo, e tendem a se isolar de outras fontes possíveis de reflexão sobre as questões educacionais, no âmbito das ciências sociais, da psicologia, da filosofia e mesmo da economia. Desenvolver este espaço para a reflexão permanente sobre os conteúdos da educação brasileira deveria ser uma questão de primeira prioridade na política educacional.

6.3 - Ensino superior e pós-graduação

Dada a importância da atuação governamental no ensino superior, a atuação do Ministério da Educação é de grande importância neste nível de ensino. O governo federal vem se debatendo em uma prolongada crise institucional e econômica, que tem tido como conseqüência níveis cada vez maiores de pobreza e deterioração urbana na maior parte do país. É compreensível que, neste contexto, urgências de curto prazo ocupem toda a agenda governamental, e deixem pouco espaço para o desenvolvimento de políticas de longa maturação e alto potencial de conflitos e divergências a curto prazo, como são, inevitavelmente, as políticas educacionais em um contexto de escassez.

O Ministério da Educação é responsável tanto pela administração do sistema federal público como pela supervisão do setor privado do ensino superior em todo o país. Após uma tentativa inicial frustrada de formular um grande projeto consensual para o ensino superior, o governo federal abandonou por vários anos qualquer pretensão de uma reforma mais profunda(36). Durante a gestão José Goldemberg no Ministério da Educação, no período 1991-1992, surgiram diversas iniciativas de uma reforma mais profunda do ensino superior federal, que no entanto se frustraram com a crise política do governo Collor. Um dos principais projetos foi o de substituir os atuais procedimentos de controle centralizado e burocrático das universidades públicas por mecanismos fundados em um sistema que associasse a autonomia das universidade na definição de seus objetivos e autonomia de execução, com procedimentos permanentes de acompanhamento e avaliação de resultados. Um primeiro passo neste sentido foi a elaboração de uma fórmula para o cálculo dos orçamentos das universidades, baseada em indicadores como o número de vagas preenchidas, o número de alunos formados anualmente, a proporção de docentes com titulação acadêmica, a proporção de docentes em dedicação exclusiva e o número e qualidade dos cursos de pós-graduação. Exercícios preliminares mostraram que esta fórmula permitiria comparar e detectar distorções importantes nos orçamentos das universidades, apontando necessidades de ajustes e correções(37).

A implantação deste sistema depende, no entanto, de reformas legislativas de grande alcance, que chegaram a ser objeto de propostas, mas não receberam do governo o necessário empenho político. Estas reformas deveriam substituir o atual sistema pelo qual os orçamentos de cada universidade são aprovados individualmente pelo Congresso, e por isto sujeitos a pressões e manipulações políticas, pela aprovação de um orçamento global para o ensino superior federal, a ser administrado pelo Ministério da Educação; dar às universidades autoridade par administrar um orçamento global, com liberdade de transferir recursos entre diferentes finalidades e estabelecer sua própria política salarial (terminando, assim, com o atual sistema de isonomia); e eliminar os atuais mecanismos de controle burocrático das administrações universitárias, e substituí-los por avaliações de desempenho.

O modelo que se buscou implantar para sistema federal foi inspirado naquele adotado alguns anos antes pelo governo do Estado de São Paulo, que atribuiu às suas três universidades uma percentagem fixa dos impostos estaduais, e lhes deu total autonomia na gestão de seus recursos. Este sistema teve como conseqüência benéfica transferir para as universidades as decisões sobre como melhor utilizar estes recursos, e proporcionar-lhes grande flexibilidade administrativa. Um outro efeito importante foi o de eliminar a necessidade de negociar anualmente os orçamentos universitários com o governo e com a câmara de deputados estadual. Apesar de seus méritos, o sistema paulista ainda é bastante rígido, já que a percentagem de recursos atribuída a cada universidade é fixada politicamente, sem nenhuma relação com qualquer mecanismo objetivo de acompanhamento e avaliação de resultados, e os salários de professores e funcionários são negociados globalmente pelos sindicatos com o Conselho de Reitores das Universidades do Estado de São Paulo, CRUESP, o que retira das universidades a autonomia neste aspecto crucial. Finalmente, apesar da autonomia concedida, os professores continuam sendo funcionários da administração estadual, com as garantias de estabilidade e aposentadoria precoce daí decorrentes. A proposta federal procurava exatamente corrigir alguns desses problemas.

O objetivo das reformas propostas para o sistema federal, e daquelas já implantadas no sistema estadual paulista, é o de aumentar a eficiência e melhorar o desempenho das universidades, ao colocá-las dentro de um ambiente competitivo em que seus recursos dependam de seus resultados. Uma conseqüência não desprezível das reformas propostas seria o de aumentar a capacidade das universidades públicas de obter e administrar recursos próprios, a partir de diferentes formas de interação com a sociedade mais ampla.

Estas medidas não afetam, no entanto, a questão da eqüidade na educação superior. Em relação a este aspecto, a cobrança de anuidades na universidades públicas tem sido proposta com frequência, mas é proibida pela Constituição de 1988. Um sistema adequado de cobrança de anuidades escolares, devidamente acompanhado de mecanismos de créditos e isenções, poderia contribuir para reduzir a iniqüidade hoje existente no subsídio generalizado à formação para carreiras de alto rendimento econômico, mas encontraria certamente grandes resistências e teria um custo político elevado. A cobrança de anuidades não teria como substituir a presença do Estado no financiamento da educação superior, já que não seria possível cobrar mais do que um valor anual aproximado aos US $ 1.300,00 por estudante (o custo médio do crédito educativo para o sistema privado), que corresponderia no máximo a 25% dos atuais custos, nas estimativas mais conservadoras, sem falar que parte deles teria que ser utilizada para subsidiar os que não podem pagar. O efeito benéfico destes recursos adicionais sobre as universidades públicas não seria negligível, no entanto, e haveriam também outros efeitos importantes, eliminando, por exemplo, a ocupação de vagas públicas por alunos pouco empenhados em seus estudos. As propostas apresentadas pelo MEC, entretanto, se orientaram muito mais no sentido de obter uma economia através da racionalização do uso dos recursos do que no de ampliar os recursos introduzindo o ensino pago.

Uma outra política relevante à questão da eqüidade é a do acesso às universidades públicas. Os dados sobre orçamento, relação professor/aluno e ocupação do espaço físico sugerem que as universidades públicas brasileiras poderiam absorver muito mais estudantes do que o que fazem atualmente, e existem pressões para que o ensino noturno, que é típico do sistema privado e também adotado pela Universidade de São Paulo, seja generalizado para as demais universidades paulistas e para sistema federal. Uma das principais objeções a esta ampliação de vagas no sistema público, e à criação dos cursos noturnos, parte do corpo docente das instituições federais e é a de que eles implicariam na admissão de alunos pouco qualificados, e em uma baixa generalizada da qualidade. No entanto, a ampla oferta de cursos noturnos na Universidade de São Paulo, a partir da década de 50, não provocou a deterioração do ensino, nem impediu o progresso da pesquisa.

O problema da deterioração é real, e em muitos países da América Latina as universidades públicas se transformaram em grandes sistemas de qualidade duvidosa, mantidos e operados sobretudo por critérios políticos, e deixando para o setor privado a tarefa de formação de alto nível. Ainda que algo desta situação já exista em muitas universidades brasileiras, há uma evidente preocupação em evitar que ela se acentue. Dadas as limitações da educação secundária, o pool de estudantes qualificados que não conseguem espaço nas universidades públicas é pequeno, e qualquer ampliação significativa de matrículas sem um esforço adicional sistemático em prover educação complementar e supletiva aos novos estudantes poderia ter um efeito desastroso sobre a qualidade.

Uma terceira política de redução da iniqüidade no ensino superior público seria a de aumentar de forma significativa seu papel na formação de professores para o ensino básico e de segundo grau. A formação de professores tende a ser vista nos departamentos acadêmicos das universidades brasileiras como uma atividade menor, e os baixos salários afastam do ensino os estudantes de maior talento e potencial. A grande maioria dos professores se formam em cursos privados de menor qualidade, como segunda ou terceira alternativa de carreira. Os cursos proporcionados pelas faculdades de educação (educação especial, administração escolar, orientação educacional e outras), procuradas predominantemente por professores formados em nível secundário, têm como principal resultado transferir os mais talentosos das atividades pedagógicas para atividades administrativas ou especializadas. Existem propostas de transferir para as faculdades de educação, que hoje se encarregam somente dos cursos pedagógicos, mas não substantivos, toda a tarefa de formação de professores, transformando-as em "teaching colleges". Esta proposta teria o mérito de colocar a formação do professor em um contexto em que ela seria prioritária, mas a isolaria dos departamentos onde a estão a pesquisa e os melhores professores universitários. De uma forma ou de outra, a questão do papel das universidades públicas na formação do professor de primeiro e segundo grau está longe de ter sido sequer equacionada, apesar se representar um dos pontos de estrangulamento mais graves para a melhoria do sistema educacional brasileiro como um todo. Mas o problema da formação de professores mais qualificados não pode ser resolvido somente pela universidades, se não houver uma alteração no padrão de remuneração que beneficie os docentes melhor preparados. Sem isso, os professores melhor formados não ingressarão no sistema público de ensino, mas se dirigirão para empregos melhor remunerados. E isso, aliás, que ocorre hoje.

Em relação ao ensino superior privado, o principal instrumento de política educacional do governo federal seria o Conselho Federal de Educação, que atua sobretudo na tentativa de controlar e coordenar sua expansão. Sua política tem oscilado através do tempo entre períodos de restrição e de liberalidade na autorização de novos cursos e criação de novas universidades. Esta alternância se explica pela pressão de interesses existentes no setor privado, que busca aumentar o número de cursos e diminuir as exigências para seu funcionamento, e a das associações profissionais mais atuantes, na área da medicina, direito, engenharia e outras, que tratam de restringir a oferta de novos profissionais e aumentar sua qualidade. No passado, o Conselho desempenhou papel importante no estabelecimento de normas para a implantação da pós-graduação e para o funcionamento do sistema como um todo, mas nunca chegou a exercer um papel efetivo no controle da qualidade, por falta de mecanismos adequados de acompanhamento e de vontade política para criá-los. Existe também uma iniciativa do Conselho Estadual de Educação de São Paulo de assumir a responsabilidade pela supervisão do sistema privado em seu estado, que contribui para o esvaziamento do C.F.E..
Desde 1985, diversos projetos têm sido apresentados para alterar o Conselho Federal de Educação, seja no sentido de torná-lo mais qualificado, e mais representativo da comunidade científica, acadêmica e profissional, seja para torná-lo mais permeável aos interesses corporativos dos sindicatos de professores e funcionários e outros grupos de interesse, seja, enfim, de reduzir ou aumentar seus poderes em relação ao Ministério da Educação. Esta questão deve encontrar alguma decisão na aprovação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, há anos tramitando no Congresso Nacional, sem que exista no país, ou no governo federal, uma noção clara sobre o rumo a tomar.

O segundo instrumento do governo federal em relação ao ensino privado é o sistema de crédito educativo, que até a Constituição de 1988 era financiado com recursos de um Fundo de Assistência Social, derivado de rendimentos de loterias. A partir da Constituição de 1988 o crédito educativo passou a ser operado com recursos diretos do Ministério da Educação, administrados pela Caixa Econômica Federal, e em 1991 chegou a atender a 75 mil alunos de nível superior, a um custo médio de US 1.300,00, entrando a partir daí em crise por falta de recursos. Os recursos do crédito educativo eram utilizados para o pagamento de mensalidades escolares, e funcionavam como um subsídio governamental ao sistema privado, já que, na inexistência de mecanismos adequados de correção dos débitos pela inflação e de cobrança, não havia efetivamente devolução dos recursos concedidos. A nova sistemática elaborada pelo Ministério da Educação previa o estabelecimento de critérios, até então inexistentes, para a concessão do crédito, privilegiando as instituições não lucrativas de caráter comunitário, a qualidade dos cursos, as regiões desprovidas de instituições públicas, a escolha de carreiras de maior interesse social, a fixação de valores uniformes para as anuidades, e mecanismos adequados de cobrança dos débitos, levando em devida conta as condições dos alunos depois de formados. Com estas medidas, se esperava que o crédito educativo se transformasse, de um programa meramente assistencial, em um instrumento eficaz de política educacional. A implementação deste projeto depende, no entanto, da definição de uma nova fonte de recursos estáveis para o sistema de crédito educativo, que ainda não foi estabelecida(38).

Em relação à pós-graduação, existe uma preocupação em distinguir com maior clareza os programas orientados para o aperfeiçoamento profissional daqueles orientados para a formação científica e a carreira universitária. Enquanto que os primeiros terminam tipicamente no nível de mestrado, e deveriam ter um conteúdo prático e aplicado mais intenso, os segundos deveriam conduzir com rapidez ao doutorado, e ter uma orientação mais acadêmica. Em ambos os casos, os programas de mestrado excessivamente longos devem ser enxugados, e o acesso ao doutorado incentivado. O sistema de avaliação da CAPES está sendo revisto, para garantir padrões mais estritos de qualidade, e ser capaz de tratar diferencialmente os programas de orientação profissional e de orientação acadêmica. Finalmente, existe um amplo espaço para programas de pós-graduação "lato senso", que deveriam ser ampliados e estimulados(39).

7 - Uma perspectiva de transformação

Este quadro sumário mostra que o Brasil tem sido capaz expandir seu sistema educacional através do tempo, aumentando as oportunidades educacionais em todos os níveis, mas tem encontrado grandes dificuldades em melhorar sua qualidade, e, em tempos de recursos escassos como os atuais, de aumentar sua eficiência. O crescimento extensivo e desigual foi também a característica dominante da economia brasileira até o início da década de 80, quando os problemas de eficiência, qualidade e eqüidade assumiram o primeiro plano, e colocaram o país em uma depressão econômica ainda sem perspectivas de solução. Neste sentido, as dificuldades pelas quais passa a educação brasileira não são muito distintas das que afetam o país como um todo: a dificuldade em desenvolver a competência, a ineficiência no uso de recursos públicos, e a ausência de mecanismos efetivos para corrigir os problemas de iniqüidade econômica e social. A falta de uma população educada e competente é um freio para o crescimento econômico, e a limitação de recursos afeta a capacidade de resolver os problemas educacionais.

É necessário romper este círculo vicioso, e a análise dos dados mostra que, apesar das evidentes dificuldades financeiras, a educação brasileira ainda se debate com graves problemas no uso dos recursos disponíveis, de descontinuidade institucional e administrativa, e de falta de uma agenda razoavelmente consensual de transformação.

O primeiro ítem desta agenda é aparentemente simples: a educação depende de governos competentes e seriamente envolvidos com as questões educacionais. Independentemente dos problemas estruturais, sociológicos e pedagógicos que existem na educação brasileira, já haveria um grande avanço se os governos federal e estadual abandonassem o comportamento predatório em relação os recursos da educação. Os mecanismos que podem permitir esta transformação política são demasiado complexos para serem discutidos aqui, mas o fato é que já existe no Brasil uma safra de governantes estaduais seriamente envolvidos com a melhoria da educação em seus estados, e obtendo resultados satisfatórios. Além dos exemplos de Minas Gerais e São Paulo, vários outros estados, entre os quais alguns dos mais pobres, como Ceará, Paraíba e Rio Grande do Norte, vêm apresentando resultados extremamente significativos na melhoria da competência administrativa, com impacto importante na educação, como mostra o quadro 13.
 
Quadro 13 - Indicadores de desempenho dos governos do Ceará, Piauí e Paraíba
  Número de Funcionários Mortalidade infantil (mortos por 1.000) Matrículas na rede estadual de ensino
1986 1992 1986 1992 1986 1992
Ceará 145.000 90.000 102 65 352.000 666.000
Piauí 112.000 65.000 64 55 233.000 450.000
Paraíba 91.000 75.000 127 71 287.000 425.000
Fonte: "Um soco na Pobreza", Veja (26) 18, 5 de maio de 1993, p. 26-27.

Os demais ítens desta agenda podem ser vistos nas propostas contidas no documento CEPAL/UNESCO sobre a educação na América Latina, que reune o consenso existente entre os especialistas a respeito dos caminhos necessários para superar os problemas educacionais na região(40). Resumindo de forma extrema, o documento CEPAL/UNESCO propõe, como objetivos estratégicos da reforma educacional, o desenvolvimento da cidadania e o aumento da competitividade econômica dos países; para isto, duas linhas de política governamental devem ser desenvolvidas de forma simultânea: uma voltada para e eqüidade, e outra para o desempenho dos sitemas educacionais.

Duas linhas de reforma institucional são consideradas indisensáveis, a descentralização radical dos sistemas educativos, levada ao nível dos estabelecimentos educacionais, e o fortalecimento do papel de integração e coordenação dos governos centrais e regionais. Estas noções estão também presentes nos projetos que o Banco Mundial vem desenvolvendo em colaboração com treze estados brasileiros, com ênfase especial na região Nordeste.

Em termos de educação básica, a experiência brasileira mostra que existem avanços importantes no caminho da descentralização, mas ainda muito pouco no que se refere às atividades de coordenação e integração dos governos estaduais e federal. Estas atividades devem desempenhar duas funções essenciais: a correção das iniquidades sociais, pela redistribuição de recursos e apoio técnico e financeiro a comunidades ainda incapazes de gerir seus sistemas educacionais de forma adequada; e o estabelecimento de padrões de desempenho, a partir de mecanismos permanentes de avaliação e acompanhamento de resultados. Até o presente, o governo federal tem insistido em executar diretamente atividades no nível da educação básica e técnica, sem desenvolver de forma adequada sua competência na área de avaliação de resultados e aperfeiçoamento de conteúdos. Quanto aos critérios de repasse dos recursos do salário-educação, apesar de iniciativas recentes, eles continuam longe de serem transparentes. Não existem ainda, nem a nível federal, nem a nível dos estados, sistemas gerenciais que disponham de indicadores adequados de desempenho que possam balizar estas múltiplas atividades. Os resultados extremamente preocupantes das pesquisas sobre a qualidade da educação básica parecem ter começado a sensibilizar as autoridades educacionais e os setores empresariais, embora não ainda a ponto de produzir resultados significativos.

Finalmente, há que se considerar a questão fundamental da integração entre os governos estaduais e municipais, que são os efetivamente responsáveis pela educação básica. Apesar da desejabilidade de uma descentralização maior, os municípios são muito heterogêneos quanto à sua capacidade de efetivamente administrar seus sistemas de ensino, o que torna crucial o papel dos governos estaduais. Além disto, seria necessário que os municípios fossem efetivamente responsabilizados pela universalização do acesso, ao contrário do que ocorre hoje, quando assumem em geral uma função meramente complementar à dos governos estaduais.

Existe uma última tarefa importante para os governos estaduais e federal, que é o de fortalecer a competência do país na análise e entendimento das questões educacionais. Passada a fase inicial de expansão quantitativa, os problemas do ensino se tornam cada vez mais complexos, exigindo competências pedagógicas, gerenciais e econômico-financeiras que são escassas, e que precisam ser desenvolvidas e implantadas em suas universidades e centros de pesquisa. Uma parte importante deste trabalho de aumento de competência consiste em tomar conhecimento das experiências de outros países, e entender em que medida elas permitem balizar os caminhos do futuro. Neste aspecto, iniciativas de cooperação internacional, como a do InterAmerican Dialogue, podem dar uma contribuição inestimável.

Já existe hoje um forte consenso entre os especialistas e em parcela importante da elite política e econômica sobre a importância estratégica da educação como elemento fundamental para a modernização industrial, e, conseqüentemente, para sua participação plena no mundo do século XXI(41). Existe também um consenso razoável a respeito dos caminhos pelos quais a educação pode ser melhorada e tornada mais equitativa e produtiva. O que falta, sobretudo, é que este consenso adquira maior amplitude, e que se construam instrumentos eficazes para a realização desses objetivos, de modo a fundamentar ações governamentais cada vez mais decididas e bem direcionadas, com a prioridade que educação exige. Aqui também, o papel de instituições formadoras de opinião pública, como o Inter American Dialogue, pode ser muito importante. 


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Notas

1. Este trabalho se baseia, em parte, em José Goldemberg, Relatório sobre a Educação no Brasil, São Paulo, Instituto de Estudos Avançados, Coleção Documentos, 1993; e em Eunice Ribeiro Durham, Uma Política para o Ensino Superior, São Paulo, Núcleo de Pesquisas sobre o Ensino Superior, Documento de Trabalho 2/93. Agradecemos os comentários de João Batista de Araújo e Oliveira e Guiomar Namo de Mello a uma primeira versão deste texto.

2. A taxa de escolarização, naturalmente, é maior, já que o grupo de comparação inclui crianças ainda sem idade para ingressar no ensino fundamental obrigatório. Em termos das respectivas faixas etárias, as estimativas de matrículas são de 82% para a educação de primeiro grau (até 8 anos de escolarização), 16.5% para o segundo (9-12) e 10% para o terceiro graus.

3. Para uma análise dos dados do governo federal de 1986 a 1988, veja Velloso, 1990. Para o conjunto das questões, veja Goldemberg, 1993.

4. Há de se observar, no entanto, de que não se pode ter certeza de que o que os recursos declaram como gastos em educação realmente o sejam. Recente estudo realizado em Minas Gerais mostrou que menos de 10% dos municípios do Estado estavam atendendo a quantidade de alunos que tinham capacidade em termos de 25% de suas receitas, tomando por base o custo médio estimado de US 250.00 por aluno, que é o valor gasto pelo Estado. E estes 10% eram exatamente os municípios mais pobres do Estado! (Guiomar Namo de Mello, comunicação pessoal).

5. A respeito da educação de adultos, veja entre outros Paiva, 1973; e Garcia-Huidoboro, 1987.

6. Ribeiro, 1991.

7.  Vianna, 1989.

8. Goldemberg fig. 8 e 9

9. Ribeiro, 1991.

10. Goldemberg, 1993.

11. Para uma revisão da literatura, veja Campos e Haddad, 1992; para uma história recente, veja Rosemberg, 1992.

12. Para uma visão geral, ver Gatti, 1990.

13. Hasenbalg e Silva, 1990. Para uma análise mais atualizada, ver Silva, 1993; e Pinto, 1992.

14. Gatti 1990, p. 79.

15. No entanto, uma boa parte dos jovens entre 15 e 18 anos estão matriculados ainda no primeiro grau (em alguns estados são mais do que os que estão no secundário), o que significa que a escolarização total da faixa etária é bem superior a 16%.

16. No passado, o ensino primário ia até a quarta série, e a partir de então se iniciava o ginásio, que já era considerado de nível médio, ou secundário. Esta divisão ainda existe na forma de dois "ciclos" na educação básica de 8 anos, e muitas das questões relativas à educação média também se aplicam ao segundo ciclo do ensino básico atual.

17. Gatti, 1989.

18. Schwartzman, Bomeny e Costa, 1990.

19. Ver a respeito Zibas, 1992.

20. O custo de US$150.00 para o ensino básico é obtido pelo mesmo tipo de cálculo que indica US$8.000,00 para o ensino superior.

21. Schwartzman, Jacques, 1993.

22. Durham, 1993.

23. Durham, 1993.

24. Castro, 1991; Durham e Gusso, 1991.

25. Cunha, 1991.

26. Veja, para uma síntese, Ministério da Educação, 1993b.

27. Cunha, 1991, capítulo 4, "Rio de Janeiro".

28. "Em março de 1987, ao fim da administração estadual iniciada em 1983, ao invés dos 500 CIEPs prometidos, estavam em funcionamento apenas 117 (66 na rede estadual e 51 na rede do Município do Rio de Janeiro); Ao invés de atender os 20% dos alunos do primeiro grau, como se anunciava, chegou-se a 1,8% na rede estadual e 4,1% na rede do Município do Rio de Janeiro, ou seja, 37.585 alunos estudando em CIEPs de um total de 1.262.899 alunos nas escolas publicas de ambas as redes (3%)" (Cunha, 1991, p.154).

29. "Ao término deste processo, haviam dele participado 5.553 escolas estaduais, cerca de 9.200 escolas municipais e a quase totalidade das 620 escolas privadas de primeiro e segundo graus do Estado de Minas Gerais. Para o acompanhamento de tamanha mobilização, 250 técnicos da Secretaria deslocaram-se para as escolas e delegacias regionais de ensino, na capital e no interior". Cunha, 1991, p. 168.

30. Guia Neto, 1991, p. 10.

31. Esta seção está baseada em Goldemberg, 1993, seção IV.

32. José Rezende Jr., "Com letras trocadas, CIACS consumirão US$3 bi até 95", O Globo, Rio de Janeiro, 10 de maio de 1993. Os cortes orçamentários introduzidos a partir de julho de 1993, no entanto, deverão afetar diretamente este programa.

33. Ministério da Educação, 1993.

34. Veja a respeito "A Confusão de Papéis e a Discreta Decadência do Ensino Secundário", Castro, 1986, 117-124,

35. Programa de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico, com recursos do Ministério da Ciência e Tecnologia e do Banco Mundial.

36. Schwartzman, 1988.

37. Goldemberg, 1993; Durham, 1993.

38. Veja a respeito Durham, 1993.

39. Durham e Gusso, 1991.

40. CEPAL/UNESCO, 1992.

41. Veja por exemplo Fundação Herbert Levy e Fundação Bradesco, 1992; Salm e Fogaça, 1992, Fogaça e Eichemberg, 1993. <