POR UMA NOVA POLÍTICA PARA O ENSINO SUPERIOR NO BRASIL, relatório final da "Comissão Nacional de Avaliação do Ensino Superior", Brasília, Ministério da Educação, 1985.

Banquete Acadêmico: Universidades debatem documento, sugerindo mudanças em sua atual estrutura. Veja, 4 de dezembro de 1985.

Os 110.000 professores e 1,5 milhão de estudantes das universidades brasileiras vão encerrar o ano letivo com algo mais do que as tradicionais festas de confraternização. Ao champanhe e ao peru de Natal será acrescentado um cardápio regado a perspectiva de currículos novos, autonomia universitária, piso salarial e incentive à pesquisa. Tudo isso servido num banquete inédito: um debate em cadeia nacional de televisão, na rede educativa, no próximo dia 10. Atividade corriqueira em assembléias de alunos e de mestres, desta vez a discussão será patrocinada pelo próprio ministro da Educação, Marco Maciel. O ponto de partida dessa festa educacional é o documento que a comissão nomeada em maio pelo presidente José Sarney para estudar o ensino superior acaba de concluir e que se propõe a mudar a face do ensino superior no Brasil.

Como ponto de partida do documento sobre o ensino superior, o órgão que determina e controla o seu funcionamento, o Conselho Federal de Educação, precisa sofrer mudanças radicais e com ele toda a estrutura administrativa que tem controlado esta decisiva fatia da vida nacional. "Vamos acabar com a estrutura imposta de cima e dar liberdade para a universidade trabalhar. Mas, numa democracia, a liberdade está aliada à responsabilidade' ", diz o presidente da comissão, Caio Tácito, 68 anos, também integrante do CFE. Esta é a síntese da proposta apresentada pela comissão. Todas as universidades terão de se submeter a uma avaliação interna e depois passar pelo crivo de uma comissão supervisionada pelo CFE. "A concessão de recursos estará associada ao desempenho e não aos critérios políticos hoje vigentes", diz Simon Schwartzman, relator da comissão e professor do Instituto Universitário de Pesquisas do Estado do Rio de Janeiro.

HUMILHAÇÕES - Chegar a esse relatório de 120 páginas não foi tarefa fácil. Os 24 membros da comissão consumiram boa parte dos seis meses em que se reuniram tentando alcançar um consenso. Por representar segmentos universitários diferentes e correntes políticas antagônicas, muitos itens tiveram de ser decididos em votação. Quando o impasse era demasiado grande, porém, todos cediam. um pouco para ganhar outro pouco. A questão da democratização interna das universidades, por exemplo, acabou atendendo a todos - de um lado o texto final propõe abertura e eleição dos colegiados e, de outro, recomenda a lista tríplice para escolha do reitor. Enquanto a maioria das propostas deixa em aberto a forma de serem colocadas em prática, outras, como a mudança no CFE (veja quadro), dependem da aprovação do Congresso Nacional. O impacto prematuro do relatório está justamente em botar o dedo no centralismo que ainda rege a universidade brasileira. Se for adotado o documento, cada universidade passará a ter autonomia pelo menos para distribuir seus recursos internamente. 

O currículo mínimo também deixaria de ser compulsório - exceto para a legião de faculdades isoladas, a maioria privada, que pipocaram no país nas duas últimas décadas. As universidades de reconhecida competência poderão finalmente compor como melhor entenderem a carreira de seus alunos. Se a proposta sair do papel, o curso de Cinema da Escola de Comunicações e Artes da USP, por exemplo, será o primeiro a pedir a substituição das disciplinas básicas, que tocam superficialmente no conteúdo, por estudos mais específicos de História e Prática de Cinema. O conselheiro Caio Tácito pronuncia-se favorável a essa diversidade. A padronização do ensino sufoca as características regionais que influem na universidade. "Várias experiências devem conviver sem entrar em choque e nem todas as escolas devem ter o mesmo tipo de curso", diz Tácito.

Em outras questões, contudo, a universidade, tanto pública como privada, terá regras mais rígidas que as atuais. Uma delas investe a favor dos professores: o piso salarial. O mito do diploma de curso superior para conseguir um bom emprego também tem chances de ser derrubado em algumas áreas, se vierem a ser criados os institutos de pesquisa tecnológica, com status pós-secundário e cursos com três anos de duração, como o Centro de Educação Tecnológica da Bahia (CENDEC). Criado em 1976 para formar mão-de-obra técnica destinada às empresas do Pólo Petroquímico de Camaçari. ele está produzindo técnicos em telecomunicações, administração hoteleira, processos petroquímicos, manutenção petroquímica, elétrica e mecânica. Seus 800 alunos e 98 professores, contudo, ainda enfrentam uma série de dificuldades de reconhecimento por parte do MEC.

"Estamos fazendo a pré-constituinte da universidade que desejamos viva", promete o ministro Marco Maciel. O debate em torno das propostas apresentadas promete se estender 1986 adentro, mas a semente está lançada. "A universidade brasileira tem funcionado sem o hábito de prestar contas de seu trabalho. Chegou a hora de ela se avaliar e de também ser avaliada por quem a sustenta", diz o professor da USP José Arthur Giannotti, membro da comissão.


Documento altera perfil do ensino superior

Se adotadas pelo Ministério da Educação, as propostas da comissão vão provocar mudanças substanciais no ensino superior. Algumas delas: 
  • Conselho Federal de Educação - os 24 conselheiros são nomeados pelo residente da República e têm a última palavra sobre o funcionamento das escolas e o reconhecimento de novos cursos. A comissão ampliou sua composição para trinta membros, escolhidos pelo presidente a partir de listas tríplices enviadas por universidades, entidades ligadas à pesquisa e categorias profissionais. Será responsável pela política universitária e criará formas de avaliação do desempenho acadêmico, sugerindo mudanças e linhas de pesquisa.
  • Autonomia universitária - As universidades públicas são hoje controladas por estatutos rígidos e todas as instituições de ensino superior seguem um currículo mínimo fixado pelo MEC. As grandes universidades ganhariam autonomia para escolher currículos mínimos, que seriam impostos apenas às faculdades isoladas, que não fazem parte de um complexo universitário.
  • Financiamento - As universidades recebem verbas vinculadas a despesas preestabelecidas. Quando ficam sem dinheiro, estão sujeitas a complementações que custam a sair. Com autonomia financeira, passariam a remanejar o dinheiro de acordo com suas necessidades e critérios. A verba, parcelada em doze meses, seria corrigida de acordo com a inflação, pondo fim às complementações.
  • Salário de professores - Nas escolas públicas inexiste o piso salarial. A maioria das escolas particulares, em contrapartida, paga pelo sistema de hora-aula, o que gera grande discrepância de salários. Seria estabelecido um piso para todas as universidades e criados critérios para um plano de carreira uniforme. Também seria extinto o sistema de hora-aula.
  • Pesquisa - Não há incentivo salarial ao professor dedicado à pesquisa, mas sim ao burocrata. Surgiria um adicional de salário e programa de bolsas de incentivo à pesquisa.
<