UNIVERSIDADES E INSTITUIÇÕES CIENTÍFICAS DO RIO DE JANEIRO. Simon Schwartzman, org. CNPq, Brasília. 1982, 243 p.

José Reis, Ciência e Cultura, 36 (2), Fevereiro de 1984, 339-342.

Como freqüentemente acontece, o título da obra não define precisamente o seu conteúdo. Por ele imaginamos encontrar um estudo de todas as universidades e institutos de pesquisa do Estado do Rio de Janeiro. Na realidade, como o organizador salienta logo de início, a investigação se limita a algumas dessas entidades, escolhidas como modelos para estudo de sua "gestação, crescimento e maturidade". E essas instituições são todas da cidade do Rio de Janeiro, ou melhor, situadas nessa cidade, pois o "de" poderia levar ao pensamento de que se trate de empreendimentos nascidos da ação municipal ou estadual.

As entidades examinadas são a Universidade Católica, o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais, o Instituto de Biofísica da Universidade Federal do Rio de janeiro, o COPPE e, como peças de um excelente estudo histórico, a Academia Brasileira de Ciências, a Associação Brasileira de Educação e a universidade que veio a denominar-se Universidade do Rio de Janeiro. Ajunta-se a essa série um estudo sobre o papel do CNPq na "institucionalização" da ciência brasileira.

Essa importante matéria está dividida por três partes bem caracterizadas: Na primeira, subordinada ao título geral de "A busca de um modelo universitário", Antônio Paim analisa com muita profundidade a evolução da idéia sobre universidade até o esplendor do entusiasmo daqueles que idealizaram a Universidade do Rio de Janeiro e o inesperado desfecho da reforma Francisco Campos e sua execução. enquanto Tânia Salem rastreia, com igual meticulosidade, o movimento que, partindo do Centro Dom Vital, desaguou na fundação da Universidade Católica do Rio. Em ambos os escritos há uma grande abundância de fontes de consulta e uma grande proficiência em seguir o desenvolvimento das idéias e dos ideais.

Assim, o estudo de Paim começa pelos antecedentes da idéia de universidade em nossa cultura, analisa o modelo pombalino de universidade, descreve a oposição positivista à idéia dessa instituição, o germanismo pedagógico, a nova acepção da universidade como parte da reação ao positivismo, encaixando em seu desenvolvimento minuciosa análise da fundação e da ação da Academia Brasileira de Ciências e da Associação Brasileira de Educação, duas importantes cubas da fermentação geradora do ideal universitário em nossos tempos modernos.

Bem se pode imaginar o que representou, nesse processo, a afirmação de Vargas, transcrita na página 57, sobre a cultura intelectual sem objetivo claro e definido. Mas a história continua, e a seguir aprendemos a respeito da busca de novos objetivos, concretizados em âmbito estadual pelas pessoas que se mantiveram fiéis ao movimento desencadeado na década de 20. Essa concretização se efetuou por meio das Universidades de São Paulo e do Distrito Federal. Dedica o autor especial e merecida atenção ao que chama de experiência pioneira - a Escola de Ciências da UDF.

Encerrado em 1945 o cicio inicial de sua consolidação, entrava a universidade em nova fase, a da autonomia. Conclui o autor que o ideal acalentado na década de 20 encontrou sua plena realização, no caso do Rio de Janeiro, por volta de 1945. Em apêndice, o estudo de Paim apresenta lista com informações fundamentais a respeito de professores e pesquisadores citados no texto.

Com o mesmo elevado descortino atinge Tânia Salem o seu objetivo de "reconstruir o trajeto verificado entre a fundação do Centro Dom Vital do Rio de Janeiro (1922) - de onde eclode o movimento católico leigo nos anos 20 - e a criação das Faculdades Católicas, futura Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, em 1941". Mas o espaço não permite acompanhar aqui o roteiro, cheio de belezas intelectuais, que a autora revela, reunindo dados pouco conhecidos. ou apenas conhecidos por muitos, de maneira dispersiva.

Sem desmerecer nas demais contribuições do livro, as que constituem essa primeira parte são, talvez, o que de melhor e mais substancioso ele possui. A segunda parte trata do apoio governamental à pesquisa e analisa em particular o Conselho Nacional de Pesquisa e o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais, em capítulos de autoria, respectivamente, de Jacqueline Pitangui Romani e Maria Clara Mariani.

A terceira parte, Instituições de pesquisa e pós-graduação", examina especialmente o Instituto de Biofísica da UFIU, uma das mais profícuas experiências no gênero em nosso país, por Maria Clara Mariani, e "pós-graduação em engenharia - a experiência do Coppe", por Márcia B. de Melo Nunes, Nadja Vólia X. Souza e Simon Schwartzman. São todas contribuições de muito valor e bem documentadas.

Dá Maria Clara Mariani merecido destaque à figura de Anísio Teixeira, desenvolvendo no INEP a orientação de Lourenço Filho e do Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais. O que podemos aprender da história do INEP? Pergunta a autora, e ela mesma responde: "Em primeiro lugar, que ela não foge à rotina de inúmeras outras instituições científicas ou para-científicas brasileiras: criada num momento de grande entusiasmo, trazendo consigo uma proposta de inovação, pretendendo ser uma ruptura com os padrões antigos, passa por um curto período de intensa produtividade mas não suporta o peso do processo de rotinização." Recorda Maria Clara com propriedade a frase de Anísio: "No Brasil, as instituições duram tanto quanto seus fundadores". Talvez menos, ainda, em alguns casos: talvez o tempo da presença, nelas, de seus fundadores.

O capítulo sobre o CNPq é bem documentado quanto ao desenvolvimento desse órgão e a aplicação de suas verbas, mas deixou-nos uma dúvida. Sua autora, Jacqueline Pitangui Romani. estuda-o como importante marco na institucionalização da ciência no Brasil. Como a palavra institucionalização tem vários sentidos, sempre fica margem para debater se a institucionalização da ciência no Brasil, assumindo o Estado o papei de patrocinador direto das pesquisas, começou realmente com o decreto de 1951, ou se não se deu muito antes, por exemplo, ao tempo de Oswaldo Cruz, ou mesmo se efetivamente já ocorreu.

Sérgio Mascarenhas, em conferência pronunciada na Escola Superior de Guerra, afirma, por exemplo, que a "textura de poder de decisões no Brasil indica claramente que a institucionalização a nível de Estado dar-se-á somente com status ministerial e enquanto o CNPq for, efetivamente, dirigido sem intervenção de tecnocratas". Mostra, aliás, nessa conferência, como o CNPq, â medida que ganhou estrutura, perdeu esse status, estando hoje longe do poder de decisão. "Assim, a ciência brasileira está sempre na dependência de um protetor, de um pistolão: não está institucionalizada a nível de poder efetivo." Com essas citações, provenientes de um grande pesquisador e de um grande interessado na política de ciência, não queremos contestar a autora que com tanta eficiência estudou o desenvolvimento do CNPq, porém mostrar como a questão toda da "institucionalização da ciência" no Brasil ainda é contraditória. Cabe ainda salientar que Mascarenhas não agride o CNPq. Basta ler outras palavras suas, na mesma conferência: "Finalmente, cabe agora a observação geral e muito importante: A Finep, o CNPq, e a Capes não fizeram mais que trabalhar para a criação de centros emergentes na ciência brasileira". E mais adiante: "Graças exatamente a este esforço PIONEIRO - Finep, CNPq e Capes - passou-se agora a outro estágio, no qual nem todos os centros são Emergentes, mas um bom número passou â condição de Centro Indutor."

Em seu capítulo, a autora chama a atenção para vários percalços sofridos pelo CNPq, o que não impediu que o órgão haja mantido uma política de prioridades durante sua atuação. E conclui: "O que se pretende salientar é que as formas possíveis de atuação institucional têm seu contorno delineado pelo contexto econômico e político no qual se insere e com o qual interage a instituição. Tal afirmação parece particularmente pertinente em se tratando do desempenho do papel 'político' do CNPq, isto é, sua atuação enquanto órgão de coordenação e orientação das atividades de ciência e tecnologia do país." Só em 1974 se ofereceram realmente, segundo ela, "as condições institucionais de viabilização", em função da reafirmação da importância atribuída ao planejamento em geral e ao planejamento científico e tecnológico em particular, dentro da política econômica vigente após 1964. (Deve-se notar que, pelo menos no exemplar que temos em mãos, a lista de referências do capítulo de Jacqueline P. Romani está enxertada com parte da lista de referências do artigo de Tânia Salem.)

Não se discute o relevante papel que o CNPq tem tido em nossa vida científica. Mas por sua própria natureza e posição, há de ser sempre sujeito a críticas as mais variadas, conforme a concepção que cada cientista tenha da própria ciência e de sua política. Convém não esquecer que ele nasceu de uma pertinaz pregação de numerosos cientistas, que reclamavam, como se tomou comum em todo o mundo após a Segunda Grande Guerra, maior coordenação do esforço científico do país. As críticas e divergências dizem respeito, geralmente, ã extensão dessa coordenação e à necessidade, sentida por muitos, de maior participação da comunidade científica nas decisões do Conselho. Tem-se este, aliás, mostrado aberto às críticas, e é impossível negar que dele têm partido vários projetos científicos de grande alcance, alguns dos quais suprem evidentes e há muito sentidas falhas em nossa organização da pesquisa, em geral.

No capítulo que Maria Clara Mariani escreveu sobre o Instituto de Biofísica da UFIU, encontra-se descrição metódica de como se criou o Instituto e das motivações que a isso conduziram, das atividades que o Instituto tem desenvolvido, de sua força como centro de pós-graduação. Analisa a autora a maneira como a instituição contornou as graves dificuldades financeiras que enfrentou e deixa muito patente o real espírito de solidariedade que explica em parte o êxito do Instituto, criado com muito discernimento e senso de oportunidade por Carlos Chagas Filho. Refere-se Maria Clara, em suas conclusões, ao "clima" que tanto caracteriza o Instituto, e cuja importância ela muito bem percebeu, e analisa os mecanismos acionados para criá-lo e mantê-lo.

A bela história do Coppe é contada com muita propriedade e definida como "uma experiência shumpeteriana" no capítulo assinado por Márcia B. de Melo Nunes, Nadja Vólia X. Souza e Simon Schwartzman A ação do prof. Alberto Luís Coimbra vem devidamente realçada. Experiência shumpeteriana é uma transposição para a área da educação e da ciência do conceito de empresários inovadores de Shumpeter. Teria ela sido vivida em nosso país por homens como Paula Souza, Oswaldo Cruz, Rocha Uma e outros, que conseguiam criar grandes empreendimentos dentro do sistema burocrático de nossa administração mediante corajosas rupturas. A brilhante história encerra naturalmente, como sabem todos os que acompanharam o desenvolvimento da Coppe, algum aspecto de tragédia, como aconteceu quando uma crise rumorosa levou o afastamento de Coimbra, reedição de tantas outras crises havidas em nossas melhores instituições. Uma luta vitoriosa da burocracia contra a vontade de realizar dos cientistas.

O livro cumpre muito bem o objetivo expresso na introdução de seu organizador: "O que une todos estes textos é a intenção de ver, em cada caso, qual era o projeto que movia as pessoas, e como esses projetos puderam ou não vingar. O objetivo é compreender os valores, as motivações, as idéias-força que dão sentido a uma atividade humana - e, mais tarde, examinar como isto se confronta com a realidade da falta de recursos, do subdesenvolvimento, e de uma tradição histórica onde o espírito de pesquisa não havia fincado raízes."

Essa introdução é peça importante do livro porque combina os resultados das várias pesquisas que o compõem e tira conclusões gerais de muito valor sobre a dificuldade da criação, no Brasil, de "uma tradição de competência cientifica e de um sistema universitário onde a ciência pudesse ter o seu lugar". Schwartzman analisa os vários fatores que devem ter contribuído para isso: falta de grupo socialmente significativo que visse na atividade científica um objetivo digno de perseguir; ausência de um contexto universitário que abrigasse a atividade cientifica; a situação de dependência tecnológica, filha da falta de ação governamental a longo prazo; falta de visão clara de como a atividade científica se organiza e de que elementos precisa para sobreviver e reproduzir-se.

São muitos, sem dúvida, os problemas que o desenvolvimento científico enfrenta no Brasil. Um deles, a periodicidade da instituições, que rápido atingem o esplendor e depois fenecem, em parte se explica pela interrupção de lideranças. Mas o autor acha que o problema mais sério não é o surgimento dessas lideranças, mas principalmente o da consolidação das instituições através do tempo. Cremos que, para bem explicar esses fatos, é também preciso levar em conta o próprio caráter nacional, de povo pouco afeito ao culto das tradições. e dotado de escassa memória. Ajunte-se a isso a deficiência do sistema educacional básico, que não prepara para enfrentar e compreender a realidade do país, mas é aquela triste engrenagem em que, salvo exceções, a escola finge que ensina a alunos que fingem aprender, segundo várias vezes temos referido, repetindo palavras do prof. Otelo Reis, tão dedicado à educação e tão cético, ao fim de sua vida relativamente breve, em face da realidade dentro da qual tinha que trabalhar. <