O jornal O Estado de São Paulo publica hoje, 30/6/2015, o artigo abaixo sobre a proposta de criação de um Sistema Nacional de Educação:
Educação: ainda pode piorar
Cláudio de Moura Castro, João Batista Araujo e Oliveira e Simon Schwartzman
A educação brasileira continua péssima pelos padrões internacionais, apesar dos sucessivos Planos Nacionais de Educação – PNE – e do enorme aumento de gastos, que passou de 4 a 9.3% da receita líquida do Tesouro Nacional entre 2004 e 2014. Em diversos momentos, cada um dos autores deste artigo já comentou a respeito dos equívocos do Plano atual, uma grande lista desconexa de metas sem prioridades nem mecanismos efetivos de implementação. Uma destas metas é criar um “Sistema Nacional de Educação” – SNE- cujo formato está sendo proposto agora pelo MEC. Se esta proposta vingar, o mais provável é que a burocracia e os custos aumentem, e a qualidade da educação piore ainda mais. Como concebido, este sistema engessa definitivamente o setor, entroniza o corporativismo e destrói o que quer fortalecer, o combalido federalismo.
Dois documentos, um de 2014 e outro recente, de 2015, especificam o que se pretende. O primeiro estabelece uma lei complementar para tratar do regime de “cooperação” – termo novo substituindo o regime de colaboração previsto na Constituição. O segundo cria um emaranhado de instâncias consultivas e deliberativas entre municípios, estados e governo federal, que supostamente ajudariam a resolver os problemas de qualidade e equidade da educação.
Em nenhum país sério as decisões sobre educação são tomadas através de negociações recorrentes e intermináveis entre sindicatos, professores, grupos de interesse e governos locais, estaduais e nacionais. O cipoal de instâncias burocráticas e consultivas propostas destrói qualquer possibilidade de políticas inteligentes, criando um nevoeiro de vozes cacofônicas. Há dezenas de países com regime federalista, incluindo a Alemanha, Austrália, Áustria, Bélgica, Canadá, Rússia, Suíça e Estados Unidos. O grau de descentralização e autonomia dessas federações é muito variável, mas em nenhum deles há algo parecido ao que se propõe para o SNE, e todos estão bem nas avaliações da educação da OECD, o PISA.
O federalismo ajuda ou atrapalha? Estudo recente sobre o federalismo alemão mostra como uma única iniciativa – educação infantil de qualidade – seria capaz de neutralizar as desigualdades regionais, atribuídas muitas vezes às diferentes maneiras em que as regiões organizam seus sistemas escolares. A lição é clara: para lidar com os problemas de equidade e qualidade são necessárias políticas focalizadas, viáveis e consistentes – e não arranjos institucionais complexos.
Como estabelecer as responsabilidades de cada instância da federação? A educação básica é atribuição de estados e municípios, que variam muito em termos de recursos e capacidade gerencial. O governo federal tem importantes papéis a cumprir, levando à frente a proposta de uma base nacional comum para a educação fundamental, estabelecendo padrões de qualidade, melhorando os sistemas de avaliação, estimulando a formação de bons professores, certificando diretores, aprimorando os mecanismos de seleção de livros didáticos, proporcionando assistência técnica e complementando os recursos das redes escolares mais carentes. Os Estados, por sua vez, poderiam promover a municipalização do ensino fundamental e concentrar-se em diversificar o ensino médio, com suas variantes acadêmicas e profissionais, como ocorre em todo o mundo – isso já seria um grande avanço. Ambos poderiam criar incentivos para estimular iniciativas eficazes e diversificadas por parte dos municípios, que não podem ser tratados como se os 3.914 com menos de 20.000 habitantes fossem iguais a São Paulo ou o Rio de Janeiro, ou Belo Horizonte.
Dentro do próprio governo existem propostas interessantes, como a do Ministro Mangabeira Unger, de usar recursos federais para premiar professores que atingirem determinados patamares de desempenho. Se estes professores fossem destinados às turmas e escolas mais fracas, isto poderia produzir muito mais ganhos de equidade e qualidade do que realizar 5.500 conferências municipais de educação.
Tudo isto pode ser feito dentro da atual legislação. Além de trazer complicações desnecessárias, o SNE exigiria recursos adicionais que hoje não existem, e, se existissem, deveriam ser aplicados em projetos bem definidos, com metas claras e mecanismos também claros de avaliação de resultados. Para promover a eficiência e equidade, existem dois mecanismos conhecidos: os incentivos, estimulando e premiando as boas práticas, e as regras hierárquicas, em que as autoridades governamentais usam de sua autoridade legal para cumprir os objetivos para os quais foram eleitos ou nomeados. Em seu lugar, o SNE propõe regras complexas e inviáveis, a ser estabelecidas por assembleias, comitês, conselhos e uma infinidade de órgãos que, em última análise, diluem as responsabilidades. Em contraste, o uso criativo de bons sistemas de incentivo, associados ao estímulo à diversidade, autonomia, iniciativa local e simplificação de procedimentos, costumam ser muito mais eficazes. A experiência internacional mostra que há maneiras muito mais simples e eficazes de oferecer ensino de qualidade do que as propostas do PNE e do SNE.
Boa noite.
Pelo que depreendi da leitura tudo sugere que estaria em curso a velha e renitente “mentalidade do carroção”. Carroção vem a ser a pletora de “caixinhas ” , todas com seus chefes e portanto cargos a serem preenchidos. O organograma resultante era chamado de carroção. Trata-se de um modelo de gestão antiquado e em descompasso com a sempre falada , e conveientemente esquecida repactuação federativa. Vingando o proposto carroção , além de mais cargos e seus chefes por indicação política, o coelho que sairá da cartola pode vir a ser mais centralização , mais ingerência e/ou controle e menos do novo pacto federativo. Talvez a idéia subjacente se encontre nos ditames da esclerosada Escola de Frankfurt no tocante à “revolução cultural” já mencionada pelo Sr Luís Inácio em falação recente.
Cordialmente , AJS Campello
P S – falação eram e são os intermináveis discursos e arengas que ocorrem em assemblías sindicais , à guisa de debate , antes que seja “tirada uma posição” , o que sempre me lembrou o “centralismo democrático” de reuniões de extrema esquerda. Perdão , mas o assunto Educação também é político.
Nada do que é proposto aqui funcionará se não acabarmos com a estabilidade. Nem uma simples AVD poderá funcionar se a estabilidade protege o joio do trigo.
MAM
As considerações feitas por Simon são essenciais. Em minhas palestras digo isso com frequencia: precisamos olhar para os exemplos que estão dando certo no exterior e encontrar meios de adaptá-los no Brasil. O mundo faz isso todo o tempo, não temos que ser diferentes nisso. Não temos que reinventar a roda. A história brasileira com a educação de má qualidade está sempre dependendo de quem está no poder. Apesar disso, estou certo de que a TV através de novelas, reportagens e documentários pode também oferecer uma contribuição importante na questão de mudança da mentalidade dos que precisam atuar para fazer o processo se desenvolver: alunos, professores e organizações, exemplos. (Dionisio Carmo-Neto)