A invasão de Gaza pelas tropas de Israel é mais um capítulo de uma tragédia de radicalizações e equívocos diante da qual é muito fácil tomar posições movidas pela emoção ou pelo oportunismo, e muito difícil buscar caminhos que possam levar a uma paz duradoura. O que penso a respeito está muito bem expresso no artigo abaixo, de Bernardo Sorj.
Compreender sem simplificar
O conflito no Oriente Médio é complexo. Aqueles que procuram transformá-lo num filme de Hollywood no qual o mocinho e o bandido são claramente identificáveis e em que um lado representa o bem e o outro lado o mal estão fazendo um desserviço à verdade e à causa da paz.
Como em geral acontece com os dramas históricos, o conflito no Oriente Médio é a conseqüência não-intencional de projetos humanos em que cada ator social procura realizar seus próprios objetivos, que terminam colidindo com os de outro ator. Tendo como base o drama de dois povos reivindicando a mesma terra, as lideranças políticas de ambos lados acumularam erros que alimentaram a desconfiança e o extremismo no interior de cada povo, dificultando ainda mais o caminho da paz.
Que erros foram esses? Sem entrar em detalhes históricos que fugiriam aos limites deste curto artigo, podemos indicar, nas últimas décadas, do lado dos governos israelenses, a ocupação militar e a expansão constante das colônias na Cisjordânia e, do lado das lideranças palestinas, a conivência com o terrorismo e a ambigüidade em relação à plena aceitação da existência do Estado de Israel.
Criticar sem ofender nem mentir
O caminho da paz exige a comunicação e o reconhecimento da humanidade de todos. Quem quer a guerra vê o demônio no outro. Desumanizar o adversário, em algum momento, justifica a sua destruição. Durante os cinco anos morei em Israel e lutei com meus colegas árabes pela paz e contra a política israelense de colonizar os territórios conquistados na guerra de 1967. Na época, enfrentei com meus colegas os políticos israelenses que procuravam assimilar Arafat a Hitler e o movimento palestino, ao nazismo. Hoje sofro quando vejo grupos pró-palestinos fazerem o mesmo em relação ao sionismo. Dizer que o sionismo equivale ao nazismo é uma mentira deslavada, uma agressão moral. E, como tal, produz do lado israelense e judeu uma reação defensiva que alimenta o sentimento de incompreensão e a incomunicação. Sejamos claros: Hitler exterminou sistematicamente todos os judeus que se encontravam nos territórios ocupados pela Alemanha nazista. Acontece que, no Estado de Israel, em l949, viviam 120.000 árabes. Hoje, hoje eles são mais de um milhão. Calcula-se em torno de 500.000 os refugiados árabes da guerra de 1948. Eles e seus descendentes somam de 4 a 5 milhões. Não houve, em nenhum sentido possível do conceito, um genocídio. Não se trata de negar o sofrimento pelo qual passou e passa o povo palestino. Mas não desvalorizemos os fatos históricos, respeitando os sentimentos daqueles que passaram pela experiência do holocausto. E lembremos, sobretudo, que as palavras não são ingênuas. Quem fala de genocídio transforma o outro em genocida, o que permite que seja tratado como tal.
Direitos humanos ou instrumentalização política?
Entendo a simpatia e solidariedade com a causa palestina, seja do mundo árabe, de descendentes de árabes e muçulmanos e de pessoas de boa vontade identificada com o sofrimento palestino. Este sentimento é compreensível, assim como é a preocupação de judeus e não-judeus com a segurança de Israel. Mas em nenhum dos dois casos é aceitável o apoio acrítico a lideranças radicais, seja israelenses que não se dispõem á devolver os territórios conquistados, seja palestinas que sustentam um programa político que propõe a destruição do Estado de Israel. Preocupa-me e dói a manipulação política do conflito por intelectuais e organizações que, no Brasil e no exterior, assumem uma posição antiisraelense primária, em geral ignorante da história da região que, por momentos, beira o anti-semitismo e cuja única motivação é uma ideologia política que associa Israel aos Estados Unidos. Para tais grupos, os Estados Unidos são o grande inimigo. Ergo, quem está associado com o diabo, diabo é. Preocupa e dói porque esses indivíduos e grupos manipulam a bandeira dos direitos humanos, porém não têm nenhum compromisso real com o sofrimento humano. Porque, se tal sentimento existisse, estariam também fazendo panfletos e circulando com as bandeiras do povo checheno, curdo, sudanês ou tibetano, que custaram e continuam cobrar a vida de milhões de pessoas. Mas a agenda destes grupos não é a dos direitos humanos nem a da paz do Oriente Médio. É uma agenda política que quer ver o circo pegar fogo para confirmar os preconceitos ideológicos. É, portanto, uma agenda perigosa, irresponsável e desumana.
O povo palestino e o mundo árabe, Israel e o povo judeu não são homogêneos
No ardor da luta contra o ataque militar israelense, parte da mídia e de grupos pró-palestinos e pró-Israel transmite a imagem de que a causa palestina e o mundo árabe e muçulmano, assim como Israel e o povo judeu, constituem uma unidade. Transformam um conflito político nacional no qual estão em jogo interesses e estratégias terrenas em um conflito religioso. Nada mais longe da realidade. O mundo árabe está – e sempre esteve – dividido. Para cada governo árabe, a causa palestina ocupa um lugar específico no seu projeto político interno e externo. Afinal, não podemos esquecer que o território reivindicado pelo povo palestino para a criação de seu Estado nacional esteve, entre 1948 e 1967, nas mãos da Jordânia e do Egito, não de Israel. No lado israelense, a divisão política interna sempre foi explícita e, embora as relações entre boa parte da diáspora judaica e Israel sejam de solidariedade, isso não significa nenhum alinhamento ou co-responsabilidade com os governos eleitos pelos cidadãos de Israel (inclusive pelos 20% de árabes israelenses).
Lembrar que não vivemos em mundos culturais formados por blocos coesos é fundamental. O fanatismo e o extremismo de cada lado se alimentam mutuamente. Falemos claro: nem o extremismo palestino nem o israelense têm interesse em negociações políticas, pois nenhum deles está disposto a abrir mão de seus sonhos maximalistas. O caso do assassinato de Rabin é exemplar: morto por um extremista israelense, sua obra de pacificação não pôde ser completada por Shimon Peres, pois, apesar de sua enorme vantagem inicial na campanha eleitoral, a onda de atentados terroristas palestinos levou ao poder um primeiro- ministro da extrema direita.
O que será?
Nenhum povo tem o monopólio da moral nem está ao abrigo de entrar num ciclo de destruição. Quem quiser procurar na história fatos favoráveis à versão de cada lado os encontrará em quantidades monumentais. O caminho da paz exige um doloroso esforço de abandono dos mitos e ilusões que cada parte elaborou sobre si mesmo e o outro. O passado não pode ser esquecido, todavia será em torno de uma visão do futuro que um novo presente poderá ser construído.
Penso que nós, que não participamos diretamente da vida política dos países da região devemos lutar pelo essencial: apoiar a abertura de todos os canais de comunicação, de toda iniciativa de paz. Nós, que temos a sorte de viver no Brasil, um país que, apesar dos imensos problemas sociais, é um exemplo para o mundo de convivência prazerosa entre as diversas religiões, devemo-nos esforçar por alimentar o diálogo, a esperança e a abertura de espírito, não permitindo que a intolerância e o ódio nos contaminem.
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Bernardo Sorj é professor titular de Sociologia da UFRJ e Diretor do Centro Edelstein de Pesquisas Sócias
Simão,
Vocês no Brasil estão pastoralmente analisando a situaçâo no Oriente Medio ao mesmo tempo que Israel está matando 1300 palestinos e sufocando um povo inteiro há mais de quarenta anos. A máquina de guerra israelense conta com o apoio não só dos Estados Unidos como também de várias forças. Aqui em Israel o apoio dos israelenses à guerra foi unanimo. Judeus e arabes que protestaram estão na cadeia até hoje. Dentro de três dias os israelenses vão a urna e pelo jeito a extrema direita está para ganhar as eleições. Quer dizer, mais extremistas do que o governo que acabou de matar 1300 pessoas. Só intervenção externa (como boicote) pode melhorar a situação.
Shalon!!!
Assalamu Aleikum!!!
Muito bom seu artigo.
Digo sempre, até como filosofia de vida, que em toda história, existe no mínimo três versões: A Minha, a Sua e a Verdadeira…
Nós, tupiniqins, monoteistas ou não, temos muitas coisas ruins, mas em compensação; ainda vemos o outro com mais boa vontade que o resto do mundo…
Por isso, as pessoas que estão ainda dentro da “normalidade”, suponho estarmos lá, devemos tentar mostrar uma outra possibilidade de ser da verdade.
Bom, amigo!
Só quero acrescentar que minha namorada, é judia e convivemos muito bem.
Que a paz de Deus esteja conosco, com nossos familiares e com as pessoas pacíficas.
Shalon!
Assamu Aleikum!
(A paz de Deus esteja contigo, essa é a saudação que o muçulmano diz para outro crente).
Parabéns ao Prof. Bernardo pela lucidez e bom senso na sua articulação! Importa sim divulgar essa visão mais sensata para ajudar a formar opiniões críticas com melhor fundamentação do que as que vemos grassar na mídia em geral…
Obrigada, Simon. Concordo com o Bernardo e lamento que nossa imprensa dê pouco destaque a posições como a dele.
Guiomar
Parece realmente não ter fim esse conflito entre as duas ‘nações’. De repente, fim de trégua, bombardeios, agressões de todo feitio, pessoas mortas, fanatismos de ambos os lados. De longe, no Brasil, é estranho ver esses povos como gladiadores na arena que se tornou o Oriente Médio. Nacionalismos à parte, não sei como sionistas e palestinos conseguem reunir energias para aderirem a um conflito bélico, pois parece-me tão despropositado e inócuo utilizar recursos militares para os projetos particulares. O cessar-fogo é uma excessão naquele contexto. Será que não se cansam de serem belicistas? Olhem só que bacana o trabalho de ajuda humanitária dos Médicos Sem Fronteiras: http://www.msf.org.br/mhome.asp
É de grande lucidez e profunda compreeensão da natureza humana o texto de Bernardo Sorj.É impressionante o que o ódio,a intolerância e a sede de poder são capazes produzir de extrema crueldade e matança de inocentes. Não dá para entender como homens cujas religiôes pregam o amor e a paz não consigam um mínimo de convivência. De fato, nenhum povo é detentor da moral e de um Deus melhor e mais verdadeiro. O Deus da cada é afinal o Deus de todos. Concordo que devamos apoiar todas as iniciativas e esforços para o entendimento. A tragégia não pode chegar ao ponto de extermínio de irmãos ou de uma daas partes. Nós brasileiros que acolhemos judeus, árabes, mulçumanos, e gente de todas as crenças em um Deus de bondade não podemos deixar de alimentar e esperanças de paz.