Enquanto no Brasil se comemora a expansão do ENEM, o Exame Nacional do Ensino Médio, com 2.7 milhões de participantes em 2007, a Inglaterra abandona o projeto de criar um Diploma Geral para o ensino médio associado ao “General Certificate of Secondary Education” (GSCE), que deveria certificar a obtenção de competências gerais dos estudantes de nível médio naquele país. Quem está errado?
A razão pela qual os ingleses estão abandonando o diploma geral, segundo a notícia da BBC, é que ele poderia entrar em conflito e desqualificar uma série de diplomas profissionais e técnicos que estão sendo promovidos pelos diversos ministérios daquele país. O ENEM foi saudado, inclusive por mim, como uma importante tentativa de estabelecer um padrão de qualidade para o ensino médio brasileiro que não existia até então, cumprindo uma função semelhante à do SAT Reasoning Test nos Estados Unidos e os exames nacionais europeus como o Abitur alemão e o Baccalauréat francês. Eles buscam medir habilidades genéricas, associadas sobretudo à capacidade de leitura, escrita e de uso de matemática, consideradas criticas para todo o tipo de formação.
O problema com estes tipos de exame (mesmo supondo que eles sejam tecnicamente bem feitos, o que não é claro no caso do ENEM) é que eles dividem os estudantes em duas categorias: os acadêmicos e generalistas, que vão para as universidades e entram nas carreiras mais prestigiadas, e os técnicos e especialistas, menos capacitados, que ficam em atividades de menor prestígio e remuneração. A maioria dos paises europeus, como a Alemanha e a França, estabeleceu estas divisões muito tempo atrás (o Abitur alemão é do século XVIII), e foram muitas vezes bem sucedidos em proporcionar uma capacitação de qualidade para os que seguiam o caminho das profissões técnicas, sobretudo nos países germânicos. Em muitos outros paises, no entanto, e inclusive na América Latina, esta divisão acabou criando um sistema educacional divido entre um ensino para a elite e outro para o povo, em geral de péssima qualidade. Hoje, a tendência nos paises europeus é substituir os antigos sistemas duais por uma pluralidade de exames e qualificações, ao mesmo tempo em que se reconhece que todos eles requerem níveis adequados de competência de leitura, escrita e matemática.
No Brasil se fala muito em ensino técnico, de vez em quando se tomam algumas iniciativas, mas até hoje não começamos a discutir a sério que tipo de formação o ensino médio deveria proporcionar. Se os ingleses estão certos, pareceria que o ENEM está na contramão.
se tudo de melhor que se pode dizer sobre o ENEM é que tê-lo é melhor que não ter nada, e que êle é ótimo para o PROUNI, teremos chegado ao máximo de poluição conceitual nessa matéria. Não se trata disso: uma avaliação se transforma rápidamente num modelo, que trabalha para a uniformização, onde o máximo vira mínimo ou vice-versa. É isso que se quer?
A resposta pode ser difícil para nós, mas não é complicada para se entender. Nós é que não temos a menor idéia do que fazer com esse ensino médio – temos fórmulas que aplicamos às cegas, mas não conseguimos romper com o passado, e só sabemos oferecer mais do mesmo com outra roupagens.
Está difícl até pensar em linha reta…
Sobre a avaliação do ensino médio, permitam-me dois comentários. O primeiro sobre o ENEM, o segundo sobre a avaliação do Ensino Médio:
1. Quanto ao ENEM
A qualidade técnica do ENEM simplesmente não existe. Não existe um documento oficial que explique os fundamentos do teste, sua base conceitual ou psicométrica. É jabuticaba, como tantas outras. Como vimos na edição de 2007, o teste sequer é calibrado – o que inviabiliza comparações entre anos. Numa discussão psicométrica séria, os argumentos de defesa do ENEM não durariam mais do que 5 minutos. É simplesmente indefensável e insalvável.
Como utilidade – temos o SAEB,que mede de forma competente o domínio de conteúdos do ensino médio, e possui qualidades técnicas defensáveis. Fazer um teste para substituir o vestibular ou pelo menos para servir de critério mais simples e barato para os vestibulares seria sensato. Mas o primeiro passo não é fazer o teste, o primeiro passo é obter o consenso, sobretudo das Federais, quanto ao uso de um tal mecanismo. Depois disso, basta chamar quem entende do ramo – e os temos no Brasil – para fazer um teste.
2. Quanto ao ensino médio. É incrível a recusa do Brasil de enfrentar a questão da diversificação do ensino médio. Basta abrir os informativos estatísticos da OCDE para ver que também nessa área temos uma política jabuticaba – o ensino médio acadêmico e excludente e o ensino técnico – especialmente dos CEFETs – que prepara candidatos para o ensino superior. Em setembro de 2008 o Instituto Alfa e Beto, que presido, juntamente com a Comissão de Educação e Cultura da Câmara e o apoio financeiro da CNC – Confederação Nacional do Comércio – realizou um seminário internacional sobre o tema. Em todo o mundo desenvolvido, o ensino médio é diversificado – e consequentemente não há testes comuns para avaliar competências comuns – pois não é objetivo dos países ensiná-las.
3. Colocando as duas idéias juntas: o ENEM reflete uma visão elitista e unificadora do ensino médio, e contribui para adiar, no país, a discussão sobre a diversificação do ensino médio. Tudo leva a crer que a Inglaterra, como os países desenvolvidos, está no caminho certo. E que o Brasil, como de resto em suas políticas educacionais, encontra-se na contramão.
João Batista Araujo e Oliveira
Presidente, Instituto Alfa e Beto
Devagar com o andor. Não me convenceram os argumentos de que o ENEM é tecnicamente um fracasso – embora não possa não ter as mesmas qualidades técnicas do SAEB. É preferível ter um ENEM imperfeito do que mais um cadáver ambulante – como o ENADE. Aliás, é melhor ter o ENADE do que não ter nada.
Pelo menos, o ENEM está permitindo um recrutamento muito bem sucedido no PROUNI. Além disso, como tem menos currículo do médio, é mais amplo e menos polarizado no dilúvio curricular dos vestibulares prestigiosos. Pelo que entendo, é parecido com o PISA.
Tenho muito medo de tascar o ENEM e ficar sem nada. Quando tivermos idéias melhores, aí é hora de propor algum tipo de substituição.