Esta foto, de uma pixação na reitoria da USP, explica um bom pedaço da triste novela de sua ocupação: estudantes com problemas edipianos mal resolvidos em casa, e projetados nas autoridades públicas mais próximas. Nada que não passe com um pouco de análise e alguns anos mais de idade.
Mas é claro que não foi só isto. Em países sérios, os estudantes não ousariam ocupar desta maneira a sede de instituições públicas, e este tipo de comportamento jamais seria tolerado pelas autoridades. A USP tem mais de 40 mil estudantes, 5 mil professores, e nenhuma das assembléias convocadas para votar contra ou a favor da ocupação e das greves teve a presença de mais de algumas centenas de pessoas, se tanto, e, na prática, a maior parte da Universidade continuou funcionando normalmente. É óbvio que estes pequenos grupos de extrema esquerda não representam o pensamento nem as preferências da grande maioria de professores, alunos e funcionários da universidade. Como explicar, então, que eles conseguissem, por tanto tempo, pretender falar em nome de todos? Não existem mecanismos legais e formais para acabar com esta pseudo-representatividade de associações em cujas assembléias quase ninguém vai? Depois de algum tempo, grupos expressivos de professores se manifestaram contra a ocupação, tirando sua legitimidade, mas é possível dizer que demorou demais.
Da enorme pauta de reivindicações dos ocupantes, algumas me chamaram especial atenção. Uma foi a denúncia de que, nos famosos decretos que serviram de pretexto para o movimento, se dizia que a universidade deveria ser incentivada a fazer pesquisas “operacionais”, uma maneira pouco feliz de dizer que elas deveriam buscar resultados que tivessem aplicações no mundo real. Isto foi interpretado como um passo no caminho da “privatização” da Universidade, que, segundo estas pessoas, deveria ser subsidiada inteiramente por recursos públicos, não receber nenhum dinheiro adicional por projetos, contratos, serviços, cursos de extensão e, muito menos, anuidades, e não produzir pesquisas nem formar ninguém para o maldito “mercado”. Ora, a USP já gasta 5% de todos os impostos do Estado para sua manutenção, com outros 5% indo para a UNICAMP e a UNESP, e os governos do Estado têm conseguido resistir, até aqui, à pressão dos sindicatos por aumentar esta percentagem, às custas de outras áreas de ação prioritária e de impacto social mais equitativo, como na educação básica e média. Em todo o mundo, as universidades públicas trabalham ativamente para crescer e melhorar pela captação de recursos externos, e a USP já vinha fazendo isto com muito sucesso em várias de suas faculdades e institutos mais ativos e competentes. Nos últimos tempos, no entanto, esta liberdade de iniciativa já vinha sendo coibida, e agora é possível que se limite ainda mais.
Outra reivindicação que me impressionou foi a de acabar com o jubilamento, o princípio pelo qual o estudante que não avança em seus estudos deve deixar sua vaga para outros. Não consigo entender como um movimento que fala em nome de grandes ideiais revolucionários também consegue propor isto. Mas a reivindicação deste privilégio não vem sozinha, e se faz acompanhar de uma série de outras relativas a preços e horários de restaurantes, transporte de ônibus, facilidades de moradia no campus, etc. Pode ser que a intenção seja, simplesmente, conseguir o apoio dos possíveis beneficiários destas vantagens, que se somam ao privilégio da educação gratuita e cara que a USP já proporciona. Uma última reivindicação, que parece brincadeira, foi de retirar as contas da Universidade de um sistema transparente de informações que o Estado está implantando, sob o argumento de que, como instituição autônoma, a universidade não precisa mostrar suas contas para ninguém!
A ocupação da USP parece ter acabado muito mal. O normal seria que ficasse caracterizado o absurdo do que foi feito, assim como das idéias, ideologias e práticas destes grupos. Mas o que parece ter sido combinado é que se inicia, agora, um grande período de negociações, em que os ocupantes passarão a pautar a política institucional e acadêmica do Estado de São Paulo, sob a ameaça constante de novas invasões.
E o governo do Estado, em tudo isto? O mínimo que se pode dizer é que ele ainda não tem uma política clara para o setor, parece ter se precipitado com as decisões iniciais que foram tomadas sem maiores consultas e aparente desconhecimento da área, e acabou ficando na defensiva. Não me parece que exista nenhuma intenção, clara ou oculta, de reduzir a autonomia das universidades, e muito menos de “privatizá-las”. Mas não se sabe ainda o que o governo pensa das idéias que têm circulado sobre a expansão da educação pública do ensino superior no Estado, nem sobre as metas e objetivos de médio e longo prazo que se espera que as universidades e centros de pesquisa estaduais desempenhem, e que possam justificar os recursos que recebem. Autonomia não pode ser confundida com um cheque em branco, e esta política precisa ser desenvolvida, através do diálogo e troca de pontos de vista com a parte boa das universidades e da sociedade que ainda é, felizmente, a sua maior parte. Ainda é tempo.
O episódio da ocupação da Reitoria é o exemplo claro do desapego às leis que caracteriza a sociedade brasileira. A Justiça manda o Estado desocupar o prédio público, o governo adia indefinidamente, e fica por isso mesmo. Engrossam o coro dos que pensam “já que eles não respeitam as leis por que nós temos que fazê-lo”. E colocamos em descrédito as instituições por culpa de uns poucos.
O mais grave desse movimento na USP é que a Justiça decidiu pela desocupação e o Estado de São Paulo não cumpriu a decisão. Isto comprova o total desapego que a sociedade brasileira tem pela Lei. Da mesma forma, o Senado brasileiro (achincalhado por Hugo Chavez) faz uma operação “abafa” ou “protege” em volta do Senador Renan Calheiros, que comprovadamente utilizou informações falsas (notas fiscais frias, recibos fajutos, etc) para justificar um dinheiro que não possuía até então. Os controladores de vôo não querem ser punidos e fazem “marcha lenta” no trabalho alegando todo tipo de problema. E nós assistimos tudo isso atônitos.