Eu disse em uma nota anterior que o ENEM atual havia trocado a ênfase em competências, da versão anterior, por uma ênfase em conteúdos, buscando com isto satisfazer as exigências das universidades e influenciar o que é ensinado nas escolas do ensino médio. Reinaldo Azevedo, o conhecido jornalista conservador de Veja, publicou uma análise detalhada da prova de português (que agora se chama “Linguagens e Códigos e Suas Tecnologias” ) que me faz voltar atrás. Eu não sei o que é isto, mas prova de conhecimento ou de competência em uso da língua é que não é. Vejam abaixo o exempo de uma das questões da prova, na análise de Reinaldo.
A questão 98 do ENEM, conforme Reinaldo Azevedo:
A de nº 98 traz um texto de horóscopo — as características do signo de Câncer e como devem se comportar as pessoas desse signo na família, no trabalho, nos cuidados com a saúde… E qual a curiosidade do examinador? Isto:
“O reconhecimento dos diferentes gêneros textuais, seu comunicativo e seu contexto de uso, sua função social específica, seu objetivo comunicativo e seu formato mais comum relacionam-se aos conhecimentos construídos socioculturalmente. A análise dos elementos constitutivos desse texto demonstra que sua função é A – vender um produto anunciado. B – informar sobre astronomia. C – ensinar os cuidados com a saúde. D – expor a opinião de leitores em um jornal. E – aconselhar sobre amor, família, saúde, trabalho”.
Eu não estou brincando, não. Essa questão é exemplar de uma prática comum na prova. O enunciado é pomposo, quase incompreensível, cheio de macumbarias conceituais para indagar, no fim das contas, se está claro que um texto de horóscopo dá conselhos…
Com a palavra a Academia Brasileira de Letras.
Como pessoa que sempre se interessou pela educação, ciência e tecnologia no Brasil, creio que deveria se inteirar de fatos graves envolvendo a educação no Brasil e a avaliação de estudantes. Coloco a seguir, meio às carreiras, umas questões para sus consideração.
PARALELO ENTRE O ENEM E O SAT
Comparações entre o ENEM e o SAT, teste de aptidão aplicado a estudantes do final do ensino médio nos EUA e mais 180 países, sete vezes ao ano, têm sido frequentes nos últimos dias. Antes de entrar no mérito dos dois testes, e da propriedade do paralelismo entre eles, gostaria de afirmar que sou inteiramente favorável ao ENEM. Gostaria também de afirmar minha concordância com o ministro Haddad sobre a quase inevitabilidade de falhas em exame de tal magnitude (o que, todavia, não é motivo para que não nos esforcemos ao máximo para minimizá-las.
O SAT é formulado pelo Educational Testing Service (ETS), organização sem fins lucrativos criada em 1947. Além do SAT, o ETS formula e aplica vários outros exames, tais como o TOEFL (conhecimento de Inglês), o GRE (para estudantes que terminam a graduação em universidades e colleges) e outros. A receita do ETS provém da taxa paga pelos estudantes que se submetem ao teste. O estudante pode fazer o exame quantas vezes quiser e o resultado só pode ser divulgado com permissão do estudante, o que significa que acaba prevalecendo o melhor resultado obtido – a regra se aplica a qualquer dos exames aplicados pelo ETS. A qualidade do ETS e sua eficácia na avaliação de pessoas é reconhecida e louvada em todo o mundo. Em seus quadros há quatro centenas de profissionais do mais alto nível, especialistas em avaliação de estudantes. Tais profissionais trabalham em regime de tempo integral na formulação dos testes e na interpretação dos seus resultados. A organização e seus quadros profissionais são continuamente submetidos ao implacável teste do mercado: se a qualidade dos testes é questionada pelas instituições que o utilizam na seleção de estudantes ou de profissionais (muitas empresas o utilizam na seleção de empregados), os jovens perdem o interesse por eles, a receita cai e a organização vai à falência.
É difícil superar o ENEM em desqualificação. Não sei bem o que o exame mede. É o tipo de exame no qual se você sabe mais acerta menos, pois acaba deixando a maioria das questões em branco. A melhor maneira de utilizar o ENEM na avaliação de estudantes talvez seja por um processo de inversão: quem obtiver nota alta é reprovado.
Por que o ENEM é tão ruim?
A Pedagogia no Brasil tornou-se ideológica e impostora em grau quase inacreditável. Como endosso dessa afirmação, apelo para opiniões de dois ex-presidentes da Capes, Eunice Durhan e Cláudio Moura Castro. Em entrevista às páginas amarelas da Veja, Eunice afirmou, talvez 1 ano atrás, que o fechamento de todas as faculdades de Educação traria um grande benefício ao Brasil. Em artigo bem recente (outubro?) na revista Exame, Moura Castro afirmou que Pedagogia no Brasil é ideologia, não técnica. Essa turma, e mais um enxame de “intelectuais” que Alan Sokal (ver o livro Imposturas Intelectuais, do Sokal) enquadraria sem pestanejar na categoria de impostores intelectuais, têm causado grandes danos à educação no Brasil. Temos de nos livrar dessa tralha, inepta e muito influente.
Abraço