Sergei Soares: A importância relativa dos salários dos professores

Recebi de Sergei Suarez Dillon Soares a seguinte nota, sobre o tema dos salários dos professores:

Tal como grande parte do Brasil, fiquei impressionado com a coragem e eloquência da Professora Amanda Gurgel, mas algo me incomodou ao ouvir sua fala. Depois de pensar um pouco no assunto e ler o texto do Paulo Ferraz, entendi o que foi: a professora ficou repetindo, com grande eloquência, ao longo de 10 minutos “eu ganho pouco” e muitos interpretaram isso como uma análise sobre o por que da baixa qualidade da educação no Brasil.

Primeiro, quero deixar bem claro que eu acho que a professora ganha pouco sim. Venho de uma família de professores (avó, mãe, pai e dois irmãos) e certamente concordo que os professores deveriam ganhar mais. O que me incomoda é que o salário dos professores tem sido colocado como a causa e a solução de quase todas as nossas mazelas educacionais. Certamente não é assim: o que a pesquisa educacional mostra é que o salário de professores tem relação incerta e tenue com qualidade educacional, mas outras coisas tem relação clara.

As estimações econométricas são incertas. Uma parte da literatura, principalmente nos Estados Unidos, estima os determinantes de valor agregado das notas das crianças e encontra que não existe relação entre isso e salários de professores; outros controlam pela existência de sindicatos de professores – uma variável omitida que aumenta salários e reduz a qualidade educacional – e alguns tipos de seleção e encontram o oposto: sim, alunos de professores com salários maiores aprendem mais. Mas em qualquer caso, a relação não é forte.

Meu comentário sobre o assunto segue um pouco o relatório da McKinsey sobre educação. Nenhuma escola pode ter qualidade superior de seus professores e salários baixos dificultam o recrutamento de bons professores. Nos Estados Unidos, os professores vem da metade de baixo das turmas, em países como a Finlândia ou Singapura, os melhores alunos viram professores.  Seria interessante saber de quais percentis no ENEM vem os futuros professores. No longo prazo, é razoável que salários altos atraiam professores de alto status socioeconómico e, portanto, tenham forte relação com qualidade. Mas para que isso seja eficaz, teríamos que pagar salários altos e, concomitantemente, demitir professores ruins, coisa que certamente seria violentamente oposto por qualquer sindicato de professores. No curto prazo, salários mais altos talvez façam com que professores vivam melhor – um fim com muitos méritos em si – mas não creio que façam uma grande diferença na qualidade de ensino, uma vez que serão os mesmos professores com os mesmos incentivos ruins ensinando do mesmo jeito, o que não traz grandes resultados.

Seguindo a deixa do Simon fui olhar salários de professores, segundo a Pnad de 2009, no DF, onde moro. Olhei professores do ensino infantil ao médio (CBO domiciliar de 2311 a 2321, espero não ter cometido nenhum erro) nas redes privada e pública. Os professores da rede privada ganham em média R$ 1047 contra R$ 3320 na rede pública. Os números não são muito confiáveis por que a amostra para o DF é pequena e os professores na rede pública do DF só tem uma matrícula enquanto os da rede privada trabalham em várias escolas. Padronizando por horas trabalhadas os totais são R$ 1512 contra R$ 3378.  Em qualquer caso, parece certo que os professores da rede privada ganham menos. Onde vocês acham que as famílias que tem meios para tanto colocam seus filhos?

Os professores da rede pública do DF tem de longe os maiores salários no Brasil.  Já os resultados são bem medíocres – a rede pública do DF fica no IDEB (8 a série) em 2009 atrás das redes públicas do Acre, Minas Gerais, Paraná, Santa Catarina, Mato Grosso e São Paulo –  todas redes cujos salários são muito inferiores ao salário no DF.

Enquanto a discussão educacional for dominada pelo tema salário de professores, não vamos passar nem perto de temas que poderiam ter um efeito maior sobre a qualidade educacional.

O que parece trazer, sim, grandes resultados com os mesmos professores são esquemas de merit pay ou performance pay. Ao contrário de nível geral de salários, as avaliações sobre diversos tipos de merit pay mostram resultados bastante fortes. Aqui no Brasil há uma experiência em Pernambuco, cuja avaliação ainda está em curso. Mas os resultados preliminares mostram que um bônus anual de até dois salários mensais teve impactos impressionantes sobre a performance dos alunos, principalmente em português. O pagamento por performance levou a mudanças comportamentais – principalmente maior assiduidade dos professores – e estas levaram a melhorias consideráveis na nota de português. (em matemática os resultados impressionam menos, mas são significativos e positivos).

Outra possibilidade é pagar diretamente por comportamentos como assiduidade ou conhecimento de matéria. A Bolívia tinha um bônus pago a todos os professores que apareceram para dar aula pelo menos 200 dias por ano. Nunca foi adequadamente avaliado, mas foi combatido desde o início, e finalmente derrubado, pelo Sinpro local. Outra possibilidade é pagar um bônus a professores que passam exames das suas disciplinas para garantir que permanecem atualizados.  Tudo isso já foi pelo menos discutido no Brasil e quase sempre derrubado antes de nascer pelo sindicato local.

Outra coisa que todas as estimações econométricas mostram estar fortemente relacionada à qualidade do ensino é simplesmente quantas horas de instrução os alunos tem por ano. O número de horas por dia e o número de dias por ano.  O Brasil é um dos países no PISA que tem a menor jornada escolar média e o ano letivo aqui é notoriamente curto. Tais ideias também desagradam profundamente não apenas às secretarias de educação, que teriam que refazer turnos, mas principalmente aos sindicatos docentes,

O que me traz de volta ao assunto deste post: por que fiquei irritado com uma professora, que ganha pouco, corajosamente, eloquentemente e corretamente defendendo seu salário junto a deputados que ganham talvez dez vezes o que ela ganha.  A fonte da minha irritação certamente não foi a eloquência e coragem da professora. Foi que mais uma vez se reduz educação ao salário dos professores ou infira-estrutura escolar, coisas importantes, sem dúvida, mas nem de perto as variáveis fundamentais na definição da qualidade educacional.

Fundamental seriam mudanças em incentivos comportamentais, que quando conseguem ser discutidos são derrubados com veemência pelos mesmos sindicatos que atualmente aplaudem a performance da professora Gurgel. Enquanto esta for a discussão sobre educação no Brasil, vamos ter professores um ganhando um pouco menos ou um pouco mais, mas a mesma qualidade abaixo do desejável nas nossas escolas.

Author: Simon Schwartzman

Simon Schwartzman é sociólogo, falso mineiro e brasileiro. Vive no Rio de Janeiro

4 thoughts on “Sergei Soares: A importância relativa dos salários dos professores”

  1. Concordo com quase tudo. Em especial com a questão, pouco comentada no Brasil, da baixa jornada jornada escolar média. A questão da demissão dos professores ruins é correta: dobrar o salário dos professores despreparados não muda o fato de eles serem despreparados! E, infelizmente, eles existem aos montes.

    Bônus de desempenho são interessantes mas sozinhos não vão resolver. Principalmente se forem usados como desculpa para manter salários achatados.
    Mas é claro que avaliações de desempenho são necessárias.

    Na verdade não há uma única solução. Temos diversas questões a serem resolvidas e nenhuma delas, sozinha, resolverá os problemas da educação.

    Também concordo com a crítica ao corporativismo dos sindicatos, mas não os vejo com essa força toda. Para ficarno exemplo da jornada escolar considero que, mais do que os sindicatos, quem não quer seu aumento são as secretarias estaduais pois isso implicaria emnão poder ter mais diversos turnos em uma mesma escola, o que aumentaria muito os custos.

    Se os sindicatos docentes fossem assim tão fortes não veríamos condições de trabalho tão ruins. Também não teríamos tantas regras e normas “pedagógicas” absurdas implantadas pelas secretarias de educação à revelia dos professores.

    Fica parecendo que sem sindicatos estaria tudo resolvido.

  2. Excelente nota sobre professores e educação. Sergei aponta as questões centrais já demonstradas por vários estudos e, infelizmente, ausentes do atual debate sobre o Plano Nacional de Educação. Não há como negar que os salários dos professores são baixos e a carreira pouco atrativa para os alunos mais talentosos. E alem de rever a carreira e os mecanismos de atracão e retenção dos professores mais preparados, eh fundamental rever os programas de formação inicial que, como demonstram vários estudos, não estão preparando os futuros professores para assumirem seu papel essencial na sala de aula. O PNE deveria enfrentar estes temas e não reduzir a solução dos problemas de baixa qualidade da educação brasileira ao aumento de recursos vinculados ao setor. Quem sabe o Congresso Nacional resolve enfrentar o assunto com coragem sem submeter a interesses corporativos mais imediatistas.

  3. O tema do sindicalismo docente na América Latina tem sido estudado,entre outros, pela pesquisadora uruguaia Denise Valliant. Veja, entre, outros o capitulo dela sobre a profissão docente no livro Politicas Educacionais e Coesão Social, editado por mim e Cristian Cox (Campus Elsevier, 2010).

  4. Uma bela nota sobre o tema. Já há um bom tempo vinha pensando na atuação dos sindicatos docentes como parte do problema de nossa educação. É legítimo que tais agremiações defendam os interesses de seus associados (não venho aqui me opor a isto), mas me parece claro que podem se apresentar como grandes obstáculos às reformas que com premência necessitamos. E como sair desse impasse? Eu não faço a mínima ideia.

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