O programa “Ciência sem Fronteiras”, pelo qual o governo brasileiro anunciou a intenção de dar cem mil bolsas para estudos no exterior ao longo de 4 anos, vem provocando muito interesse, mas também muitas dúvidas. Vale a pena este esforço? Será que vai dar certo?
A revista Interesse Nacional, em seu número de abril/junho de 2012, publica um artigo assinado por Claudio de Moura Castro, Helio Barros, James-Ito Adler e mim aonde tratamos de reunir as informações disponíveis sobre o programa e discutir seus diferentes aspectos (o texto integral pode ser baixado aqui). Ao final, concluimos que ” tanto pelo seu tamanho como por sua orientação, o programa Ciência sem Fronteiras pode significar uma virada importante para a educação superior e a ciência e tecnologia do país. Ele rompe com um certo provincianismo que parecia ter se acentuado no setor nos últimos anos e confirma a vocação do país em ter uma participação cada vez maior, mais competente e mais competitiva no mundo atual, onde os conhecimentos de alto nível são o fator mais escasso. Enfatiza também a importância da formação técnica, profissional e científica, ao lado da formação acadêmica mais tradicional.
O fato de ser um programa implantado “de cima para baixo”, pela Presidência da República, ao mesmo tempo em que lhe dá força e visibilidade, traz também riscos importantes. Decisões de alto nível e negociações intergovernamentais só são bem sucedidos quando se institucionalizam em agências capazes de acumular experiências ao longo do tempo e contar com o apoio e a participação dos setores da sociedade com os quais trabalham. A história da CAPES e do CNPq mostra que sabem como trabalhar de forma individualizada com professores universitários de pós-graduação e cientistas, mas sabem muito menos como operar em grande escala e trabalhar com o setor empresarial e com cursos de formação geral.
Falta muito por esclarecer sobre como será a parte propriamente empresarial do programa, responsável por um quarto das bolsas previstas. As instituições que aparecem até agora como financiadoras podem ter, simplesmente, respondido a um apelo presidencial ao qual não poderiam se furtar. Mas falta que se envolvam no processo de seleção de bolsistas e no estabelecimento de parcerias com outras empresas no exterior. Visto em seu conjunto, o programa Brasil sem Fronteiras parece ter seu resultado assegurado na linha mais tradicional, de ampliação da formação de alto nível no exterior. Não obstante há dúvidas, cada vez maiores na medida em que nos afastamos deste núcleo duro e entramos nas áreas prioritárias, mas mais incertas, dos estágios de curta duração e da formação técnica e profissional. É, sobretudo, nestas áreas que o programa precisa se fortalecer.
Finalmente, embora o aumento de recursos para a fixação de jovens talentos e de professores visitantes estrangeiros seja um passo no bom sentido, ainda existe muito a ser feito para tornar o Brasil um país realmente atrativo para estudantes, professores e pesquisadores internacionais que possam trazer para o país suas experiências, culturas e contribuição. As melhores universidades brasileiras não estão preparadas e nem têm estimulos para receber estudantes internacionais. Os concursos, estritamente tradicionais, para professores, os níveis salariais definidos burocraticamente e a rigidez do serviço público limitam fortemente, embora não impeçam totalmente, que as universidades brasileiras compitam internacionalmente pelos melhores talentos. Para que a ciência brasileira se torne realmente sem fronteiras, é preciso que desbravem novos caminhos, em todas as direções.”
Com relação ao programa Ciência sem Fronteiras, minha reação inicial é a seguinte:
1. Não há idéia, por melhor que seja, que resista ao mal planejamento. E não há plano, por mais bem elaborado, que resista a uma execução inadequada. O pet project da Presidente padece de ambas as limitações, portanto, tendo a ser descrente de que a idéia divulgada do programa possa ser salva.
2. As ciências no Brasil têm demasiadas fronteiras, e nenhuma das mais relevantes – por exemplo, atração de jovens pesquisadores e pós-graduandos estrangeiros, barreiras à importação de insumos e equipamentos, criminalização da “diáspora”, enquadramento institucional para os egressos do programa, para dar apenas alguns exemplos – é contemplada no projeto.
3. A opacidade e a capacidade de resistência à avaliação e à correção de rumos dos programas de cima para baixo – bota “de cima” nisso – é quase infinita.
4. Creio que será pouco producente tentar salvar a idéia, seria o mesmo que tentar salvar o programa de hidroelétricas de seu fracasso inexorável. Penso que deveríamos pensar em prioridades para dinamizar a internacionalização de nossa ‘força de trabalho’ científica e tecnológica – excuse my French – com melhor enquadramento no exterior e no regresso, com aumento gradual do número de bolsas, com programa para recrutamento de pesquisadores e pós-graduandos estrangeiros, com abolição de regras estúpidas como exigir proficiência em português para alunos estrangeiros, genrealização de cursos em inglês e/ou espanhol, coisas sem as quais, ainda que aumente significativamente o número de bolsistas no exterior – os tais 5 mil estudantes que se pretende mandar para o MIT, ou instalar uma Caltech na Rocinha – o
as fronteiras das ciências continuarão cercadas de barreiras, contornáveis, mas profundamente desgastantes.
José Augusto
Prezado Simon, Claudio e demais articulistas:
O texto é instruitivo e de excelente qualidade.Estou procurando divulgar com presteza.De fato, a não inclusão,no programa, das humanidades poderá ser grande lacuna. Sabemos de estudantes de graduação, em Direito, que, há dois anos, participam de competições na Austria, na campo de Direito Internacional. E, de uma ano para outo, galgaram posições mais promissoras- entre 250 concorrentes globais, conseguiram a 32° classificação.Estes estudantes têm bom domínio da lingua inglesa.
Atenciosamente,
Ana Maria de Rezende Pinto
Achei muito bom esse reconhecimento das nossas debilidades, a ausência dos discursos da auto-suficiência e do anti-americanismo. Eu fico otimista de que as mudanças podem se dar (no que diz respeito aos habitus das agências) justamente porque vem de cima pra baixo. Resistências e divergências, acho, impediriam, no curto prazo, o surgimento de um programa assim de baixo para cima. Vai ser confuso no começo, mas vamos torcer para as adaptacoes acontecerem. Agora, as agências incorporarem o treinamento/ formaçao tecnica,com seus pendores clássicos (cabeça para mestrado/ doutorado)… a ver. Vou partilhar.