Universidades: nacionais, regionais?

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Dados do Censo do Ensino Superior 2011

Dados publicados recentemente pelo Ministério da Educação, e analisados em matéria do jornal O Globo, mostraram que São Paulo é o Estado que mais envia candidatos selecionados pelo sistema unificado de seleção (SISU, baseado no ENEM) para outras regiões do país.  Os dados mostram também que a área de medicina é a aquela em que mais estudantes migram de estado, 46%, o triplo da média geral (O Globo  17 e  25/5/2013).

 Interpretei isto como podendo significar que, ao invés de facilitar a mobilidade de estudantes de regiões mais pobres para outras mais desenvolvidas, tornando o ensino superior mais equânime deste ponto de vista, o SISU poderia estar tendo o efeito oposto, ao permitir que estudantes do Estado mais rico ocupassem as vagas nas universidades regionais, reduzindo assim as oportunidades de estudo da população local.

Esta conjectura levantou uma série de questões que precisam ser mais aprofundadas, algumas das quais estão analisadas em texto disponível  aqui.

Primeiro, qual é ou deveria a função das universidades públicas e, mais especificamente, das universidades federais?  Elas devem ser entendidas como instituições nacionais ou mesmo globais, abertas a estudantes de todas as origens e desenvolvendo trabalhos de pesquisa de valor universal, e neste sentido sua localização geográfica não seria relevante? Ou elas deveriam ser entendidas como instituições voltadas, pelo menos em parte, a atender às demandas de acesso à educação da população local, assim como realizar pesquisas e atividade de extensão de relevância também local ou regional?

A análise sugere que, embora o sistema de seleção unificada do SISU possa estar contribuindo para nacionalizar em certa medida as universidades federais, isto não chega a alterar o fato de que as instituições de ensino superior brasileiras sejam predominantemente locais, do ponto de vista da mobilidade dos estudantes, que é o que estes dados permitem ver. Existem diferenças em relação aos estados menores e de fronteira, que recebem e enviam mais estudantes para outras partes, e também por áreas de conhecimento, com destaque para a área de medicina e odontologia, que tende a operar em um marco mais nacional na seleção dos estudantes, em prejuízo dos estudantes de origem local.

Seriam necessários dados sobre pesquisas, atividades de extensão e emprego dos alunos formados para saber se, além de atender predominantemente à população local, as instituições de ensino superior estão atendendo de outras formas as necessidades e temas regionais, e contribuindo ou não para fixar os estudantes nos locais em que se formam. É possível supor que, além do SISU, outros mecanismos estão atuando para nacionalizar as instituições de ensino superior, incluindo as avaliações do ENADE, idênticas para todo o país, e, no setor privado, a crescente integração das instituições em conglomerados que buscam padronizar os cursos que proporcionam e, assim, ganhar economias de escala.

É um processo que ocorreu também no setor das comunicações, em que os jornais, rádios e estações de TV se integraram a redes nacionais, assim como na área financeira, com os grandes bancos nacionais que absorveram e substituíram os bancos locais, e assim por diante. É um processo inevitável, mas que não elimina o fato de que as pessoas, na sua grande maioria, vivem e permanecem nos locais em que nascem. A pergunta que fica é se, neste processo, a vida local não se esvazia, a capacidade de lidar com as questões do quotidiano, que são também em grande parte locais, se reduz, e se as instituições de ensino superior não deveriam ter alguma responsabilidade em lidar com isto.

Author: Simon Schwartzman

Simon Schwartzman é sociólogo, falso mineiro e brasileiro. Vive no Rio de Janeiro

One thought on “Universidades: nacionais, regionais?”

  1. Eu gostaria de comentar seu texto sobre o SISU. Concordo com vc que este sistema causa mais problemas para algumas universidades federais do que auxilia, especialmente na fixação de recursos humanos na região norte (destando esta por estar nela) e em áreas estratégicas como, por exemplo, as engenharias e a medicina.
    Dois fatores são agravantes: 1- A noção de que essas regiões deveriam dar-se por satisfeitas por terem UMA universidade federal, no máximo DUAS universidades públicas (caso do Pará, Amazonas, Roraima e Amapá por contarem com Universidades Estaduais) e 2- A noção de que formar recursos humanos, sem necessariamente articular a um bom programa de desenvolvimento científico tecnológico é descabido.

    No primeiro caso, é gritante saber que o modelo de expansão multi-campi – que tem graves implicações na forma de disponibilidade e gestão dos recursos financeiros – as vezes é justificada pela falta de “densidade demográfica” ou PIB. Basta comparar indicadores básicos de alguns municipios que tem campus (extensões) com de outras regiões e verificar que isto é descabido. Compare a distribuição de federais em Minas Gerais e Paraná com Rondônia e encontrarás exemplos bem claros disto. A expansão na Universidade do PAMPA – mesmo modelo das universidades amazonicas – também é outro exemplo.

    No segundo caso, ilustro citando fatos relacionados à criação do curso de Medicina na UNIR. Àquele momento duas medidas foram tomadas em nome das peculiaridades regionais. A primeira foi o regime de “cotas” para estudantes de outras regiões (%) assegurando maior acesso para os alunos da região e do Estado, uma vez que haviam dados consistentes de que estes alunos teriam motivação e interesse em permanecer, no mínimo, na região. A segunda foi um curriculo que contemplasse doenças endêmicas e negligenciadas, sem obviamente abandonar o caráter geral da formação.

    O regime de cotas (é um apelido provocativo que estou usando) foi considerado “ilegal” e o resultado é que até o momento penso que não chegamos a 30% dos formados ficando por aqui. Aliás, já no estágio ou residencia, a maioria parte para outros Estados para cumprir o programa fora, perto de suas famílias.

    Bom, eu entendi que seu texto não aprofunda a questão, mas mostra sinais de um sistema que mais uma vez expressa a histórica deficiência do planejamento político do desenvolvimento regional do pais que considera a participação das Universidades: desconhecer as gentes e as prioridades entre as semelhantes diferenças que regem nosso país.

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