No debate dos candidatos da TV Bandeirantes, em 14 de outubro, a candidata Dilma Rousseff acusou governo do PSDB de ter proibido o ensino técnico, falou dos milhões que estão hoje matriculados no ensino técnico graças ao PRONATEC, e da necessidade de reduzir o número de matérias obrigatórias do ensino médio. É bom que este assunto finalmente chegue à campanha presidencial, mas é importante também entender o que está de fato ocorrendo.
Primeiro, é necessário lembrar que a expressão “ensino técnico”ou profissional pode significar coisas muito distintas, desde cursos técnicos de curta duração, como os oferecidos pelo SENAI e outras instituições, até os cursos integrados ao nível médio e superior. Os cursos profissionalizantes que fazem parte do ensino médio são chamados legalmente de “técnicos”, e os de nível superior, de curta duração, são chamados de “tecnológicos”, ainda que sejam na área das profissões sociais ou de saúde. Quando a candidata fala dos milhões matriculados pelo PRONATEC sem distinguir uma coisa da outra, fica impossível saber do que está falando. O site do PRONATEC na Internet lista os diferentes tipos de financiamento que o governo está oferecendo, mas não dá os dados de quantos estão matriculados e se formando nas diferentes modalidades.
Dito isto, não é verdade que o governo Fernando Henrique Cardoso tenha “proibido” o ensino técnico, como disse duas vezes a candidata. Ao contrário, em 1997 o governo FHC implantou o Programa de Expansão da Educação Profissional – PROEP – com recursos de um empréstimo do Banco Interamericano de Desenvolvimento de 250 milhões de dólares e mais 250 milhões de contrapartida para fortalecer e expandir o ensino profissional de nível médio e superior. Ao mesmo tempo, o governo passou a exigir que os Centros Federais de Formação Tecnológica (CEFETS) dedicassem 50% de suas vagas para o ensino técnico e profissional. Antes disso, generosamente financiados pelos governos federais, estes centros proporcionavam ensino técnico integrado ao médio de tempo integral para alunos selecionados que em sua maioria se preparavam para o ensino superior, desvirtuando portanto sua função principal, que era a formação de profissionais de nível médio para o mercado de trabalho. O governo Lula revogou esta medida, não deu continuidade ao PROEP e transformou os antigos CEFETS em Institutos Federais de nível universitário.
O grande problema do ensino técnico e profissional de nível médio no Brasil é que ele não é um caminho alternativo de formação para os milhões de estudantes que não se interessam ou não estão preparados para o ensino médio acadêmico, como ocorre no mundo inteiro, mas sim um curso a mais que os estudantes de nível médio precisam fazer, além de todos os cursos tradicionais, para obter um título profissional deste nível. A legislação diz que estes cursos podem ser feitos de forma integrada ou subsequente ao ensino médio regular. O Censo Escolar de 2013 mostra que haviam no Brasil 9.1 milhões de estudantes de nível médio regular, 400 mil em cursos integrados e 1.1 milhões em cursos médios profissioais, ou seja, que já haviam terminado o ensino médio e agora estavam de volta buscando uma qualificação profissional, tendo na prática desperdiçado três ou mais anos em um ensino médio obsoleto e inútil. O censo também mostra que a grande maioria dos estudantes nestes cursos profissionais estavam no setor privado, com uma presença muito reduzida da rede federal. No nível superior, em 2012 (último ano com dados disponíveis) dos 7 milhões de alunos, somente 944 mil estavam em cursos tecnológicos, e destes, somente 64 mil em instituições federais – os antigos CEFETS.
A solução para o problema do ensino médio, de péssima qualidade e nenhum interesse para a grande maioria dos estudantes, não é reduzir o número de matérias, como propõe a candiata, tornando a formação ainda mais rasa e superficial, e sim permitir que os alunos façam escolhas e possam se aprofundar em suas áreas de interesse, tanto de formação mais geral quanto de formação mais técnica e profissional – que é, novamente, o que acontece em praticamente todo o mundo menos no Brasil. Para agravar o problema, o governo federal fez do ENEM um gigantesco funil, um exame vestibular que transformou, na prática, todas as escolas secundárias do país em cursinhos preparatórios para este exame único, que , em 2014, chegou a quase 9 milhões de matriculados disputando menos de 200 mil vagas em universidades públicas. Apresentado como um grande passo para a democratização do acesso à educação, o ENEM se transformou no principal instrumento de sua elitização. Para os que não conseguem as vagas do SISU, existe agora o prêmio de consolação do SISUTEC, que é a possibilidade de usar a classificação no ENEM para voltar ao ensino médio para cursos profissionais que o governo, generosamente, está financiando, sobretudo em instituições de ensino superior privado com pouca ou nenhuma tradição e experiência com este tipo de educação e de qualidade desconhecida. Foram quase 300 mil vagas oferecidas em 2014. Que perspectivas de trabalho estas pessoas terão no futuro, ninguém sabe.
Com tantos recursos investidos no PRONATEC, criado em 2011, ele certamente terá alguns resultados positivos, que precisam ser bem avaliados e aperfeiçoados. Mas seria de se esperar que um programa desta envergadura partisse de um entendimento mais adequado das questões do ensino médio e dos problemas e dificuldades de desenvolver o ensino profissional de qualidade, e contasse, deste o início, com indicadores claros que permitissem avaliar seu verdadeiro impacto.