(Publicado no jornal O Estado de São Paulo, 11 de junho de 2021)
Em 2022, finalmente, o ensino médio brasileiro deverá começar a adotar o novo formato estabelecido pela reforma de 2017. A ideia continua importante. Ao invés de um currículo tradicional, rígido e amarrado às provas do ENEM, criar alternativas diferentes de formação conforme os interesses e as condições dos milhões de jovens que chegam ao ensino médio. Ao invés de dificultar a formação profissional, torná-la mais acessível, como uma das alternativas de formação neste nível. É assim em todo o mundo.
Mas como fazer isto? Na falta de uma orientação clara por parte do governo federal, as secretarias de educação, escolas e redes de ensino estão procurando alternativas, no meio ao emaranhado de leis, bases curriculares, resoluções, diretrizes e o novo palavreado introduzido pelo MEC e o Conselho Nacional de Educação nos últimos anos – itinerários formativos, formação integrada, projetos de vida, diversificação, competências, mediação sociocultural, empreendedorismo…
Parte da confusão tem a ver com uma estranha classificação das áreas de conhecimento adotada pelo MEC, tirada não se sabe de onde, que acabou entrando na base nacional curricular e na lei como definidora dos diferentes itinerários de formação. Estas áreas seriam “linguagens” (uma salada que inclui inglês, educação física, dança, língua portuguesa e tecnologias de informação), “ciências da natureza”, “ciências humanas” e “matemática”, cada uma (menos as ciências humanas) com “suas tecnologias”. A interpretação literal da legislação indica que estas áreas deveriam ser também os “itinerários formativos” a serem oferecidos, sobrando ainda um “5º itinerário”, que seria o da educação técnica ou profissional.
Basta olhar o que fazem outros países para ver que isto não faz sentido. Em Portugal e na França, por exemplo, existem pelo menos três modalidades diferentes de ensino médio, cada uma oferecendo diferentes opções. A primeira é o que se chama de “propedêutica”, de preparação para os cursos universitários. A segunda é a formação tecnológica, voltada para atividades profissionais mais complexas no mundo dos serviços, da indústria e das novas tecnologias. E a terceira é a formação denominada “vocacional”, mais simples e diretamente orientada para o mercado de trabalho.
Na França, a primeira modalidade, que culmina nas provas do “baccalauréat générale”, inclui três opções: ciências naturais; ciências econômicas e sociais; e literatura. Em Portugal, as opções são ciência e tecnologia; ciências socioeconômicas’; línguas e humanidades; e artes. O que estas áreas têm em comum é que elas são internamente coerentes, e preparam os alunos para os tipos de formação universitária e vida profissional que pretendem seguir. Ninguém se forma em “linguagens e suas tecnologias”; a matemática nunca vem sozinha, mas sempre junto com a tecnologia ou as ciências naturais e sociais; e existe uma clara separação entre as ciências sociais e as humanidades. Uma leitura mais atenta da lei brasileira mostra que, felizmente, as escolas não são obrigadas a se organizar conforme as “áreas” do MEC, e podem criar itinerários integrados semelhantes aos que existem no resto do mundo. É o que deve ser feito.
Das outras duas modalidades, o que no Brasil se chama de “educação técnica”, com quase duzentas opções diferentes listadas em um catálogo feito pelo MEC, é mais parecido com os cursos vocacionais europeus do que com os cursos de conteúdo tecnológico, que ficaram esquecidos (embora o termo “tecnológico” seja utilizado entre nós para denominar os cursos superiores curtos, qualquer que sejam seus conteúdos). Em outros países, e que dá robustez à formação tecnológica, oferecida desde o ensino médio, é que ela é mais prática e aplicada do que a formação acadêmica, se desenvolve em parceria com o setor produtivo, e dá acesso a cursos superiores de curta duração, para quem quiser continuar se aperfeiçoando, em áreas como ciência e tecnologia da saúde e bem-estar social, agronomia, design e artes plásticas, atividades industriais, alimentação e gestão e outras. Os cursos vocacionais são mais simples, voltados sobretudo a atividades de serviço e manutenção, e destinados a pessoas que necessitam trabalhar de forma mais imediata e não têm condições de seguir cursos mais complexos.
A outra característica importante do ensino diversificado no resto do mundo é que não se trata, simplesmente, de diferentes arranjos curriculares, mas de escolas públicas e privadas que se especializam em determinadas áreas e tipos de formação. Algo disto já existe no Brasil, com algumas redes de escolas técnicas como as do Sistema Paula Souza e do Sesi-Senai, ou a escola ORT no Rio de Janeiro. A decisão sobre que itinerários formativos oferecer é também uma decisão sobre como as escolas do ensino médio deverão se reorganizar, identificando as características e necessidades de seus alunos, buscando parcerias e se capacitando para melhor atendê-los. É só um primeiro passo.
Simon, existe uma lacuna, que não apareceu agora, mas ela vem crescendo e criando rachaduras nas estruturas sedimentadas de transferência de conhecimento. Digo e repito, a evolução da educação não está na oferta padronizada, cada vez mais abundante, e sim na demanda, que obriga a oferta a se tornar customizada. Até aí, conceitualmente, todos entendem e concordam, mas as estruturas sedimentadas a que me referi tentam encaixar neste novo contexto as velhas fórmulas, e isso irá desvalorizar, cada vez mais, a própria educação, com o rótulo de “inadequada”.
A solução também já conhecem, mas só sabem aplicar do meio para frente. As “trilhas de aprendizado” representam isso, e o que eu chamo de estruturas sedimentadas significa oferecer trilhas sem que o sistema educacional proponha a pergunta mais simples e mais poderosa para adequação da oferta e demanda: “Sr. passageiro do sistema de Educação…para onde deseja ir ?”
Sabe por que não fazem essa pergunta tão simples?! Porque não sabem como orientar os jovens na tomada de decisão, que basicamente exige informação que sustente 3 perguntas: “Quais são as opções?”, “Qual o tamanho do mercado para cada opção, considerando o lugar onde estou?” e “A expectativa de remuneração é compatível com as minhas expectativas pessoais?”.
Essa necessidade não é apenas nacional, ela é mundial, pois a diversificação do mercado de trabalho está muito mais acelerada do que a capacidade acadêmica de se adequar às necessidades.
Não sou um crítico…sou um prático. Desta forma, desenvolvi um aplicativo para ajudar cada jovem a “demandar conhecimento acadêmico” específico, a partir do momento em que o jovem deixa de ser coadjuvante do processo de ensino e passa a ser protagonista, pois tendo um objetivo, pode cobrar do sistema o conhecimento que precisa, e se sente seguro de persegui-lo, pois sua tomada de decisão foi feita com base em informação.
Te convido a conhecer o que estou fazendo, a partir do meu blog: https://planocrescer.wordpress.com . Lá tem informações sobre como acessar o aplicativo. Um abraço!