O termo “capitalismo acadêmico” tem sido usado com bastante frequência para caracterizar a educação superior nos Estados Unidos e em muitos outros países, em que as instituições universitárias são administradas em forma semelhante às empresas, atuam agressivamente nos mercados em busca de recursos e alunos, e ajustam sua oferta de cursos e outros serviços às demandas do mercado.
A referência principal desta linha de interpretação é o livro Academic Capitalism and the new economy: Markets, State and Higher Education, de Sheila A. Slaughter e Gary Rhoades (JHU Press, 2004). Na Amércia Latina, José Joaquin Brunner, da Universidad Diego Portales em Santiago do Chile, tem usado esta perspectiva para a análise e interpretação da educação superior na região. Agora a Universidade Diego Portales acaba de publicar um livro editado por ele, Enfoques de sociología y economía política de la educación superior: aproximaciones al capitalismo académico en América Latina, em que vários autores se valem destas ideias para entender melhor o que vem ocorrendo na região, na perspectiva de sua economia política.
O lançamento do livro ocorrerá em um seminário internacional do dia 25 de março, as 11 da manhã, organizado pela Universidade Diego Portales.
Minha contribuição para o livro foi um capítulo intitulado “Entre Berlim e a bolsa: capitalismo acadêmico no Brasil?”. O que penso sobre esta teoria é que, primeiro, ela não é nova, porque o tema do empreendedorismo no ambiente acadêmico tem sido estudado há muitos anos, com destaque para os trabalhos de Burton Clark sobre “universidades empreendedoras” e os estudos sobre empreendedorismo na pesquisa , com destaque para livro clássico de Bruno Latour sobre Ciência em Ação (1988) e também The New Production of Knowledge, de 1994, no qual colaborei. E, segundo, porque a antiga lógica dos sistemas universitários, que tem como modelo ideal a Universidade de Humboldt em Berlim, não desapareceu, e coexiste de diferentes formas com as atuais tendências de mercantilização que se observam. O que explica isto é a grande presença do Estado no financiamento e regulação do ensino superior, que é muito menor nos Estados Unidos do que no resto do mundo, o que inclusive explica a força do capitalismo acadêmico naquele país.
No meu texto, eu trato de mostrar como estes dois polos, “Berlim” e a “bolsa”, coexistem a disputam espaços na educação superior brasileira, mediados pelo Estado. O resultado é uma grande variedade de instituições regidas por lógicas muito distintas. Os setores público e privado têm estratégias muito diferentes para garantir seus recursos e sobreviver. No setor público é uma estratégia que se apresenta em termos acadêmicos, mas na verdade é especialmente política e burocrática. No setor privado, por outro lado, trata-se de uma estratégia claramente capitalista, mas pouco acadêmica, que consiste basicamente na venda massiva de cursos e credenciais de baixo custo, com uso intensivo de novas tecnologias de administração e transmissão de conteúdo. Entre os dois extremos estão parcelas do setor público, principalmente em instituições com maior capacidade de pesquisa e programas de pós-graduação, que têm atuação mais empreendedora, disputando recursos em agências de fomento à pesquisa e contratos com empresas públicas e privadas; e um pequeno segmento do setor privado que busca oferecer ensino superior de qualidade aliado a atividades de pós-graduação, pesquisa e envolvimento com a comunidade local. Pode ser que, com a crise fiscal e econômica agravada com a epidemia de Covid 19, tanto o setor público quanto o privado tenham que mudar suas estratégias e esse espaço intermediário cresça dos dois lados, com o avanço de um sistema de ensino efetivamente diferenciado e com mais capacidade de resposta às exigências de formação e conhecimento da sociedade a vários níveis. Mas este certamente não é um futuro garantido.
Como sempre um excelente artigo e um desafio pra quem pesquisa o tema. Gostei do tom ligeiramente otimista sobre as possibilidades, oferecidas pela pandemia, de aumentar estas frestas de qualidade do nosso sistema de ensino tanto público quanto privado. Para mim, essa possibilidade aparece na necessidade absoluta de aprender a lidar com a educação a distância (métodos didáticos e formas de acompanhamento) e com a internacionalização da pesquisa e da docência.
Bruno Latour foi 1988 a não ser que é um caso de time travel! KKKK
Thoughtful essay! Parabéns. . .
Leitor atento! Corrigido….
Eu gostaria de chamar a atenção para a dimensão organizacional ou, mais especificamente, a dimensão gerencial das instituições de ensino superior. A meu ver não é tanto a natureza administrativa da instituição, se privada ou pública, que pode afetar a qualidade do seu ” produto”, mas o tipo de gestão se mais orientado for-profit ou pela cultura acadêmica. No primeiro caso temos um modelo de gestão, que pela incapacidade de absorver incertezas, torna-se completamente inadequado para uma universidade de ensino e pesquisa e, embora não totalmente, é tb inadequado para uma universidade somente voltada para o ensino. Em putras palavras, a lógica de funcionamento do sistema acadêmico é incompatível com a lógica da busca da eficiência econômica que não permite a presença de incertezas associadas à flexibilidade na articulação das atividades de ensino e pesquisa. Então, independentemente da natureza administrativa da instituição de ensino, se privada ou pública, é a lógica da gestão institucional é que vai determinar a qualidade de seu “produto”.