Entrevista de Eunice Durham às “Páginas Amarelas” da revista Veja, na edição de 26/11/2008:
Hoje há poucos estudiosos empenhados em produzir pesquisa de bom nível sobre a universidade brasileira. Entre eles, a antropóloga Eunice Durham, 75 anos, vinte dos quais dedicados ao tema, tem o mérito de tratar do assunto com rara objetividade. Seu trabalho representa um avanço, também, porque mostra, com clareza, como as universidades têm relação direta com a má qualidade do ensino oferecido nas escolas do país. Ela diz: “Os cursos de pedagogia são incapazes de formar bons professores”. Ex-secretária de política educacional do Ministério da Educação (MEC) no governo Fernando Henrique, Eunice é do Núcleo de Pesquisa de Políticas Públicas, da Universidade de São Paulo – onde ingressou como professora há cinqüenta anos.
Sua pesquisa mostra que as faculdades de pedagogia estão na raiz do mau ensino nas escolas brasileiras. Como?
As faculdades de pedagogia formam professores incapazes de fazer o básico, entrar na sala de aula e ensinar a matéria. Mais grave ainda, muitos desses profissionais revelam limitações elementares: não conseguem escrever sem cometer erros de ortografia simples nem expor conceitos científicos de média complexidade. Chegam aos cursos de pedagogia com deficiências pedestres e saem de lá sem ter se livrado delas. Minha pesquisa aponta as causas. A primeira, sem dúvida, é a mentalidade da universidade, que supervaloriza a teoria e menospreza a prática. Segundo essa corrente acadêmica em vigor, o trabalho concreto em sala de aula é inferior a reflexões supostamente mais nobres.
Essa filosofia é assumida abertamente pelas faculdades de pedagogia?
O objetivo declarado dos cursos é ensinar os candidatos a professor a aplicar conhecimentos filosóficos, antropológicos, históricos e econômicos à educação. Pretensão alheia às necessidades reais das escolas – e absurda diante de estudantes universitários tão pouco escolarizados.
O que, exatamente, se ensina aos futuros professores?
Fiz uma análise detalhada das diretrizes oficiais para os cursos de pedagogia. Ali é possível constatar, com números, o que já se observa na prática. Entre catorze artigos, catorze parágrafos e 38 incisos, apenas dois itens se referem ao trabalho do professor em sala de aula. Esse parece um assunto secundário, menos relevante do que a ideologia atrasada que domina as faculdades de pedagogia.
Como essa ideologia se manifesta?
Por exemplo, na bibliografia adotada nesses cursos, circunscrita a autores da esquerda pedagógica. Eles confundem pensamento crítico com falar mal do governo ou do capitalismo. Não passam de manuais com uma visão simplificada, e por vezes preconceituosa, do mundo. O mesmo tom aparece nos programas dos cursos, que eu ajudo a analisar no Conselho Nacional de Educação. Perdi as contas de quantas vezes estive diante da palavra dialética, que, não há dúvida, a maioria das pessoas inclui sem saber do que se trata. Em vez de aprenderem a dar aula, os aspirantes a professor são expostos a uma coleção de jargões. Tudo precisa ser democrático, participativo, dialógico e, naturalmente, decidido em assembléia.
Quais os efeitos disso na escola?
Quando chegam às escolas para ensinar, muitos dos novatos apenas repetem esses bordões. Eles não sabem nem como começar a executar suas tarefas mais básicas. A situação se agrava com o fato de os professores, de modo geral, não admitirem o óbvio: o ensino no Brasil é ainda tão ruim, em parte, porque eles próprios não estão preparados para desempenhar a função.
Por que os professores são tão pouco autocríticos?
Eles são corporativistas ao extremo. Podem até estar cientes do baixo nível do ensino no país, mas costumam atribuir o fiasco a fatores externos, como o fato de o governo não lhes prover a formação necessária e de eles ganharem pouco. É um cenário preocupante. Os professores se eximem da culpa pelo mau ensino – e, conseqüentemente, da responsabilidade. Nos sindicatos, todo esse corporativismo se exacerba.
Como os sindicatos prejudicam a sala de aula?
Está suficientemente claro que a ação fundamental desses movimentos é garantir direitos corporativos, e não o bom ensino. Entenda-se por isso: lutar por greves, aumentos de salário e faltas ao trabalho sem nenhuma espécie de punição. O absenteísmo dos professores é, afinal, uma das pragas da escola pública brasileira. O índice de ausências é escandaloso. Um professor falta, em média, um mês de trabalho por ano e, o pior, não perde um centavo por isso. Cenário de atraso num país em que é urgente fazer a educação avançar. Combater o corporativismo dos professores e aprimorar os cursos de pedagogia, portanto, são duas medidas essenciais à melhora dos indicadores de ensino.
A senhora estende suas críticas ao restante da universidade pública?
Há dois fenômenos distintos nas instituições públicas. O primeiro é o dos cursos de pós-graduação nas áreas de ciências exatas, que, embora ainda atrás daqueles oferecidos em países desenvolvidos, estão sendo capazes de fazer o que é esperado deles: absorver novos conhecimentos, conseguir aplicá-los e contribuir para sua evolução. Nessas áreas, começa a surgir uma relação mais estreita entre as universidades e o mercado de trabalho. Algo que, segundo já foi suficientemente mensurado, é necessário ao avanço de qualquer país. A outra realidade da universidade pública a que me refiro é a das ciências humanas. Área que hoje, no Brasil, está prejudicada pela ideologia e pelo excesso de críticas vazias. Nada disso contribui para elevar o nível da pesquisa acadêmica.
Um estudo da OCDE (organização que reúne os países mais industrializados) mostra que o custo de um universitário no Brasil está entre os mais altos do mundo – e o país responde por apenas 2% das citações nas melhores revistas científicas. Como a senhora explica essa ineficiência?
Sem dúvida, poderíamos fazer o mesmo, ou mais, sem consumir tanto dinheiro do governo. O problema é que as universidades públicas brasileiras são pessimamente administradas. Sua versão de democracia, profundamente assembleísta, só ajuda a aumentar a burocracia e os gastos públicos. Essa é uma situação que piorou, sobretudo, no período de abertura política, na década de 80, quando, na universidade, democratização se tornou sinônimo de formação de conselhos e multiplicação de instâncias. Na prática, tantas são as alçadas e as exigências burocráticas que, parece inverossímil, um pesquisador com uma boa quantia de dinheiro na mão passa mais tempo envolvido com prestação de contas do que com sua investigação científica. Para agravar a situação, os maus profissionais não podem ser demitidos. Defino a universidade pública como a antítese de uma empresa bem montada.
Muita gente defende a expansão das universidades públicas. E a senhora?
Sou contra. Nos países onde o ensino superior funciona, apenas um grupo reduzido de instituições concentra a maior parte da pesquisa acadêmica, e as demais miram, basicamente, os cursos de graduação. O Brasil, ao contrário, sempre volta à idéia de expandir esse modelo de universidade. É um erro. Estou convicta de que já temos faculdades públicas em número suficiente para atender aqueles alunos que podem de fato vir a se tornar Ph.Ds. ou profissionais altamente qualificados. Estes são, naturalmente, uma minoria. Isso não tem nada a ver com o fato de o Brasil ser uma nação em desenvolvimento. É exatamente assim nos outros países.
As faculdades particulares são uma boa opção para os outros estudantes?
Freqüentemente, não. Aqui vale a pena chamar a atenção para um ponto: os cursos técnicos de ensino superior, ainda desconhecidos da maioria dos brasileiros, formam gente mais capacitada para o mercado de trabalho do que uma faculdade particular de ensino ruim. Esses cursos são mais curtos e menos pretensiosos, mas conseguem algo que muita universidade não faz: preparar para o mercado de trabalho. É estranho como, no meio acadêmico, uma formação voltada para as necessidades das empresas ainda soa como pecado. As universidades dizem, sem nenhum constrangimento, preferir “formar cidadãos”. Cabe perguntar: o que o cidadão vai fazer da vida se ele não puder se inserir no mercado de trabalho?
Nos Estados Unidos, cerca de 60% dos alunos freqüentam essas escolas técnicas. No Brasil, são apenas 9%. Por quê?
Sempre houve preconceito no Brasil em relação a qualquer coisa que lembrasse o trabalho manual, caso desses cursos. Vejo, no entanto, uma melhora no conceito que se tem das escolas técnicas, o que se manifesta no aumento da procura. O fato concreto é que elas têm conseguido se adaptar às demandas reais da economia. Daí 95% das pessoas, em média, saírem formadas com emprego garantido. O mercado, afinal, não precisa apenas de pessoas pós-graduadas em letras que sejam peritas em crítica literária ou de estatísticos aptos a desenvolver grandes sistemas. É simples, mas só o Brasil, vítima de certa arrogância, parece ainda não ter entendido a lição.
Faculdades particulares de baixa qualidade são, então, pura perda de tempo?
Essas faculdades têm o foco nos estudantes menos escolarizados – daí serem tão ineficientes. O objetivo número 1 é manter o aluno pagante. Que ninguém espere entrar numa faculdade de mau ensino e concorrer a um bom emprego, porque o mercado brasileiro já sabe discernir as coisas. É notório que tais instituições formam os piores estudantes para se prestar às ocupações mais medíocres. Mas cabe observar que, mesmo mal formados, esses jovens levam vantagem sobre os outros que jamais pisaram numa universidade, ainda que tenham aprendido muito pouco em sala de aula. A lógica é típica de países em desenvolvimento, como o Brasil.
Por que num país em desenvolvimento o diploma universitário, mesmo sendo de um curso ruim, tem tanto valor?
No Brasil, ao contrário do que ocorre em nações mais ricas, o diploma de ensino superior possui um valor independente da qualidade. Quem tem vale mais no mercado. É a realidade de um país onde a maioria dos jovens está ainda fora da universidade e o diploma ganha peso pela raridade. Numa seleção de emprego, entre dois candidatos parecidos, uma empresa vai dar preferência, naturalmente, ao que conseguiu chegar ao ensino superior. Mas é preciso que se repita: eles servirão a uma classe de empregos bem medíocres – jamais estarão na disputa pelas melhores vagas ofertadas no mercado de trabalho.
A tendência é que o mercado se encarregue de eliminar as faculdades ruins?
A experiência mostra que, conforme a população se torna mais escolarizada e o mercado de trabalho mais exigente, as faculdades ruins passam a ser menos procuradas e uma parte delas acaba desaparecendo do mapa. Isso já foi comprovado num levantamento feito com base no antigo Provão. Ao jogar luz nas instituições que haviam acumulado notas vermelhas, o exame contribuiu decisivamente para o seu fracasso. O fato de o MEC intervir num curso que, testado mais de uma vez, não apresente sinais de melhora também é uma medida sensata. O mau ensino, afinal, é um grande desserviço.
A senhora fecharia as faculdades de pedagogia se pudesse?
Acho que elas precisam ser inteiramente reformuladas. Repensadas do zero mesmo. Não é preciso ir tão longe para entender por quê. Basta consultar os rankings internacionais de ensino. Neles, o Brasil chama atenção por uma razão para lá de negativa. Está sempre entre os piores países do mundo em educação.
Sem dúvida. Tudo dito do curso de pedagogia repassa integralmente ao caso das demais licenciaturas. Uma das minhas reflexões no tema consta em
http://www.jornaldaciencia.org.br/Detalhe.jsp?id=44894
Embora a autora aborde um problema real, considero realmente lamentáveis as conclusões apresentadas em sua pesquisa.
Não questiono a má qualidade dos cursos de formação, mas defender uma educação instrucionista e tecnicista voltada à treinamento de pessoal para ocupar sub-empregos no mercado, em pleno século XXI, é um absurdo!
Alegar que a baixa remuneração dos professores e a falta de recursos na educação básica não influi diretamente na qualidade desta, é outro absurdo.
A função do educador é muito mais que “entrar na sala de aula e dar sua aula”. Somos responsáveis por conduzir seres humanos à descobrir sua condição de sujeito, desenvolvendo a criticidade, o senso cooperativo, o protagonismo, a capacidade criativa e realizadora.
Lamento realmente conclusões como a da colega Eunice. Realmente a formação de nossos pesquisadores não está bem!
É interessante confrontar e discutir o resultado da pesquisa de Durham com a pesquisa relatada por Jiménez, Gonçalves e Barbosa: O LUGAR DO MARXISMO NA FORMAÇÃO DO EDUCADOR
Como exemplo, destaco um contraste, entre outros: ao responder como essa ideologia se manifesta, Durham responde: “na bibliografia adotada nesses cursos, circunscrita a autores da esquerda pedagógica. Eles confundem pensamento crítico com falar mal do governo ou do capitalismo. Não passam de manuais com uma visão simplificada, e por vezes preconceituosa, do mundo”.
Das autoras supracitadas, destaco a passagem:
“Com efeito, podemos concluir que, no contexto analisado, o legado marxista é desfrutado, predominantemente, em fragmentos pouco conectados entre si, quando não se ajuntam estes com categorias atinentes a perspectivas contrapostas de análise do real. Em alguns casos, empregam-se terminologias ou formulações claramente afinadas com o campo marxista, porém as unidades do programa ou as indicações bibliográficas não se coadunam com tal orientação; em outros, o referencial marxista é levado a travar um diálogo esdrúxulo com os chamados paradigmas emergentes, desconsiderando o fato de que estes cumprem, precisamente, o papel de superar a suposta obsolescência do marxismo”.
A partir disso, observa-se que ambas as pesquisas sinalizam a fragilidade do curso de pedagogia. No entanto, pergunto: afinal, que esquerda é essa que Durham se refere quando analisa a bibliografia dos cursos pesquisados?
Raquel Moraes
A entrevista da Profa. Eunice Durham à Veja ajuda a colocar a discussão sobre qualidade de ensino sob um ângulo que dá panos para mangas: o da responsabilidade que cabe à educação superior. A Pedagogia brasileira “confunde pensamento crítico com falar mal do governo e do capitalismo” e, junto com boa parte das Ciências Humanas, confunde também qualidade acadêmica com citações e até especialização em teorias dos outros (já que sem pesquisa empírica e reflexão sobre a prática não se produz teoria).
Acabamos formando professores totalmente despreparados para as salas de aula. Em pouco tempo eles se tornam conformistas (o que é irônico em face da pretensão de formar pensadores críticos) – paralisados por sua incapacidade de influir, de mudar e conseguir resultados minimamente confortantes; ou se tornam desajustados – literalmente, pacientes de atendimento psiquiátrico, que freqüentemente desemboca em aposentadorias precoces por incapacidade emocional – depressão, síndrome do pânico, etc. Seria importante verificar o que existe de pesquisa sobre os efeitos do choque entre a formação pedagógica e a realidade escolar nas grandes metrópoles brasileiras.
Minha experiência (que não é direta) indica que o professor mais sensível perde o sono (e o equilíbrio) com a cumplicidade que lhe é imposta pela realidade (inaceitável) das crianças pobres das grandes metrópoles. Ontem mesmo soube de relatos trazidos por professores da rede pública do Rio de Janeiro, que freqüentam um dos grupos terapêuticos do Instituto Pinel (são cinco professores neste grupo). Há o menino que se tornou extremamente agressivo depois que os pais se separaram e constituíram novos casais em comunidades vizinhas e antagônicas. Embora nenhum dos pais e padrastos tenha ligação com o tráfico ou milícia, ele e os irmãos não têm autorização para freqüentar as duas casas dos pais: foram forçados a ficar com um (a residência do pai). Outra professora pede ajuda para definir um plano pedagógico para sua turma, porque cada dia vem um grupo diferente de alunos – o de 2ª-feira não volta na 3ª e é ainda outro, o que aparece na 4ª-feira, etc. Ela não sabe como lidar com isso e sua escola “responde” que é assim mesmo, que não há o que fazer…
Não faltam evidências de que os professores estão reféns de seu despreparo e de sistemas escolares igualmente ineptos. A escola pública não tem recursos (humanos, institucionais, materiais) para mediar ou resolver as situações que afetam o seu trabalho. Quanto à escola particular, as notícias são a de crescente desautorização, ou mesmo, subordinação do professor à vontade do aluno pagante. Soube, ontem também, de demissões sumárias, que atendem a reclamações de alunos que não querem professores muito exigentes e soube por um professor de um cursinho muito conhecido, que as notas das Provas têm que ser escritas a lápis porque é a coordenação que tem a ultima palavra!
Muito enriquecedora a entrevista da professora Eunice Durham, professora e pesquisadora da USP, gestora pública (ex dirigente da CAPES, da SESu, além de outras relevantes funções) Essa fecunda trajetória lhe confere experiência e sabedoria para nos ensinar e ajudar a compreender as políticas educacionais de nosso País.
Sem dúvida, é muito lúcida e oportuna a conclusão da sua pesquisa de que nossos cursos de pedagogia não estão preparando bem os professores de nossos filhos. Ela denuncia que os currículos estão defasados, são preponderantemente acadêmicos e teóricos. Os cursos mais fornecem títulos para acesso ao magistério e à melhoria na carreira, do que uma formação séria, bem fundamentada e habilitadora das práticas pedagógicas de qualidade. O que dizer então da proliferação dos cursos de pseudo-formação de professores a distância?
A professora Eunice faz crítica severa à instrumentação dos cursos para a doutrinação política e ideológica. Na realidade, em toda história humana, a educação tem sido a arma tanto dos regimes totalitários que buscam se legitimar e se perpetuar no poder, como das forças sociais opositoras que lutam por mudanças ou pela tomada desse poder. Daí o porquê dos livros, das aulas, dos programas e dos currículos serem poderosos objetos de transmissão e de inculcação de valores, de crenças e de preconceitos. Muitas vezes, instilam mais ódio que amor. Concordamos que a construção de uma educação verdadeiramente democrática é muito difícil, quase uma utopia. A convivência cívica é continua um velho sonho dos filósofos gregos. Sem comungar os extremos do “assembleísmo”, consideramos fundamental que os processos participativos, dialógicos e cooperativos façam parte das atividades educativas, não apenas na sala de aula, mas em todas as dimensões da escola. No caso da educação universitária, é um princípio que adotamos como um dos pilares da sustentação das reflexões que expomos na publicação “Universidade Federativa, Autônoma e Comunitária” que acabamos de lançar (disponível na Livraria Cultura).
A crítica da emérita professora da USP ao corporativismo é certeira e irrefutável. Mas o corporativismo quer seja dos docentes, dos dirigentes ou de outras categorias é tão mais forte quanto menor a compreensão e a prática da educação comunitária, na qual a comunidade, as famílias, os educandos e as organizações civis possam interagir construtivamente com a Escola e com os seus mantenedores estatais ou não.
Concordamos com os seus comentários sobre os custos da educação universitária que, no Brasil, são apontados entre os mais altos do mundo. Porém, consideramos que as suas causas, bem como da baixa efetividade (ineficiência e ineficácia das universidades) não estão apenas no “democratismo” ou na hipertrofia da burocracia. Outras raízes existem. Talvez um dos fatores que mais provocam desperdícios de recursos, de competências e de potencialidades dos jovens está estrutura corporativa das profissões e nos seus mecanismos de auto-alimentação, como o fenômeno do credencialismo e as parafernálias de “avaliação” meramente fiscal/regulatória ou cerceadora. Essa é outra questão central que discutimos na proposta da universidade federativa e comunitária com base principalmente nos trabalhos do Professor Édson Nunes.
A Professora Eunice também se manifestou contrariamente à expansão da universidade pública. Acreditamos, porém, que ela está se referindo à universidade pública estatal. Aquela de reconhecimento internacional, também chamada “de pesquisa” (research-oriented), que tem o padrão de uma USP e a missão de promover a pesquisa de fronteira e a formação avançada. Esse modelo precisa ser mantido e fortalecido. Evidentemente, não teria nenhum sentido pretender expandi-lo para todos os recantos do País. Mas também, precisamos de outras organizações universitárias com estruturas, vocações e capacidade de adaptação à diversidade regional, ocupacional e econômica do País. Há outras formas de educação pública. A própria professora já se pronunciou em outras ocasiões favoravelmente à disseminação das universidades comunitárias, com base nas experiências bem sucedidas da comunitárias gaúchas e catarinenses. Visando viabilizar a expansão desse modelo de educação pública não-estatal é que pensamos a alternativa da universidade federativa e comunitária. Hoje, ninguém pode ser contra a expansão da educação universitária, pois a escolarização universitária da população brasileira é uma das mais baixas e vergonhosas do mundo. Há milhões de jovens principalmente das famílias mais pobres que além de excluídos da gratuidade nas universidades estatais, se vêem obrigados a arcar com a sua formação às custas do seu próprio trabalho ou do sacrifício das suas familiares.
O relato da Profa. Eunice Durham, veio corroborar com a escolha do tema para minha monografia. Constato que pertenço a um grupo que pretende ser docente e, para tanto, matriculou-se numa especialização de docência do ensino superior. A turma, compõe-se de um grupo de formação heterogênea mas com um objetivo em comum – ser professor. As expectativas se frustraram pois muitos colegas não se sentem capacitados para enfrentar uma turma. Será que 60hs/aula de didática forma um professor? Proponho realizar um pesquisa neste sentido, mas as Universidades, cujo objetivo deveria ser promover ensino e pesquisa, não recebem com satisfação esta iniciativa. Me parece um contra-senso. Não seria a Universidade a primeira a incentivar a pesquisa?
Onde estarão os Mestres, com formação e conhecimento, que deveriam estar lá nos mostrando quais os conhecimentos necessários para esta formação, quando e como aplica-los! Alguns de nós, através de auto instrução e determinação, conseguirão superar esta lacuna desenvolvendo sozinhos suas habilidades e competências e os professores se multiplicarão desta forma, sem um conteúdo mínimo que lhes garanta certa confiança e sem saber o que fazer com o pouco que apreenderam. Ainda bem que existem exceções baseadas nos valores morais, comprometimento e respeito com aqueles que estão nas salas de aula para adquirir uma formação. Concluo que a questão não é privilégio do curso de Pedagogia mas de diferentes cursos, modalidades e níveis de ensino. Deixo esta reflexão: Como deveria ser a formação deste novo professor com todos os desafios que o avanço tecnológico provocou, o mercado de trabalho impõe e a sociedade exige?
Márcia Regina Martins Lima Dias
A professora Eunice- a quem muito respeito pela força e coragem ao colocar suas posições, mesmo contrariando as marés- nesta entrevista às paginas amarelas da Veja, acerta no atacado, mas erra no varejo, ao meu ver.
Na verdade, o papel dos cursos de pedagogia não é e não será o de formar professores, mas condutores de um projeto pedagógico.Este processo de condução, conforme Florestan Fernandes teve oportunidade de comentar, torna-se cada vez mais complexo, à medida que a sociedade se urbaniza, exigindo por parte do pedagogo, ou do educador a capacidade de dialogar com outras áreas de conhecimento, especificamente, da sociologia que era o seu ponto referência .E, Caberia ao educador, demandar respostas ao sociólogo; ou seja, o lugar do pedagogo era a escola a educação e do soiólogo descortinar o entorno desta instituição que poderiam ester facilitando ou obstando
o pleno exercício da instituição educativa qual seja instruir e formar cidadãos capazes de responder ás necessidades de seu tempo.Mas o ponto de partida e o ponto de chegada estava com o educador
Ora, se isto é verdade, não se poderá esperar que a formação do pedagogo se limite didática, geral ou específica.Ele deverá ser formado, com rigor teórico e metodológico, para ser capaz de escolher caminhos e soluções em épocas de incertezas; isto para que a escola não fique ao sabor dos modismos de esquerda ou direita.
Ocorre, que a formação do Pedagogo se esgarçou, na década de 1970.Se antes era formado o generalista em educação, hoje se fragmenta a formação do pedagogo, em mútiplas especializações, que ele, vai se diplomando com sofreguidão, para galgar mais um acesso a melhores salários.Assim o pedagógico ficou órfão do educativo.
Ademais, desbaratou-se a rede que formava o pedadogo.As escolas de aplicação, que serviam de referência oa processo de ensino – aprendizagem foram desativadas, os cursos pós-medios (tecnólogos) que ensinavam didáticas específicas, também deixaram de existir, em parte porque o acervo disponível sobre este conhecimento teria desaparecido, junto com os luminares da Escola Nova.
Então, onde encontrar a formação de docentes? Na pós- graduação em educação em áreas específicas, de matemática, física, química, geografia etc, começa a ser gestado um bom acervo sobre o como ensinar. E isto é muito bom…
Mas, há, por outro lado, um peso muito forte do ideológico sobre a dimensão científica do educador, na pós -graduação em áreas mais gerais da educação,assim entendendo como uma menor ênfase e/ ou preocupação em formar educadores capazes de pensar, compreender e atuar com racionalidade em contextos políticos- sociais, econômicos e culturais específicos. Assim, quero crer que a disseminação da pós em educação difundiu, mais a ideologia do que a formação.E,se vê na escola,muito repetição de refrão ideológico e pouca reflexão e diagnósticos.
Apesar disto tudo, na hora que a esoola pega fogo, quem fica até o fim para dizimar a última chama é o pedagogo.Mesmo com a cabeça cheia ou vazia de tanta ideologia, o pedagogo, pelo ethos de sua formação, continua sendo o guardião da instituição escolar.
Em tempo: tento ser pedagoga há 40 anos,
Ana Maria de Rezende Pinto
Quem leva a vida tentando produzir conhecimentos, pela experimentação ou pela simples reflexão, corre o risco de chegar a pontos anteriormente atingidos por outros. Não há nada de estranho nisso. Se dois pensadores partem de fontes similares, é grande a probabilidade que cheguem a conclusões parecidas ou idênticas. Mesmo quando o fato impede a publicação por falta de originalidade, ele é gratificante, sobretudo quando é alta a estatura intelectual do concorrente. Foi esse sentimento de satisfação que tomou conta de mim quando li a entrevista que a profa. Eunice Durham deu à revista Veja. Ainda que pareça cabotinismo apresentei em meu blog (http://www.professorcarlos.com/2008/11/fbrica-de-maus-professores-obviedade.html) um paralelo entre minhas reflexões e essas externadas pela insigne professora. Não vou reproduzir aqui o que publiquei ali, mas acho pertinente reforçar a opinião da profa. Guiomar.
A formação de professores de ciências no Brasil atende bem aquele dito popular: me engana que eu gosto. Basta ler com atenção os materiais publicitários dos cursos de licenciatura em biologia. Em vez de apontar para uma boa formação de professor, o curso promete a formação de um profissional com perfil adequado para atuação na pesquisa e na indústria.
A complexa situação tem muito de corporativismo. Os departamentos e faculdades de educação não têm interesse em ter um grande grupo de professores dedicados ao ensino de ciências, pois estes, de modo geral não contribuem para suas principais linhas de pesquisa. Por outro lado, também não admitem criar disciplinas para suas licenciaturas, oferecidas por professores de outros departamentos, pois assim perderão vagas para seu quadro de pesquisadores.
Carlos Alberto dos Santos
Parabéns à Professora Eunice Durhan pela lucidez de seus comentários sobre a formação de professores nos cursos de Pedagogia. Os currículos destes cursos são risíveis e ela captou bem as falhas. Discutem-se pinceladas de teorias , repetem-se tolices que não são compreendidas nem pelos professores que ministram as aulas. Fala-se sobre Psicolinguistica, Sociolinguistica, Psicogênese, Piaget para lá e para cá, Vygotski etc,uma geléia geral, mas não se discute a complexidade dos atos de ensinar e aprender. Os jargões são muitos, a bibliografia é atrasada e direcionada para determinada visão de mundo. Visão esta que passa longe da realidade brasileira.
Professores formam-se ou deformam-se nestes cursos,sem
dominarem o mínimo dos conteúdos que transmitirão aos seus alunos. Não conhecem o cerne daquilo que irão ensinar. Futuros alfabetizadores formam-se “no método construtivista”. Todos são construtivistas. A alfabetização que é uma questão que envolve Linguística passa a se uma questão apenas da Psicologia do Conhecimento.
Por outro lado , nas demais licenciaturas , o problema é o mesmo. Os professores das diferentes licenciaturas não dominam o conteúdo das áreas que irão lecionar, mas certamente engolem pílulas de teoria e lêem xerox de trechos da bibliografia que compõe estes cursos.
Pesquisas sobre o assunto há e muitas. falta coragem para mudar vencendo o corporativismo de universidades e professores.
Iza Locatelli
A entrevista da Profa. Eunice é corajosa e verdadeira.
Compartilho e assino embaixo da avaliação que ela faz dos cursos de Pedagogia. Tudo isso foi confirmado pela pesquisa realizada pela Profa. Bernardete Angelina Gatti a respeito dos cursos de formação de professores (ver site da Fundação Carlos Chagas).
Acho no entanto que não podemos limitar as críticas aos cursos de Pedagogia porque distorções equivalentes, algumas até mais perversas, existem nas licenciaturas que formam professores de disciplinas que atuam nos anos finais do ensino fundamental e no ensino médio. É todo o modelo de formação de professores que já nasceu torto e assim permaneceu. A pesquisa da Fundação Carlos Chagas que mencionei confirma também isso.
Quando olhamos o funcionamento da escola por dentro, constatamos que o maior número dos problemas que prejudicam a organização escolar ocorre com os professores especialistas de disciplinas: são os que mais faltam e os que mudam mais de escolas, não por sua culpa mas porque o currículo fragmentado impede que disponham de jornadas semanais mais concentradas em uma escola. Além disso também não dominam bem o conteúdo que se deve ensinar a adolescentes e jovens e, principalmente, não sabem como transpor esse conteúdo para situações de aprendizagem motivadoras para seus alunos. As notícias diárias na imprensa mostram como é desafiador e complexo trabalhar na faixa etária da adolescência e juventude e os cursos de licenciatura nem consideram essa realidade, exceto algumas exceções que confirmam a regra.
Limitar nossas críticas à Pedagogia faz supor que se mudarmos esse curso os problemas estão resolvidos e isso não é verdade. Neste sentido acho que perdemos a oportunidade de colocar a questão na sua inteireza para a opinião pública informada que lê a revista VEJA.
Guiomar Namo de Mello