A Miséria Brasileira

Cláudio Considera publicou hoje, no O Globo, o seguinte artigo, questionando os dados do Centro de Política Social da FGV sobre a redução recente da miséria no Brasil:

Recentemente o pesquisador, da FGV/CPS, Marcelo Néri e sua equipe divulgaram na mídia novos resultados da queda da miséria. Em seu estudo ele faz comparações entre as variações percentuais dos percentuais de miseráveis observados nos primeiros 3 anos do governo FHC e no governo Lula. É necessário chamar a atenção que quando nos referimos a percentual de pessoas miseráveis estamos falando da parte de número de pessoas que estão abaixo da linha de miséria (não tem dinheiro para comer um certo mínimo necessário) comparativamente ao total da população. Se esse percentual diminui, diminui o número de miseráveis. E para saber quantos deixaram de ser miseráveis, basta diminuir o número de miseráveis de um ano para outro. Alternativamente podemos diminuir o percentual de um ano, do percentual de outro ano, e encontramos os pontos de percentagens dessa redução, que pode ser traduzido em número de pessoas que saíram da miséria. Falar em variação percentual destes percentuais não tem sentido.

Fiquei me perguntando por que esse ERRO. Fiz algumas contas e constatei que se o estudo falasse em redução de pontos de percentagem a redução da miséria continuaria sendo maior no Plano Real. Ou seja, em pontos de percentagem, o diferencial é maior para FHC (28,79% – 35,31%= -6,52 pontos de percentagem) do que para Lula (22,77% – 28,17%= -5,4 pontos de percentagem). Quando erradamente se compara os pontos de percentagem de FHC com o seu percentual inicial de pobres (-6,52/35,31), a redução percentual de FHC fica em -18,5 %, valor inferior à redução observada para Lula (-5,4/28,17= -19,2%). Mas, o que é relevante, e o que interessa de fato, é que o número de miseráveis não se reduziu em 18,5 e em 19,2%, mas sim em 6,52 e 5,4 pontos de percentagem nos 3 primeiros anos de FHC e Lula, respectivamente.

Estranhamente, os números absolutos de miseráveis não estão divulgados no estudo da FGV, o que elucidaria a questão sem contemplação. À sua falta, usando os dados elaborados por Sônia Rocha do Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade, que usa a linha de miseráveis oficial, a redução de indigentes (miseráveis), teria sido no período FHC de 7 milhões e 500 mil pessoas enquanto no período Lula de apenas 2 milhões e 650 mil pessoas. Isso é o que importa: número absoluto de redução de indigentes.

Continuando a observação do referido gráfico atentei para outro erro: o autor identifica o início da série de Lula em 2003 (28,17% de miseráveis). Mas quando Lula assumiu o governo em janeiro de 2003 o número de miseráveis era de fato 26,72% (que herdou de FHC). Logo não é justo computar como seu (de Lula) o mérito de reduzir a própria miséria que criou. Se a comparação for feita corretamente (22,77% em 2005 contra os 26,72% que herdou de FHC) o sucesso de Lula, medido em pontos de percentagem, cai para 3,95 pontos de percentagem e não os acima mencionados 5,4. Ou seja, o êxito de FHC foi reduzir a miséria em 3 anos em 6,52 pontos de percentagem contra os 3,95 pontos de percentagem de Lula. Ou seja, o número de miseráveis que deixaram de sê-lo no período FHC foi 65% superior ao número de Lula.

O trabalho completo da equipe da FGV contém ainda muitos outros resultados interessantes: mostra que o sucesso de FHC em reduzir a miséria é maior do que o de Lula em qualquer que seja a comparação (misérias rural, urbana e metropolitana). Mostra ainda um resultado pouco explorado que usa a metodologia de Amartya Sen, prêmio Nobel de economia, para medir o índice de bem estar. Novamente o sucesso de FHC é bem superior ao de Lula. No mesmo período anteriormente utilizado, durante os 3 primeiros anos do governo FHC o índice de bem estar aumentou em 35,96 enquanto o durante os 3 primeiros anos de Lula apenas 15,2. Ou seja o sucesso de FHC em termos de bem estar foi mais do que o dobro do sucesso de Lula.

É interessante que examinemos as causas do sucesso de um e de outro. O sucesso de FHC se deve ao fato que ele estabilizou a economia matando o dragão da inflação o maior responsável pela deterioração da renda dos mais pobres. Mas não ficou nisso; passado o primeiro momento de ajuste das contas públicas criou vários programas sociais que elevaram bastante as transferências de renda para os mais pobres: Lei Orgânica de Assistência Social,(LOAS), Fundef (Fundo de desenvolvimento do ensino fundamental), Pronaf (Programa nacional de agricultura familiar), Bolsa Escola Federal, Bolsa Alimentação, Saúde da Família, e aumento do número de assistidos no tratamento da AIDS, são os programas criados por FHC.

O que fez Lula: tentou criar o programa Fome Zero e o primeiro emprego. O fracasso de suas duas únicas iniciativas é público e notório. Frente a isso Lula deu prosseguimento aos programas sociais de FHC, unificando-os sob o título de bolsa família e ampliando o número de cadastrados (o que havia sido iniciado por FHC e estava sendo continuado e continuou com Lula). No âmbito econômico continuou com a política de FHC de manutenção da estabilidade da moeda e de responsabilidade fiscal.

Insistindo, tudo que Lula fez foi dar continuidade à política econômica e social de FHC. Ainda bem. Se fizesse o que anunciava e o que os petistas pregavam o Brasil estaria quebrado e a miséria aumentada. Diferentemente do que diz Lula nada do que está aí é foi por ele criado. É apenas apropriação indevida. Precisamos agora de nova onda de criatividade para crescer, distribuir renda e reduzir a miséria, e a equipe de Lula está longe de ter competência para isso.

Author: Simon Schwartzman

Simon Schwartzman é sociólogo, falso mineiro e brasileiro. Vive no Rio de Janeiro

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