Meu texto sobre o “Milagre da Tecnologia” recebeu apoios e críticas igualmente calorosas. Deixando de lado os apoios, além dos comentários postados no blog, Lea Velho diz concordar com as observações de Paulo Ferraz, e acrescenta: “nao sou ingênua de achar que a tecnologia resolve os problemas da educação (há muitos anos eu estudo tecnologia pra achar isso…), mas acho fundamental esses alunos todos terem contato e acesso à tecnologia; hoje aos computadores e amanhã, aos tablets, por que não? Não melhora o desempenho escolar? não é surpresa, até porque desempenho é ainda medido por indicadores convencionais que não conseguem captar os tipos de habilidades que se desenvolve com o uso do computador. Mas sem dúvida pode ser usado para aprender até as disciplinas convencionais. Será que eu nao entendi seu argumento ou vc está mesmo questionando que o governo adote essa política de acesso a computadores?”
Eduardo Chaves também comparte, em comentario postado em seu blog, a idéia de que os computadores podem não ser adequados a formas de conhecimento típicas do ensino convencional,centrado no professor, mas favorecem a educação centrada no aluno, e aí estaria justamente sua grande vantagem. Segundo ele, “as inúmeras pesquisas que mostram que computadores não ajudam os alunos a aprender melhor os conteúdos disciplinares que a escola insiste em lhes transmitir estão absolutamente certas, porque os alunos (corretamente, diga-se de passagem) não estão interessados em aprender isso. Mas os computadores podem nos ajudar a transformar a educação e a reinventar os ambientes de aprendizagem”.
Eu sou um entusiasta dos computadores desde criancinha, e tenho apoiado e acompanhado com muito interesse as iniciativas de Claudia Costin à frente da Secretaria Municipal de Educação no Rio de Janeiro, em um grande esforço para revolucionar a educação da antiga Cidade Maravilhosa. Assim, concordo plenamente com Paulo Ferraz quando diz que “não acredito que simplesmente o uso da tecnologia (computadores, laboratórios de informática, quadros interativos, etc.) resolvam o problema da educação. MAS achar que NÃO se deve se valer e experimentar com ‘tecnologia’ e ‘inovação’ ‘porque a área de Educação é diferente’ é um erro, a meu ver, tão grande quanto achar que a tecnologia resolve tudo.” E não tenho porque duvidar da afirmação de Rafael Parente de que, no Rio de Janeiro, “nós não estamos chegando a decisões sem o suporte de pesquisas sérias – no campo e internacionais. Não estamos deixando os difíceis processos de organização, planejamento, estudo, trabalho e investimento de lado”, e acrescenta: “o professor não será substituído e não estamos deixando de investir em capacitações – uma coisa não precisa excluir a outra, como você e outros às vezes parecem crer”. Minha única dúvida em relação à Secretaria Municipal é se ela não está abrindo frentes demais ao mesmo tempo, e fico aguardando com muito interesse os dados das pesquisa a respeito que a Secretaria deve divulgar.
Nada disto impede que eu veja com ceticismo o lançamento de um programa generalizado de um computador por aluno, que pode até ser bem aproveitado no Rio de Janeiro e em algumas outras partes, mas muito provavelmente não o será pelo país afora. Claudio de Moura Castro, outro entusiasta de computadores desde criancinha, em um trabalho a sair a Revista “Ensaio” que pode ser baixado aqui, dá um quadro bastante rico das possibilidades e limitações dos usos das novas tecnologias na educação, e resume desta forma o que se sabe sobre as políticas de um computador por aluno:
“Um computador por aluno (One Laptop Per Child ou OLPC) é a nova mantra. Mas o avanço é lento, apenas um estado [nos Estados Unidos] implementou (Maine). Começam a aparecer as primeiras avaliações dessa política. Não se observou necessariamente aumento no rendimento escolar. Se a escola se prepara para usá-los, se há empenho das equipes, os resultados tendem a ser positivos. Mas há dados para dizer que só implementar OLPS não traz avanços no aprendizado. Como os professores têm alto grau de controle sobre o que acontece na aula e sobre a forma de usar os computadores, muito depende deles. De fato, ter mais computadores na aula não muda a equação sociológica que engendra o bloqueio de usos mais intensos e mais interessantes, tal resultado poderia ser esperado. ”
O que nos leva à questão mais fundamental, me parece, que é o contraste entre o ensino convencional, com o professor ensinando e os alunos aprendendo nas escolas, e o ensino “de ruptura”, centrado no aluno. Os resultados do PISA não deixam dúvida de que os melhores resultados educacionais aos 15 anos são os dos países que adotam a educação convencional – e sobretudo os países asiáticos como Shanghai, a nova estrela internarcional da educação, Coréia, Japão. Na América Latina, o melhor sistema educacional é o de Cuba, de longe. Há muito o que criticar na ridigez extrema de algums destes sistemas e de como eles podem estar afetando a criatividade dos jovens, problemas que países como Finlândia, Canadá e Austrália conseguem evitar. Mas todos estes sistemas são fortemente centrados na qualidade dos professores, em currículos bem definidos e altas expectativas de desempenho para os alunos. Me parece extremamente arriscado, para um país como o Brasil, adotar a idéia de que todo este ensino convencional, que nunca chegamos a ter, deve ser jogado fora, e substituido por uma promessa futura de uma educação administrada individualmente por cada aluno através das novas TICs.
Paulo Ferraz explica, em seu comentário, a idéia das “rupturas” trazidas pelas novas tecnologias, e dá o exemplo da educação mais avançada em inglês, que as escolas convencionais não conseguem proporcionar, mas que poderia ser disponibilizada para os alunos através das novas tecnologias de informação e comunicação. Nada contra, muito pelo contrário quanto às “rupturas” que abrem novos espaços e novas possibilidades. Elas são para o filé mignon que precisamos ter, mas sem dispensar o feijão com arroz que sustenta o resto, e desde que não se pense isto nos vai dispensar de ter melhores professores, currículos bem definidos, avaliações e cobrança de resultados nas escolas. Se isto for feito com o apoio de novas tecnologias transmitindo conteúdos, abrindo espaço para pesquisas, estimulando interações e introduzindo novas pedagogias, tanto melhor.
Caro Simon,
como de hábito, admiro tuas idéias e aprendo com elas. Também sou entusiasta da informática e usuário quase de primeira hora de microcomputadores. Acrescento apenas um argumento aos que você bem apresenta em tua réplica/autocrítica.
A idéia de uma espécie de “revolução educacional” ancorada no aprendizado protagonizado pelos aprendizes, proporcionado pelo uso de tecnologias, como sugere o comentário de Eduardo Chaves, me parece um tanto açodada. Não temos experiência suficiente com as gerações expostas ao boom da informática para chegarmos a conclusões tão convictas.
Meu filho adolescente se pendura no computador, em video-games e em séries de TV. Raramente estuda, mas vai muito bem na escola. Tem uma fluência em inglês que, certamente, não foi adquirida no IBEU, mas nesses veículos. Duvido que tivesse tal fluência sem a estrutura da língua advinda do curso formal.
Fomos à exposição sobre Einstein, no Museu Histórico, e fiquei chocado com o muito que ele sabia sobre a física desenvolvida pelo cientista. Não foi na escola que aprendeu nada disso (pois ainda não chegou lá). Literatura para-escolar, curiosidade na internet e The Big-Bang Theory (um seriado) fizeram o serviço. Duvido que tivesse tal conhecimento sem a capacidade de ler e interpretar bem, desenvolvida na escola.
Penso que nossos maiores problemas educacionais estão muito aquém de algo que pudesse ser tratado com microinformática. Infelizmente, o buraco parece estar muito abaixo.
Não defendo que primeiro alcancemos uma boa escola dos anos 50, para então cogitarmos desses dispositivos, mas me preocupo com iniciativas imensas, de impacto incerto, que potencialmente rivalizam com outras, mais tradicionais, cujos resultados são razoavelmente conhecidos. Sistemas educacionais bem sucedidos enfatizam aspectos que podemos chamar tradicionais do ensino e miram na aprendizagem como objetivo central.
Abs,
Marcio da Costa
UFRJ/FE/PPGE
GESED – Grupo de Estudos dos Sistemas Educacionais
Só quem está muito distante da realidade diária nas escolas públicas não é capaz de ver que precisamos de
qualidade dos professores, de currículos bem definidos e de altas expectativas de desempenho para os alunos, inexistentes na maioria das escolas.
Enquanto decisões forem tomadas de gabinetes, de academias, distantes mesmo do cerne da questão, vamos continuar sem mudanças significativas.
A partir de minha experiência individual acho que a noção de centrar o processo no aluno depende da qualificação do professor, até mais do que no ensino convencional, do contrário se arrisca a virar um exercício de faz de conta.