Ainda sobre a educação e o dinheiro

O projeto da Secretaria de Educação de São Paulo de introduzir um sistema de incentivo financeiro para escolas que conseguirem melhor o desempenho de seus alunos levantou uma grande discussão, parte dela refletida neste blog. Creio que os pontos principais da discussão são os seguintes :

Como medir os resultados, e que resultados recompensar? Esta é sobretudo uma questão técnica, e acredito que a proposta da Secretaria está bem encaminhada neste sentido. Haveria uma escala de competências de três ou quatro níveis, todos eles facilmente inteligíveis para professores e pais de alunos: por exemplo, os que não conseguem ler, os que lêem de forma mecânica sem entender, os que lêem e entendem mas não conseguem interpretar o texto, e os que lêem, entendem e interpretam. Seriam premiadas as escolas que, entre uma avaliação e outra, conseguirem que um determinado numero de alunos passem de um patamar a outro, sem aumentar a evasão ou a repetência. Ainda não está claro, para mim, como se combinariam os desempenhos em português e matemática e mais os dados de evasão e repetência, em um único índice de desempenho. Talvez a melhor maneira fosse usar o índice para ver o conjunto, mas divulgar não um número abstrato do índice de cada escola, mas os resultados separados de cada dimensão. Uma outra questão técnica é como medir as competências, e como ir aperfeiçoando os sistemas de avaliação.

Qual o efeito da remuneração por desempenho no trabalho dos professores e no funcionamento das escolas? Felipe Schwartzman, no seu comentário, indica duas objeções que se fazem normalmente a este tipo de política. A primeira é que, como a avaliação está limitada a coisas mensuráveis, isto levaria a uma concentração exclusiva da escola na preparação para os testes, deixando de lado outras disciplinas e conteúdos que não estão sendo avaliados. Uma primeira resposta a esta objeção é que se nossas escolas públicas somente ensinassem português e matemática a seus alunos, e nada mais, já seria uma maravilha. A segunda, mais complexa, é que na verdade não há como avançar muito no desenvolvimento da leitura e da matemática se a educação não for rica em conteúdos que os estudantes possam absorver e entender. O problema fundamental nos anos iniciais das escolas públicas brasileiras é o número enorme de estudantes que permanecem como analfabetos funcionais, o que pode ser corrigido pelo uso correto de métodos fônicos de alfabetização e materiais pedagógicos de apoio de qualidade. A partir daí, no entanto, passam a ser importantes os conteúdos. Uma escola que se concentrasse exclusivamente na preparação para os testes não iria muito longe.

A segunda critica é que metas quantitativas, associadas a recompensas financeiras, estimulariam entre professores e alunos o surgimento de comportamentos oportunistas para enganar o sistema, e substituiriam o valor da educação enquanto tal por valores mercantilistas. Sem dúvida, qualquer sistema de avaliação, sobretudo quando associado a prêmios e punições (o que em inglês se denomina “high stakes”), estimula comportamentos oportunistas, como treinar os estudantes para as provas, eliminar da escola os de pior desempenho, e até mesmo colar e falsificar os resultados. Mas estes comportamentos oportunistas podem ser controlados em certa medida, punindo, por exemplo, as escolas que reprovam ou forçam a saída dos alunos de pior desempenho. A pergunta, aí, é o que é preferível, um sistema bem avaliado e sujeito a este tipo de problemas, ou um sistema sem avaliação, mas cujos resultados agregados são reconhecidamente desastrosos.

Tenho dúvidas, também, se existe esta oposição tão forte entre os valores da educação e os valores do mercado como dizem. Todos sabemos que os mercados, muitas vezes, buscam o dinheiro em detrimento da qualidade, com programas de auditório tomando o lugar dos concertos, os livros de auto-ajuda substituindo os de literatura, e os hamburgers substituindo a cozinha sofisticada. Mas existem também mercados de qualidade, e os bons profissionais – músicos clássicos, escritores e chefs – são valorizados e ganham dinheiro pela competência e qualidade com que trabalham. O problema não é, me parece, o da oposição entre atividades “nobres” e fora do mercado e atividades prostituídas pelo mercado (coisa que elaborei no blog anterior) mas entre mercados que estimulam bons resultados e os que não o fazem. O mercado da educação, deixado por ele mesmo, tende a se segmentar entre os dois extremos, o da oferta barata de títulos vazios e o da oferta de títulos e qualificações muitas vezes sobre-valorizadas, e isto ocorre tanto entre as instituições públicas quanto entre as privadas. Dai a necessidade de políticas públicas claras de sinalização.

Finalmente, Márcio da Costa coloca a questão de como valorizar a atuação de escolas que, embora sem resultados visíveis em termos de desempenho escolar, conseguem outros objetivos importantes, como criar um ambiente sadio e de inclusão para seus alunos. O que me parece é que uma escola que faz isto não é, na realidade, uma escola, mas um outro tipo de instituição. Escolas são instituições que ensinam um conjunto limitado e importante de coisas, e não se deve pedir a elas mais do que elas podem ou devem fazer. Existe uma tendência a querer que as escolas resolvam todos os problemas que a sociedade tem e não consegue resolver – ontem mesmo havia um deputado propondo a obrigatoriedade do ensino de comportamento no trânsito nas escolas, para reduzir o nível de acidentes. Com isto, a escola não cumpre seu papel, e a sociedade deixa de buscar estes outros objetivos pelos meios apropriados. A instituição descrita por Márcio merece todo o apoio, mas, para ser escola e ser reconhecida como tal, os alunos têm que aprender.

Author: Simon Schwartzman

Simon Schwartzman é sociólogo, falso mineiro e brasileiro. Vive no Rio de Janeiro

5 thoughts on “Ainda sobre a educação e o dinheiro”

  1. Olá, professor Simon! Esse debate é interessante, sobretudo sobre os comportamentos oportunistas e o papel da escola. Mas eu já não estou tão animada quanto antes para falar sobre educação: saí de sala de aula no ano passado e não estou querendo retornar, pelo menos não por enquanto…

  2. Estimado Simón

    Gracias por el interesante material que has incluido en el Blog en relación al proyecto de la Secretaría de Educación de San Pablo. Algunos comentarios me recuerdan lo que ha sucedido con Chile: el complejo diseño de algunos sistema de pago por mérito hizo que los docentes de las escuelas premiadas no supieran los motivos por los que los estaban premiando. Es decir, no sabían qué es lo que habían hecho bien para merecer el incentivo. Esto último, para las políticas públicas, es un problema, porque el desconocimiento de las razones del pago por mérito, impide que éste se replique. Es decir, la mejora en los resultados es azarosa : si recibo un premio pero no me dicen por qué o qué es lo que hay que hacer para obtenerlo nuevamente, estoy en un problema….

    Cuba es un caso interesante para estudiar. Ellos resuelven los problemas que describe María Helena más fácilmente: corren al docente del aula y lo mandan a hacer otras tareas. , Ellos pueden porque son Cuba. Pero no dan premios (ni castigos monetarios).

    Respecto de Brasil, creo que lo más cauto será observar la experiencia, ver su diseño. Me parece que habría que ver con detenimiento el tema de la responsabilidad el Estado en la calidad del servicio. Porque los incentivos son una forma de reconocimiento del Estado de que éste no puede hacer nada para mejorar la calidad, entonces, descansa en lo que los docentes puedan hacer ellos mismos: si les sale bien, tendrán más dinero, si no todo seguirá como antes….

    Abrazo y gracias nuevamente por mantenerme informada

    Denise

  3. Simon
    Acho de grande interesse a idéia da aplicação de incentivos na escola. Entretanto, ganhos também podem ocorrer se houver uma redução dos incentivos negativos representados pelas oportunidades dos professores de faltar, tirar licenças, chegar atrasado e encurtar as horas de aula. Além disso, a carreira de professor tem como um dos atrativos a aposentadoria precoce ( 25 anos) para a mulher e o emprego oferece estabilidade para os concursados (se bem que para evitar os custos da estabilidade as redes de ensino costumam usar subterfúgios, como contratos temporários). Portanto, os comportamentos negativos são estimulados por regras fixadas em leis. É difícil definir se os incentivos positivos poderão ter um impacto perceptível reduzindo os efeitos desses incentivos negativos. Mas reduzi-los diretamente deve provocar resultados sistêmicos apreciáveis.
    Outra questão é o vezo que temos de aplicar inovações educacionais sem haver uma experimentação que as fundamente melhor. Neste caso, embora desconheça a formulação adotada em São Paulo, questões como o tempo de duração do bônus, o valor do bônus, as melhorias que fazem jus aos bônus são questões empíricas cujas respostas são difíceis de serem antecipadas. Mexer num sistema grande e complicado, como a rede estadual paulista, sem ter experiências que ajudem a definir o conteúdo empírico das medidas pode trazer os resultados que todos nós queremos, mas os custos podem ser exorbitantes.

  4. Apesar desta análise proporcionada por Simon Schwartzman, ainda fico na posição de certa desconfiança histórico-cultural: resultados, premios e punições são assimiláveis em nossa tradição social?

    Primeiro, os resultados sempre dependerão, ao que parece, dos sujeitos que os produzirão. Ainda não está claro se estamos com o quadro que estamos exclusivamente pela falta de estímuulo, pela qualificação dos docentes, pela política salarial ou porque nesta profissão não se exige muito ou não a caracterizamos. Bom e maus profissionais estão em todo lugar. Me parece que nas escolas, maus profissionais, não perdem o emprego, por exemplo e ninguem sabe exatamente quando são prejudiciais ao próprio sistema e à sociedade. Lembro a postura assumida pelos professores e dirigentes sobre a promoção automática, associada a uma distorção teórica sobre os tempos de aprendizagem das crianças. Prêmios, nem sempre estão associados a desempenho e a presença de indicadores não traz garantia nenhuma de que serão assegurados com alguma “justiça”, realmente por mérito. Lembro no que está se tornando o “mercado” QUALIS na ciência acadêmica e a forte evidência de que sempre haverá um compadrio em posição estratégica para amenizar dados não aceitáveis sobre um fator ou outro. Punições, em nosso país? quem acredita nelas? Me parece que estão associadas “ao lado mais fraco da corda”.

    Gostaria que entendessem este comentário longe da descrença na iniciativa, mas acreditar que um sistema educacional poderá ser ajustado a partir de dados estatísticos e indicadores – sei não! – talvez estejamos ignorando a imprevisibilidade do fator humano ou reduzindo-o. O mérito da proposta está em ter uma alternativa concreta, coisa que nossas inteligências pouco produzem ou se dedicam, mas converter-nos a rankings não penso que seja uma saída “à brasileira” adequada. Concordo com o que parece bom e o que não parece destacados por Simon, mas continuo com as objeções apresentadas por Felipe Schwartzman e Márcio Costa (não é tomar partido, mas não repetir o já dito).

  5. O debate sobre a premiação monetária por desempenho do alunado, sem dúvida, envolve questões polêmicas e controvertidas. Todavia, expõe uma das principais dificuldades dos gestores da educação pública: como fazer que os professores se motivem para o trabalho educativo? Como fazer com que tenham em vista a aprendizagem e o sucesso escolar do aluno? È claro que existem professores que fazem isso diariamente, mas, a julgar pelos resultados, não é um comportamento generalizado. Prevalece a falta de compromisso, expresso no absenteísmo, nas licenças médicas gratuitas, no não cumprimento de carga-horária e do conteúdo programático. Pesquisas sobre desempenho de professores que atuam na rede pública e na rede privada constatam condutas e práticas distintas do mesmo agente numa e noutra rede. Diante disso, o que fazer? Não há educação sem professores, portanto, cumpre implementar medidas que os estimulem. Acredito que melhor esse incentivo aos “produtivos” do que a premiação à desídia, realizada, continuamente, com o pagamento de salário igual para desempenhos distintos. Portanto, está de parabéns a Secretaria de Educação paulista. Espero que consiga superar as dificuldades, aperfeiçoando o sistema.

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