Meu texto sobre o programa “Pé de Meia” do Ministério da Educação, pelo qual os estudantes de baixa renda no Ensino médio receberão um estímulo financeiro para continuarem estudando, provocou diversas discussões e questionamentos, que não pretendo rebater aqui. É importante que o tema seja debatido, não tenho mais o que dizer além do que escrevi, e não sou dono da verdade.
No entanto, gostaria de esclarecer alguns pontos e trazer alguns dados que não caberiam em um artigo de jornal. Eu citei, no texto, os trabalhos sobre fluxo escolar feitos por Fletcher, Costa Ribeiro e Ruben Klein da década de 80 (Fletcher 1984; Klein and Ribeiro 1991) que mostraram que, ao contrário do que se pensava até então, o problema da educação brasileira não era de abandono, mas de repetência, e algumas pessoas comentaram que estes dados dos anos 80 poderiam não ser mais válidos hoje. O que eles mostraram, olhando as estatísticas de idade e série, é que poucas crianças abandonavam a escola no ensino fundamental, mas muitas repetiam o ano, e com isto o número de matriculados na 2ª série, por exemplo, era bem menor do que na primeira, dando a impressão falsa de que muitos haviam abandonado. A diferença entre aquela época e hoje é que, graças em parte a estes estudos e a crítica à “pedagogia da repetência”, não se reprova mais as crianças da mesma forma que antigamente, e o fluxo escolar é mais regular. Hoje sabemos que reprovar a criança não faz com que ela aprenda mais, e pode contribuir para que ela se aliene da escola e acabe abandonando quando mais velha. Mas é claro que simplesmente passar de ano não resolve o problema da aprendizagem. Os dados da tabela abaixo, da PNAD contínua de 2021 (que tem informações sobre renda familiar) mostram que as crianças de famílias mais pobres podem tardar um pouco mais para entrar na escola, mas, a partir dos 9 anos, praticamente todos estão estudando.
O quadro seguinte dá a proporção dos que não estudam por nível de renda e idade, entre 15 e 23 anos. Este quadro, me parece, mostra algumas coisas importantes. A primeira é que o abandono escolar ainda é reduzido até os 16 anos, e aumenta rapidamente a partir dos 17. A segunda é que a renda familiar só começa a fazer diferença aos 17 anos, e se acentua sobretudo a partir dos 19. Para as faixas de renda mais altas, a percentagem de jovens fora da escola diminui a partir dos 18 anos. É como se muitos fizessem uma pausa ao final do ensino médio, mas depois retomassem o estudo em nível superior, o que não ocorre com os mais pobres.
O quadro abaixo dá a situação de estudo dos jovens aos 17 anos. O que se observa é que a proporção que já não estuda não varia muito por faixa de renda, mas sim a dos que estão atrasados, que atinge não só os mais pobres, mas todas as faixas de renda até 2 salários mínimos per capita.
A questão é quanto que o abandono pode ser revertido com um subsídio. Houve quem observasse que o subsídio, que pode chegar a quase 10 mil reais em três anos, é substancial, e pode fazer uma grande diferença para pessoas de renda mais baixa. Outros observaram que, mesmo que o curso seja ruim, o jovem esteja atrasado em seus estudos, e não consiga acompanhar as aulas, é sempre bom que ele vá à escola, pelo que pode ganhar pela convivência e por se manter ocupado. Tudo isto é certo. O outro argumento a favor do subsídio é que ele poderia garantir a frequência, e com isto reduzir o risco de abandono.
Mas, por outro lado, existe a pressão da idade que começa a atuar fortemente aos 17 anos e expulsa os jovens que estão defasados ou desestimulados, e não é certo que um estímulo financeiro de 200 reais mensais, e a promessa de 3 mil reais alguns anos depois, possa realmente fazer muita diferença. E existe o risco de que o subsídio acabe sendo capturado justamente pelos jovens que estejam bem ajustados aos estudos e precisem menos dele.
No texto eu sugeri que estes recursos poderiam ser mais bem utilizados para reduzir o número de matrículas de ensino médio nos cursos noturnos. Não consegui este dado, que o INEP deixou de divulgar, mas penso que em muitos lugares só existem cursos médios noturnos, utilizando as instalações usadas durante o dia pela educação fundamental. Transformá-los em cursos diurnos requer investimentos significativos em edifícios, instalações, professores, e subsídios para estudantes mais velhos que precisem trabalhar, e para os quais uma bolsa de 200 reais ao mês não resolve a vida.
Referências
Fletcher, Philip Ralph. 1984. Primary school repetition : a neglected problem in Brazilian education : a preliminary analysis and suggestion for further evaluation. Stanford, CA: Stanford University.
Klein, Ruben, and Sérgio Costa Ribeiro. 1991. “O censo educacional e o modelo de fluxo: o problema da repetência.” Revista Brasileira de Estatística 52(197):5-45.