História em Construção
Texto de João Luiz Sampaio publicado em O Estado de São Paulo, 12 de março de 2021
Em novo livro, Simon Schwartzman articula memórias pessoais e a busca por novos caminhos para o Brasil
Uma mensagem levou Simon Schwartzman até a Polônia. A remetente, Vera Ejlenberg, realizava pesquisas sobre o rabino Chaim Radzyner, e buscava informações. Schwartzman reconheceu o nome do bisavô de sua mãe. E, em meados de 2019, partiu para a Europa, onde participou de um encontro por conta dos 75 anos da destruição do gueto da cidade de Lodz.
“Eu tinha poucas informações sobre a história da família de minha mãe. Ela dizia que todos haviam morrido durante a guerra. A viagem me colocou em contato com outros lados dessa história. E com um lado que não é o meu único, mas que com certeza é importante na minha trajetória”, conta o sociólogo e cientista político.
Não apenas isso. “Estar ali reviveu a presença da guerra, do Holocausto, da resistência. Não era nada que eu não soubesse, mas foi uma experiência forte, de impacto muito grande.” E, de volta ao Brasil, Schwartzman começou a trabalhar em um livro de memórias, Falso Mineiro: Memórias da Política, Ciência, Educação e Sociedade, que será lançado na quarta-feira, dia 17, com uma live que vai reunir, além do autor, Pedro Malan e Helena Bomeny, com mediação de Roberto Feith, editor do selo História Real, da Editora Intrínseca.
É com o relato da viagem a Lodz que Schwartzman, colunista do Estadão, abre sua narrativa. Mas a lembrança pessoal convive no livro com a preocupação em discutir temas da história brasileira. “O objetivo foi ir além das memórias pessoais, ou seja, utilizar a trajetória pessoal para discutir questões atuais”, explica o autor, que as define no início da obra: política e autoritarismo; modernidade e democracia; conhecimento, ciência e tecnologia; ciência e ideologia; educação e diversidade; sociedade e economia.
São temas presentes desde cedo em sua trajetória profissional. Formado pela Universidade Federal de Minas Gerais, Schwartzman fez seu mestrado na Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais, no Chile. E, na Universidade da Califórnia, em Berkeley, o doutorado. Deu aulas em instituições como a USP e na Universidade de Columbia, entre muitas outras.
Ele se envolveu em diversos episódios da história brasileira. Foi preso e interrogado durante 40 dias em 1964 pela ditadura militar, que não sabia bem que acusações impor contra ele – e resolveu exilar-se na Noruega, seguindo depois para a Argentina. A carreira pedagógica e voltada à pesquisa, a certa altura, o levou também a ocupar posições como a de presidente do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e do Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade. E, ao longo de todo esse tempo, produziu obras fundamentais para a compreensão do País, a começar por Bases do Autoritarismo Brasileiro, livro que nasce de sua tese de doutorado.
Nele, como o próprio Schwartzman explica, buscava mostrar como “o sistema político não era mero instrumento dos interesses dos ricos e poderosos, tendo uma dinâmica própria que precisava ser mais bem entendida”. “A espinha dorsal de meu livro era a de que no Brasil coexistiam duas formas de dominação: uma de tipo patrimonial, herdada da Coroa portuguesa e que nunca dependeu de poderes feudais para existir, consolidando-se na capital do País, o Rio de Janeiro; e outra, de tipo mais contratual, originada da parte mais dinâmica e autônoma da economia, baseada sobretudo em São Paulo. Daí o fato de uma das teses mais controvertidas e questionadas do livro ser a de que, no Brasil, o centro do poder econômico sempre teve uma posição relativamente subordinada, e por isso conflituosa, com o centro político.”
Não é pouco mérito o fato de que, em Falso Mineiro, a memória dos trabalhos acadêmicos e pesquisas realizadas e a lembrança de episódios pessoais sejam narradas com a mesma clareza e sabor. “Eu aprendi com o tempo que, se você não entende algo ao ler, a culpa é de quem escreveu. Há temas complexos, sem dúvida, e textos de caráter mais técnico, mas se você não tem clareza normalmente é porque as ideias não estão claras”, diz. E o livro, nessa combinação de narrativas, torna-se não apenas o registro de uma memória individual, mas da tentativa de criação de uma ideia de país.
A live de lançamento do livro terá como tema “Populismo vs. Ciência: o desafio da construção de políticas públicas eficazes”. É um assunto do qual ela trata bastante ao longo de Falso Mineiro. Por exemplo, ao definir a importância da separação entre atividade científica e atividade política. “Na faculdade, em Belo Horizonte, nossa preocupação era como sair do atraso, buscar caminhos distintos foi uma motivação de toda a minha geração que, claro, seguiu orientações diferentes. No ambiente estudantil, conhecimento e militância eram a mesma coisa. Mas, com o tempo, aprendi que a política condiciona e limita a capacidade de atuar de forma independente.”
Para ele, não se trata de falta de engajamento, mas de outra definição para o termo. “Eu me engajei muito, briguei pelos temas que acreditava serem importantes, eu me envolvi com eles. Mas sempre mantendo uma independência, sem servir a conveniências políticas.”
Reflexões como essa se tornam importantes em especial no momento em que vivemos. “É uma situação anômala, de um governo anti-intelectual. Há um ataque contra a educação, a cultura, a democracia, e isso dificulta a discussão nessas áreas. Porque elas precisam ser discutidas, são problemáticas. Não concordo com a ideia de que antes tudo funcionava bem. Mas a discussão sempre girou em torno de como melhorar esses aspectos e não em torno do próprio questionamento de sua existência.”
Para Schwartzman, há uma nova geração interessante na ciência brasileira. Mas é preciso pensar em novos caminhos, em especial no que diz respeito à “fuga de cérebros”. “Houve um período de expansão na ciência acadêmica. As universidades públicas cresceram e, com isso, muitas posições e cargos foram criados. Um jovem brasileiro, após ir para o exterior, com bolsas como Capes e CNPq, voltava e encontrava posições. Mas a ciência acabou ficando muito fechada no mundo acadêmico e, depois de o sistema crescer, já não consegue absorver todos os profissionais. A questão hoje é pensar sobre como fazer ciência de maior qualidade e mais efetiva, menos voltada para si mesma. E como vincular a ela questões mais práticas, algo que envolve tanto a iniciativa privada quanto o governo”, explica.