Bolivar Lamounier: Nau Sem Rumo

Comparto o artigo de Bolivar Lamounier publicado no O Estado de São Paulo, 20 de maio de 2017, sobre a crise atual e a questão do sistema partidário e eleitoral:

Mais uma vez, nau sem rumo

Em 1985 apresentei à Comissão Afonso Arinos, da qual fazia parte, um diagnóstico da estrutura partidária brasileira. No ano seguinte a Editora Brasiliense publicou esse texto como um livrinho, intitulado Partidos Políticos e Consolidação Democrática: o Caso Brasileiro.

Meu argumento era mais enfático, mas no essencial não diferia do antigo entendimento de que o Brasil não chegara a formar um sistema de partidos à altura de suas necessidades. Em perspectiva histórica e comparada – escrevi logo na primeira linha –, o Brasil é um caso notório de subdesenvolvimento partidário. O resultado de nossa descontínua história partidária, com poucas exceções, fora uma sucessão de sistemas frágeis e amorfos. E fui mais longe, afirmando que uma estrutura mais forte dificilmente se constituiria a partir de uma organização institucional que combinava o regime presidencialista com a Federação, um multipartidarismo exacerbado e um sistema eleitoral individualista, frouxo e permissivo. Para que a redemocratização chegasse a bom porto era, pois, imperativo adotar outro conjunto de incentivos, entre os quais o voto distrital misto.

A tese acima exposta não se firmou. Poucos anos mais tarde o meio acadêmico acolheu um entendimento precisamente oposto. Nossos partidos e balizamentos institucionais seriam perfeitamente adequados e não seria exagero dizer que se incluíam entre os melhores do mundo. Não representavam nenhum risco para a estabilidade democrática, muito menos para a governabilidade – ou seja, para a desejada eficácia na condução dos programas de governo. A tese da fragilidade partidária não passaria de um mito.

Relembrar essa discussão no momento atual é um exercício surrealista. Quem tem olhos de enxergar sabe que praticamente todos os partidos couberam no bolso de duas empresas, a Odebrecht e a JBS. Sabe que as duas não apenas obtinham quando queriam as leis e medidas provisórias (MPs) de seu interesse, como – e isto é muito mais importante – fábulas de dinheiro no BNDES, como viria a ocorrer no transcurso dos governos Lula e Dilma. As cifras, que à época o País desconhecia, eram (são) estonteantes. Ou seja, o cartel das empreiteiras, Eike Batista e os irmãos Joesley e Wesley mandavam muito mais do que centenas de deputados eleitos pelo voto popular. Em 2010, três grandes eleitores – Lula, Marcelo Odebrecht e o marqueteiro João Santana – substituíram-se à grande massa votante e enfiaram Dilma Rousseff pela goela abaixo dos brasileiros. O quadro acima se alterou graças a dois fatores principais: o instituto da delação premiada e a circunstância até certo ponto fortuita de o “mensalão” ter caído nas mãos de Joaquim Barbosa e o “petrolão”, nas do juiz Sergio Moro.

Como bem mostrou Fernando Gabeira no Estadão de ontem (19/5), o que ruiu não foi um ou outro partido, mas todo o sistema: “Todo o esquema político-partidário estava envolvido, por intermédio de suas principais siglas. A delação da JBS apenas confirmou o processo de decomposição irreversível” (grifo meu). Mais adiante, Gabeira pergunta se não será o caso de esquecermos a ideia de partido e passarmos a pensar em “movimentos”. Não sei o que isso significa, mas aqui já me afasto dele. Como também me afasto de toda cogitação sobre “democracia direta”, “conselhos populares” e assemelháveis. A democracia representativa é o único modelo sério e consistente de democracia que a História produziu e os partidos lhe são essenciais.

Admito, porém, que a “decomposição” a que Gabeira se refere já não pode ser resolvida por meio de uma reforminha política qualquer, como essas que o Congresso propõe um ano sim e o outro também, creio que com o saudável intuito de divertir a imprensa. O “povão” – aquele sempre acusado de “não saber votar” – não tem nada que ver com isso. Se o que lhe dão é o paternalismo do Bolsa Família, ele vota para mostrar gratidão pelo que lhe deram, e interesse em continuar recebendo tais migalhas.

O buraco é mais em cima. É a desorientação mental e política que grassa entre as “elites”, ou seja, entre os 20% mais escolarizados, com mais acesso à informação e de renda mais alta. No dia 29 de abril, milhões de brasileiros observaram, pasmos, a vetusta Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) apoiar a contrafação de “greve geral” imposta ao País pelas centrais sindicais. Destas, realmente, é pouco o que se pode esperar, mas a CNBB tem o dever de expressar pelo menos os anseios da parcela católica da sociedade. Não creio que uma ação daquela ordem, baseada na supressão violenta do direito de ir e vir e em depredações, esteja entre tais anseios. Nas universidades e até no ensino médio, uma grande parte – talvez a maioria – dos docentes e discentes parece aferrada a chavões ideológicos decididamente peremptos.

Aí, a meu ver, é que está a raiz do problema. Podemos mudar as regras eleitorais quantas vezes quisermos, mas não sejamos ingênuos: não iremos a lugar algum se as elites dos diversos setores não assumirem suas responsabilidades. A referência que fiz acima à eleição de 2010 ilustra bem o que estou tentando dizer; com uma elite dessa ordem, incapaz de enxergar a trama urdida por três grandes eleitores, o Brasil não reencontrará o caminho do desenvolvimento econômico e político. Permaneceremos na condição de uma nau frágil, açoitada de quando em quando por violentas ventanias, por crises pré-fabricadas, desperdiçando o escasso tempo de que dispomos para aumentar a renda nacional e melhorar nossas condições sociais. Os 14,2 milhões de desempregados decididamente NÃO agradecem.

 

 

A crise brasileira e a Constituição

A profunda crise econômica, política e econômica que vive o Brasil não é somente o resultado da corrupção, irresponsabilidade e equívocos das políticas implementadas pelo PT, seus aliados e muitos outros governantes nos últimos anos, mas também de efeitos imprevistos da organização institucional do país estabelecida pela “Constituição Cidadã” de 1988, hoje cheia remendos e curativos, que a tornam cada vez mais complicada e impossível de cumprir. Faz muito sentido, assim, o “Manifesto à Nação” publicado pelos juristas Modesto Carvalhosa, Flávio Bierrenbach e José Carlos Dias no jornal O Estado de São Paulo de 9 de abril de 2017, proclamando a necessidade de uma nova Constituição, a ser escrita por uma nova Assembleia Constituinte originária e independente dos partidos políticos que aí estão.

Concordo com a ideia, embora não pense que a nova Constituição deva consagrar exatamente os princípios que os autores estão propondo, e sabendo que não existe nenuma garantia que uma Assembleia Constituinte eleita por um plebiscito seja formada por pessoas imunes aos equívocos e interesses corporativos que levaram os legisladores dos anos 80 a desprezar o projeto de Constituição elaborado pela Comissão Afonso Arinos e escrever e elaborar uma constituição muito pior.

Mas, afinal, o que estava errado na Constituição de 1988? Os autores do manifesto dizem que “a Carta de 88 foi recheada de casuísmos e de corporativismos. Estabeleceu um absurdo regime político que se nutre de um sistema pseudopartidário, excessivamente fragmentado e capturado por interesses de corporações e de facções político-criminosas. Isso torna excessivamente custosa a governabilidade, criando uma relação tóxica entre os Poderes, o que favorece a corrupção, o tráfico de influência e os rombos devastadores nas contas públicas”. Além deste diagnóstico, que explica boa parte da crise política e institucional, existe um outro, feito por economistas como Monsueto Almeida, Marcos Lisboa e Samuel Pessôa, que mostram como a Constituição de 1988 criou uma série de direitos e atribuições de responsabilidades às diversas esferas de governo que criam obrigações de gastos financeiros que vão além da capacidade de geração de riquezas do país, cujo exemplo mais importante, mas não único, é o sistema previdenciário, e que explicam boa parte da crise econômica. Sem falar da grande confusão do sistema federativo, com dezenas de estados e municípios insolventes e cheios de atribuições que não conseguem cumprir.

A discussão sobre a Constituição que precisamos deve começar pela ideia central de que seu papel é estabelecer os princípios gerais que devem presidir o funcionamento na sociedade, e não, simplesmente, criar uma lista detalhada de leis que só diferem das ordinária por serem mais difíceis de ser modificadas. Estes princípios gerais se referem, primeiro, aos direitos dos cidadãos, e, segundo, ao formato institucional do país.

Os direitos, conforme um texto clássico do sociólogo T. H. Marshall sobre a Inglaterra, podem ser divididos em três categorias, os direitos civis, os direitos políticos e os direitos sociais. Os direitos civis são, essencialmente, os direitos das pessoas: liberdade de ir e vir, liberdade de expressão, de não ser preso sem um processo legal, o direito à propriedade, o direito à vida e ao uso do próprio corpo, e igualdade de todos perante a lei, e que permitiram o desenvolvimento das economias de mercado. Não são direitos absolutos – o direito à expressão não inclui o direito à calúnia, o direito à propriedade não exclui a existência de impostos ou desapropriações por interesse público, e o direito ao corpo, que é um conceito mais moderno, pode ou não incluir o direito ao aborto, ao uso de drogas e à eutanásia. A Constituição americana inclui o famoso “Second Amendment” que garante o direito de usar armas, cujos limites tem sido objeto de permanentes disputas.

Os direitos políticos são os direitos dos cidadãos, como participantes em uma sociedade democrática: o primeiro deles é o de votar e ser eleito, e inclui também os direitos de associação e formação de partidos políticos. Um princípio comum a todas as sociedades democráticas é o de que “todo poder emana do povo e em seu nome será exercido”, mas isto não basta: é preciso também dizer como este poder deve ser exercido e como o sistema político e econômico devem ser organizados para que os princípios fundamentais de igualdade política e representatividade não sejam ameaçados. Isto abre todo um capítulo sobre a organização do sistema representativo e governamental, que requer discussão à parte.

O terceiro conjunto de direitos são os sociais: aqui falamos do direito à educação, ao trabalho, à saúde, à aposentadoria, à igualdade de oportunidades. O reconhecimento dos direitos sociais é muito mais recente do que o dos direitos civis e políticos, e tem sua principal origem no “welfare state”, o estado de bem-estar social desenvolvido na Europa ao longo do século 20, e consagrado na Declaração Universal dos Direitos Humanos aprovada pelas Nações Unidas em 1948, que incluía também o reconhecimento dos direitos à ciência e à cultura. Uma diferença radical entre os direitos sociais, por um lado, e os direitos civis e políticos, por outro, é que os primeiros custam muito dinheiro, que precisa vir de alguma parte. A proteção aos direitos civis e políticos é atribuída, geralmente, ao Estado, através da sua ação de polícia e pela adjudicação da justiça pelos tribunais. Por analogia, a responsabilidade pelos direitos sociais também termina sendo atribuída ao Estado, que precisa assim criar amplos sistemas de educação, saúde, aposentadorias, garantir empregos e reduzir as desigualdades sociais e econômicas, embora muitos destes benefícios possam ser obtidos junto ao setor privado. Os direitos sociais e políticos podem ser protegidos por um estado relativamente pequeno, mas os direitos sociais, sobretudo quando estabelecidos como obrigação por parte do setor público, dependem de um Estado muito maior, mais rico e mais complexo, que nem sempre tem os recursos e a competência para fazer o que a Constituição requer. No Brasil, a Constituição de 1988 declara que “a saúde é direito de todos e dever do Estado”, o que faz com que juízes obriguem o SUS a usar grande parte de seus poucos recursos no pagamento de tratamentos caríssimos e não previstos para quem tenha um bom advogado para defender este direito.

Além dos direitos, a Constituição precisa dizer quais são as principais instituições políticas do país, e como devem funcionar. Os dois pontos fundamentais, aqui, são o sistema representativo e a formação e divisão dos poderes. Dizer que todo o poder emana do povo não significa que o povo pode exercer diretamente o poder. Sempre que se tentou isto, passando por cima das instituições, o que resultou é o autoritarismo e o fascismo, que se caracterizam justamente pelo apelo direto às “massas” mobilizadas em praça pública. A função dos sistemas representativos, com partidos políticos e sistemas eleitorais, é escolher um número limitado de pessoas que possam governar com autoridade e de forma legítima em nome da maioria, garantindo, ao mesmo tempo, a proteção legal aos direitos das minorias. Os sistemas representativos estão em crise em quase toda parte, mas alguns, como o brasileiro, em que os eleitores votam em uns e acabam elegendo outros, e em que proliferam partidos de aluguel, são particularmente ruins. Quanto à divisão de poderes, não há princípio melhor do que o da separação entre quem legisla, quem executa e quem julga, com os necessários “checks and balances”, mas existem diversos formatos possíveis, e a experiência mostra que o presidencialismo exacerbado, que tentamos copiar dos Estados Unidos, não parece ser a melhor opção.

Sobre as propostas específicas dos autores do Manifesto à Nação, algumas fazem muito sentido, como a eliminação dos privilégios por cargo ou função e o fim das coligações partidárias, e outras precisam de uma discussão muito mais aprofundada, como a do voto distrital puro, cuja vantagem seria deixar claro para os eleitores quem são seus representantes, mas que traria grandes problemas, como a definição de como seriam desenhados os distritos (basta ver a grande confusão norte-americana com o “gerrymandering”) e a forte sub-representação das minorias que os sistemas proporcionais mistos procuram evitar. Em termos mais gerais, a principal crítica que se pode fazer é que os autores propõem substituir o regime democrático baseado na autoridade legítima do mandato dos governantes por um poder político totalmente acuado, debilitado e submetido a permanentes processos plebiscitários, na suposição errônea de que “o povo” sempre sabe mais. É uma postura compreensível, dado o estado de degeneração a que chegaram nossas instituições de governo, mas os riscos do populismo não podem ser desprezados. Além disto, eles não mencionam os direitos sociais, nem as questões relativas ao pacto federativo. Mas não se poderia esperar que um pequeno texto inicial tratasse de tudo.

Constituições não se trocam toda hora. Isto acontece quando existem grandes rupturas políticas e institucionais, depois de uma guerra ou uma revolução, e as novas constituições acabam sempre refletindo, de alguma maneira, os valores e as correntes de ideias que predominam em seu momento. Não passamos por nenhuma guerra ou revolução, mas por um terremoto suficientemente profundo para justificar que a proposta seja discutida com a profundidade que merece.

IPSP: Democracia e Capitalismo

ipsp

 

Este texto é extraído do primeiro capítulo do International Panel for Social Progress que trata das grandes tendências e novas geografias sociais, de autoria de Peter Wagner (Universidade de Barcelona), Elisa Reis (Universidade Federal do Rio de Janeiro) e e Marcel Van Der Linden (Instituto Internacional de História Social, Amsterdam). O texto completo em inglês, aberto para comentários, está disponível aqui.

Democracia e Capitalismo

Na última década do Século 20, as expectativas de democratização e globalização econômica caminharam de mãos dadas, levantando esperanças quanto a um mundo plenamente democrático no qual as necessidade materiais seriam satisfeitas e a pobreza superada. Era como se o progresso político e o econômico estivessem bem definidos e firmemente estabelecidos.

Contudo, além das crises financeiras, o progresso econômico teve consequências marcadamente desiguais nas diferentes regiões do mundo. Além disso, embora as instituições democráticas estejam mais disseminadas, alguns processos de democratização falharam e desencadearam violência fora de controle. E mesmo onde as instituições democráticas funcionam plenamente, muitos cidadãos deixaram de acreditar que sua participação pode ter impacto sobre resultados de políticas e se afastam da política ou expressam seu descontentamento apoiando demagogos.

Por todas essas razões, o otimismo difuso do final do Século 20 esvaneceu-se. E, para uma avaliação mais adequada da situação atual, necessitamos primeiro dar um passo atrás para compreender como as expectativas de progresso social estavam relacionadas à difusão da democracia e do capitalismo.

Idéias associando o progresso da humanidade ao avanço da democracia e do capitalismo surgiram nos Séculos 17 e 18 e de certa forma retém até hoje sua relevância.

O período que se estende de 1500 a 1800, que os historiadores da Europa caracterizam como os primórdios da era moderna, assistiu à emergência de noções que os seres humanos tem direitos inalienáveis e que toda ordem política legitima deve emergir de um acordo entre aqueles que detém esses direitos. No final do Século 18 a idéia da democracia incarnava o progresso político.

Nessa mesma época, emerge a proposição do comércio como solução para os problemas do conflito permanente, das guerras, e da miséria. Se a natureza humana não podia ser mudada, a sociedade poderia transformar as interações humanas de tal forma a torna-las guiadas antes pelos interesses que pelas paixões. Montesquieu e Adam Smith introduzem a idéia do “comércio benéfico” como um recurso para promover a “riqueza das nações”.

Durante o Século 19, entretanto, emergiram as sociedades divididas por classes, a participação política institucional permaneceu restrita, e a abolição formal da escravidão foi muito tardia. Os primórdios do Século 20 assistem a coincidência da extensão da democracia com uma crise do capitalismo levando a uma situação explosiva. As demandas da população não podendo ser ignoradas ou reprimidas como nos períodos anteriores levaram à ruptura da democracia em diversos países e à ascensão de regimes autoritários.

A história mostra que tanto é errôneo pensar que a democracia e o capitalismo mantém uma harmonia básica entre si enquanto expressões da liberdade humana e da auto determinação, quanto supor que elas são intrinsecamente contraditórias e irreconciliáveis. Na verdade, existe uma tensão permanente no modus operandi delas. Por um lado, democracia é o termo que usamos para a idéia normativa de uma auto determinação coletiva livre e igualitária. Por outro, a ideia normativa da economia capitalista de mercado tem como base a busca dos interesses individuais, e o resultado coletivo não é visto senão como fruto da agregação de iniciativas individuais.

O argumento original sobre “comércio benéfico” e a “riqueza das nações” não implicava que todos os aspectos da vida social seriam beneficiados pela comercialização e mercantilização. Buscando entender “a ascensão e queda da sociedade de mercado” Karl Polanyi salientou corretamente que a economia de mercado precisa ser conscientemente imbricada na sociedade, e não tão desmembrada dela como o ideário do livre-mercado tende a sustentar.

Depois da Segunda Guerra Mundial, o estado-nação democrático capitalista passou a ser percebido com a resposta à tensão entre democracia e capitalismo. Ele seria a expressão democrática da auto determinação coletiva de uma nação através do igualitarismo do sufrágio universal. Seria esse estado que asseguraria os benefícios da eficácia funcional da economia de mercado, embebendo-a no arcabouço nacional através da regulação do comércio exterior e da administração da demanda doméstica, vulgarmente referida como Keynesianismo. Além disso, a tributação poderia ser usada como um recurso de redistribuição social, financiando a construção de estados de bem estar.

As transformações recentes podem ser visas como uma nova dissociação das práticas capitalistas das instituições democráticas. A partir dos anos oitenta, os governos eliminaram crescentemente os obstáculos ao capitalismo global reorganizado, em parte com a esperança de aumentar a produtividade, em parte por medo da perda de ganhos econômicos na competição global.

As consequências políticas de tais políticas econômicas são limitar consideravelmente o alcance de processos democráticos de decisão: políticas relativas à tributação, relações industriais ou condições de trabalho passam a entrar diretamente na competição global pelo capital e tendem a ser descartadas se afetarem diretamente o “ambiente de negócios”. Outros aspectos tais como aqueles relativos ao bem estar ou a educação que dependem dos recursos do governo, são assim severamente afetados por políticas fiscais restritivas. Como resultado da combinação da ampliação do raio de atuação das práticas capitalistas por um lado, e a auto limitação no âmbito das práticas democráticas por outro, a capacidade efetiva de exercer auto determinação coletiva é radicalmente restringida em comparação com práticas democráticas em vigor em outros períodos históricos. Uma nova inserção da economia nas instituições sociais precisa ser concebida sem se limitar a prover um arcabouço estatal para o capitalismo.

Ideologia, política e corrupção

corrruptionCom as revelações que se sucedem sobre os esquemas de corrupção nos governos do PT, chama a atenção o fato de que ainda existem tantos, sobretudo em alguns meios intelectuais, que continuam apoiando o governo com diferentes argumentos, que vão desde que tudo não passa de invenções (o argumento da negação), ou que são todos pequenos pecados de menor importância se comparados com tudo o que foi feito de bom nos últimos anos (o argumento ideológico) até que na verdade todos são assim, e então não tem problema (o argumento cínico).

O argumento da negação é um velho conhecido da psicologia social, com o nome de “dissonância cognitiva”. As pessoas se sentem mal quando têm que conviver com crenças, convicções e realidades contraditórias, e resolvem o problema buscando ignorar ou reinterpretar as ideias ou dados da realidade que mais incomodam. Todos fazemos isto de alguma forma, e o exemplo mais óbvio é o das pessoas religiosas que têm que conciliar a crença na bondade de Deus com a maldade do mundo. Existem várias maneiras de reduzir o incômodo, desde teorias complicadas até o argumento paranoico, que descarta todas as informações negativas como obras ou mentiras de uma conspiração (do diabo, das elites, do Banco Mundial, da imprensa burguesa, dos judeus, dos comunistas, ou de quem seja). No extremo, a negação pode levar a situações patológicas como a recusa em olhar para os dados do mundo real ou o recurso à violência contra os supostos inimigos.

O argumento ideológico pode ser entendido como uma das maneiras de lidar com a dissonância cognitiva, e um exemplo clássico é o dos comunistas históricos diante das revelações sobre os crimes do stalinismo em diversos momentos – os julgamentos de Moscou dos anos 30, o pacto com Hitler nos anos 40, o antissemitismo nos 50, e o Gulag em todo este tempo, culminando com o fim do “socialismo real”. Eram fatos inadmissíveis para tantos que passaram a vida criticando e lutando contra a exploração  e os males do capitalismo e vendo na União Soviética o exemplo de uma sociedade mais justa e igualitária. A primeira reação era de negação – é tudo propaganda do inimigo, parte da luta de classes, ou da guerra fria. A segunda era colocar as informações incômodas em um canto isolado –  é verdade, mas foram alguns erros, “mal feitos” e “desvios”, problemas do “culto à personalidade”, não foi tanto assim, foi a culpa de algumas ovelhas negras, mas nada que coloque em questão as conquistas e as convicções ideológicas de tantos anos.  Outros reagiram de forma extrema, pulando para o outro lado – o capitalismo na verdade só fez o bem, o colonialismo foi a melhor coisa que poderia ter acontecido na África e Ásia, e o mal absoluto é o comunismo.

O argumento cínico é que ninguém é melhor do que ninguém, sempre foi assim, no Brasil e no resto do mundo. Todos roubam, mentem e se aproveitam das situações de poder, e o máximo que se pode fazer é acreditar que “nossos” ladrões também fazem outras coisas que consideramos boas – como reduzir a pobreza, ou desenvolver a economia, ou dar poder a determinados setores dos quais gostamos, ou participamos.

O argumento cínico é sem dúvida melhor do que os outros dois, porque não deixa de olhar a realidade, e substitui a ideologia pelo pragmatismo. Ele se torna ainda mais forte entre nós pelo fato de que o sistema político-eleitoral brasileiro sempre foi financiado seja por interesses privados, seja com recursos públicos manipulados pelos que estão no poder, e os limites entre o apoio desinteressado e legítimo e o apoio muito interessado são muito difíceis de ver. Quem for puro que atire a primeira pedra.

Mas é, também, um argumento falacioso, porque generaliza e é superficial. Embora exista corrupção em toda parte, e que ninguém seja santo, nem todos os países e nem todas as pessoas são igualmente corruptas, e é certamente melhor viver em uma sociedade com menos do que com mais corrupção, assim como é melhor viver em uma sociedade com menos do que com mais crime e violência. Mais ainda, a história mostra que os regimes aonde predomina o império da lei, e não a vontade dos que estão no governo, são em geral muito mais bem-sucedidos economicamente, e mais igualitários, do que os que toleram a corrupção em nome de ideologias, de supostas causas sociais, ou da tese cínica de que ninguém é culpado, porque “todo mundo faz”. Os crimes de uns, se houver, não podem jamais justificar os crimes dos outros.

Como explicar as diferenças, e como reduzir a corrupção?  Não existem respostas simples, mas muitas indicações de caminhos a seguir. Embora existam exemplos de democracias corruptas e ditaduras relativamente honestas, o potencial de corrupção é muito maior nos regimes políticos fechados e intervencionistas, em que a distribuição de recursos e privilégios se dá de forma autocrática, quando o governo decide favorecer determinados grupos para receber financiamentos, subsídios e contratos para a realização de obras públicas por critérios pouco explícitos. Uma imprensa aberta a vigilante limita a possibilidade de conluios deste tipo, e favorece a adoção de práticas mais abertas e competitivas. A polêmica ideológica entre “estado mínimo” vs. “estado forte” não capta a verdadeira natureza dos problemas de corrupção associados ao setor público. É possível ter um estado enxuto e eficiente, capaz de implementar as políticas que interessam à sociedade, assim como estados inchados e infiltrados por todo tipo de interesses privados e conluios corruptos. A organização do sistema partidário e eleitoral pode fazer muita diferença: para reduzir a corrupção, é necessário aproximar ao máximo os mandatos políticos às preferências dos eleitores, e reduzir ao mínimo a possibilidade de captura dos líderes políticos por grupos de interesse ocultos. Mecanismos para isto incluem a exigência de fidelidade partidária, a transparência no financiamento de campanhas, proporcionalidade correta na representatividade no legislativo, e outras medidas no mesmo sentido.

A atual crise econômica e política brasileira, se nos servir de algo, deve nos ajudar a entender que o país precisa de reformas econômicas, políticas e institucionais muito mais profundas do que a simples substituição de um partido por outro, ou de uma ideologia por outra no governo.  O que precisamos é identificar e apoiar, entre as diferentes correntes e lideranças políticas, aquelas que sejam  menos dependentes dos recursos da corrupção e se mostrem mais capazes de entender os problemas e liderar as transformações, e aquelas sobre as quais não há como ter mais esperança.

Para quem quiser se aprofundar, escrevi dez anos atrás um texto mais amplo sobre o tema, “Coesão Social, Democracia e Corrupção“, que pode ser baixado da Internet.

No Escuro

tunelPublicado na Folha de São Paulo, 27 de outubro de 2014.

Escrevo na véspera do segundo turno, sem saber o resultado. As eleições deveriam ser uma oportunidade para que a sociedade se revigore, com uma liderança enriquecida pelo confronto de ideias e fortalecida pelo apoio da sociedade. Infelizmente, o que se viu neste final de campanha foi um país fraturado, em um momento em que a economia estagnou e as políticas sociais tradicionais parecem ter se esgotado, com a desigualdade persistindo, o desastre da educação que não melhora e o agravamento da violência urbana.

Expressei por diversas vezes minha convicção de que a oposição tem um melhor diagnóstico, melhores quadros e mais condições de construir consensos e avançar; seu grande problema no governo seria a perspectiva de uma oposição empedernida que levasse o país à paralização.

Os exemplos do primeiro governo Lula, ao endossar o Plano Real, substituir o fome zero pela bolsa família e manter os sistemas de avaliação da educação, assim como o do início do governo Dilma, ao parecer enfrentar a corrupção em seu ministério e assumir uma posição mais clara, internacionalmente, em defesa dos direitos humanos, e, mais recentemente, ao buscar a participação do setor privado nos investimentos, mostraram que o PT tem condições de atuar de forma pragmática e buscar sair das amarras ideológicas e das práticas políticas que predominaram até aqui, com a vantagem que teria o apoio da oposição se efetivamente procurar avançar.

Então, há razões para algum otimismo. Apesar da polarização da campanha, buscando dividir o país entre “nós” e “eles”, existem alguns consensos que sobre os quais se pode construir: as conquistas sociais precisam ser mantidas e aprofundadas, a corrupção na administração pública precisa ser contida, a economia precisa recuperar seu dinamismo, a educação precisa melhorar, a violência precisa ser enfrentada, as questões ambientais, climáticas e energéticas precisam tratadas seriamente, e o sistema representativo precisa ser repensado.

Não será possível continuar lidando com estas questões como quando o dinheiro fluia para o governo pelo aumento de impostos, pelos ventos favoráveis do comércio internacional ou pelo endividamento crescente, e as políticas públicas eram sinônimo de distribuir benefícios e garantir privilégios. Persiste ainda a ideia de os recursos públicos são infinitos, de que 2+2=5, quando corre o risco de ser 3 ou menos. Sair desta ilusão é difícil, porque requer contrariar interesses e expectativas de tantos que querem sempre mais, sem abrir mão de nada nem admitir que a mágica não existe, e que Deus não é brasileiro.

Existe sempre a tentação de tentar sair desta situação pela intolerância, dogmatismo e acirramento dos confitos, substituindo o pragmatismo do possível pelo absolutismo das convições, colocando o país em um plano inclinado de conflito, desorganização e decadência, que olhando em volta vemos que pode não ter fim. Existe espaço para se pensar novamente em um pacto social, em benefício do país?

 

 

 

As Instituições e o Mal Estar da Sociedade

Brazil-protestA revista Interesse Nacional, em seu número de outubro – dezembro de 2014 , publicou  artigo meu  sobre a questão da participação política, organizações sociais e sistemas representativos.  

O artigo conclui dizendo que “não há dúvida de que o sistema representativo brasileiro precisa ser profundamente alterado, em aspectos como o sistema eleitoral, o sistema partidário e o financiamento de campanhas. Não há dúvidas também de que as democracias modernas devem incluir formas adequadas de participação da sociedade, por mecanismos múltiplos que vão das consultas aos referendos, passando por diversas formas de vinculação entre a administração pública em seus diversos níveis e a sociedade civil em seus diferentes formatos, mantendo os espaços abertos para manifestações e mobilizações em torno de temas que não estejam sendo atendidos devidamente pelas políticas vigentes. Dito isto, é importante ter em mente que não é possível satisfazer ao mesmo tempo todas as demandas e todos os grupos da sociedade – salários altos, financiamentos baratos para carros e casas, educação de qualidade e gratuita, atendimento médico de alta qualidade e gratuito para todos, transportes públicos gratuitos, proteção ao meio ambiente, excelentes aposentadorias e pensões – tudo conforme o padrão Fifa. Além das limitações de recursos, muitas destas demandas são contraditórias e necessitam ser arbitradas. Cabe às lideranças políticas e aos governos mostrar que estão empenhados em fazer o melhor dentro dos limites possíveis e, para isto, necessitam da legitimidade que só um sistema representativo bem constituído e fundado em um ordenamento legal respeitado podem proporcionar.”

O texto completo está disponível aqui.

Ideologia e Realidade

Publicado na Folha de São Paulo, 20 de outubro de 2014

 

ideologyApesar do afundamento da economia e dos escândalos de corrupção, muitos que ainda apoiam o governo preferem deixar os fatos de lado e fazer uma escolha ideológica -votar na candidata do PT seria votar pelo povo, pela “esquerda”, contra o candidato que representaria as elites e a “direita”.

O que importa seria a luta de classes, o social contra o mercado, e tudo o demais, parte da guerra de propaganda da oposição, “malfeitos” ocasionais a serem corrigidos, ou problemas criados pelo contexto internacional.

A história das políticas sociais do PT ajuda a entender a dificuldade desse raciocínio.

Lula chegou ao poder em 2002 anunciando o Fome Zero, que pretendia mobilizar a sociedade e colocar toda a produção agrícola do país nas mãos do Estado para garantir a “segurança alimentar” da população. Mal nascido, o programa foi enterrado depois que o IBGE mostrou que, mais do que a fome, o problema do país era a pobreza e a obesidade. Em seu lugar veio o Bolsa Família, inspirado nos programas de “transferência condicionada de dinheiro” que já existiam no México (Oportunidades), Colômbia (Famílias en Acción), Chile (Subsidio Unitario Familiar) e outros.

O grande incentivador desses programas era o Banco Mundial, que propunha que as políticas sociais deveriam ser focalizadas nos mais pobres e que por isto foi acusado de tentar destruir as políticas “universais” que, no Brasil, ainda colocam a maior parte dos recursos nas mãos dos mais ricos.

De direita ou esquerda, o Bolsa Família, embora não tenha tido o impacto esperado na educação ou na saúde nem tenha melhorado a distribuição dos gastos sociais, trouxe algum alívio a milhões de pessoas em situação de pobreza extrema e, por isto, todos hoje concordam que deve ser mantido enquanto necessário.

A segunda dificuldade é que, se por um lado é verdade que existem em toda parte conflitos de interesse entre pobres e ricos, trabalhadores e capitalistas, regiões ricas e regiões pobres, os países que conseguem avançar não são aqueles em que um lado se impõe, dividindo ou se apropriando do pouco que têm, mas os que conseguem construir consensos e gerar oportunidades e riqueza que continuarão a ser objeto de disputas de interesse, só que em patamar mais alto.

Em uma eleição presidencial majoritária, o melhor candidato será aquele que, sem ignorar os conflitos de interesse e favorecer determinadas políticas, conseguir convencer a população de que é capaz de construir e desenvolver este consenso.

O mesmo raciocínio se aplica ao contexto internacional.

É certo que oscilações da economia mundial podem afetar muito fortemente países como o Brasil, mas o que move a economia internacional não são, predominantemente, os conflitos entre o Primeiro e o Terceiro Mundo, e sim os espaços e as possibilidades de cooperação, comércio e intercâmbio de conhecimentos, que beneficiam os que participam e deixam de lado os que se excluem por escolhas ideológicas que ignoram a realidade.

Eleições, democracia e instituições

Publicado em  Folha de São Paulo 29 de setembro de 2014

institA certeza de que os resultados das urnas serão respeitados é prova de que a democracia brasileira está funcionando bem em um aspecto central, o sistema eleitoral. Mas os exemplos de vizinhos como Venezuela e Argentina mostram que democracia é muito mais do que eleições –ela requer também instituições sólidas, que permitam que o governo funcione de forma competente e eficiente; uma ordem legal que proteja e garanta a liberdade e os direitos individuais; e um sistema político-partidário que seja percebido pelos cidadãos como capaz de articular e representar seus interesses e preocupações. As democracias modernas também necessitam abrir espaço para a participação dos cidadãos em diversas áreas de seu interesse, acompanhando e complementando a ação dos governantes. Vista assim, a democracia brasileira está ainda longe do que deveria ser, e o risco de resvalar pela ladeira do “bolivarismo” de tipo venezuelano é bastante real.

Os episódios recentes que atingiram o IBGE, assim como o debate recente sobre a autonomia do Banco Central, permitem entender com clareza a importância das instituições em um regime democrático, que afeta também as agências regulatórias, o Supremo Tribunal Federal, as universidades públicas, o Ipea, a Receita Federal e a Polícia Federal, assim como empresas estatais como Petrobras, Banco do Brasil, Caixa Econômica e BNDES. O governo federal, em nome da sociedade, tem responsabilidade e obrigação de indicar os principais dirigentes dessas instituições, orientar suas ações e cobrar resultados, o que é muito diferente de ter a liberdade de nomear, simplesmente, seus preferidos políticos e interferir, sem mais aquela, no dia a dia de suas atividades. É para isso que devem existir regras definidas sobre as características que os indicados precisam ter (competência técnica, idoneidade, ausência de conflitos de interesse), mandatos definidos, aprovação das indicações pelo Senado, e conselhos superiores encarregados de supervisionar e também de proteger as instituições de interferências externas indevidas.

O governo FHC avançou bastante ao dotar as agências reguladoras de autonomia e garantir, na prática, a independência de instituições como o IBGE, o Ipea e o Banco Central, sem chegar a lhes dar, no entanto, a estrutura legal de instituições autônomas de que necessitam. Os governos do PT usaram as agências reguladoras e as estatais para distribuir cargos para aliados e protegidos, e só agora o país percebe o alto preço que está pagando, entre outros, pelo uso político da Petrobras e da Eletrobras. O Ipea e o IBGE, sem mandatos e formatos institucionais claros, se perdem em confusões técnicas que criam suspeitas sobre interferências políticas. E o posicionamento da candidata Dilma contra a autonomia do Banco Central mostra que ela não reconhece a importância de instituições públicas sólidas para uma democracia que realmente funcione. Não é um bom sinal

A Via Democrática – Como o Desenvolvimento Econômico e Social Ocorre no Brasil

capa_viaÉ com prazer que comparto a publicação, pela Editora Campus – Elsevier, do livro  “A Via Democrática”, e convido para os eventos de lançamento no no dia 11 de agosto, segunda feira, em São Paulo, no Instituto de Estudos e Pesquisas (INSPER), Rua Quatá 300, Vila Olímpia, às 19 horas (confirmar a presença clicando aqui), e no Rio de Janeiro no dia 13 de agosto, quarta feira no Instituto de Estudos e Pesquisas Econômicas Casa das Garças, Av Padre Leonel Franca 135, Gávea, a partir das 18:00 (confirmar a presença aqui). Em ambas as ocasiões haverá um coquetel e uma pequena mesa de apresentação e comentários, com a participação de autores e Sérgio Fausto, em São Paulo, e Merval Pereira no Rio de Janeiro.

Este livro é resultado do seminário internacional realizado na Casa das Garças, no Rio de Janeiro, sobre o “Consenso Democrático para o Desenvolvimento”, no dia 15 de maio de 2013, como parte de um projeto mais amplo desenvolvido pelo Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade (IETS) em colaboração com o Centre for Development and Enterprise, da África do Sul, e com o Legatum Institute, de Londres. Reúne os quatro trabalhos apresentados no evento –  democracia e desenvolvimento econômico, de Marcos Lisboa e Zeina Latif; democracia e desenvolvimento social,  de Simon Schwartzman e Maina Celidonio Campos; democracia e inovação, de  Renato Pedrosa e Sérgio Queiroz; e democracia e corrupção, de Marcus Melo – que foram posteriormente revistos e traduzidos do original em inglês. Esses capítulos são precedidos de uma versão atualizada de “Democracia e governabilidade” publicado originalmente em América Latina: Desafios da democracia e do desenvolvimento. governabilidade, globalização e políticas econômicas para além da crise (iFHC e Elsevier Editora, 2009), organizado por Fernando Henrique Cardoso e Alejandro Foxley.

No prefácio, escreve Edmar Bacha que “os capítulos deste livro diagnosticam corretamente as mazelas de nossa democracia, as limitações de nossa economia, e delineiam alternativas para lidar de forma mais efetiva com a inovação, a educação, as políticas sociais e a corrupção. Eu agregaria que, entre as tarefas a cumprir, está a adoção de uma estratégia econômica que de fato possa conduzir o país ao chamado Primeiro Mundo”. Adriana Abdenur, do BRICS Policy Center no  Rio de Janeiro,  nota  que  “a proliferação de modelos e ideologias no plano internacional serve como ponto de partida para uma discussão que gira em torno de um eixo duplo. Dadas as incertezas e os novos alinhamentos do pós-Guerra Fria, qual caminho deve ser trilhado para assegurar que a democracia e o desenvolvimento se alimentem mutuamente? Quais padrões e trajetórias aparecem na relação democracia-desenvolvimento, e que lições o Brasil pode aproveitar das experiências alheias? José Álvaro Moisés, da Universidade de São Paulo, lembra que “o Brasil superou impasses estruturais de muitas décadas, redefiniu os rumos de sua economia e adotou políticas sociais inovadoras, mas a qualidade da sua democracia continua em questão, em especial, o sistema de representação política, o controle da corrupção e o funcionamento do presidencialismo de coalizão. O livro traz luz nova sobre essas questões”.

E Adrian Wooldridge,  do The Economist, conclui dizendo que “esta coleção de ensaios não poderia ter vindo em melhor hora. Eles expõem, sem concessões, as falhas da versão brasileira de democracia. Mas também demonstram a enorme força da democracia no Brasil: não só porque garante direitos básicos a todos, mas também porque oferece uma maneira de resolver os problemas que aproveita a criatividade das pessoas. A resposta para os problemas da democracia é a construção de uma democracia melhor. Este livro oferece algumas sugestões valiosas de como isso pode ser feito”.

Nos vemos lá!

 

Menos governo, mais governança

modiCom este mote, o partido de Marendra Modi ganhou as eleições e  pôs fim a dez anos de poder de governo da Índia pelo Partido do Congresso, que presidiu, até recentemente,  um período de grande crescimento da economia, combinado com políticas protecionistas e de redistribuição de recursos para minorar a extrema pobreza que atinge grande parte da população do país. Nos últimos anos, no entanto, a redução do crescimento e uma sucessão de escândalos de corrupção levaram o Partido do Congresso à paralisia e desmoralização, enquanto que a economia do Estado de Gujarat, com 60 milhões de habitantes e governado por Modi desde 2001, se mantinha em grande vitalidade, pela combinação de investimentos públicos e privados e eficiência do governo estadual.

Existe muita esperança, mas também muitas dúvidas, sobre o que esta virada pode significar. A economia explica  muito das decisões dos eleitores, mas na Índia, com 1.2 bilhões de habitantes e enormes diferenças sociais e culturais, fatores regionais, religiosos, linguísticos e culturais pesam muito. Modi, membro de um partido nacionalista hindu, o  Bharatiya Janata Party, chegou a ser responsabilizado por ter permitido o massacre de milhares de muçulmanos em seu estado em 2002, embora sua culpa nunca tivesse sido provada, e existe a preocupação de que sua eleição possa agravar os conflitos com o Paquistão e outros países vizinhos.

Nesta campanha eleitoral que acaba de terminar, no entanto, o que preponderou não foi o nacionalismo e o populismo, mas a necessidade de tornar o governo mais eficiente e menos corrupto, abrir mais a economia para os investimentos privados, e reduzir as a ênfase nas políticas redistributivas que, durante anos, ajudaram o Partido do Congresso a se reeleger, mas já não satisfazem a uma população que aspira por um governo melhor e mais enxuto, que crie mais oportunidades de trabalho e mobilidade social.

Será que o exemplo da Índia traz algum ensinamento para o Brasil?

 

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