O aumento de pessoas de baixa renda no ensino superior

A Folha de São Paulo publica hoje matéria dizendo que o número de estudantes de baixa renda ensino superior brasileiro teria subido em 49% entre 2004 e 2006, baseado em uma tabulação de dados da PNAD que fiz a pedido da repórter. Na verdade, foi um aumento de cinco pontos percentuais – eram 10.1% em 2004, e passaram a 15.1% em 2006 (já tivemos uma discussão neste blog a respeito dos erros que podem ocorrer quando calculamos percentagens de percentagens). Em números absolutos, no entanto, os dados parecem mais significativos –  houve um aumento de 185% – de 224 mil para 745 mil, do número de estudantes de famílias de até 3 salários mínimos.

Acontece que o valor do salário mínimo vem aumentando muito nos últimos anos, e uma familia que ganhava até 3 salários mínimos em 2006  – R$ 1050,00 – estava no sétimo décimo da distribuição de renda daquele ano, e seria considerada em algumas pesquisas publicadas recentemente como de classe média.

Uma maneira melhor de ver a questão é pela percentagem de pessoas no ensino superior em termos de sua posição na distribuição de renda famliar do país. Dividindo a população em 10 grupos de igual tamanho, de menos a mais renda, podemos verificar se o acesso ao ensino superior das pessoas mais pobres efetivamente aumentou, e quanto. O quadro ao lado mostra os resultados, em percentagens acunuladas.

O que se pode ver é que o total de estudantes de nível superior oriundos da metade mais pobre da população brasileira passou de 9 para 11% entre 2004 e 2006. No outro extremo, o total oriundo das familias  10% mais ricas baixou de 40 para 38%.  Algum progresso, sem dúvida, mas nada espetacular. E nem poderia ser muito diferente, dada a má qualidade e estagnação em que se encontra a educação média no país.

O enigma do Conceito Preliminar de Curso

No dia 6 de agosto o Ministério da Educação divulgou um  até então desconhecido “Conceito Preliminar de Curso” que classificou 508 dos 2.028 cursos avaliados pelo ENADE de 2007 como de qualidade insuficiente, 444 da rede privada (19,5% do setor) , e 64  da rede pública (12,2%).

Embora “preliminares”, e aparentemente sujeitos a revisão, estes conceitos foram amplamente divulgados pela imprensa, afetando a reputação e provocando a reação indignada de muita gente. Existem de fato muitos cursos superiores de má qualidade neste país, públicos e privados, que  precisam ser avaliados de forma externa e independente.  A avaliação, quando bem feita, informa o público sobre cursos que devem ser buscados ou evitados, e estimula as instituições a melhorar seu desempenho. A auto-avaliação não é suficiente, porque ela não produz resultados comparáveis, e são geralmente defensivas.

O problema com a avaliação do ensino superior brasileiro não é que ela exista, mas a forma como ela é feita, e como os resultados são divulgados. O ENADE tem problemas técnicos graves, alguns dos quais eu apontei tempos atrás, e não me parece que tenham sido resolvidos. Entre outros,  ele inclui uma prova de  “formação geral” que, com 10 perguntas, tenta medir dezenas de competências, e não mede nenhuma (uma simples prova bem feita de linguagem seria melhor); provas de formação específica que não estão devidamente elaboradas em termos das competências que deveriam medir (cada uma delas se baseia em uma lista de matérias que o estudante deveria conhecer, o que é bem diferente); e uma estranha aritmética em que os resultados das provas aplicadas aos alunos que iniciam os cursos são somados aos resultados dos que terminam, aumentando os conceitos dos cursos que conseguem atrair estudantes mais qualificados, presumivelmente de nivel socio-econômico mais alto, mesmo que aprendam muito pouco nos anos seguintes, e punindo os que admitem alunos menos qualificados e contribuem mais para formá-los.

Sem poder mexer nesta aritmética, o INEP calculou um “indice de diferença de desempenho (IDD)”, que estima em que medida o desempenho dos alunos ao final do curso está acima ou abaixo do que seria estatisticamente esperado dadas as condições gerais dos alunos ingressantes.  Além disto, o INEP desenvolveu um outro índice de “insumos” que combina informações sobre professores com doutorado e em tempo integral e opiniões dos alunos sobre os programas dos cursos. Tudo isto – ENADE, IDD,  Insumos –  é combinado com pesos definidos não se sabe como,  e daí sai o “Conceito Provisório”.

Como o ENADE e o IDD medem coisas diferentes, e o segundo foi inventado para corrigir os erros do primeiro, é difícil interpretar o que de fato o Conceito Provisório está medindo (não parece que as informações sobre insumos privilegiem as instituições públicas, já que elas só entram na medida em que se correlacionam com o IDD). Uma medida de avaliação, além de ser tecnicamente bem feita, precisa ter uma interpretação clara, e precisa ser feita de forma independente e transparente, para que tenha legitimidade. Nada disto ocorreu com o Conceito Provisório.

Quando eu tenho uma dor de barriga e procuro um médico, ele não pode olhar as estatísticas sobre os possíveis correlatos da dor de barriga, e assim orientar meu tratamento. Ele precisa fazer um diagnóstico clínico de meu caso, e para isto, claro,os exames e as estatísticas são muito úteis.  Da mesma forma, não é possível emitir juizos de valor sobre cursos superiores específicos a partir de estimativas estatísticas, por melhores que sejam. A avaliação deve ser feita por pessoas de carne e osso, com nome e sobrenome, que sejam respeitadas em seu meio, e que assinem embaixo. Sem isto, a credibilidade dos resultados sofre,  e os sistemas de avaliação, que deveriam desempenhar um papel importante, acabam desmoralizados.

Saudades da Universidade Patrice Lumumba

Em 1960, a União Soviética criou a Universidade Patrice Lumumba, hoje a “Universidade Russa de Amizade dos Povos”, para estudantes do terceiro mundo. Na mesma inspiração, o governo brasileiro está criando agora a Universidade Latino-Americana, em Foz de Iguaçu, e conforme anunciado hoje pelo Secretário de Educação Superior do MEC, a Universidade da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, para estudantes da África, a ser estabelecida em Redenção, a 60 quilômetros de Fortaleza, considerada a primeira cidade brasileira a abolir a escravidão.

Não sei como anda a Universidade Pratice Lumumba hoje. Olhando na wikipedia, dá para ver que, entre seus ex-alunos notáveis, está Carlos o Chacal; Mahmoud Abbas, dirigente do Fatah; Aziz al-Abub, psiquiatra e torturador do Hezzbolah; o espião da KGB Yuri B. Shvets, hoje refugiado nos Estados Unidos; e a linguista brasileira Lucy Seki, que depois completou seu doutorado na Universidade do Texas. Com o fim da União Soviética, além da mudança de nome, o curriculo também mudou, e a doutrinação leninista foi substituida por cursos de administração de empresas, entre outros. Há alguns anos atrás, a universidade foi palco de ataques racistas violentos contra africanos e orientais, que revelaram o isolamento e as péssimas condições de vida dos estudantes de terceiro mundo que ainda se aventuravam por lá. Na página da universidade na Internet dá para ver que com 25 mil estudantes, todos eles pagantes, e mais de 2000 professores, ela está se esforçando por se transformar em uma universidade de qualidade, embora sua produção acadêmica (“for the last 3 years 167 monographs, 58 textbooks and 485 manuals have been published at the University”) não chega a impressionar. Mas ela deve ter coisas boas, sobretudo a localização em uma grande cidade que é Moscou.

Duvido que os idealizadores das universidades de terceiro mundo brasileiras conheçam a experiência da Patrice Lumumba, mas a idéia é a mesma, com o agravante que seus estudantes ficarão exilados em regiões remotas do país. A Universidade Latinoamericana, por exemplo, segundo seus organizadores, tem como propósito “a integração da América Latina através de um novo elo substantivo: a integração pelo conhecimento e a cooperação solidária entre os países do continente mais do que nunca em uma cultura de paz.” Lembra alguma coisa?

Não há dúvida de que o Brasil poderia ter um papel muito mais importante do que tem tido em estimular e apoiar a vinda de estudantes da América Latina, África e outras regiões para nossas melhores universidades. Isto seria bom para eles, a nos ajudaria a sair de nosso provincianismo. O melhor instrumento para isto são as universidades já existentes, que precisariam de apoio, estímulo e liberdade – inclusive de cobrar – para atrair possíveis candidatos com o que elas têm de melhor a oferecer – os cursos profissionais de qualidade, os programas de pós-graduação, a capacidade instalada de pesquisa e a interação com seus estudantes e com sociedade mais ampla da qual elas participam, nos principais centros urbanos do país em que estão instaladas. Universidades de primeiro mundo, e não de terceiro.

Textos vários sobre educação

Estão disponíveis, para os interessados, os seguintes textos:

Eqüidade e Qualidade da Educação Brasileira, Fundação Santillana, V Seminário de Outono. São Paulo, Editora Moderna, 2008.

Universidades e desenvolvimento na América Latina: Experiências Exitosas de Centros de Pesquisa. Biblioteca Virtual de Ciências Humanas, 2008

Brasil: el agujero negro de la educación. TodaVia – Pesamiento e Cultura en América Latina. Buenos Aires, Fundación OSDE. N. 18, Abril 2008. pp. 14-17

Liberdade de Docência. Entrevista à Revista Educação, edição 133, 2008

Cenários de Diversificação da Educação Superior na América Latina

Nos dias 4 a 6 de junho estarei participando da Conferencia Regional de Educación Superior 2008, organizada pelo Instituto Internacional da UNESCO para a Educação Superior na América Latina e Caribe (IESALC) em Cartagena. Me pediram que comentasse o trabalho denominado “Escenarios de diversificación, diferenciación y segmentación de la educación superior en América Latina“, de Jorge Landinelli e outros. A propósito, escrevi o texto abaixo:

DIEZ PROPOSICIONES SOBRE LOS ESCENARIOS DE DIVERSIFICACIÓN, DIFERENCIACIÓN Y SEGMENTACIÓN DE LA EDUCACIÓN SUPERIOR EN AMÉRICA LATINA Y EL CARIBE

En los 15 minutos que me tocan, no tendría como comentar y hacer justicia al trabajo tan detallado y que nos presentan Jorge Landinelli y sus colaboradores. Me parece mejor presentar algunas proposiciones que ojala puedan contribuir para el mejor entendimiento de los temas en discusión.

1 – Los procesos de diferenciación, diferenciación y segmentación de la educación superior, que se acentúan en la región a partir de los años 90, no son el resultado de políticas públicas o económicas de los gobiernos de aquellos años, sino que del amplio proceso de masificación de la educación superior que ha ocurrido en todo el mundo desde entonces, proceso del cual América Latina participa con retrazo.

2 – Los países latinoamericanos han respondido a este proceso de dos maneras principales. En algunos, como México, Venezuela, República Dominicana, Argentina y Uruguay, adonde existían universidades nacionales con admisión libre para personas con diplomas de educación media, estas universidades crecieron hasta llegar a centenas de miles de estudiantes. En la medida en que se tornaban inmanejables, esto llevó a la creación de universidades regionales, y también a mayor abertura para la creación de universidades privadas. En otros, como Brasil, Chile y Colombia, adonde ya había un sistema privado de educación superior establecido, este sistema privado creció y absorbió la mayor parte de la demanda, dejando las universidades públicas relativamente protegidas.

3 – Además del problema de cómo responder a la demanda creciente por educación superior, los países de la región tuvieron que responder a las demandas de la economía por mano de obra más calificada, y al aumento creciente de demanda de recursos públicos para la educación básica y media, los sistemas de jubilaciones y salud pública, obras públicas y otros, que sobrecargaron los presupuestos nacionales, llevando a procesos inflacionarios y aumento progresivo de la deuda pública, que, combinados con la inestabilidad financiera internacional, resultaron en las crisis y los ajustes económicos de aquellos años.

4 – Es importante darse cuenta que, antes de las políticas de ajuste de los años 90, las universidades públicas de la región ya sufrían problemas serios de calidad, equidad y uso ineficiente de los recursos públicos, necesitando de reformas y transformaciones que no tenían que ver con los ajustes económicos, pero que se tornaron más acentuadas en los momentos de crisis.

Para entender lo que ha pasado, y tener condiciones de pensar mejores alternativas para el futuro, es necesario deshacer una narrativa bastante corriente sobre como eran las universidades en la región, sustituyéndola por una perspectiva más cercana a la realidad. Esta narrativa equivocada, con algunas variaciones, es que, gracias al movimiento de la Reforma Universitaria que empezó en Córdoba hace casi cien años, las universidades públicas latinoamericanas se constituyeron como instituciones democráticas, de alta competencia y orientada a las cuestiones de interés cultural y social, virtudes que las políticas de ajuste económico, orientación hacia el mercado, búsqueda de eficiencia y privatización de los años 90 trataron de destruir.

5 – Si es verdad que el movimiento de la Reforma, al dar más poderes a los estudiantes y maestros en las universidades, las hizo internamente más democráticas, esta democracia no se tradujo en beneficios para la sociedad más amplia. Las universidades no jugaron un papel significativo en la formación de docentes de buena calidad para la educación básica y media, y, cuando aumentaron de tamaño para responder a la demanda creciente por educación superior, no crearon mecanismos adecuados para impedir que muchos de sus estudiantes, sino la mayoría, jamás lograran obtener los títulos superiores que buscaban. Además, las universidades se estratificaron internamente, con alta selectividad en los cursos de graduación en las carreras tradicionales, como medicina e ingeniería, y baja selectividad y control de calidad en las profesiones sociales, humanas y en la formación de maestros.

6 – Con las excepciones de siempre, la calidad la investigación científica y tecnológica en la región nunca fue muy buena. La investigación científica siempre fue muy limitada y sin proyección internacional, y los pocos ejemplos de universidades que han desarrollado actividades significativas de transferencia de conocimientos, capacitación y ayuda técnica a los gobiernos, empresas y a la población siempre fueron más bien la excepción que la regla. En la formación profesional, los mecanismos de gobierno colegiados y participativos siempre han limitado la posibilidad de la utilización de sistemas de control de calidad que pudieran amenazar a personas de prestigio o grupos académicos dentro de las instituciones, así como políticas activas de búsqueda de talentos.

7 – Desde sus inicios, las universidades latinoamericanas, centradas en las carreras clásicas del derecho, la medicina y la ingeniería, siempre estuvieron orientadas hacia el mercado, y de hecho, hasta muy poco tiempo, siempre fueron dirigidas por personas con fuerte participación en el mercado de trabajo. La diferencia importante entre el pasado y ahora es que, antes, el principal empleador eran los gobiernos, y la alternativa a las carreras políticas o al empleo público eran las profesiones liberales. No se puede esperar que las universidades no capaciten las personas para la vida del trabajo, y no hay incompatibilidad entre competencia profesional y capacidad de absorber cultura y mirar críticamente a la sociedad.

Los movimientos estudiantiles, y muchos profesores en las facultades y departamentos de ciencias sociales, tienen gran tradición de mirar críticamente sus sociedades y buscar formas de transformarlas por la movilización política, pero esto no ha creado una tradición de pensamiento social consistente que se pueda identificar como resultante de la labor universitaria y académica.

8 – Ese pasado no recomienda que se vuelva a las universidades tradicionales, en su formato tradicional, para buscar respuestas a los procesos crecientes de diferenciación, diversificación y segmentación de la educación superior en los países de la región. Mas allá de sus problemas, estas universidades tienen papeles importantes para jugar, y para esto necesitan utilizar de manera más eficiente sus recursos, preparar mejor para las profesiones de mercado, que son más competitivas que las tradicionales, fortalecer su capacidad de investigación y establecer puentes efectivas de colaboración y participación con la sociedad más amplia que las mantienen. Pero el universo de la educación superior contemporánea es mucho más amplio que el de estas instituciones.

9 – Una decisión importante que los países tienen que tomar es en que medida la absorción de la educación de masas se va hacer por las universidades públicas o privadas. Hay buenos argumentos de los dos lados. No es verdad que, en principio, solamente instituciones públicas logren dar formación de calidad, o que las privadas, y las con fines de lucro sean siempre malas – hay buenas y malas instituciones en todos los sectores. Pero lo que se considera calidad en una institución de elite es muy distinto de lo que se considera calidad en una institución orientada hacia la educación masiva.

10 – Del punto de vista de la equidad, es razonable que las instituciones públicas atiendan con prioridad a la población de menores ingresos, que ahora están buscando la educación superior en grandes números, dejando para el sector privado la educación más cara y compleja que los estudiante con más recursos y que más se beneficiarán pueden pagar. Del punto de vista de la formación de alto nivel y la investigación científica, es recomendable que el sector público asuma la responsabilidad de apoyarlas, considerando que difícilmente el sector privado haría las inversiones de alto costo que estas actividades requieren.

Difícilmente las mismas instituciones harán bien estos dos tipos de formación de elite y de masas. Es necesario que, en el universo complexo y diferenciado de la educación superior contemporánea, las instituciones, públicas y privadas, busquen sus nichos de actuación, y los gobiernos desarrollen políticas de regulación, incentivos y apoyo financiero para que, en su conjunto, las sociedades produzcan educación superior en la cantidad y con la calidad necesarios.

Por uma nova política de educação superior

Convidado pelo PSDB, participei no dia 24 de setembro de um seminário sobre educação, aonde fiz uma apresentação que está disponível aqui, e que tem a vantagem de ter somente seis páginas.

Creio que houve bastante consenso entre os participantes da mesa – César Sá Barreto, Carlos Brito Cruz e Abílio Baeta Neves – exceto em um ponto, que é o da cobrança de anuidades no ensino superior público, como já acontece em praticamente todo o mundo, incluindo o México, a Argentina, o Chile, a França e a China. Brito Cruz discordou, e, no encerramento, o governador José Serra também disse que era contra.

Um forte argmento contra esta cobrança é que ela não traria muitos recursos, seria complicada de implantar, e criaria um enorme problema político. Por outro lado, os recursos podem ser significativos, e as universidades poderiam utilizá-los, por exemplo, em programas de apoio a estudantes efetivamente carentes, contribuindo assim para reduzir a dupla iniqüidade da educação superior pública brasileira – o subsídio a quem não necessita, e a falta de apoio para as pessoas que necessitam não somente de gratuidade, mas de apoio financeiro para continuar estudando.

Como o gráfico acima mostra, hoje o ensino superior público tem mais estudantes de baixa renda do que o privado, e menos pessoas de renda mais elevada. Ambos, porém, contém predominantemente estudantes de renda alta – no setor público, 30% dos estudantes vêm do décimo superior de renda familiar, e 53% dos dois décimos superiores, contra somente 2% dos dois décimos inferiores. No setor privado, as proporções são de 38%, 64% e 1.2%, respectivamente. Os mais ricos estão começando a emigrar da educação pública para a privada, como aconteceu anos atrás com a educação média; mas ambos os setores continuam predominante ocupados por estudantes de famílias de renda mais alta.

Eu estou de acordo que existem muitas outras questões prioritárias no ensino superior, como a busca de excelência acadêmica, a qualidade da educação superior de massas, a diferenciação institucional, a avaliação, etc. Mas a introdução do princípio do pagamento serviria para deixar claro que a educação superior pública não é um beneficio que a sociedade deve aos estudantes, mas um privilégio que deve ser correspondido com senso de responsabilidade e retribuição.

O crescimento do ensino superior e as mudanças nos salários dos professores

A PNAD 2006 mostra um extraordinário aumento de 12% do número de pessoas estudando em cursos de graduação no Brasil em relação ao ano anterior – de 4.684.653 para 5.262.568, um aumento de 578 mil estudantes.

Fui olhar mais de perto o que teria acontecido, e encontrei algumas coisas interessantes. A primeira é que o aumento se deu sobretudo no setor privado, 14%, contra 7% no setor público. Com isto, a proporção de estudantes no setor privado cresceu de 75.1% para 76.3%. Depois, este aumento se deu sobretudo nas faixas de renda mais alta: 17% na faixa de 2 a 3 salários mínimos, 25% na faixa de 3 a 5 salários, e 21% na faixa de mais de 5 salários.

O outro dado é que, em 2005, haviam 316 mil estudantes que eram professores de nível fundamental e médio, e, em 2006, 611 mil, quase o dobro. É aí, principalmente, que está o crescimento, e há uma razão clara para isto, o grande aumento da renda dos professores estaduais e municipais neste período: 20,1% nos estados, e 16,2% nos municípios. Enquanto isto, a renda dos professores no setor privado caiu em média em 4.3%, e seu valor, de 1.237,06 reais, é hoje inferior ao dos professores estaduais, de 1.511,30 (renda média de todos os trabalhos).

Estes aumentos devem estar associados à obtenção dos títulos de nível superior, e os professores ainda sem qualificação estão entrando em grande número nas faculdades privadas para obter seus títulos. Resta saber se, com isto, a qualidade do ensino que os alunos recebem também vai melhorar.

O Napoleãozinho de Campinas

O Mandarim – História da Infância da Unicamp, do jornalista Eustáquio Gomes, publicado em 2006 pela própria Universidade, é sobretudo a história dos mandos e desmandos de seu fundador, Zeferino Vaz, que havia sido antes interventor na Universidade de Brasília e, antes ainda, fundador da Faculdade de Medicina da USP de Ribeirão Preto. O livro é bem escrito, baseado em depoimentos e documentos internos da Universidade, e um excelente exemplo do que pode e não pode fazer um ditador. Entre 1966 e 1978, Zeferino Vaz fez o que quis na UNICAMP, navegando nas águas turvas da ditadura militar, exibindo quando necessário suas credenciais de anti-comunista militante, defendendo e até tirando da cadeia ¨seus comunistas¨, e manobrando todo o tempo para tirar do caminho as pessoas que questionavam seu poder.

Zeferino tinha uma qualidade, que era haver entendido desde cedo que ¨instituições científicas, universitárias ou isoladas, constroem-se com cérebros e não com edifícios¨. Curiosamente, o livro não diz nada sobre o que Zeferino Vaz fez em sua própria área, de medicina e zoologia. Nas outras áreas, que não conhecia diretamente, buscou nomes de grande prestígio e reputação, trazendo para Campinas e dando total apoio a alguns cientistas brilhantes que haviam feito seu nome no exterior, especialmente Sérgio Porto, Rogério Cerqueira Leite, que criaram a nova área de física do estado sólido, e a grande estrela que era César Lattes, que permaneceu isolado. Na área das ciências sociais e humanas, começou, não se sabe por quê, entregando-a um obscuro professor de filosofia fenomenológica, que foi um desastre; em economia, optou por fazer da universidade a continuadora da tradição da CEPAL, então na moda na América Latina; e descobriu depois que, com o fim da ditadura que já se pressentia, era dos sociólogos marxistas que precisava, desde que não fizessem política nem se confrontassem com ele. Em 1975, promoveu um grande seminário internacional estrelado pelo historiador marxista Eric Hobsbaum que deu à universidade da ditadura uma áurea de centro avançado de pensamento de esquerda, preparada para os anos que viriam.

Comparada com a criação da USP trinta anos antes, que foi buscar nos centros universitários europeus os melhores talentos, chama a atenção o provincianismo do projeto da Unicamp, aonde o único estrangeiro de renome, que estava lá por acaso, era o geneticista Gustav Brieger, que cedo se indispôs com Zeferino e acabou se afastando. Zeferino entendia que sem cérebros não se constrói uma universidade, mas nunca entendeu ou aceitou que estes cérebros formam comunidades de pessoas ativas e pensantes, sem cuja participação as instituições não têm como crescer e fortalecer. O livro é rico de documentos que mostram as brigas por poder na Universidade, mas nada que mostre a existência de deliberações e consultas sobre programas, prioridades, e política de recursos humanos.

O livro também vale pelas fofocas que revelam o estilo e o caráter de muitos personagens que ainda estão entre nós – mas isto fica para o juízo pessoal de cada um.

A invasão da Reitoria da USP

O Boston College Center for International Education tem uma publicação denominada International Higher Education que, no número 48, do verão de 2007, publicou um pequeno texto meu sobre a invasão da reitoria da USP, escrito ao final de maio deste ano. Para quem tiver interesse, a versão original do texto está disponível aqui.

Ocupe a reitoria que há dentro de você!


Esta foto, de uma pixação na reitoria da USP, explica um bom pedaço da triste novela de sua ocupação: estudantes com problemas edipianos mal resolvidos em casa, e projetados nas autoridades públicas mais próximas. Nada que não passe com um pouco de análise e alguns anos mais de idade.

Mas é claro que não foi só isto. Em países sérios, os estudantes não ousariam ocupar desta maneira a sede de instituições públicas, e este tipo de comportamento jamais seria tolerado pelas autoridades. A USP tem mais de 40 mil estudantes, 5 mil professores, e nenhuma das assembléias convocadas para votar contra ou a favor da ocupação e das greves teve a presença de mais de algumas centenas de pessoas, se tanto, e, na prática, a maior parte da Universidade continuou funcionando normalmente. É óbvio que estes pequenos grupos de extrema esquerda não representam o pensamento nem as preferências da grande maioria de professores, alunos e funcionários da universidade. Como explicar, então, que eles conseguissem, por tanto tempo, pretender falar em nome de todos? Não existem mecanismos legais e formais para acabar com esta pseudo-representatividade de associações em cujas assembléias quase ninguém vai? Depois de algum tempo, grupos expressivos de professores se manifestaram contra a ocupação, tirando sua legitimidade, mas é possível dizer que demorou demais.

Da enorme pauta de reivindicações dos ocupantes, algumas me chamaram especial atenção. Uma foi a denúncia de que, nos famosos decretos que serviram de pretexto para o movimento, se dizia que a universidade deveria ser incentivada a fazer pesquisas “operacionais”, uma maneira pouco feliz de dizer que elas deveriam buscar resultados que tivessem aplicações no mundo real. Isto foi interpretado como um passo no caminho da “privatização” da Universidade, que, segundo estas pessoas, deveria ser subsidiada inteiramente por recursos públicos, não receber nenhum dinheiro adicional por projetos, contratos, serviços, cursos de extensão e, muito menos, anuidades, e não produzir pesquisas nem formar ninguém para o maldito “mercado”. Ora, a USP já gasta 5% de todos os impostos do Estado para sua manutenção, com outros 5% indo para a UNICAMP e a UNESP, e os governos do Estado têm conseguido resistir, até aqui, à pressão dos sindicatos por aumentar esta percentagem, às custas de outras áreas de ação prioritária e de impacto social mais equitativo, como na educação básica e média. Em todo o mundo, as universidades públicas trabalham ativamente para crescer e melhorar pela captação de recursos externos, e a USP já vinha fazendo isto com muito sucesso em várias de suas faculdades e institutos mais ativos e competentes. Nos últimos tempos, no entanto, esta liberdade de iniciativa já vinha sendo coibida, e agora é possível que se limite ainda mais.

Outra reivindicação que me impressionou foi a de acabar com o jubilamento, o princípio pelo qual o estudante que não avança em seus estudos deve deixar sua vaga para outros. Não consigo entender como um movimento que fala em nome de grandes ideiais revolucionários também consegue propor isto. Mas a reivindicação deste privilégio não vem sozinha, e se faz acompanhar de uma série de outras relativas a preços e horários de restaurantes, transporte de ônibus, facilidades de moradia no campus, etc. Pode ser que a intenção seja, simplesmente, conseguir o apoio dos possíveis beneficiários destas vantagens, que se somam ao privilégio da educação gratuita e cara que a USP já proporciona. Uma última reivindicação, que parece brincadeira, foi de retirar as contas da Universidade de um sistema transparente de informações que o Estado está implantando, sob o argumento de que, como instituição autônoma, a universidade não precisa mostrar suas contas para ninguém!

A ocupação da USP parece ter acabado muito mal. O normal seria que ficasse caracterizado o absurdo do que foi feito, assim como das idéias, ideologias e práticas destes grupos. Mas o que parece ter sido combinado é que se inicia, agora, um grande período de negociações, em que os ocupantes passarão a pautar a política institucional e acadêmica do Estado de São Paulo, sob a ameaça constante de novas invasões.

E o governo do Estado, em tudo isto? O mínimo que se pode dizer é que ele ainda não tem uma política clara para o setor, parece ter se precipitado com as decisões iniciais que foram tomadas sem maiores consultas e aparente desconhecimento da área, e acabou ficando na defensiva. Não me parece que exista nenhuma intenção, clara ou oculta, de reduzir a autonomia das universidades, e muito menos de “privatizá-las”. Mas não se sabe ainda o que o governo pensa das idéias que têm circulado sobre a expansão da educação pública do ensino superior no Estado, nem sobre as metas e objetivos de médio e longo prazo que se espera que as universidades e centros de pesquisa estaduais desempenhem, e que possam justificar os recursos que recebem. Autonomia não pode ser confundida com um cheque em branco, e esta política precisa ser desenvolvida, através do diálogo e troca de pontos de vista com a parte boa das universidades e da sociedade que ainda é, felizmente, a sua maior parte. Ainda é tempo.

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