Internacionalização dos doutorados brasileiros

University World News, uma publicação internacional sobre o ensino superior, publicou uma série três matérias de  sobre a mobilidade internacional dos estudantes de doutorado, cujo número  mais recente pode ser visto aqui.  Esta é a nota que preparei sobre a situação brasileira:

Os doutorados no exterior aumentam e diminuem, mas a maioria retorna

Com 190 milhões de habitantes e cerca de 592 mil residentes estrangeiros, o Brasil é uma sociedade relativamente fechada, apesar de uma longa história de comércio de escravos africanos até meados do século 19 e grandes fluxos de imigrantes portugueses, italianos e japoneses, alemães até a Primeira Guerra Mundial. Hoje, a maioria dos imigrantes vêm de Portugal, Japão, Itália, Espanha e países fronteiriços como Paraguai, Bolívia, Argentina e Uruguai. Cerca de um quinto – 140 mil – têm diplomas de ensino superior,e são principalmente de Portugal, Itália, Argentina e Espanha, de acordo com dados do Censo Demográfico de 2010.

Brasil tem formado cerca de 12.000 doutores por ano em suas universidades, ccomparado com 4.000 em 1998, que principalmente no sector do ensino superior e da pesquisa (77%). A maioria dos títulos são obtidos nas principais universidades do Brasil, incluindo as universidades estaduais de São Paulo e Campinas e as universidades federais do Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e Minas Gerais, de acordo com dados do Ministério da Ciência e Tecnologia. Entre 1996 e 2006, de acordo com estudo publicado pela CGEE (CGEE 2010), as instituições brasileiras formaram cerca de  50.000 doutores. Destes, apenas 680 foram de pessoas nascidas fora do país, sendo o maior número da Argentina (126), Portugal (80) e Chile (59).

Estudantes brasileiros no exterior

Há também um constante fluxo de brasileiros indo obter seus diplomas no exterior, principalmente com bolsas de agências nacionais. No início de 1990, as agências brasileiras apoiavam cerca de 2.000 estudantes de doutorado por ano no exterior. Na medida em que o número de programas de doutorado no país aumentou, o número de bolsas de doutorado para estudos no exterior caiu, mas outros tipos de bolsas de estudo foram introduzidas. Em 2009, havia 3.760 brasileiros com bolsas de estudo no exterior, 783 deles em programas de doutoramento, 1910 em programas “sanduíche” – estudantes matriculados em cursos de doutorado no Brasil vão para o exterior por um ano ou mais – e 1067 em atividades de pós-doutorado.

Em 2011, o governo brasileiro anunciou o programa “Ciência Sem Fronteiras”, que pretendia enviar 100 mil estudantes ao exterior em quatro anos. A maioria dessas bolsas é para períodos de curta duração para estudantes de graduação, mas cerca de 10 mil era para programas de doutoramento – 2500 por ano – o que significa um retorno aos níveis do início da década de 1990 (Castro, Barros, Ito-Adler, e Schwartzman 2012). O programa é limitado às ciências naturais e tecnologia, partindo do princípio de que as ciências sociais e humanas continuariam a receber apoio de fora do programa.

Dados recentes mostraram que o ‘Ciência sem Fronteiras’ já tinha fornecido 22.000 bolsas, das quais 5.000 para o estudo nos EUA, 3.000 em Portugal e 2.500 em Espanha. Do total, apenas 825 eram para programas de doutorado completo, e 2.300 para pós-doutorados.

Dados do Instituto de Educação Internacional nos Estados Unidos mostram que, em 2011-12, havia cerca de 9.000 estudantes brasileiros nos EUA, marcando um aumento pequeno, mas constante, mas ainda muito aquém do número de estudantes da China, Índia, Coréia e até mesmo do México.

A fuga de cérebros não tem sido um problema

Em contraste com a Índia, China e, na América Latina, México e Argentina, o Brasil não sofre de um fluxo regular de cidadãos educados para o exterior. No passado, a maioria dos brasileiros que iam ao exterior para estudos de doutoramento com bolsas mantinham seus empregos e voltavam para melhores posições em suas instituições de origem (Glaser e Habers 1978). Na década de 1980, quando a economia estagnou, milhares de brasileiros se mudaram para os Estados Unidos, Portugal e Japão – os dekaseguis – para trabalho temporário em atividades não-qualificadas, e muitos voltaram como a economia melhorou a partir de década de 1990 (Carvalho, 2004).

A estimativa é que agora existem cerca de 1,5 milhões de brasileiros no exterior. Hoje, quem vai para o exterior com bolsas do governo têm que concordar em voltar ou pagar suas bolsas, e acordos internacionais impedem que eles obtenham status de residente nos países do estudo. No entanto, não há nenhuma garantia de que eles vão encontrar trabalho adequado ao voltar, embora haja bolsas de estudo que podem ser concedidas para recém doutores dispostos a trabalhar em universidades públicas.

Survey of Earned DoctoratesOs dados mais recentes do da Academia Nacional de Ciências dos EUA mostra que, dos 149 novos doutores brasileiros com vistos temporários em os EUA, 42% pretendiam ficar nos – uma proporção menor do que a de outros países latino-americanos (Argentina, México, Venezuela e Colômbia), todos com cerca de 60%, ou para a Índia ou a China, com cerca de 80% com a intenção de ficar. Não é certo que aqueles que estão pretendem ficar exterior vão realmente fazê-lo, mas, em újltima análise, não são sanções ou multas, mas a criação de oportunidades adequadas de trabalho, que vão trazer os que estudam no exterior de volta para casa.

Referências

Carvalho, José Alberto Magno (2004) “Migrações Internacionais do Brasil da nas Ultimas Duas Décadas do Século XX:. Algumas facetas de um Processo Complexo amplamente Desconhecido” Migrações Internacionais ea Previdência social: 11.

Castro, Claudio De Moura, Hélio Barros, James Ito-Adler e Simon Schwartzman (2012), “Cem Mil Bolsistas no exterior.” Interesse Nacional: 25-36.

CGEE (2010) “Doutores 2010: Estudos da Demografia da base de tecnico-scientifica brasileira”. Centro de Gestão e Estudos Estratégicos, em Brasília.

Glaser, William A e G Habers Christopher (1978), a fuga de cérebros: Emigração e Retorno; resultados de uma pesquisa comparativa multinacional UNITAR de profissionais de países em desenvolvimento que estudam no exterior. Oxford, New York: Pergamon Press

Romulo Pinheiro: universidades nacionais e regionais na Noruega

Rômulo Pinheiro é  professor e pesquisador de origem portuguesa que trabalha na Noruega, e tem se debruçado sobre o tema das universidades regionais.  Ele é autor, entre outras publicações, de  Universities and Regional Development – A Critical Assessment of Tensions and Contradictions, publicado em 2012.  Sobre a questão das universidades regionais  brasileiras que perdem ou reduzem seus vínculos locais quando nacionalizam seu público e seus temas de pesquisa, ele mostra que o problema não é só nosso:

O mesmo se tem passado na Noruega, onde estudantes de regiões mais ricas, e muitos de agregados familiares mais abastados (rendimento & educação), ocupam vagas, especialmente na área de medicina (pois existem poucas vagas a nível nacional), nas universidades de caráter mais regional; embora estas não sejam de caráter local -pois essas não tem cursos de medicina – mas nacional e global. Um problema que tem emergindo refere-se ao fato de muitos desses estudantes, especialmente médicos, por uma razão ou outra (falta de trabalho ou necessidade de ir para hospitais mais centrais onde se pratica as áreas mais prestigiadas da profissão), acabam por abandonar as regiões onde estudaram. Por exemplo, em Tromso, no norte da Noruega, somente cerca 10% dos médicos acabam por ficar na região, especialmente os que originam de outras áreas do pais – Bergen, Oslo, Trondheim, etc. O reverso também existe, i.e. estudantes das áreas mais periféricas que estudam nas universidades mas centrais, e muitos nunca voltam aos seus locais de origem.

Em relação ao balanço entre as funções locais e nacionais/globais, o debate continua, e recentemente publiquei um artigo no Tertiary Education & Management no contexto do sul da Noruega, e os dilemas da universidade local. Existe um consenso de que as universidades, especialmente aquelas de caráter compreensivo e com uma cultura institucionalizada de pesquisa, simultaneamente tem um papel local/regional, nacional e global. Como essas funções são abordadas em pratica difere de contexto para contexto. Por exemplo, em Tromsø, onde fiz trabalho de campo recentemente, existem 3 tipos de acadêmicos e grupos de pesquisa: os de caráter mais locais (‘localists’), envolvidos em atividades de caráter mais local; os ‘globalists’, que estão mais virados para as atividades de excelência de caráter internacional; e o um terceiro grupo, que eu refiro como “entrepeneurs” que estabelecem ligações (links) entre os aspetos locais (e.g. características regionais) e globais (scientific excellence). Um exemplo é a medicina comunitária, onde estes grupos de pesquisa especializaram-se em áreas de interesse local (e.g. doenças cardiovasculares) e, no processo, desenvolveram competências únicas que ajudam a universidade a projetar-se internacionalmente. Em termos de “enrollments”, algumas universidades, como Tromso, estabeleceram cotas em áreas estratégicas (e.g. educação, odontologia, etc.), reservadas para estudantes locais, no entuito de contribuir para o desenvolvimento regional. Muitas universidades de caráter mais regional tem como objetivo recrutar cerca de 70% dos seus estudantes localmente (da região), mas devido a pressões demográficas (população de estudantes a declinar depois de 2015, todas as regiões fora de Oslo), muitas estão ativas no recrutamento de estudantes fora da região, incluindo os internacionais (mestrado e doutorado).

Universidades: nacionais, regionais?

regiao
Dados do Censo do Ensino Superior 2011

Dados publicados recentemente pelo Ministério da Educação, e analisados em matéria do jornal O Globo, mostraram que São Paulo é o Estado que mais envia candidatos selecionados pelo sistema unificado de seleção (SISU, baseado no ENEM) para outras regiões do país.  Os dados mostram também que a área de medicina é a aquela em que mais estudantes migram de estado, 46%, o triplo da média geral (O Globo  17 e  25/5/2013).

 Interpretei isto como podendo significar que, ao invés de facilitar a mobilidade de estudantes de regiões mais pobres para outras mais desenvolvidas, tornando o ensino superior mais equânime deste ponto de vista, o SISU poderia estar tendo o efeito oposto, ao permitir que estudantes do Estado mais rico ocupassem as vagas nas universidades regionais, reduzindo assim as oportunidades de estudo da população local.

Esta conjectura levantou uma série de questões que precisam ser mais aprofundadas, algumas das quais estão analisadas em texto disponível  aqui.

Primeiro, qual é ou deveria a função das universidades públicas e, mais especificamente, das universidades federais?  Elas devem ser entendidas como instituições nacionais ou mesmo globais, abertas a estudantes de todas as origens e desenvolvendo trabalhos de pesquisa de valor universal, e neste sentido sua localização geográfica não seria relevante? Ou elas deveriam ser entendidas como instituições voltadas, pelo menos em parte, a atender às demandas de acesso à educação da população local, assim como realizar pesquisas e atividade de extensão de relevância também local ou regional?

A análise sugere que, embora o sistema de seleção unificada do SISU possa estar contribuindo para nacionalizar em certa medida as universidades federais, isto não chega a alterar o fato de que as instituições de ensino superior brasileiras sejam predominantemente locais, do ponto de vista da mobilidade dos estudantes, que é o que estes dados permitem ver. Existem diferenças em relação aos estados menores e de fronteira, que recebem e enviam mais estudantes para outras partes, e também por áreas de conhecimento, com destaque para a área de medicina e odontologia, que tende a operar em um marco mais nacional na seleção dos estudantes, em prejuízo dos estudantes de origem local.

Seriam necessários dados sobre pesquisas, atividades de extensão e emprego dos alunos formados para saber se, além de atender predominantemente à população local, as instituições de ensino superior estão atendendo de outras formas as necessidades e temas regionais, e contribuindo ou não para fixar os estudantes nos locais em que se formam. É possível supor que, além do SISU, outros mecanismos estão atuando para nacionalizar as instituições de ensino superior, incluindo as avaliações do ENADE, idênticas para todo o país, e, no setor privado, a crescente integração das instituições em conglomerados que buscam padronizar os cursos que proporcionam e, assim, ganhar economias de escala.

É um processo que ocorreu também no setor das comunicações, em que os jornais, rádios e estações de TV se integraram a redes nacionais, assim como na área financeira, com os grandes bancos nacionais que absorveram e substituíram os bancos locais, e assim por diante. É um processo inevitável, mas que não elimina o fato de que as pessoas, na sua grande maioria, vivem e permanecem nos locais em que nascem. A pergunta que fica é se, neste processo, a vida local não se esvazia, a capacidade de lidar com as questões do quotidiano, que são também em grande parte locais, se reduz, e se as instituições de ensino superior não deveriam ter alguma responsabilidade em lidar com isto.

ENEM – SISU: Democratização do Ensino Superior?

 

cotas
Globo Educação, 17/5/2013

Uma das principais justificativas para transformar o antigo ENEM em exame nacional de acesso ao ensino superior foi que, ao eliminar ou reduzir a importância dos vestibulares isolados, o acesso ao ensino superior ficaria mais democratizado, já que os estudantes das regiões mais pobres poderiam agora entrar nas melhores universidades nas regiões mais ricas.

No entanto, os dados das matrículas do SISU, publicados pelo Ministério da Educação e objeto de matéria d e hoje, 17 de maio de 2013, no O Globo Educação,  mostram que pode estar ocorrendo exatamente o oposto: não são os estudantes dos Estados mais pobres que estão chegando aos mais ricos, e sim os do Estado mais rico, São Paulo, que estão ocupando as vagas nos estados que antes eram ocupadas pela população local.

A explicação é simples.  Como o Estado mais populoso e rico do país,  São Paulo forma um grande número de jovens com boa qualificação, mas que apesar disto não conseguem vagas nas universidades públicas do Estado, que são relativamente poucas em relação ao tamanho da população. Eles podem, no entanto, competir com vantagem pelas vagas das universidades de outros Estados, ocupando assim o lugar de estudantes locais. Com isto, as universidades federais nos demais estados podem estar recebendo alunos mais qualificados, mas, ao mesmo tempo, reduzindo seu papel de instituições locais ou regionais, que deveriam, em principio, atender com prioridade à população dos lugares em que estão instaladas.

São Paulo precisa aumentar a oferta de educação superior para sua população, mas isto dificilmente alteraria esta tendência. Em termos gerais, a existência de um exame nacional unificado favorece os estudantes mais qualificados, que normalmente vêm de famílias de regiões mais ricas e níveis sociais mais altos, e que por isto passam para seus filhos um capital cultural e oportunidades de estudo  menos acessíveis a famílias mais pobres e em regiões também mais pobres. É desejável que algumas instituições universitárias trabalhem com critérios estritos de mérito para selecionar seus estudantes, venham de onde vier, a exemplo do ITA e, em certa medida, da UNICAMP, que sempre buscaram recrutar seus alunos em todo o país.  Mas o sistema de ensino superior como um todo precisa considerar também a diversidade regional e social da população do país e criar oportunidades diferenciadas para os diferentes setores. A lei de cotas adotada pelo governo federal não é a melhor maneira de fazer isto, mas não deixa de ser um reconhecimento desta necessidade.  O ENEM e o SISU trabalham em sentido contrário.

 

 

Ação afirmativa no ensino superior brasileiro: a vez de São Paulo

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O site “Inside Higher Education – The World View”  publicou uma nota minha sobre o novo sistema de cotas das universidades paulistas, cuja versão em português reproduzo abaixo:

Em agosto de 2012 a Presidente Dilma Rousseff assinou a lei que torna obrigatório, para todas as universidades federais, reservar 50% de suas vagas em cada curso para estudantes oriundos de escolas públicas, conforme seu nível de renda e perfil étnico (pretos, pardos e indígenas), dando um prazo de quatro anos para que a regra seja implementada. Não querendo ficar para trás, o governador de São Paulo, Geraldo Alkimin, anunciou o projeto de ação afirmativa para as universidades estaduais paulistas, com o nome de “inclusão social com mérito”. Diferentemente do governo federal, que implantou a nova legislação sem considerar a má qualidade da educação recebida pela grande maioria dos estudantes oriundos de escolas públicas, o projeto paulista traz duas inovações importantes: primeiro, os estudantes que optarem por entrar pelo sistema de cotas deverão passar por um curso preparatório de dois anos, depois do qual poderão escolher os cursos superiores conforme seu desempenho nesta etapa; e segundo, estes estudantes receberão uma bolsa de estudos no valor de meio salário mínimo.

Alguns dados são necessários para entender estas políticas. Os dados mais recentes indicam haver no Brasil 6.7 milhões de estudantes de nível superior, dos quais um milhão em universidades federais e 620 mil em universidades estaduais (dos quais 163 mil nas estaduais paulistas). A grande maioria, cerca de 5 milhões, ou 73%, estudam em instituições privadas, em sua maior parte organizadas como empresas voltadas para o lucro. O acesso às instituições públicas é feito por sistemas competitivos (vestibulares ou o ENEM), que em geral selecionam estudante vindos de escolas privadas que tendem a ser melhores do que as públicas mas inacessíveis para quem não pode pagar. 87% dos estudantes de ensino médio estão em escolas públicas, com uma renda familiar que é um terço da dos estudantes em escolas particulares.

Faz sentido, portanto, buscar maneiras de dar mais oportunidades de educação superior para estudantes vindos de escolas públicas e de famílias mais pobres, enquanto a qualidade das escolas públicas não melhorar substancialmente (o critério de “raça” ou etnia, fortemente correlacionado com o de renda, é um outro assunto que não discutirei aqui). Como estes estudantes tendem a ser menos qualificados, no entanto, não é nada claro que eles terão condições de chegar aos mesmos níveis de formação do que seus colegas vindos das escolas particulares, sobretudo nas carreiras mais exigentes. Existe portanto o grande risco de que estes estudantes sejam eliminados ao longo dos cursos ou que as universidades terminem por baixar suas exigências e padrões de qualidade para não reconhecer o fracasso das políticas afirmativas.

A desigualdade em São Paulo, o Estado mais rico do Brasil, é ainda maior do que no país como um todo, com somente 10% de seus estudantes de nível superior tendo acesso às três universidades estaduais, USP, UNICAMP e UNESP, que estão por outro entre as melhores e mais bem financiadas do país. A solução proposta pelo governo do Estado, em consulta com as Universidades, supõe que os dois anos de estudos preparatórios em um “college” semelhante aos ingleses e americanos seriam suficientes para trazer estes estudantes ao mesmo nível de seus colegas vindos das escolas particulares, e, se isto não for possível, eles teriam ainda a possibilidade de continuar estudando nos cursos de formação tecnológica do sistema Paula Souza, que é o mais desenvolvido do Brasil. O desafio é que a educação brasileira está toda organizada no modelo tradicional europeu em que os estudantes ingressam diretamente nos cursos profissionais, e as várias tentativas já feitas de introduzir “ciclos básicos” de um ou dois anos nunca deram certo, sobretudo porque eles significam adiar a entrada nos cursos universitários, e seu conteúdo, de tipo geral, não desperta maior interesse entre os estudantes. No caso de São Paulo, a proposta do “college” está baseada em uma experiência promissora em pequena escala que vem sendo feita pela Universidade de Campinas, mas o projeto do Estado seria fazer um programa em grande escala baseado fortemente em tecnologias de ensino à distância e o uso de tecnologias de informação e comunicação, sobre as quais não existe muita experiência, para que metade dos alunos das universidades estaduais possam vir por esta rota no prazo de cinco anos.

Uma das virtudes do sistema de “colleges”, sobretudo nos Estados Unidos, é que ele oferece aos estudantes um leque amplo de opções, que inclui desde os que querem se preparar para carreiras técnico-científicas mais exigentes até os que se dirigem para profissões mais práticas e com menor exigência de qualificação. No caso de São Paulo, pelo menos pelo que foi publicado até agora, seria o oposto: todos os estudantes seguiriam o mesmo programa, e a opção de seguir um curso mais técnico e aplicado no sistema Paula Souza ficaria reservada para os que não conseguissem bons resultados no primeiro ano. Esta não seria uma boa receita para um sistema de educação superior que pretenda se expandir, se diversificar e se tornar menos excludente.

Mais um manifesto da Academia Brasileira de Ciências e SBPC sobre as Universidades Federais

 

Em julho de 2012 a Academia Brasileira de Ciências e a SBPC publicaram uma manifestação contrária ao projeto de lei que impunha cotas às universidades federais e acabava com os vestibulares, o que não impediu que o projeto fosse aprovado  e sancionado em sua quase totalidade.  Agora as duas entidades voltam a se manifestar sobre um novo projeto de lei sobre a carreira docente nas universidades federais que liquida de vez com o sistema de mérito e impede que as universidades contratem novos professores fora dos níveis iniciais da carreira, eliminando um dos últimos resquícios da autonomia que consta da Constituição.  Quem sabe elas serão mais ouvidas desta vez?

Manifesto da ABC e SBPC pedindo correção no Projeto de Lei que trata a carreira de docente nas Universidades Públicas Federais.

Rio de Janeiro, 20 de novembro de 2012
ABC-PR-294/2012
Manifesto ABC / SBPC

A Academia Brasileira de Ciências (ABC) e a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) vêm, através do presente documento, manifestar suas preocupações quanto ao Projeto de Lei 4368 que redefine a carreira docente nas Universidades Públicas Federais. Foram detectados aspectos que poderão trazer graves dificuldades, problemas e, por que não dizer, retrocesso, para as Universidades Federais Brasileiras, principalmente no que tange a qualidade da Pesquisa e do Ensino de Graduação e Pós- Graduação.

Nossas propostas se concentram, basicamente, em 3 pontos do Projeto, a saber: 1. O sistema previsto para ingresso na carreira (que passará a ser necessariamente no primeiro nível); 2. A definição das atividades compatíveis com o regime DE; 3. O papel do MEC no estabelecimento de critérios para promoções, avaliações e concursos.

1. Por que o ingresso na carreira não tem que ser necessariamente no primeiro nível

O art. 8º do PL prevê que o ingresso na carreira docente só ocorrerá no primeiro nível da classe de Auxiliar, mediante concurso para o qual se exige apenas diploma de graduação. Mesmo quem já tenha título de doutorado será Auxiliar por 3 anos, já que não poderá ser promovido para Adjunto antes do estágio probatório (cf. art. 13 do PL). Embora ele receba uma Retribuição por Titulação correspondente ao título, na tabela remuneração de 2015, o nível salarial correspondente (de Auxiliar 1) apresenta uma perda real de 2% em relação ao salário atual de Adjunto 1. O problema crucial, portanto, é diminuir a atratividade da carreira docente, e inviabilizar que se abram concursos com exigência de titulação.

Consideramos o sistema atual – que permite a abertura de concursos para o primeiro nível das classes de Auxiliar, Assistente e Adjunto – muito mais adequado ao atual estágio da universidade brasileira.

Embora a prática de concursos para adjunto tenha sido comum nas Universidades nesses 24 anos, e que isso não tenha sido questionado judicialmente, difundiu-se a ideia – equivocada – de que essa sistemática não é compatível com os princípios e regras que regem a Administração Pública na Constituição. O sistema atual é flexível e não veda a solicitação, por parte das Unidades, de vagas nas classes de Assistente ou mesmo Auxiliar. Porém, entendemos que essas vagas devem ser solicitadas em caráter excepcional, acompanhado de justificativa sólida da necessidade das mesmas e de um compromisso da Unidade solicitante de que tais docentes contratados serão incentivados a se qualificarem para obtenção do grau de doutor.

O único requisito para ingresso na carreira previsto legalmente (caso o PL seja aprovado) será o título de graduação (art. 8º, § 1º); e ainda que o edital venha a estabelecer requisitos adicionais, isso poderá ser contestado, pois tais requisitos não terão sido previstos em Lei. Isso tornará impossível exigir titulação de doutorado como critério para investidura no cargo, mesmo que seja previsto no Edital do concurso.

Por isso, propomos uma modificação no art. 8º que mantém os termos do sistema atual, em que os concursos possam ser realizados para o primeiro nível de Auxiliar, de Assistente ou de Adjunto.

2. A definição das atividades compatíveis com o regime DE

O PL, em seu art. 21, que enumera as atividades remuneradas compatíveis com o regime de DE, deixou de prever uma situação prevista no sistema atual que é a colaboração esporádica em assuntos de especialidade, devidamente autorizada pela instituição e de acordo com regras próprias. Essa hipótese, no entanto, é a que respalda uma série de contratos em vigor – que têm sido prática corrente na Universidade -, inclusive práticas respaldadas pela Lei de Inovação Tecnológica (Lei 10.973/2004), voltadas para estimular a participação ativa de docentes das Instituições Públicas de Pesquisa em projetos que envolvam as instituições de ciência e tecnologia e empresas.

Entendemos que os benefícios alcançados nos últimos anos seriam ameaçados se essa hipótese deixar de ser prevista, o que representaria, inclusive, um movimento no sentido contrário aos importantes passos dados na Lei de Inovação.

3. O papel do MEC no estabelecimento de critérios para promoções, avaliações e concursos.

O art. 12 do PL traça as regras para desenvolvimento do docente na carreira. Chamou-nos a atenção, em primeiro lugar, o fato de a promoção para Assistente e para Adjunto não exigir a titulação correspondente (Mestrado e Doutorado, respectivamente). Além disso, há a previsão de participação do MEC na formulação de critérios para avaliação (§§ 4º e 5º), sem a menção devida às competências da própria IFES no estabelecimento dessas regras.

Particularmente em relação à avaliação para professor titular (§ 5º), pareceu-nos inadequada a previsão de que a regulamentação desse processo fosse atribuída ao Ministro de Estado da Educação.

Respeitando os princípios da autonomia universitária, pensamos que essa participação deve se limitar a estabelecer diretrizes gerais, ficando cada IFES com a atribuição de estabelecer suas próprias regras e critérios. Tais diretrizes não devem ficar ao sabor da política de governo – e, por isso, não devem ficar na alçada do Ministro, mas sim de uma instância coletiva do MEC que costuma estabelecer regras para o ensino superior (a CES do CNE).

Finalmente, entendemos que a dispensa da detenção de título de Mestre e Doutor para promoção a Assistente e a Adjunto deste PL representará um retrocesso no esforço que as universidades federais vêm fazendo no sentido de titular seus docentes, visando a melhoria da qualidade do ensino e da pesquisa praticados nas universidades federais públicas.

Conclamamos, pois, os Exmos. Srs. Deputados de nosso Congresso Nacional a retificar o texto original de acordo com os pontos aqui levantados, dando assim grande contribuição para que nossas Universidades Federais Públicas caminhem em direção a excelência do ensino e da pesquisa. Como sabem V. Exas. este é o único caminho para termos uma nação dotada de competências nos diversos ramos do saber, que a levará a um pleno desenvolvimento socioeconômico, a par com os países mais avançados do mundo.

Muito cordialmente,
JACOB PALIS JR.Presidente, Academia Brasileira de Ciências

HELENA B. NADER, Presidente, Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência

Dois dados sobre o ENEM

Enquanto aguardamos os resultados do ENEM deste ano, vale a pena olhar alguns dados de 2010, os últimos disponíveis para análise. Naquele ano se inscreveram 4.6 milhões de pessoas, mas só cerca de 3.2 milhões, ou 70%, fizeram as provas. Não encontrei uma explicação para isto, mas o que se observa é que a desistência está fortemente relacionada com a educação dos pais, que, como sabemos, também está relacionada com nível de renda da família, ter estudado em escola pública, etc. Entre os candidatos com pais que não estudaram, 38% desistiram da prova de matemática, por exemplo. Entre os com mais de nível superior, a desistência foi de 18%, a metade.

O Ministério da Educação decidiu que o ENEM serviria também para dar um certificado de nível médio para quem não tivesse este diploma, e que o requisito para isto seria ter pelo menos 400 pontos em todas as provas. Naquele ano,  540 mil pessoas tentaram obter este certificado, e só 26% conseguiram. Para este ano o Ministério achou que 400 pontos era pouco, e elevou para 450. Aplicando este critério para os candidatos ao certificado em 2010, a percentagem de aprovados cairia para 11%.

Se o critério para ter o certificado do ensino médio são 450 pontos ou mais em todas as provas, quantos dos candidatos do ENEM de 2010 satisfazem este critério, ou seja, têm a qualificação mínima necessária para quem conclui o ensino médio? A tabela acima mostra que são somente 27% do total, variando, como era de se esperar, de apenas 12% para pessoas cujos pais não estudaram a 49% para os filhos de pais com educação superior.

Não há muita novidade nestes dados, que confirmam a péssima qualidade de nosso ensino médio, que afeta sobretudo a população de famílias mais pobres e menos educadas.  Eles mostram que, para a grande maioria dos que se candidatam ao ENEM, a prova é uma ilusão cruel, cujo resultado já está em grande parte predeterminado pelas suas condições socioeconômicas e pela má qualidade da educação que tiveram até aí. A solução correta para esta situação seria, antes de mais nada, melhorar o ensino médio, e , ao mesmo tempo, não exigir que todos passem pelo mesmo tipo de prova, em nome de uma igualdade que não existe  (veja a charge que publiquei ontem sobre isto). A solução mais fácil é criar uma política de cotas que, sempre em nome da equidade social,  transfere para as universidades públicas a responsabilidade de lidar com um problema para o qual elas não estão equipadas para resolver.

 

Ronaldo Mota: Regulação do Ensino Superior: É Hora de Inovar

O Caderno de Educação da Folha Dirigida publicou, em sua edição de 23 a 29 de outubro de 2012, o artigo abaixo de Ronaldo Mota, sobre o projeto de lei de criação de um Instituto Nacional de Supervisão e Avaliação da Educação Superior (INSAES), que está tramitando no Congresso.

Regulação do Ensino Superior: É Hora de Inovar

Ronaldo Mota (*)

O Brasil registrou, em 2011, 6.739.689 matrículas no ensino superior. O número de profissionais com título superior na economia ativa é menor do que o dobro de matrículas acima. Assim, somos um país de aproximadamente 200 milhões de habitantes, onde o somatório daqueles que ainda estudam com os que já concluíram o nível superior e estão trabalhando representa inaceitáveis 10% da população.

Somos a sexta economia do mundo, mas ainda não contamos com a garantia de um crescimento social e econômico sustentável. Ao lado da certeza da abundância de nossos recursos naturais, a principal fonte de nossas incertezas recai na deficiente escolaridade, demandando urgente plano com estratégias de crescimento qualitativo e quantitativo em todos os níveis educacionais, incluindo o ensino superior.

O ensino superior, além das conhecidas deficiências, tem seu quadro agravado pela insuficiência, numérica e de qualidade, dos formandos do ensino médio. O crescimento de matrículas no nível superior só será viável se, adicionalmente, promovermos o aumento do número e da qualidade de formandos do nível médio, viabilizarmos que aqueles que estão no mundo do trabalho possam ser atraídos para completarem a formação que abdicaram anteriormente.

Compatibilizar estudo e trabalho é indispensável nas economias contemporâneas e as ferramentas da educação a distancia são imprescindíveis. A utilização da modalidade já responde hoje por quase 15% do total de matrículas. Adicionalmente, na modalidade presencial contribuiria estender a já prevista utilização de até 20% a distância na integralização curricular para até 40% naqueles cursos que, tendo feito uso de 20%, demonstrem comprovados resultados positivos.

Ao lado de um conjunto de outras medidas similares, a mais importante do ponto de vista estrutural seria a consolidação de uma Agência Reguladora, nos moldes de uma Organização Social (OS), capaz de estabelecer com o Poder Público um contrato de gestão plurianual, renovável bem como denunciável, com metas claras e verificáveis de qualidade e quantidade, sendo responsável pela implementação de uma política de expansão e garantia de qualidade do ensino superior. Adicionalmente, liberaria o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP) para desempenhar as funções para as quais ele foi efetivamente criado.

Uma Agência de Regulação bem desenhada poderia impor a todas as instituições educacionais o compromisso de manterem página pública contendo informações detalhadas e atualizadas sobre cada uma das disciplinas com os respectivos professores e seus currículos, salas de aula e infraestruturas disponíveis e utilizadas, demais elementos próprios de cada modalidade e metodologias empregadas, bem como número de estudantes por sala, taxas de evasão e nível de sucesso de seus formandos.

Mesmo não se tratando de auto regulação, a permanente vigilância dos estudantes, via uma Ouvidoria, e das instituições concorrentes seria muito mais eficiente e eficaz do que uma pesada estrutura que subestima a utilização plena das tecnologias digitais e desconhece a premissa da confiabilidade conjugada com previsão de punição severa ao falseamento.

A composição da direção deste órgão é complexa e crítica, mas viável. O Poder Público deve ter uma centralidade compartilhada com instituições como o Conselho Nacional de Educação e demais entidades setoriais afetas à área, gerando indicações de profissionais idôneos, competentes, conhecedores profundos do tema e compromissados com os planos previstos de expansão e qualidade do ensino superior.

O Executivo Federal, por meio do PL 4372/ 2012, propõe a criação de um Instituto Nacional de Supervisão e Avaliação da Educação Superior (INSAES) enquanto autarquia federal. Ainda que seja bem intencionada tal atitude, o Projeto vem acoplado à criação de dispensáveis cargos e funções, basicamente mantém as operações em moldes essencialmente semelhantes aos já adotados e talvez grávido de morosidades e dificuldades hoje existentes.

Trata-se, portanto, de um grande desafio explorar a possibilidade de uma alternativa baseada em modelos contemporâneos, operando por contratos de gestão, ágeis, eficientes e eficazes, auditáveis nas metas que se propuserem a cumprir e que não onerem ou hipertrofiem o setor público ou os demais interessados em termos de gastos, seja com pessoal ou custeio.

Como está o projeto, a proposta do INSAES cria 550 cargos públicos e custa em torno de R$50 milhões ano. Uma OS, em tese, poderia ser mais eficiente, custando muito pouco e trazendo grandes contribuições ao desenvolvimento social e econômico sustentável do Brasil.

* Ronaldo Mota é pesquisador visitante (Cátedra Anísio Teixeira/CAPES) no Instituto de Educação da Universidade de Londres e professor aposentado de Física da UFSM. Foi secretário nacional de Educação Superior e de Educação a Distância do MEC e de Inovação e Desenvolvimento Tecnológico do MCTI.

Andrés Bernasconi: os rankings internacionais são injustos com as universidades latino-americanas?

 

Andrés Bernasconi, professor da Escola de Educação da Universidade Católica do Chile, publicou no blog “Inside Higher Education – The World View” um comentário sobre os lamentáveis resultados das universidades latino-americanas nos rankings internacionais, cujo texto original está disponível aqui. Coloco abaixo minha tradução:

Os rankings internacionais são injustos com as universidades latinoamericanas?

Andrés Bernasconi

A temporada dos rankings é um tempo de más notícias para as universidades latino-americanas. Na sua versão mais recente (3 de outubro), o Times Higher Education World University Ranking não colocou nenhuma universidade da América Latina no grupo dos 100 melhores, e apenas quatro entre todo o elenco de 400.

O que está errado com a gente? Como Andrés Oppenheimer, o jornalista argentino e editor de América Latina do Miami Herald observou, o Brasil é a sexta e o México a 14a economia do mundo, o que deveria significar alguma coisa em termos da possibilidade de apoiar instituições de ensino superior de boa qualidade. Claro, algumas das universidades da União Europeia e da Ivy League americana são muito antigas, e isto ajuda na reputação, uma das variáveis de maior peso neste ranking, mas algumas das mais antigas instituições da América Latina também datam dos séculos XVI e XVII. Além disso, as universidades que tem mais avançado nos rankings, na maior parte localizadas na Coréia, Cingapura, Taiwan e China, são bastante novas, e a juventude não parece ser um problema para elas.

Em estilo bem latino-americano, muitos líderes universitários nesta parte do mundo preferem matar o mensageiro, lançam a suspeita de que existe uma conspiração global contra a região, e buscam refúgio em um universo paralelo. Assim, um grupo se reuniu no México em maio, com apoio da UNESCO, e denunciou os rankings globais como medidas inválidas de qualidade, criticou a tendenciosidade “anglo-saxã” das avaliações e proclamou que, dado que as universidades nesta parte do mundo são diferentes, é necessário criar novos rankings que reflitam a missão “social” das universidades na América Latina, um conceito obscuro para descrever o que as universidades fazem que não é pesquisa, nem ensino, nem transferência de resultados de pesquisa, e nenhuma das outras funções associadas às universidades como uma instituição em outras partes do mundo.

Um grupo de interesse liderado por universidades nacionais como a Universidade Nacional Autônoma do México, a Universidade de Buenos Aires, a Universidade Nacional de Colômbia, e a Universidade de Chile (precisamente aquelas que deveriam estar muito melhor nos rankings se seu desempenho científico estivesse à altura da bela imagem que têm de si mesmas) vai muito provavelmente continuar a dar as costas ao que os rankings internacionais mostram de forma consistente: que a educação superior da América Latina permanece na periferia da busca moderna pelo conhecimento, mais um espectador que um ator.

Se, no entanto, os líderes universitários decidissem considerar a possibilidade de que os rankings têm algo de verdadeiro, aqui estão algumas hipótese do que pode estar errado com as universidades da América Latina.

Primeiro e mais importante: o corpo docente. Não seu número, nem sua vocação e dedicação à universidade, nem a qualidade do seu ensino. O problema é sua falta de qualificação para o que no resto do mundo se entende por pesquisa científica legítima, sua capacidade limitada para usar o inglês para acessar às principais correntes de conhecimento mundiais e os salários insustentavelmente baixos. Na maioria das melhores universidades da América Latina (com exceção de cerca 20 das melhores do Brasil) o número de pessoal docente com doutorado continua a ser uma minoria e a fluência em outros idiomas além do espanhol e português ainda é excepcional. Há muitas razões perfeitamente compreensíveis para isso, mas a verdade é que não é possível haver pesquisa internacionalmente competitiva feita por professores que não foram treinados para pesquisar (incluindo neste grupo muitos que obtiveram seu doutorado já no meio ou ao final de suas carreiras, em programas medíocres), ou de acadêmicos cuja base de conhecimento se limita ao que é publicado em espanhol ou português; e também não se pode esperar bons resultados quando os salários são tão baixos que os professores, ainda que nominalmente em tempo integral, precisam trabalhar em dois ou três lugares para ter uma vida decente, como ocorre em quase todos os lugares exceto em algumas poucas universidades na região.

O segundo obstáculo é a governança das instituições e as políticas implementadas pelos sistemas nacionais de educação superior. A autonomia universitária, objeto de apego quase religioso na América Latina, durante décadas serviu à nobre função de manter governos corruptos, incompetentes e autocráticos fora das universidades. Infelizmente, em alguns países, isto continua sendo necessário. Mas na maior parte da região existem democracias estáveis com lideranças razoáveis que estão consolidando espaços de diálogo onde as universidades podem desenvolver políticas em parceria com os governantes, em vez de bater a porta da autonomia em sua cara. Por que isso é importante? Porque a maioria das universidades latino-americanas, especialmente no setor público, não tem a vontade política de se reformar, e precisam trabalhar com seus governos (como ocorre cada vez mais com as universidades na Europa, Austrália e Ásia) para encontrar mecanismos para renovar os quadros acadêmicos, investir mais dinheiro em pesquisa para aqueles que podem usá-lo de forma produtiva, reformar as estruturas de carreira e tabelas salariais, criar capacidade de tomada de decisão e planejamento de longo prazo, reduzir o inchaço da administração e transferir recursos dentro das universidades e entre instituições no sistema universitário, para onde possam ser mais úteis e necessários, para citar somente algumas das correções tão necessárias que precisam ser feitas.

 

Seminario Internacional sobre Educação Superior nos BRICS

Vejam abaixo o convite para o Seminário Internacional sobre Educação Superior nos BRICS, a ser realizado na Universidade de Campinas de 8 a 9 de novembro de 2012. Os detalhes do seminário estão disponíveis aqui, e as inscrições podem ser feitas também por telefone e email,  55 19 3521-4171 e-mail:ceav-brics@reitoria.unicamp.br.

 

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