Textos de “Democracia e Políticas Sociais para a América Latina”|Texts from “Democracy and social policy for Latin America”

Como anunciado antes, No dia 7 de julho foram lançados os dois volumes de América Latina: desafios da democracia e do desenvolvimento, editados por Fernando Henrique Cardoso e Alejandrio Foxley,  publicados pela editora Campus-Elsevier e o Instituto Fernando Henrique Cardoso. Estes trabalhos, resultado de um projeto conjunto do Instituto Fernando Henrique Cardoso e a CIEPLAN de Chile, foram também publicados em espanhol como A medio camino: nuevos desafíos de la democracia y del desarrollo en América Latina (Santiago, Uqbar, 2009)

Além de participar da coordenação do projeto, junto com Patricio Meller, fui responsável por três dos capítulos, descritos abaixo, e disponíveis em versão preliminar.

Volume 1, capítulo 2 – Democracia e Governabilidade

Voume 2, capítulo 5- Educação e recursos humanos.

Volume 2, capitulo 7 – As regiões metropolitanas na América Latina: potencialidades, problemas e governabilidade.

Críticas e comentários são muito benvindos.

O local e o universal na educação

Teatro Jose de Alencar
Teatro José de Alencar, Fortaleza

Na abertura do Encontro Cearense de Historiadores e Geógrafos da Educação, em maio de 2009 em Fortaleza, fiz uma apresentação discutindo a questão do local e do universal em educação, a partir de uma releitura do Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova de 1932.

Na conclusão, argumento que “a educação deveria ser o lugar ideal para criar as pontes entre o mundo local e o universal. Em um país como o Brasil, em que praticamente todos falam a mesma língua, apesar das diferenças regionais e sociais, e em que as raças e culturas se misturam, o que as pessoas têm em comum é seguramente maior, e tão ou mais significativo, do que elas possam ter de próprio e de específico. À primeira vista, uma educação voltada para o fortalecimento e expressão das identidades particulares e impregnada pelos valores da criatividade e do descobrimento, no lugar da cultura universal e das pedagogias dogmáticas e impositivas, seria o melhor caminho para motivar os estudantes e contribuir para o seu desenvolvimento, e o de suas comunidades, em todos os aspectos. Mas, levada ao extremo, esta orientação pode ter resultados negativos, impedindo que as crianças tenham o acesso à cultura mais universal, e não adquiram os conhecimentos e as competências indispensáveis para conhecer, viver, trabalhar e poder fazer suas escolhas nas sociedades contemporâneas. Isto requer, além de motivação, o aprendizado do trabalho ordenado e da disciplina, e a adoção, por parte dos educadores, de métodos e materiais pedagógicos adequados que permitam aos estudantes, sobretudo os menos favorecidos, adquirir estas competências e estes conhecimentos. Assim como é difícil “falar em línguas”, é também difícil encontrar os caminhos para a combinação frutífera e criativa entre o local e o universal, do conhecimento de si e do conhecimento do outro, que buscava Mário de Andrade, e que continua sendo o grande desafio para os que se interessam pela educação no nosso país.”

O texto completo está disponível aqui.

Maria Helena Guimarães: a cultura da avaliação|Maria Helena Guimarães: the culture of evaluation

Saindo da Secretaria da Educação do Estado de São Paulo, Maria Helena Guimarães Castro fez um balanço de sua atuação, cuja íntegra está disponível aqui. Segundo ela, nestes 20 meses de trabalho,

" Implantamos a cultura da avaliação, a política de incentivos e de reconhecimento do mérito. Os números estão aí. Sempre foram divulgados com total transparência, pois é apenas com o envolvimento de toda a sociedade que a educação pode melhorar. São Paulo avançou nestes vinte meses. As cinco mil e trezentas escolas estaduais têm metas a serem alcançadas a cada ano. E, chegando a estas metas, toda equipe da escola é recompensada. É uma política de justiça, de recompensar os mais esforçados, os que mais se dedicaram ao longo do ano. É também uma política de promoção da equidade, ao garantir apoio especial, pedagógico e administrativo, às escolas mais vulneráveis, que já começam a melhorar como demonstram os resultados do IDESP.  São Paulo pagou R$ 600 milhões de reais em bônus aos professores e profissionais da educação que fizeram nossos alunos aprender mais. O conjunto dos profissionais da educação entendeu a nova regra, o direito de todo aluno aprender, e estou certa de que teremos grandes avanços pela frente."

Maria Helena Guimarães Castro deixa a Secretaria de Educação de São Paulo

A demissão inesperada da Secretária de Educação de São Paulo, aparentemente por “razões pessoais”, deixou triste todos os que vinham acompanhando seu trabalho intenso e difícil por melhorar a qualidade e corrigir as deformações da maior rede de educação pública do país. Recebi a respeito a mensagem abaixo, que subscrevo e comparto  com os que acompanham este site.

Em nome da equipe docente e dos estudantes de Pedagogia do Instituto Singularidades venho expressar nossa solidariedade,  orgulho e respeito pelas ações desenvolvidas por Maria Helena Guimarães à frente da Secretaria Estadual de Educação de São Paulo, nos últimos 2 anos.

Apesar das gritas e resistências na rede, como parceiros em vários programas da Secretaria, pudemos acompanhar algumas conquistas relativas às aprendizagens dos alunos e às reflexões que foram lançadas para a sociedade civil sobre a qualificação docente, a partir dos resultados da prova de ingresso dos professores temporários.

Sabemos e compartilhamos das dificuldades e do tempo necessário para que os impactos significativos possam contemplar a maioria dos estudantes e suas famílias, assim como para uma tranformação radical das posturas didáticas e profissionais – e porque não dizer, corporativas – de nossos docentes.

Ainda assim, as ações de Maria Helena revelam uma possibilidade de esperança no sucesso de nossa escola! Vários de nossos alunos e ex-alunos têm ingressado na rede e podido desenvolver práticas didáticas condizentes com as novas orientações curriculares, apresentando resultados ótimos – merecedores dos bônus já conquistados.

Acreditamos que  Paulo Renato, cuja competência conhecemos publicamente e como partícipes de sua equipe no Ministério da Educação, poderá dar continuidade à política pública já iniciada, incluindo novos desafios para a educação paulista.

Gisela Wajskop, Diretora-Presidente

Instituto Superior de Educação de Paulo – Singularidades

Guiomar Namo de Mello: que fará Obama na área da educação?

Escreve Guiomar:

Simon, não sei se você viu o debate entre as duas educadoras que falaram sobre educação durante a campanha, a de McCain e a de Obama. Esta última, Linda Hammond, é minha velha conhecida,  pelos textos e por sua participação nas grandes associações de educadores dos EUA, entre elas a poderosa NEA National Education Association que trabalhou para o Obama. Linda é uma típica pedagoga, séria mas com as posições clássicas dos educadores e em guerra com os que defendem avaliação, testes, accountability, etc.

Isso me leva à triste conclusão que com Obama será uma disputa  terrível na educação, entre os chamados “reformers”, que defendem accountability, avaliação e charter schools, representados por vários grupos que passaram para o lado dos democratas agora, provavelmente em função da truculência do Bush,  e os unionists, representados pela Linda, a Teacher Federation e as entidades de educação tradicionalmente democratas que defendem tudo o que você já sabe que é indefensável mas continua predominando na educação: salários mais altos sem prestação de contas, dar menos peso para as avaliações externas e colocar menos alunos por classe (menos ainda!). Sad isn’t it? Se Obama não conseguir conter isso, o custo aluno nos EUA vai ser ainda mais alto e a educação ainda mais ineficiente.

Educação é realmente um tema complexo, porque mesmo uma virada histórica como essa do Obama  não vai trazer consenso sobre o que deve ser feito. Na campanha ele foi dando uma martelada no cravo e outra na ferradura. De um lado dizia que ia fortalecer o movimento das Charter Schools, de outro comprometeu-se em aumentar os recursos para educação especial, num país onde o custo desse tipo de aluno já está em quase 15.000 dólares por ano, sem nenhum resultado concreto e sem avaliação pois essa é uma área em que a corporação conseguiu deixar fora do sistema NAEP e todos os outros. E assim com vários temas quentes atualmente na agenda da educação americana. Enfim, teremos um tempo interessante pela frente. Aí vai  o link para o vídeo do debate.

Os trens da alegria da educação| The joy rides of education

Nos anos 50, o governo federal criou uma grande rede de universidades em todo país, transformando antigas escolas superiores estaduais, municipais e particulares em universidades públicas, e criando outras por decreto. Quando fui aluno da Faculdade de Economia da UFMG, ainda tive muitos professores que eram  “catedráticos fundadores”, antigos professores de  escolas técnicas de nível médio que nunca haviam publicado ou pesquisado nada na vida, não sabiam nada de economia nem de ciências sociais, e que eram quem mandavam na Faculdade. Algumas destas instituições que já tinham alguma tradição, como a própria UFMG, aproveitaram a oportunidade e se transformaram em universidades de verdade; algumas faculdades também floresceram; mas a maioria se transformou em repartições públicas proporcionando ensino medíocre e fazendo muito pouco em termos de pesquisa. O Brasil hoje tem a rede de educação superior mais cara da América Latina, sem ter muito mais qualidade por causa disto.

Em 1993 os pesquisadores federais não universitários, em instituições como o IBGE, Comissão de Energia Nuclear, INPI, Fundação Oswaldo Cruz, CAPES e outros, conseguiram que o governo aprovasse uma lei criando uma carreira de ciência e tecnologia, que deveria dar a esta categoria um nível salarial e condições de progresso funcional adequados.  No bolo, além da carreira de pesquisador, foi criada também uma carreira de “Desenvolvimento Tecnológico”  e outra de “Gestão, Planejamento e Infraestrutura em Ciência e Tecnologia”, e com isto praticamente todos os funcionários destas e outras instituições, pesquisadores ou não, entraram na carreira.  Com isto, a carreira ficou enorme, acabou se diluindo, os salários deixaram de se diferenciar, e o trem da alegria foi parando aos poucos. O IPEA, que ficou de fora, se saiu muito melhor.

Olhando para trás, fica óbvio que haveriam muitas outras maneiras mais inteligentes de apoiar o crescimento e desenvolvimento do ensino superior e da pesquisa científica sem estes trens da alegria, estimulando as instituições que se destacassem, fazendo parcerias com governos estaduais, etc. Quando isto ocorreu, sobretudo na área do apoio à pós-graduação por parte da CAPES e do CNPq, os resultados foram muito melhores.

A lógica destes trens da alegria é simples. Os interessados se organizam, se  já não estão organizados, e pressionam o Congresso. Professores e pesquisadores têm bons argumentos – é preciso desenvolver a educação e a pesquisa, etc.  Outros funcionários das mesmas instituições também aderem – seria uma injustiça melhorar as condições de uns e não de outros. Além disto, quanto mais gente empurrando, mais forte a pressão.  Os congressistas, que não entendem bem mas não querem ficar mal com ninguém, apoiam, e o governo federal sanciona, com alguns vetos aqui e alí.  Quem é contra é acusado de ser contra a educação e a pesquisa, ou neo-liberal e privatista.

Agora estamos diante de novas ondas de trens da alegria, no ensino técnico e na educação básica. Em julho de 2008 o governo federal enviou ao Congresso um projeto de criação de uma  “rede federal de educação científica e tecnológica”  de 38 instituições, incluindo os atuais CEFETS  e escolas técnicas espalhadas pelo país.  A lista de atribuções destas novas instituições é grandiosa, da educação de jovens e adultos e ensino técnico de nível médio à pesquisa tecnológica e a pós-graduação strito senso.  Sobre as enormes diferenças entre as instituições sendo criadas ou promovidas, sobre os aspectos positivos e negativos da longa experiêcia do governo federal com os CEFETs, (que estão se transformando em universidades e pouco se dedicaram de fato à formação profisional) nem uma palavra. Os cargos de magníficos reitores já foram criados, e daqui a pouco, se já não ocorreu, todos professores destas instituições reivindicarão isonomia com os professores das universidades federais.

Mas o mais grave é o que se anuncia para o ensino básico. Começou com a lei 11.738 de 11 de julho deste ano, que criou um piso salarial para professores de todo o país. Quem poderia ser contra?  Além de criar um piso, a lei diz que os professores só podem dedicar 2/3 do seu tempo para dar aulas, criando um aumento de despesas e a necessidade de contratação de novos professores que muitos estados e municipios não têm como financiar.

Ao mesmo tempo, existem projetos de lei em andamento, desde 2003, como o da Senadora Fátima Cleide, (PLS 507/2003) para redefinir o que se entende por “profissionais da educação básica”, para incluir, além dos professores, todas as pessoas que trabalham em escolas.  A única solucão seria o governo federal, cujos recursos muita gente ainda pensa que são infinitos, pagar a conta, ou encampar de vez as redes estaduais e municipais de educação, como vem propondo o Senador Cristóvão Buarque. O ex Ministro da Educação, que deveria entender do assunto, já encaminhou projeto  de lei (PLS 320/2008)  criando o “Programa Federal de Educação Integral de Qualidade para Todos e a Carreira Nacional do Magistério da Educação de Base.”, que prevê a contratação de professores para a educação básica pelo MEC, com salário médio igual ao do Colégio D. Pedro II, de R$ 4.000,00, e a entrada em atividade desses professores, sob supervisão do MEC, nas escolas estaduais e municipais.  Um outro projeto institui o 14o salário para professores, e outro ainda institui o ano sabático a cada sete anos para todos os professores. Só isto significa que o número de professores no país deverá aumentar em pelo menos em 15%, fora o aumento causado pela limitação do número de horas que os professores podem ensinar,  sem aumentar em nada  o tempo de permanência das crianças nas escolas, ou reduzir o número de escolas secundárias noturnas. Depois virão, certamente, as equivalências de direitos entre professores e outros trabalhadores da educação, isonomia com as universidades, e assim por diante

Que eu saiba, ninguém parou para fazer a conta de quanto isto custará para a Viuva, e é possivel que boa parte desta festa seja vetada pelo governo federal, com a crise que está se instalando.  Mas, além do dinheiro, este movimento pela federalização e aumento indiscriminado de gastos vai contra tudo o que se sabe sobre o que dá e não dá certo em educação:  que estas grandes redes federalizadas não funcionam, e, uma vez criadas, são quase impossíveis de desmontar; que aumentos de salário, por si mesmos, não melhoram a educação; que o ensino técnico e profissional deve ser  desburocratizado, vinculado ao setor produtivo e proporcionado por instituições especializadas;  que os sistemas escolares devem ser descentralizados, com escolas autônomas e vinculadas às comunidades; que o papel dos governos estaduais e federal deve ser o de estabelecer padrões de qualidade, criar incentivos ao desempenho, melhorar a qualidade da formação dos professores e dar apoio didático e pedagógico às escolas e professores que necessitem, e não administrar as escolas e seus professores diretamente.  Se for possível subsidiar a educação dos muncipios mais pobres, como aliás o FUNDEB já prevê, e aumentar os salários de todos os que trabalham em educação, ótimo, mas não à custa de todas as outras atividades do setor, e sem tomar em conta as enormes diferenças entre as redes estaduais e municipais de educação do país.

Se este trem da alegria passar, a possibilidade de fazer com que a educação brasileira saia do buraco negro em que se encontra ficará mais remota do que nunca.

A nova numerologia do INEP|The new numerology from INEP

Não contente com o “Conceito Preliminar de Cursos”, o INEP, incorrigível, agora lança na imprensa o “Indice Geral de Cursos da Instituição”, combinando os dados do conceito preliminar com as notas de avaliação da pós-graduação da CAPES.  Agora “sabemos” que as melhores universidades do Brasil são, nesta ordem, a Universidade Federal de São Paulo, a Universidade Federal de Ciências de Saúde de Porto Alegre, a Universidade Federal de Viçosa e a Universidade Federal de Minas Gerais; as piores são a Universidade de Santo Amaro, a Universidade do Grande ABC, a Universidade Iguaçu e a Universidade Estadual de Ciências da Saúde de Alagoas (a Universidade de São Paulo e a Universidade de Campinas, prudentemente, preferiram ficar fora da brincadeira).

Para que que serve mesmo saber que, segundo o INEP, a Universidade Federal do Rio de Janeiro está na posição 35? Isto ajuda os estudantes a decidir se vale ou não à pena se candidatar para fazer o curso de economia, medicina, educação física ou um doutorado em biofísica nesta instituição, ou uma pós-graduação na COPPE? Isto ajuda o MEC a decidir se vai aumentar ou diminuir os recursos de custeio da Universidade, ou fazer com que ela gerencie melhor os recursos que já recebe? O que se espera? Que ela chegue à posição 20 em “x” anos?…

Para quem que, como eu, sempre defendeu a necessidade de avaliar os cursos e as instituições de ensino superior no Brasil, fica uma situação difícil, já que esta numerologia reforça os argumentos dos que sempre acharam melhor não avaliar coisa nenhuma. O fato é que o INEP não tem condições de fazer uma avaliação adequada das 2.270 instituições e 22 mil cursos superiores que existem por este Brasil afora, e estes exercícios estatísticos, por mais bem feitos que sejam (e não são bem feitos assim, veja minha análise do “conceito preliminar”) estarão sempre sujeitos a demasiados erros e imprecisões, e por isto mesmo não poderiam ser divulgados pela imprensa como o são, ainda que sob o título de “preliminar”.

Que alternativas existem? Eu não tenho respostas prontas, mas acho que poderíamos começar por algumas coisas:

  • Ao invés de se preocupar tanto em controlar o ensino privado, o Ministério da Educação poderia começar por concentrar esforços em avaliar e controlar melhor suas  próprias 105 instituições  federais (é o dado de 2006), que são financiadas com recursos públicos, para ter certeza que seus cursos são bons, em áreas prioritárias para o país, e que os recursos estão sendo utilizados de forma racional e eficiente.
  • Para o setor privado, o Ministério deveria se limitar a assegurar que as instituições têm condições mínimas para funcionar. Ao invés de distribuir estrelas, haveria simplesmente uma certificação institucional (como um ISO educacional)  e também uma certificação dos cursos em instituições não universitárias (se não me equivoco, as universidades não precisam de autorização do MEC para criar cursos).
  • Recursos poderiam ser destinados para reforçar os sistemas de certificação profissional de médicos, advogados, professores, engenheiros e outras áreas profissionais de impacto na saúde, formação e patrimônio das pessoas.  Instituições públicas ou privadas que não formassem alunos capazes de passar por estas certificações seriam forçadas a fechar, ou se aperfeiçoar.
  • Deveria haver um esforço de desenvolver e explicitar as competências e habilidades profissionais esperadas nas diversas áreas profissionais, e usar este conhecimento para a criação de sistemas de avaliação das instituições por profissão, ou carreira, abrindo espaço para o reconhecimento das diferenças que existem entre os cursos em relação às competências que buscam desenvolver.
  • As instituições privadas, que hoje se sentem prejudicadas pelas avaliações que o INEP produz, deveriam levar a sério o projeto de criar sistemas próprios e independentes de certificação e avaliação de cursos e instituições, que pudessem eventualmente se contrapor aos números oficiais que o governo  vem divulgando. A idéia não seria criar um “inepinho” privado, mas ir estabelecendo sistemas de avaliação setoriais, por adesão das instituições interessadas em mostrar para  sociedade a qualidade que tenham. Os custos deveriam ser cobertos pelas instituições participantes.
  • A legislação existente, que criou o CONAES e o SINAIS, precisaria ser revista, para que o país possa desenvolver sistemas de avaliação do ensino superior que tenham qualidade técnica e legitimidade, respeitando a grande diversidade e as dimensões continentais do país, coisas que não ocorrem hoje.

Pesquisas em eficácia escolar: origens e trajetórias


Editado por Nigel Brooke e José Francisco Soares, acaba de ser publicado o  livro com este título que  inclui, pela primeira vez em português, os principais textos que deram origem aos estudos empíricos sobre igualdade e equidade na educação, a partir do famoso “Coleman Report” sobre a igualdade de oportunidades educacionais nos Estados Unidos, de 1966. A publicação mostra que, finalmente, estas pesquisas estão chegando ao Brasil, sobretudo a partir do trabalho a Associação Brasileira de Avaliação Educacional (ABAVE).

O livro foi editado pela Universidade Federal de Minas Gerais.

Ainda sobre a educação e o dinheiro

O projeto da Secretaria de Educação de São Paulo de introduzir um sistema de incentivo financeiro para escolas que conseguirem melhor o desempenho de seus alunos levantou uma grande discussão, parte dela refletida neste blog. Creio que os pontos principais da discussão são os seguintes :

Como medir os resultados, e que resultados recompensar? Esta é sobretudo uma questão técnica, e acredito que a proposta da Secretaria está bem encaminhada neste sentido. Haveria uma escala de competências de três ou quatro níveis, todos eles facilmente inteligíveis para professores e pais de alunos: por exemplo, os que não conseguem ler, os que lêem de forma mecânica sem entender, os que lêem e entendem mas não conseguem interpretar o texto, e os que lêem, entendem e interpretam. Seriam premiadas as escolas que, entre uma avaliação e outra, conseguirem que um determinado numero de alunos passem de um patamar a outro, sem aumentar a evasão ou a repetência. Ainda não está claro, para mim, como se combinariam os desempenhos em português e matemática e mais os dados de evasão e repetência, em um único índice de desempenho. Talvez a melhor maneira fosse usar o índice para ver o conjunto, mas divulgar não um número abstrato do índice de cada escola, mas os resultados separados de cada dimensão. Uma outra questão técnica é como medir as competências, e como ir aperfeiçoando os sistemas de avaliação.

Qual o efeito da remuneração por desempenho no trabalho dos professores e no funcionamento das escolas? Felipe Schwartzman, no seu comentário, indica duas objeções que se fazem normalmente a este tipo de política. A primeira é que, como a avaliação está limitada a coisas mensuráveis, isto levaria a uma concentração exclusiva da escola na preparação para os testes, deixando de lado outras disciplinas e conteúdos que não estão sendo avaliados. Uma primeira resposta a esta objeção é que se nossas escolas públicas somente ensinassem português e matemática a seus alunos, e nada mais, já seria uma maravilha. A segunda, mais complexa, é que na verdade não há como avançar muito no desenvolvimento da leitura e da matemática se a educação não for rica em conteúdos que os estudantes possam absorver e entender. O problema fundamental nos anos iniciais das escolas públicas brasileiras é o número enorme de estudantes que permanecem como analfabetos funcionais, o que pode ser corrigido pelo uso correto de métodos fônicos de alfabetização e materiais pedagógicos de apoio de qualidade. A partir daí, no entanto, passam a ser importantes os conteúdos. Uma escola que se concentrasse exclusivamente na preparação para os testes não iria muito longe.

A segunda critica é que metas quantitativas, associadas a recompensas financeiras, estimulariam entre professores e alunos o surgimento de comportamentos oportunistas para enganar o sistema, e substituiriam o valor da educação enquanto tal por valores mercantilistas. Sem dúvida, qualquer sistema de avaliação, sobretudo quando associado a prêmios e punições (o que em inglês se denomina “high stakes”), estimula comportamentos oportunistas, como treinar os estudantes para as provas, eliminar da escola os de pior desempenho, e até mesmo colar e falsificar os resultados. Mas estes comportamentos oportunistas podem ser controlados em certa medida, punindo, por exemplo, as escolas que reprovam ou forçam a saída dos alunos de pior desempenho. A pergunta, aí, é o que é preferível, um sistema bem avaliado e sujeito a este tipo de problemas, ou um sistema sem avaliação, mas cujos resultados agregados são reconhecidamente desastrosos.

Tenho dúvidas, também, se existe esta oposição tão forte entre os valores da educação e os valores do mercado como dizem. Todos sabemos que os mercados, muitas vezes, buscam o dinheiro em detrimento da qualidade, com programas de auditório tomando o lugar dos concertos, os livros de auto-ajuda substituindo os de literatura, e os hamburgers substituindo a cozinha sofisticada. Mas existem também mercados de qualidade, e os bons profissionais – músicos clássicos, escritores e chefs – são valorizados e ganham dinheiro pela competência e qualidade com que trabalham. O problema não é, me parece, o da oposição entre atividades “nobres” e fora do mercado e atividades prostituídas pelo mercado (coisa que elaborei no blog anterior) mas entre mercados que estimulam bons resultados e os que não o fazem. O mercado da educação, deixado por ele mesmo, tende a se segmentar entre os dois extremos, o da oferta barata de títulos vazios e o da oferta de títulos e qualificações muitas vezes sobre-valorizadas, e isto ocorre tanto entre as instituições públicas quanto entre as privadas. Dai a necessidade de políticas públicas claras de sinalização.

Finalmente, Márcio da Costa coloca a questão de como valorizar a atuação de escolas que, embora sem resultados visíveis em termos de desempenho escolar, conseguem outros objetivos importantes, como criar um ambiente sadio e de inclusão para seus alunos. O que me parece é que uma escola que faz isto não é, na realidade, uma escola, mas um outro tipo de instituição. Escolas são instituições que ensinam um conjunto limitado e importante de coisas, e não se deve pedir a elas mais do que elas podem ou devem fazer. Existe uma tendência a querer que as escolas resolvam todos os problemas que a sociedade tem e não consegue resolver – ontem mesmo havia um deputado propondo a obrigatoriedade do ensino de comportamento no trânsito nas escolas, para reduzir o nível de acidentes. Com isto, a escola não cumpre seu papel, e a sociedade deixa de buscar estes outros objetivos pelos meios apropriados. A instituição descrita por Márcio merece todo o apoio, mas, para ser escola e ser reconhecida como tal, os alunos têm que aprender.

Da nobreza, da cultura e do dinheiro

A idéia de premiar financeiramente os educadores de bom desempenho, como a que está sendo implantada agora no Estado de São Paulo, provoca muitas vezes, uma reação instintiva: não estaria errado associar educação e cultura a dinheiro, e transformar os educadores em mercenários? É a mesma reação que existe, muitas vezes, contra o ensino privado, que seria incompatível com uma educação de qualidade, que não fosse um simples treinamento para o mercado.

Esta idéia de separar as atividades nobres do dinheiro é antiga, e tem uma história conhecida. Nas sociedades aristocráticas, os nobres não precisavam nem deviam se preocupar com dinheiro. Sua posição na sociedade vinha do berço, e suas principais responsabilidades eram manter a honra e o etilo de vida de sua casta, e ajudar e tratar com benevolência seus súditos. O dinheiro vinha naturalmente, sobretudo da renda da terra, que não podia ser vendida nem comprada. O pior, para a nobreza, era o “dinheiro novo” nas suas diversas formas, ganho no comercio ou nas transações financeiras: os burgueses, os “parvenus”, e, claro, os judeus. Os gentlemen ingleses, que inventaram o futebol, só deveriam praticar esportes como amadores, sem a obsessão de ganhar; deveriam freqüentar as melhores universidades, Oxford e Cambridge, para estudar história, literatura ou filosofia, nunca a engenharia, que ficava relegada aos institutos de tecnologia. Nada mais ungentlemanlike do que estudar demasiado ou querer ganhar sempre nos esportes. Trabalhar, quando o faziam, era pela Pátria ou pelo Império, nunca para o enriquecimento pessoal.

As profissões universitárias, sobretudo a medicina e o direito, herdaram muito desta idéia de nobreza. Neste modelo que quase não existe mais, o médico trabalha pela saúde dos pacientes, e o advogado, pela defesa de seus direitos. Pacientes e clientes não compram os serviços dos médicos e advogados. Eles se colocam em suas mãos, fazem o que lhes é dito, e, em reconhecimento, honram os profissionais com uma contribuição financeira – os honorários. Da mesma maneira, os cientistas deveriam trabalhar pelo bem da ciência e pelo avanço do conhecimento, sem se preocupar com o uso prático ou os custos de suas pesquisas; e os professores deveriam se dedicar à educação dos jovens, e sobretudo à sua formação cultural e moral, mais do que prepará-los para uma profissão lucrativa. Todas estas nobres atividades requerem dinheiro, necessários para manter a dignidade dos cargos, e este dinheiro deveria vir de honorários e doações das pessoas e salários e verbas do Estado, sempre desvinculados de qualquer associação com serviços ou a produção de resultados específicos.

É possível que este belo modelo tenha funcionado por algum tempo em algumas partes, mas não é preciso muito esforço para perceber o quanto de hipocrisia havia e ainda há por detrás deles. A revolução burguesa traz uma nova ética, associada não mais aos direitos da nobreza, mas ao valor do trabalho. São as abelhas, com seu trabalho miúdo, que constroem as colméias, não as rainhas ou seus zangões. As grandes virtudes de uma sociedade rica, livre e igualitária, só poderiam surgir da agregação dos pequenos egoísmos, vícios e ambições individuais, livres para trabalhar e ganhar dinheiro em um mercado aberto e competitivo. Estas idéias, formuladas por Adam Smith no século 18, ganhariam nova formulação no início do século 20 por Max Weber, com o conceito de ética do trabalho. O que move o capitalismo, dizia Weber, não é a simples liberação dos vícios hedonistas das pessoas, mas o puritanismo da ética do trabalho, trazida pela Reforma Protestante, e originária da tradição judaica e cristã. O puritano trabalha compulsivamente não para ganhar dinheiro, mas para provar a si mesmo que ele foi escolhido por Deus como homem justo e virtuoso, ou por algum outro imperativo moral. O enriquecimento seria um sub-produto da ética do trabalho, para ser reinvestido em projetos cada vez mais ambiciosos e rentáveis, sem afetar o estilo de vida despojado e ascético do empresário. O mesmo tipo de ética do trabalho explicaria a devoção dos professores, médicos e simples trabalhadores às suas profissões e ofícios.

Quanto que as sociedades de mercado de hoje ainda se movem pela ética puritana e ascética de Weber, ou, simplesmente, pela agregação dos empreendedores egoístas de Smith? Basta lembrar de Antônio Ermírio de Morais para darmo-nos conta de que empresários weberianos ainda existem, e o tema da ética do trabalho continua de grande relevância. Mas o mais importante que nos fica de Smith e Weber é a idéia de que existe nobreza no trabalho; que ganhar dinheiro não é uma coisa vil, mas um reconhecimento do trabalho realizado; e que os juizes da qualidade e do valor de nosso trabalho não podem ser nós mesmos, mas a sociedade mais ampla que nos paga e recompensa pelos serviços prestados. É por isto que é uma boa idéia recompensar os bons professores e as boas escolas pelo seu desempenho.

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