Maria Helena Guimarães Castro: premiar o mérito


A Secretária de Educação de São Paulo, Maria Helena Guimarães Castro, que foi também quem estruturou o INEP na gestão de Paulo Renato de Souza no Ministério da Educação, deu à revista Veja a entrevista abaixo, nas Páginas Amarelas, edição de 13 de fevereiro de 2008 (n. 2047) sobre a educação brasileira e seus projetos atuais. Vale a pena ler:

Como secretária estadual de Educação em São Paulo, a professora Maria Helena Guimarães de Castro, 61 anos, comanda uma rede de 5 500 escolas, 250 000 professores e 5 milhões de alunos. Nenhuma outra no país chega perto de tais números. É justamente nesse universo que será implantado pela primeira vez no Brasil um sistema segundo o qual as escolas passarão a ter metas acadêmicas no horizonte e receberão mais verbas caso consigam cumpri-las. O tal bônus será distribuído entre os funcionários. Depois de anunciado o novo sistema, a secretária passou a receber dezenas de e-mails de professores, alguns deles furiosos. “Eles querem aumento de salário, sim, mas dissociado do desempenho. Estão na contramão”, diz a secretária. Cientista social de formação, desde 1993, quando assumiu a Secretaria de Educação em Campinas, Maria Helena ocupou diversos cargos públicos, entre eles o de secretária executiva do Ministério da Educação (MEC), durante o governo FHC, onde é lembrada por ter liderado a construção de um valioso sistema de avaliação das escolas brasileiras. Casada, mãe de três filhos e avó de quatro netos, ela concedeu a VEJA a seguinte entrevista:

Veja – Nas próximas semanas, as escolas estaduais de São Paulo se tornarão as primeiras no país a ter metas acadêmicas a cumprir – e a ser premiadas com mais dinheiro caso consigam atingi-las. Quais resultados a senhora espera alcançar com tais medidas?

Maria Helena – O objetivo é criar incentivos concretos para o progresso das escolas, a exemplo da bem-sucedida experiência de outros países do mundo desenvolvido, como Inglaterra e Estados Unidos. Eles não inventaram nenhuma fórmula mirabolante, mas, sim, conseguiram pôr em prática sistemas capazes de distinguir e premiar, com base em critérios objetivos, as escolas com bom desempenho acadêmico. As pesquisas mostram que, em todos os lugares onde uma política de reconhecimento ao mérito foi implantada, a educação avançou. No Brasil, esse é um debate novo e, infelizmente, ainda contraria uma parcela dos educadores.

Veja – Qual é exatamente o motivo das críticas ao novo sistema?

Maria Helena – Em pleno século XXI, há pessoas que persistem em uma visão sindicalista ultrapassada e corporativista, segundo a qual todos os professores merecem ganhar o mesmo salário no fim do mês. Essa velha política da isonomia salarial passa ao largo dos diferentes resultados obtidos em sala de aula, e aí está o erro. Ao ignorar méritos e deméritos, ela deixa de jogar luz sobre os mais talentosos e esforçados e, com isso, contribui para a acomodação de uma massa de profissionais numa zona de mediocridade. Por isso, demos um passo na direção oposta.

Veja – Os professores se queixam de salários baixos. A senhora dá razão a eles?

Maria Helena – Na comparação com outros profissionais no Brasil e também com professores de escolas particulares, um conjunto de pesquisas já demonstrou que os salários dos docentes na rede pública chegam a ser até mais altos. Esse é um fato, ancorado em números. Apesar disso, acho, sim, que faz parte das atribuições do estado criar estímulos financeiros à carreira, de modo a valorizá-la e conseguir atrair mais gente boa para as escolas públicas. O que não se pode fazer é defender aumento de salário indiscriminado para professor ruim, desinteressado ou que mal aparece na escola. Quem merece mais dinheiro no fim do mês são os bons professores e aquelas escolas públicas capazes de oferecer um raro ensino de qualidade, apesar das evidentes dificuldades.

Veja – Como funcionará o novo sistema de premiação dos professores em São Paulo?

Maria Helena – Criamos um indicador para aferir a situação atual de cada escola e, com base nele, estabelecer metas concretas. O desempenho dos alunos em provas aplicadas pela própria secretaria terá o maior peso. Esse é, não resta dúvida, um excelente medidor do sucesso acadêmico de uma escola. Outro é o tempo que um aluno leva para concluir os ciclos escolares. Da combinação desses e mais fatores resultará o tal índice. Depois de um ano, ele voltará a ser calculado. Só as escolas que conseguirem melhorar nas estatísticas vão receber mais dinheiro.

Veja – De quanto será o prêmio?

Maria Helena – O bônus pode chegar ao equivalente a mais três salários num ano. Isso para cada funcionário da escola, da faxineira ao diretor. Foi com um sistema bem semelhante a esse que a cidade de Nova York alcançou avanços notáveis. Fizemos aqui uma adaptação necessária à realidade brasileira: os professores mais faltosos serão automaticamente excluídos da lista dos premiados. É apenas o justo. O Brasil ainda está pouco habituado a encarar as políticas para a educação sob uma ótica mais voltada para os alunos. Eles merecem, afinal, assistir a uma boa aula – e por isso estamos deixando de premiar os professores campeões em ausência.

Veja – De acordo com os mais recentes dados da OCDE (organização que reúne países da Europa e os Estados Unidos), os estudantes brasileiros aparecem nas últimas colocações em leitura, ciências e matemática. Como mudar esse cenário?

Maria Helena – Um passo fundamental é fazer a escola se sentir responsável pelos resultados dos estudantes, algo ainda bastante longínquo, mas possível de alcançar com a cobrança de metas. Fiz uma pesquisa sobre o assunto na qual professores entrevistados em diferentes estados brasileiros repetiam a mesmíssima ladainha: “As notas dos alunos são ruins porque a escola pública é carente de recursos e os professores ganham mal”. Não acho que seja razoável atribuir tudo a fatores externos. Segundo essa mentalidade atrasada e comodista, a culpa pelo péssimo desempenho geral é invariavelmente do estado brasileiro, nunca dos próprios professores, muitos dos quais incapacitados para dar uma boa aula. A falta de professores preparados para desempenhar a função é, afinal, um mal crônico do sistema educacional brasileiro. Sem desatar esse nó, não dá para pensar em bom ensino.

Veja – Qual seria o melhor caminho para elevar o nível dos professores?

Maria Helena – Num mundo ideal, eu fecharia todas as faculdades de pedagogia do país, até mesmo as mais conceituadas, como a da USP e a da Unicamp, e recomeçaria tudo do zero. Isso porque se consagrou no Brasil um tipo de curso de pedagogia voltado para assuntos exclusivamente teóricos, sem nenhuma conexão com as escolas públicas e suas reais demandas. Esse é um modelo equivocado. No dia-a-dia, os alunos de pedagogia se perdem em longas discussões sobre as grandes questões do universo e os maiores pensadores da humanidade, mas ignoram o básico sobre didática. As faculdades de educação estão muito preocupadas com um discurso ideológico sobre as múltiplas funções transformadoras do ensino. Elas deixam em segundo plano evidências científicas sobre as práticas pedagógicas que de fato funcionam no Brasil e no mundo. Com isso, também prestam o desserviço de divulgar e perpetuar antigos mitos. Ao retirar o foco das questões centrais, esses mitos só atrapalham.

Veja – A senhora pode dar alguns exemplos desses mitos?

Maria Helena – Um dos mais populares é aquele segundo o qual o aumento no salário dos professores leva sempre à melhoria do ensino. As pesquisas mostram que, quando o dinheiro vem dissociado de uma política de reconhecimento do mérito, ele surte pouco ou nenhum efeito. Um segundo mito bastante divulgado diz respeito ao tamanho das classes. Os educadores afirmam por aí ser impossível oferecer uma boa aula diante de classes cheias, mas os estudos sobre o assunto indicam que, tirando as séries iniciais, esse é um fator de pouca relevância. Escolas de diferentes países decidiram inclusive aumentar o número de alunos em sala de aula para resolver outra questão – esta, sim, de grande efeito positivo. Eles estão esticando as horas de permanência dos estudantes nas escolas e, para arcar com os custos da medida, precisam fazer caber mais gente numa mesma sala. Resta ainda o mito do livro didático. Os estudantes de faculdades de pedagogia aprendem a encarar os livros como uma espécie de camisa-de-força, e não como uma base a partir da qual podem ampliar os horizontes em sala de aula.

Veja – O currículo escolar também é visto com certa reticência pelos professores brasileiros, segundo mostram as pesquisas…

Maria Helena – De novo, os professores se sentem tolhidos na sua liberdade de ensinar – baboseira ideológica que passa ao largo de uma questão central. Sem contar com um currículo, o professor de escola pública no Brasil, de modo geral, continua a encarar as classes sem uma referência mínima na qual se mirar. Poucos estados brasileiros (entre as exceções, São Paulo, Minas Gerais e o Tocantins) dispõem de um currículo para oferecer às escolas, no qual estejam incluídos os assuntos a ser abordados em cada matéria, no detalhe. É uma pena. A experiência mostra que professores com um apoio didático dessa natureza vão mais longe em sala de aula. Investir na construção de um currículo, como fizeram alguns dos países da Europa dois séculos atrás, é certamente um destino mais adequado para as verbas públicas do que esparramar canteiros de obras Brasil afora – um caminho tão comum para o orçamento da educação no país.

Veja – Quais são as melhores aplicações para o dinheiro destinado à educação?

Maria Helena – Três tipos de uso do dinheiro surtem mais efeito em sala de aula, conforme apontam as pesquisas: além do investimento em produção de material didático, os cursos para melhorar a formação dos professores e os programas de valorização aos bons docentes também resultam em melhorias concretas no nível do ensino. Não dá para fugir ainda de gastos extras com escolas sem a infra-estrutura mínima. À frente dos 5 500 colégios estaduais de São Paulo, tenho visto de tudo. Em algumas das escolas, a diretora precisa retirar diariamente lâmpadas e fiações ao final das aulas, para evitar roubos por parte dos próprios alunos. Eles costumavam trocar esses objetos por drogas. Outras escolas se tornaram verdadeiros emaranhados de “puxadinhos”, extensões labirínticas do prédio original feitas pela própria comunidade. São apenas alguns retratos da desordem que precisamos enfrentar. Diante de tantas precariedades, a velha tradição brasileira de fazer pirotecnia com o dinheiro público da educação não parece ter o menor sentido.

Veja – A que tipo de “pirotecnia” a senhora se refere?

Maria Helena – À construção de escolas monumentais, repletas de quadras poliesportivas, piscinas olímpicas e centenas de computadores, por exemplo. Em geral, elas são um convite à gastança de dinheiro sem nenhuma evidência de retorno para a sala de aula a longo prazo. Isso porque, segundo indica a experiência, em pouco tempo essas escolas entram em decadência por exigir uma manutenção cara demais para os cofres públicos. Volto à mesma tecla: o que dá certo na educação é a aplicação disciplinada de um conjunto de medidas bem mais básicas – e não aquelas de efeito festivo e mais vistosas, como ainda preferem alguns.

Veja – Como algumas escolas públicas conseguem sobressair diante das demais, apesar do mesmo orçamento apertado?

Maria Helena – Há um fator comum a todas as escolas nota 10, e ele merece a atenção das demais: trata-se da presença de um diretor competente, com atributos de liderança semelhantes aos de qualquer chefe numa grande empresa. Sob sua batuta, os professores trabalham estimulados, os alunos desfrutam um clima positivo para o aprendizado e os pais são atraídos para o ambiente escolar. Se tais diretores fossem a maioria, o ensino público não estaria tão mal das pernas.

Veja – Na sua opinião, o Ministério da Educação (MEC) tem tomado medidas acertadas?

Maria Helena – No geral, sim. Os esforços concentrados para melhorar a educação básica e a ênfase dada às avaliações das escolas são dois dos pontos positivos. Para mim, ver a educação de volta aos trilhos é um alívio. No primeiro mandato do governo Lula, tive meus momentos de tristeza.

Veja – Por quê?

Maria Helena – Foi um período de paralisia para a educação, com um retrocesso: o desmantelamento do antigo Provão, uma prova criada durante o governo Fernando Henrique para aferir a qualidade das universidades. Funcionava bem, mas acabou vítima de um velho hábito da política brasileira: o de não dar continuidade às medidas adotadas pelos antecessores. Numa área como a educação, de resultados de longo prazo, o tradicional bota-abaixo a cada troca de governo é algo a ser combatido, tal qual fizeram países como a Irlanda e a Coréia do Sul, hoje modelos na educação. Eles só conseguiram abandonar o atoleiro de notas vermelhas depois de firmar uma espécie de pacto nacional, capaz de sobreviver às sucessivas trocas de governo ao longo de décadas. O Brasil tem hoje uma meta, para daqui a quinze anos, e há um bom consenso em torno das estratégias para alcançá-la. Precisa, daqui para a frente, começar a dar mostras de maturidade política para conseguir deixar a rabeira nos rankings internacionais de ensino – e, quem sabe um dia, aparecer entre os melhores.

O ENEM brasileiro e o GCSE inglês

Enquanto no Brasil se comemora a expansão do ENEM, o Exame Nacional do Ensino Médio, com 2.7 milhões de participantes em 2007, a Inglaterra abandona o projeto de criar um Diploma Geral para o ensino médio associado ao “General Certificate of Secondary Education” (GSCE), que deveria certificar a obtenção de competências gerais dos estudantes de nível médio naquele país. Quem está errado?

A razão pela qual os ingleses estão abandonando o diploma geral, segundo a notícia da BBC, é que ele poderia entrar em conflito e desqualificar uma série de diplomas profissionais e técnicos que estão sendo promovidos pelos diversos ministérios daquele país. O ENEM foi saudado, inclusive por mim, como uma importante tentativa de estabelecer um padrão de qualidade para o ensino médio brasileiro que não existia até então, cumprindo uma função semelhante à do SAT Reasoning Test nos Estados Unidos e os exames nacionais europeus como o Abitur alemão e o Baccalauréat francês. Eles buscam medir habilidades genéricas, associadas sobretudo à capacidade de leitura, escrita e de uso de matemática, consideradas criticas para todo o tipo de formação.

O problema com estes tipos de exame (mesmo supondo que eles sejam tecnicamente bem feitos, o que não é claro no caso do ENEM) é que eles dividem os estudantes em duas categorias: os acadêmicos e generalistas, que vão para as universidades e entram nas carreiras mais prestigiadas, e os técnicos e especialistas, menos capacitados, que ficam em atividades de menor prestígio e remuneração. A maioria dos paises europeus, como a Alemanha e a França, estabeleceu estas divisões muito tempo atrás (o Abitur alemão é do século XVIII), e foram muitas vezes bem sucedidos em proporcionar uma capacitação de qualidade para os que seguiam o caminho das profissões técnicas, sobretudo nos países germânicos. Em muitos outros paises, no entanto, e inclusive na América Latina, esta divisão acabou criando um sistema educacional divido entre um ensino para a elite e outro para o povo, em geral de péssima qualidade. Hoje, a tendência nos paises europeus é substituir os antigos sistemas duais por uma pluralidade de exames e qualificações, ao mesmo tempo em que se reconhece que todos eles requerem níveis adequados de competência de leitura, escrita e matemática.

No Brasil se fala muito em ensino técnico, de vez em quando se tomam algumas iniciativas, mas até hoje não começamos a discutir a sério que tipo de formação o ensino médio deveria proporcionar. Se os ingleses estão certos, pareceria que o ENEM está na contramão.

Ensino de ciências e educação básica

A Academia Brasileira de Ciências está divulgando um documento entitulado “Ensino de ciências e educação básica: propostas para superar a crise”, escrito por um grupo de trabalho do qual participei,  cujo texto completo está disponível aqui. Este documento reflete uma preocupação recente dos membros da Academia com os temas da educação, que levou também à criação de um outro grupo de trabalho sobre educação infantil.


Diz  este documento, na introdução:


O desenvolvimento social, científico e tecnológico do Brasil requer uma reformulação profunda da estrutura educacional em nosso país. A reforma da educação superior foi discutida em documento anterior da Academia Brasileira de Ciências (“Subsídios para a Reforma da Educação Superior”), que propõe uma reestruturação dos cursos de graduação, adiando a especialização, promovendo a interdisciplinaridade dentro de uma estrutura de ciclos, e a expansão das matrículas através da diversificação das instituições de ensino superior.
A necessidade imperiosa de melhorar o ensino básico no Brasil e, em particular, o ensino de ciências, é o tema do presente documento. O ensino adequado de ciências estimula o raciocínio lógico e a curiosidade, ajuda a formar cidadãos mais aptos a enfrentar os desafios da sociedade contemporânea e fortalece a democracia, dando à população em geral melhores condições para participar dos debates cada vez mais sofisticados sobre temas científicos que afetam nosso quotidiano.
A universalização desejada do ensino fundamental, alcançada através de um esforço de vários governos, e que se constituiu portanto em uma verdadeira política de Estado, foi acompanhada de uma deterioração crescente desse nível de ensino, levando a uma situação que prejudica o desenvolvimento do Pais, corrói a democracia, e gera um grande número de jovens com péssima formação e com alternativas limitadas de inserção na sociedade brasileira.
A correção do quadro atual requer um esforço continuado que deve ser, por isso mesmo, resultante de uma política de Estado, fruto de um consenso sobre o caráter altamente prioritário dessa ação. Entre as medidas a serem adotadas, destacam-se como imprescindíveis o aumento dos investimentos em educação para no mínimo 6% do PIB, a melhoria substancial da remuneração dos professores, o aumento da duração do turno escolar e a efetiva alfabetização infantil. Sem elas, todas as outras propostas do documento terão efeito reduzido na transformação da educação básica em nosso país.

O impacto da ampliação da bolsa família para os jovens (2)

A publicação dos dados da PNAD 2006 permite uma análise mais fina do possível impacto da anunciada ampliação da bolsa família para jovens de 16 e 17 anos (antes, eu tinha feito uma primeira análise com os dados de 2005).

Até agora, o auxílio era dado para todas as famílias que tenham até 60 reais de renda familiar per capita, e para famílias com filhos até 15 anos que tenham renda familiar per capita de até 120 reais. O auxílio para cada família é de 60 reais mensais, mais 15 reais por até três filhos. Com a constatação que o programa estava mal focalizado do ponto de vista da educação, porque a grande maioria das crianças até 15 anos está na escola de qualquer maneira, o governo anunciou que vai ampliar o auxílio também para famílias com jovens de 16 e 17 anos. Há ainda a promessa de aumentar estes valores, mas eles foram utilizados aqui para estes cálculos.

O tamanho do problema.

O Brasil tem hoje cerca de 7 milhões de jovens de 16 e 17 anos de idade, dos quais 5.5 milhões estudam, e 1.5 milhões não.. Dos que estudam, 1.7 milhões trabalham, e outros 570 mil dizem que estão buscando trabalho. Dos 1.5 milhões que não estudam, 620 mil também não trabalham. Dos 5.5 milhões que estudam, 1.6 milhões estão ainda no ensino básico, o que significa que têm grandes chances de não completar sua educação. O problema, portanto, é fazer com que os 1.5 milhões for a da escola completem sua educação, e que os 1.6 milhões que estão atrasados não fiquem pelo caminho. Pouco mais de 3 milhões precisando de alguma política educativa.

O tamanho da solução

Quantos destes poderiam se beneficiar da ampliação da bolsa família? Para estimar isto, é necessário eliminar as famílias que têm mais de 120 reais mensais de renda familiar per capita; e também as famílias com menos de 60 reais mensais, porque já se qualificam para a bolsa de qualquer maneira. Além disto, se a família tiver um outro filho em casa de até 15 anos, ela já se qualifica, e a inclusão do jovem de 16 e 17 anos vai acrescentar somente 15 reais mensais à família, isto se ela já não ver três filhos estudando.

Fazendo todas estas eliminações, chegamos a um total de 318 mil jovens e suas famílias. Destes, 179 mil estudam, e, entre os que estudam, 45 mil trabalham, o que mostra que o trabalho não é necessariamente um impedimento para o estudo. Dos 138 mil que não estudam, 38 mil trabalham, e 28 mil buscam trabalho; 80 mil não fazem nada. Dos que estudam, 90 mil estão ainda no ensino fundamental, e mais 30 mil na primeira série do ensino médio.

Na melhor das hipóteses, pois, a ampliação do programa para jovens de 16 e 17 anos poderia trazer de volta à escola 130 mil jovens, e apoiar outros 80 ou 90 mil em risco de abandonar por excesso de atraso escolar – menos de 10% do grupo alvo.

Isto supondo, naturalmente, que a bolsa seria suficiente para que eles de fato voltassem à escola. A renda média dos que estudam, trabalham e têm remuneração é de 104 reais mensais; a dos que trabalham e não estudam, 150 reais, ou metade, aproximadamente, da renda familiar (são famílias pequenas, que não têm outros filhos menores), e dificilmente eles trocariam seu trabalho por uma bolsa de metade do valor, E supondo, também que o atraso ou o abandono da escola se deva à necessidade de trabalhar, coisa que o grande número de estudantes que estudam e trabalham, assim como o de jovens que nem estudam nem trabalham, mostra que está longe de ser verdade.

Não custa repetir: a principal causa do abandono escolar é a má qualidade da escola, e sua incapacidade de dar aos jovens, principalmente os mais pobres, conhecimentos e competências que lhes interessem e que eles possam assimilar. Nada contra dar uma pequena bolsa a 318 mil famílias necessitadas. Mas isto não tem nada a ver com educação.

Juventude, educação e emprego no Brasil

O último número dos Cadernos Adenauer, publicação da Fundação Konrad Adenauer, tem o título de Geração Futuro, e inclui vários artigos sobre a juventude brasileira, inclusive um de Maurício Blanco Cossio e meu, sobre juventude, educação e emprego, que está disponível aqui.

O ponto de partida foi a constatação de que, nos últimos anos, tem havido muitas iniciativas e programas para aumentar a empregabilidade e o nível de remuneração dos jovens que já estão ocupados, mas estas iniciativas, em geral, não têm tido bons resultados. O desemprego entre os jovens é significativamente alto quando comparado com o resto da população economicamente ativa, e está aumentando, sobretudo entre aqueles com baixa escolaridade.

A principal dificuldade tem sido superar o círculo vicioso entre um nível educacional baixo – provocado principalmente pelo abandono escolar e as altas taxas de repetência – e as condições socioeconômicas precárias enfrentadas por esta faixa populacional. É muito freqüente a afirmação de que as altas taxas de evasão entre jovens de baixa renda são causadas pela necessidade dos jovens de se inserir prematuramente no mercado de trabalho. A solução derivada deste raciocínio é aparentemente óbvia: programas condicionais de renda mínima, que incentivem as famílias a fazer com que os seus filhos permaneçam na escola.
Os resultados destes programas, no entanto, tem sido decepcionantes. No Brasil, como em outros países, estes programas podem resultar em um pequeno aumento da freqüência escolar entre setores sociais de renda mais baixa, mas não mostram resultados detectáveis na melhoria do desempenho escolar, nem na redução das taxas de abandono e repetência.

Os dados nos permitem questionar a idéia de que o baixo nível educacional dos jovens é apenas produto das suas condições socioeconômicas, que explicaria a entrada prematura ao mercado de trabalho de milhões de jovens brasileiros, provocando por sua vez desemprego e baixas remunerações. Ao contrário, o que argumentamos é que o problema principal se encontra no interior do sistema educacional e, que este problema incide, principalmente, nos jovens pobres e, em conseqüência, nas suas oportunidades de encontrar melhores empregos. É devido à educação deficiente que as crianças pobres enfrentam maiores dificuldades e altas taxas de repetência desde os primeiros anos da escola, o que incide, posteriormente, no alto grau de evasão escolar, fazendo com que ingressem ao mercado de trabalho sem condições adequadas. Se isto é verdade, então o trabalho fundamental para romper o círculo vicioso da má educação e trabalho precário e mal remunerado precisa ser feito junto ao sistema escolar, e não no mercado de trabalho, e nem por subsídios à demanda por educação, embora políticas específicas nestas áreas possam também ter seu lugar.

Bolsa família para jovens de 15 a 17 anos: vai funcionar?

Em 2004 fiz uma análise dos dados da PNAD/IBGE dos beneficiados com programas de bolsa escola, e mostrei que havia um erro grave de focalização: a bolsa era para famílias com crianças até 15 anos, mas a deserção escolar só ocorria, de forma mais significativa, a partir dos 15 anos de idade. Outros estudos mostraram a mesma coisa, e agora, finalmente, o governo resolveu ampliar a bolsa para famílias com jovens de 15 a 17 anos. Será que vai resolver?

A tabela abaixo, extraída da PNAD 2005, mostra que, dos 3.1 milhões de jovens de 15 a 17 anos em famílias de renda familiar per capita inferior a 120 reais por mês, que é o critério do programa, 75% estuda, e não precisa da bolsa. Dos que não estudam, 42% trabalham e ganham em média 75 reais por mês, que é aproximadamente o que sua familia receberia se já não estivesse recebendo a bolsa por causa de filhos menores (60 reais para a familia e mais 15 por estudante, até 3 por familia). Existem 105 mil que estão buscando trabalho, e outros 359 mil que não trabalham nem estudam.


Ocorre que 25% destes jovens fazem parte de familias de 4 ou mais filhos, e por isto já recebem pelo teto do programa, e mais 50% estão em famílias de 2 e 3 filhos, e poderiam receber no máximo um adicional de 15 reais. Sobram um quarto, ou 200 mil jovens que não estudam e cujas familias poderiam receber o auxilio de 75 reais. Outras 595 mil familias poderiam também receber, cujos filhos já estão na escola de qualquer maneira.

Trazer de volta à escola 200 mil jovens seria importante, mas a grande dúvida é se eles realmente estão fora da escola por falta de dinheiro. Os dados mostram que só metade deste grupo de 800 mil jovens de familias pobres trabalha ou busca trabalho; por outro lado, existem 732 mil jovens de renda semelhante que trabalham e nem por isto deixam de estudar. Existem fortes razões para acreditar que os que abandonam a escola o fazem por que não conseguem aprender e acompanhar os cursos, dada a forte e conhecida relação entre nível socioeconomico, educação das famílias, e desempenho escolar dos filhos.

O reconhecimento, embora tardio, que o grupo alvo da política de reter os jovens na escola deve ser o da faixa de 15 a 17 anos é importante; mas o remédio, claramente, não é a bolsa familia, e sim o caminho mais difícil e trabalhoso de melhorar a qualidade das escolas públicas e torná-las atrativas e proveitosas para os jovens que as freqüentam.

A obrigação de ensinar sociologia e filosofia na escola

O jornal O Estado de São Paulo me pediu que escrevesse uma nota sobre o tema da obrigação de ensinar sociologia e filosofia na escola, em uma sessão denominada “a questão é”, no Caderno Aliás, na edição de 29/08/07. Eu opiniei contra, e tem lá um comentário a favor. O meu comentário foi o seguinte:

A idéia de que os jovens, na escola, aprendam sociologia e filosofia, pode ser importante, assim como é importante que eles aprendam economia, direito, antropologia, estatística, demografia, psicologia, ecologia, genética e epidemiologia, além do que já é, por tradição, obrigatório – física, quimica, biologia, história, geografia, inglês, matemática, português, artes, literatura,
educação física.

Com tantas matérias, os programas são superficiais, os professores muitas vezes não entendem o que ensinam, os alunos estudam para passar e esquecem no dia seguinte o que decoraram para as provas ou vestibulares. Nos países em que a educação média é de qualidade, todos os estudantes aprendem bem a ler a a usar a matemática, e se aprofundam em algumas áreas ou temas, conforme seus interesses e o que as escolas conseguem oferecer. Ao invés de incluir mais e mais matérias obrigatórias, o que se faz é tornar os cursos mais flexíveis, para que os estudantes possam realmente se educar e aprender.

Introduzir mais cursos obrigatórios é tornar os currículos mais rígidos e mais burocráticos, sem nenhuma garantia de que os alunos vão ganhar algo com isto. Por que sociologia e filosofia, e não economia, direito ou antropologia? Além do mais, como estas áreas são controversas, e a maioria dos cursos superiores brasileiros nestas áreas não são bons, o mais provável é que ensino acabe sendo dado por professores sem a mínima condição de transmitir aos alunos os conteúdos realmente ricos e interessantes que a filosofia e sociologia podem ter.

A obrigatoriedade destas disciplinas foi uma vitória dos sindicatos de sociólogos e de professores de fiosofia, que ganharam assim empregos garantidos para os que têm estes diplomas. Bom para eles, mas um retrocesso a mais no péssimo ensino médio que temos no país.

Politicas sociais e reformas educacionais

Quais são os novos desafios para as políticas sociais na América Latina? No próximo dia 8 de agosto estarei falando sobre isto no “Forum Latinoamericano de Políticas Sociais”, que a Escola de Governo da Fundação João Pinheiro está promovendo. Fala-se muito de uma “nova geração de políticas sociais”, que substituiriam as mais antigas, e que seriam representadas sobretudo pelos novos programas de transferência de renda como o Bolsa Familia e seus similares em outros países. O que pretendo dizer é que, na verdade, precisamos fazer bem as coisas mais antigas que nunca fizemos: desenvolver um Estado profissional e competente, regular a relações entre o setor público, o setor empresarial e as organizações da sociedade civil, e tratar as políticas sociais, sobretudo na educação. como investimento na capacitação do país, e não, simplesmente, como distribuição de benefícios. O problema, claro, é como chegar lá, e infelizmente, não tenho uma fórmula mágica para isto. O texto preliminar de minha apresentação está disponível aqui.

No dia 13 estarei em Brasilia, participando do primeiro de uma série de três seminários internacionais organizados pela Comissão de Educação e Cultura da Câmara de Deputados sobre “A Educação no Século XXI: modelos de sucesso”. A grande pergunta é porque não conseguimos sair do atoleiro da educação de má qualidade, enquanto outros países, a partir de condições semelhantes às nossas, tiveram muito mais sucesso. A primeira sessão tratará das reformas da Irlanda e Coréia, que são grandes casos de sucesso, e a mim me tocou falar sobre o Chile, que tem uma história muito interessante de políticas educacionais audaciosas, mas sem conseguir ainda os resultados dos demais. A idéia básica, aqui, novamente, é que é preciso fazer bem aquilo que outros países já fazem: definir com clareza os conteúdos que os estudantes devem aprender, formar bem os professores, para que saibam o que e como ensinar, e avaliar permanentemente o trabalho das escolas, incentivando os bons resultados e ajustando o percurso quando necessário. A versão preliminar de meu texto está disponível aqui.

Pagando para passar

Como as taxas de repetência no Brasil parecem estar piorando, começaram a surgir propostas de pagar aos estudantes para que eles melhorem seu desempenho. Assim, a bolsa escola, ao invés de ser paga mensalmente, teria uma parte que ficaria como prêmio no final do ano, para quem passasse.

Os americanos já tentaram isto, e não deu certo. Vejam abaixo a matéria recente do New York Times, distribuida na lista do chileno/americano Gregory Elacqua, que explica por quê.

NYTimes
July 2, 2007
Op-Ed Contributor
Money for Nothing
By BARRY SCHWARTZ

Philadelphia

NEW YORK CITY has decided to offer cash rewards to some students based on their attendance records and exam performance. Diligent, high-achieving seventh graders will be able to earn up to $500 in a year. The plan is the brainchild of Roland G. Fryer, an economist who has been appointed as “chief equality officer” of the city’s Department of Education.

The assumption that underlies the project is simple: people respond to incentives. If you want people to do something, you have to make it worth their while. This assumption drives virtually all of economic theory.

Sure, there are already many rewards in learning: gaining understanding (of yourself and others), having mysterious or unfamiliar aspects of the world opened up to you, demonstrating mastery, satisfying curiosity, inhabiting imaginary worlds created by others, and so on. Learning is also the route to more prosaic rewards, like getting into good colleges and getting good jobs. But these rewards are not doing the job. If they were, children would be doing better in school.

The logic of the plan reveals a second assumption that economists make: the more motives the better. Give people two reasons to do something, the thinking goes, and they will be more likely to do it, and they’ll do it better, than if they have only one. Providing some cash won’t disturb the other rewards of learning, rewards that are intrinsic to the process itself. They will only provide a little boost. Mr. Fryer’s reward scheme is intended to add incentives to the ones that already exist.

Unfortunately, these assumptions that economists make about human motivation, though intuitive and straightforward, are false. In particular, the idea that adding motives always helps is false. There are circumstances in which adding an incentive competes with other motives and diminishes their impact. Psychologists have known this for more than 30 years.

In one experiment, nursery school children were given the opportunity to draw with special markers. After playing, some of the children were given “good player” awards and others were not. Some time later, the markers were reintroduced to the classroom. The researchers kept track of which children used the markers, and they collected the pictures that had been drawn. The youngsters given awards were less likely to draw at all, and drew worse pictures, than those who were not given the awards.

Why did this happen? Children draw because drawing is fun and because it leads to a result: a picture. The rewards of drawing are intrinsic to the activity itself. The “good player” award gives children another reason to draw: to earn a reward. And it matters — children want recognition. But the recognition undermines the fun, so that later, in the absence of a chance to earn an award, the children aren’t interested in drawing.

Similar results have been obtained with adults. When you pay them for doing things they like, they come to like these activities less and will no longer participate in them without a financial incentive. The intrinsic satisfaction of the activities gets “crowded out” by the extrinsic payoff.

An especially striking example of this was reported in a study of Swiss citizens about a decade ago. Switzerland was holding a referendum about where to put nuclear waste dumps. Researchers went door-to-door in two Swiss cantons and asked people if they would accept a dump in their communities. Though people thought such dumps might be dangerous and might decrease property values, 50 percent of those who were asked said they would accept one. People felt responsibility as Swiss citizens. The dumps had to go somewhere, after all.

But when people were asked if they would accept a nuclear waste dump if they were paid a substantial sum each year (equal to about six weeks’ pay for the average worker), a remarkable thing happened. Now, with two reasons to say yes, only about 25 percent of respondents agreed. The offer of cash undermined the motive to be a good citizen.

It is as if, when asked the question, people asked themselves whether they should respond based on considerations of self-interest or considerations of public responsibility. Half of the people in the uncompensated condition of the study thought they should focus on their responsibilities. But the offer of money, in effect, told people that they should consider only their self-interest. And as it turned out, through the lens of self-interest, even six weeks’ pay wasn’t enough.

Obviously, the intrinsic rewards of learning aren’t working in New York’s schools, at least not for a lot of children. It may be that the current state of achievement is low enough that desperate measures are called for, and it’s worth trying anything. And we don’t know whether in this case, motives will complement or compete.

But it is plausible that when students get paid to go to class and show up for tests, they will be even less interested in the work than they would be if no incentives were present. If that happens, the incentive system will make the learning problem worse in the long run, even if it improves achievement in the short run — unless we’re prepared to follow these children through life, giving them a pat on the head, or an M&M or a check every time they learn something new.

Perhaps worse, the plan will distract us from investigating a more pertinent set of questions: why don’t children get intrinsic satisfaction from learning in school, and how can this failing of education be fixed? Virtually all kindergartners are eager to learn. But by fourth grade, many students need to be bribed. What makes our schools so dystopian that they produce this powerful transformation, almost overnight?

Barry Schwartz, a professor of psychology at Swarthmore College, is the author of “The Paradox of Choice: Why More Is Less.”

Laura Randall no BrazilLink: Expectativas sobre o desempenho dos alunos nas escolas

Em um novo texto, disponível no BrazilLink, Laura Randall dá continuidade à análise dos dados da pesquisa feita em Belo Horizonte com Maria Ligia Barbosa sobre os determinantes das expectativas de pais e professores em relação ao desempenho dos alunos nas escolas públicas – características dos pais, como renda, cor, e educação, e agora, caracteristicas das condições em sala de aula. O novo texto está na e-library do BrazilLink, que contém também muitos outros textos de interesse sobre a educação brasleira.

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